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6 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Algumas reflexões sobre milagres



Antes de o Opus Dei ter descoberto um cardeal polaco para papa julgavam os crentes que os santos tinham o monopólio dos milagres. Rapidamente os factos desmentiram tal ideia. O milagre deixou de ser o favor obtido, através da cunha de um santo, para se converter na prova geral de acesso à santidade. JP2 aboliu o numerus clasus e os crentes mais aflitos habituaram-se a solicitar favores através da lista de espera, certos de que os santos encartados estão de baixa e não regressam ao ramo. Assim, o atendimento das cunhas deixou de ser um privilégio de quem detém o poder, como acontece na sociedade civil, que imitou a religiosa, para dar uma chance aos candidatos.

O milagre é o mais antigo produto comercializado pela ICAR. O mais prestigiado fabricante foi o próprio JC, alegado fundador.

Jesus era filho de pai incerto e de mãe judia, Maria de seu nome, companheira de um carpinteiro que a crise da construção civil empurrou para a miséria. Era tal a pobreza que a gravidez lhe tinha passado despercebida e foi preciso um anjo para a advertir do estado e preparar a família para mais uma boca. O aborto estava fora de questão. O menino, como todos os filhos de pobres, não estudou mas, como era muito vivo, dedicou-se à pregação e aos milagres, formas de sobrevivência bastante em voga.

Andava Jesus a aprender milagres para ser promovido a filho de Deus quando assistiu a um casamento onde faltou a pinga. Apesar de ser a primeira vez que ousava um milagre conseguiu transformar água sem garantia bacteriológica num agradável palheto de 12 graus. A receita, ainda usada em Portugal, é hoje objecto de repressão policial.

A falta de vigilância facilitou-lhe milagres em leprosos, paralíticos e cegos, mas os de maior sucesso foram a travessia do mar Morto e a ressurreição de Lázaro.

Jesus tinha os pés grandes a avaliar pela facilidade com que atravessou alguns metros de água salgada antes de lhos furarem. Os publicitários puseram a correr, com manifesto exagero, que tinha atravessado o mar Morto. Era impossível ter testemunhas que assistissem à partida e à chegada numa época em que as comunicações se faziam através de pessoas, que tinham de ir à volta. Mas, graças a 12 indefectíveis, obteve bastante popularidade até ter sido lixado aos 33 anos. Pregaram-no numa cruz e deixaram-no morrer de forma bárbara, habitual na época.

Sabe-se que o corpo desapareceu e foi posto a correr o boato de que tinha subido ao céu, sítio que se julgava ficar num alto. Chamou-se a isso ressurreição – fenómeno tido por verosímil –, hoje dá-se-lhe o nome de ocultação de cadáver.

Muitos séculos depois ainda se guardava em relicários o santo prepúcio, relíquia que teve de ser proibida pela profusão de exemplares reivindicados por várias paróquias italianas. As voltas que um prepúcio dá.

Os milagres da época eram para consumo na Palestina. Vinte séculos depois JP2 deslocalizou-os, principalmente para a Europa, e descobriu o fabrico em série com médicos privativos, e outros avençados, sempre prontos a passar certificados de garantia.

Recentemente tais milagres acontecem no ramo da medicina em áreas novas que vão da oncologia à endocrinologia. Muitas vezes as graças são para consumo caseiro, caso de freiras em sítios remotos ou conventos impenetráveis, pessoas que deus condenou a doenças incuráveis, que depois indulta por milagre, sem ninguém se interrogar se não seria mais fácil não lhe ter enviado a doença do que enviar-lhe a cura. Mas isto são segredos do negócio em que só acredita quem quer e que mobiliza muitas pessoas e enormes recursos.

O truque para ressuscitar pessoas é que nunca mais foi conseguido e passou à história como o mais difícil.

6 de Fevereiro, 2004 Mariana de Oliveira

Pensamento (de alguém) do dia

Se a religião é necessária aos homens, não é tanto para os fazer felizes mas mais para os ajudar a suportar as suas infelicidades. Agora que se fez o mundo insuportável para os homens tem que se lhes prometer um melhor.

Antoine de Rivarol

5 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

A ICAR através de alguns números

O número de ordenações sacerdotais continua em queda.

50% das igrejas italianas não têm padres.

Conventos dão lugar a hotéis para férias espirituais.

Em Itália 22% dos sacerdotes são importados da Polónia, Espanha e América Latina.

JP2 só em 2003 criou 30 novos cardeais e 175 bispos

O declínio é lento mas seguro. Há razões para optimismo. No entanto não podemos ignorar o perigoso exército de prosélitos:

Bispos – 4.695

Religiosos não sacerdotes – 54.828

Freiras – 782.000

Missionários leigos – 143.000

Catequistas – 2.767.000

5 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Anglicanos perdem clientela

No final dos anos 70 mais de 2 milhões de ingleses assistiam regularmente à missa. Só entre 2000 e 2002 deixaram de ir à missa 108 mil pessoas.

Hoje, nas paróquias britânicas, a missa dominical é frequentada por pouco mais de 1 milhão de anglicanos.

Pode, pois, concluir-se:

1 – A missa não causa habituação;

2 – A missa não provoca dependência;

3 – A fé é passível de cura;

4 – A tendência da libertação da religião vai no bom sentido.

3 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

A informática parece-me bruxedo. (B)logo existo.

Antigamente a bruxaria era apanágio feminino e alimentava fogueiras e medos colectivos. Aproveitava a calada da noite para os conciliábulos e a vassoura para transporte até às encruzilhadas dos caminhos onde desembocavam fantasmas e se rogavam pragas. Era aí que a tradição judaico-cristã domiciliava a origem das desgraças que semeavam o pânico na populaça e a loucura nos inquisidores.

Hoje, os feiticeiros têm o nome impresso à entrada de gabinetes que acendem as luzes à sua chegada, ar condicionado que evita aos sovacos a náusea do odor, computadores onde escondem o saco dos sortilégios.

Circulam sem cerimónia no Windows, deslocam-se em confortáveis automóveis que deixam aprisionar no inferno do trânsito. Vivem num mundo de luzinhas, textos esotéricos que reflectem a cabala matemática em sequências de 0 e 1, linguagem binária inacessível a profanos e que estarrece os basbaques. Foi-se o pacto com o demónio.

Sob a batuta destes feiticeiros inventam-se rezas com o teclado e são devassadas as trevas do ciberespaço. Há bruxos estabelecidos por conta própria e outros organizados em empresas. Inventam conteúdos donde saem daguerreótipos de várias gerações, informação para todos os gostos e links à espera de um clique. Os informáticos são magos em permanentes e estonteantes viagens à conquista do espaço virtual.

Que sorte para toda esta gente terem morrido Jaime I e Inocêncio VIII. O primeiro, em Inglaterra, mandava pagar prémios em dinheiro aos denunciantes de suspeitos de bruxaria e o segundo encarregou os inquisidores de descobrir e eliminar bruxas, incumbência que desempenharam a preceito.

2 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Jogo disputado à pedrada. Satanás – Maomé: 244 – 0

A peregrinação a Meca é um pretexto para os muçulmanos se exercitarem na arte de bem atirar pedras. O demónio é o alvo e, apesar de nunca ter sido vencido, os crentes não desanimam e insistem em cada novo ano com renovada fúria.

Ontem, pelo menos 244 bons muçulmanos, prosseguiram a viagem de Meca até ao Paraíso, com bilhete adquirido por esmagamento.

Foi feita a vontade de Alá. Alá é grande.

O ministro saudita da Peregrinação confirmou as mortes e soube-se que as forças de segurança impediram que um maior número de fiéis tivesse encontrado o caminho da salvação eterna. As mortes ficaram a dever-se à desordem pública provocada pelo entusiasmo com que se atiram ao maligno.

Para o próximo ano o divertimento repete-se e outros entusiastas descobrirão o caminho para as 70 virgens que os aguardam ansiosas no Paraíso.

1 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Reflexão antes de me entregar nos braços de Morfeu

A seguir ao 25 de Abril de 1974 alguém escreveu numa parede da Faculdade de Medicina de Coimbra:

Deus é parvo.

Alguns dias depois apareceu escrito por baixo:

Parvo és tu.

a) Deus.

Vários meses depois pintaram a parede e, com isso, sumiu-se a única prova da existência de Deus.

1 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Subsídios para um dicionário religioso

666 – O número do apocalipse. A besta. Para um cristão ortodoxo corresponde ao presunto e ao preservativo respectivamente dos muçulmanos e católicos.

Aborto – A descriminalização continua refém de uma minoria que parece temer que os seus efeitos se tornem retroactivos e acabe por ter reflexos na sua própria existência.

Amputação – Divertimento idêntico à custa dos ladrões. Só cortam a mão que rouba. Deixam a outra para segunda oportunidade.

Clero – Aristocracia dos crentes de qualquer religião. Os únicos com competência legal para interpretar a vontade divina.

Direitos das mulheres – Incómodo que os hierarcas de quase todas as religiões têm vindo a ter que suportar. Mas há sempre quem resista.

Espanha – A ligação de Aznar ao Opus Dei e o apoio aos EUA são mera coincidência? “O Mundo Secreto do Opus Dei”, de Robert Hutchison, tem como subtítulo: “Preparando o confronto final entre o Mundo Cristão e o radicalismo Islâmico”.

Fátima – Cidade do concelho de Vila Nova de Ourem, importante centro de comércio religioso, procissões, terços, missas e promessas a que a magreza dos milagres não retira o fausto das encenações religiosas. Número da sorte: 13.

Fatwa – Espécie de excomunhão da igreja muçulmana. Costuma ser acompanhada da obrigação de todos os crentes executarem a sentença de morte, actividade que os deixa ansiosos por cumprirem a obrigação.

Lapidação – Divertimento muçulmano à custa da mulher adúltera. A prova pode ser débil mas o prazer de ver uma mulher apedrejada até à morte – prazer que o profeta partilha – compensa largamente.

Monarquia – Bizarra organização do Estado em que o filho mais velho, por mais estúpido que seja, tem direito a ser chefe toda a vida, sem precisar de se submeter a eleições. Os seus defensores não são obrigatoriamente estúpidos, são provavelmente monárquicos.

Papa – Monarca absoluto com o monopólio no fabrico de beatos e santos, exclusividade na criação de cardeais e produção de bispos. Cabe-lhe ainda decidir sobre os anos santos, o valor e o preço das indulgências, a quantidade de bênçãos e o número de excomunhões. Os relatórios da CIA, se ainda lhe chegam, já não são lidos depois da queda da União soviética.

Papabile – “Papável”, isto é, que tem probabilidades de ser Papa. O cardeal Jean Danielou, arcebispo de Paris, tantas vezes foi referido como tal na comunicação social que a loura espectacular Mimi Santoni, de 24 anos, bailarina de strip-tease num cabaré de Paris, quiçá por erro de interpretação, acolhia-o nos seus braços quando um fulminante enfarte de miocárdio resolveu procurá-lo. Não se pode falar de êxtase místico.

Preservativo – Meio eficaz de evitar doenças sexualmente transmissíveis e que produz em JP2 o mesmo estado de espírito que o toucinho a Maomé.

Presunto – Delicioso produto gastronómico com que Maomé embirrou.

Vaticano – Exótico bairro de Roma com o nome de Estado, detentor de valiosas colecções de arte, numerosos dignitários eclesiásticos, sem uma única maternidade nem a mais leve suspeita de princípios democráticos.

31 de Janeiro, 2004 Mariana de Oliveira

31 de Janeiro de 1891

Nos finais do século XIX, as ideias republicanas começam a singrar no país. O país atravessa um período conturbado económica e culturalmente.

O ultimato inglês acentua o descontentamento nacional e sentimentos patrióticos e, com eles, nasce o desejo de mudança de sistema político. A crise governamental da altura instigou os militares da guarnição do Porto que, com a ajuda das Forças Armadas, proclamaram, pela primeira vez, a República. Só que, sem o apoio das forças políticas nem da maior parte dos militares, os revoltosos capitularam face às forças leais à Monarquia.

A Revolta do Porto foi um epílogo do que haveria de acontecer em 1910.

Num tempo em que o país atravessa, de novo, uma crise política e económica e em que, desde o 25 de Abril, não se viam ataques tão gravosos à Democracia e ao Estado de Direito, há que recordar a axiologia que estive na base de todas as revoluções por que passámos. O desejo de independência, a liberdade, a igualdade, a sociabilidade ou fraternidade, são valores que nos devem ser caros a todos e de que não nos devemos esquecer ou largar por um qualquer comodismo que, infelizmente, nos caracteriza.