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Etiqueta: Laicidade

13 de Setembro, 2023 Onofre Varela

O Pirilau do Cutileiro

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Ultimamente temos assistido a actos censórios exercidos sobre obras de arte, desde caricaturas e cartunes até instalações, passando por romances e banda desenhada. Uma “onda de pureza” parece estar a varrer as mentes perversas dos censores, travestidas de pudicas.

Quem censura obras artísticas e literárias, não sabe… mas devia saber… que os censores são, antes de mais, umas bestas. Só quando se atinge o estatuto de besta, se pode ser censor!

Lembro que em Janeiro de 2016 as autoridades políticas italianas decidiram tapar uma série de estátuas de nus, naquele que é considerado o complexo museológico mais antigo – os Museus Capitolinos, em Roma – por ocasião da visita do presidente do Irão Hassan Rouhani, para que os púdicos olhos do ditador desrespeitador das liberdades individuais e das mulheres do seu país, não fossem magoados perante a beleza de um nu artístico produzido na Época Clássica!

Se calhar as estatuetas de deusas-mãe pré-históricas (como a Vénus de Willendorf, do Paleolítico Superior) também não podem ser vistas por tal gente que nasceu com um defeito genético: os intestinos no crânio!

Esta decisão não foi mais do que um desavergonhado acto de ajoelhar da cultura ocidental, perante a cultura islâmica na figura de um miserável ditador, originando uma série de críticas ao governo italiano acusado de “excesso de zelo” (termo bonito para designar “besteira”) perante a distinta cultura do Irão. Obras como: “Arco” (de Lísipo, século IV a.C) e uma “Leda e o Cisne” (360 a.C.) foram revestidas com painéis para encobrir a nudez das figuras. Outras obras foram removidas do local onde se encontravam.

Quase tanto esteve para suceder à estátua equestre do imperador Marco Aurélio, neste caso devido à genitália do equídeo (parece que no Islão os cavalos nascem capados. A tomatada só a têm homens muito machos e desrespeitadores das mulheres). A estátua está colocada na denominada Sala Esedra, onde decorreu uma sessão com a presença de Hassan Rouhani e de Matteo Renzi, o primeiro-ministro italiano. E se mais obras não tiveram de ser tapadas, foi porque o dirigente iraniano só teve de percorrer um pequeno sector do museu até chegar à sala onde exibiria a sua ridícula figura a merecer um tapume.

O melhor seria terem fornecido umas palas de cavalo ao ilustre merdoso islâmico, para ele colocar na focinheira e não ver as obras de Arte que, desde a velha Grécia, são símbolo da liberdade de criação artística do ocidente, cuja liberdade ele desrespeita e despreza.

Passando para os dias de hoje, e na minha terra, parece-me que palas idênticas merecem usar os responsáveis daquela coisa religiosa tomada por coisa muito séria e que dá pelo nome “Jornadas Mundiais da Juventude” (a Festa do Avante da Igreja Católica) que até vai merecer visita papal. Um dos altares das cerimónias litúrgicas a terem lugar na capital do reino, situa-se no alto do Parque Eduardo VII em frente da escultura de João Cutileiro que ali foi instalada em 1997; um monumento fálico que simboliza a coragem dos capitães de Abril para derrubarem a ditadura.

A escultura vai ser retirada (afinal… a ditadura não foi totalmente derrubada!…) para não conspurcar as vistinhas dos assistentes das missinhas ali celebradas, tendo, em pano de fundo, um pirête a fazer concorrência à cruz.

O presidente da Câmara, Carlos Moedas, afirmou que a retirada do monumento nada tem de censório (admirava-me se dissesse que tinha!…) e que acontece só para se proceder à restauração da obra, que será recolocada no mesmo lugar logo que os olhos pudicos dos religiosos se ausentem de Lisboa após as jornadas.

Bem sei que há quem não goste daquele monumento fálico… mas ele não está ali para ser degustado!… Quem não gosta que não o chupe!…

Esta conversa do autarca lisboeta cheira-me a desculpa esfarrapada como a que foi usada perante as sensibilidades melindrosas de um monarca sem vergonha, e agora de uma classe clerical que, em nome de Jesus, se afirma detentora de uma pureza e de uma moralidade imaculadas, mas que no seu seio alberga pedófilos.

Perante estes casos eu fico furioso e atónito!… Ou o mundo está a ficar maluco com todos estes sintomas de mau funcionamento da mioleira destes (ir)responsáveis políticos e culturais… ou então o maluco serei eu por considerar Hassan Rouhani um personagem asqueroso quando há quem lhe dê ouvidos e o aceite como gente decente… e ao deparar-me, agora, com idêntico figurino censório cá na minha parvónia!…

Os desmiolados sensores actuais ainda serão capazes de fazer o mesmo que fez Salazar e censurar “Os Lusíadas”… porque a “Ilha dos Amores” pode ser pornográfica! E em consequência provavelmente ditarão a condenação à morte do Cupido por ter sido o instrumento da “pouca vergonhice”.

No extremo, o Vaticano terá de reescrever a Bíblia… já que umas filhas que embebedam o pai para se deitarem com ele e engravidarem (Génesis: 19; 30-38)… provavelmente não será uma atitude muito católica!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Por Francisco Santos (User:xuaxo) – Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2009534
30 de Junho, 2023 João Monteiro

REPÚBLICA LAICA

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Fomos, durante séculos, um país dolorosamente católico vivendo os horrores da Inquisição e o atraso no ensino científico. A subserviência do Povo aos clérigos habituados a dominarem a população crente e temente, agrilhoou o pensamento popular aos interesses do culto. 

Mais de um século volvido após a separação Estado/Igreja em 1911 (com um interregno no Estado Novo de Salazar, sendo a separação reatada após a Revolução de 25 de Abril de 1974 com a promulgação da Constituição da República em 2 de Abril de 1976), uma grande parte do nosso bom Povo ainda não conseguiu libertar-se do jugo da Religião, nem a Igreja quer desalojar da sua cabeça o poder temporal que sempre exerceu desde quando coroava reis a seu contento, e era, de facto, a dona da Europa. 

A América Latina, colonizada pelo espírito católico-ibérico desde os séculos XV e XVI, é paradigmática em termos do poder opressor da Religião sobre os povos (mas também da vingança letal de interesses da extrema-Direita que mata sacerdotes defensores dos pobres e oprimidos como aconteceu ao padre Romero, de El Salvador, em 24 de Março de 1980). 

No Chile, quando o ditador Pinochet, em Setembro de 1973, derrubou, com muito sangue, o socialista Salvador Allende (que fora eleito democraticamente) estabeleceu uma sangrenta ditadura, dizendo: “Estou aqui por ordem divina”. 

Fora da latinidade, Osama bin Laden apoiava actos terroristas em nome do mesmo Deus a quem orava Pinochet e a quem reza Marcelo Rebelo de Sousa, António Guterres, Cavaco Silva, Santana Lopes, Passos Coelho, Paulo Portas e José Sócrates… mas também Bush, Trump e Joe Biden, que não são católicos nem muçulmanos. 

Em Portugal, este nosso apego à religiosidade que preenche a cabeça da maioria de nós, pode explicar o facto de termos a presidir à República Portuguesa que (consta) é Laica… um empedernido católico que escolheu para sua primeira viagem oficial a visita ao Vaticano, e se vergou perante o Papa beijando-lhe a mão!… Barack Obama também visitou o Papa. Cumprimentou-o com um aperto de mão e de cabeça erguida, numa atitude de dignidade e igualdade entre chefes de Estado, que é isso mesmo que o Papa é: Chefe do Estado do Vaticano. 

Já tivemos a governar o país gente que foi mostrada demasiadas vezes a assistir a missas. Cavaco Silva e Santana Lopes usavam nos seus discursos frases como “se Deus quiser” e “graças a Deus” também demasiadas vezes, à boa maneira muçulmana. António Guterres, enquanto primeiro-ministro, numa entrevista que deu ao jornal espanhol El País (5/7/1998), disse esta pérola de sacristia: “Cada um será julgado por Deus de acordo com a capacidade de pôr os seus valores em benefício dos outros”. E o primeiro-ministro José Sócrates, em Setembro de 2007, assistiu à inauguração de uma escola pública em S. Martinho de Mouros (Resende) e benzeu-se na missa do acto medieval de benzedura daquele equipamento laico!

Temos hospitais públicos com nomes como: Santo António, São João, S. Marcos, S. José e Santa Maria. Eu sou assistido (e bem) no posto médico da Segurança Social de Rio Tinto, com o nome de: S. Bento. E no ensino particular encontrei o “Colégio das Escravas do Sagrado Coração de Maria”!… Que tipo de pai matricula ali a sua filha?! 

Vivemos, de facto, numa República Laica muito “sui generis”… e pelos exemplos citados da América Latina, só podemos concluir que a extrema crença em Deus pode tornar-se muito perigosa!

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

30 de Abril, 2023 João Monteiro

Afinal para que serve a arte?

Texto em resposta à censura da obra de Onofre Varela.

Onofre Varela é um homem da cultura. Conhecido intelectualmente pelos seus livros, assim como pelos textos publicados sobre ateísmo na imprensa escrita, é também reconhecido profissionalmente pelas suas
ilustrações e pelos seus cartoons que já estiveram em destaque em várias exposições e galerias.

Foi o caso deste mês, abril, em que os seus cartoons estiveram expostos na Bienal Internacional de Arte de Gaia. Porém, o que poderia ser um momento de celebração tornou-se numa situação de polémica diplomático-cultural com projeção mediática a nível nacional. O motivo foi um dos seus cartoons ter
sido retirado após o autor, a organização e os autarcas terem sido alvo de pressão por parte de membros da Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) que, alegadamente, se terão sentido incomodados e ofendidos pelo desenho. Segundo o comunicado da própria CIL enviado ao presidente da Câmara Municipal de Gaia, citado pelo jornal Público, “[o cartoon] banaliza o Holocausto cometido pelo regime nazi e
diaboliza os judeus na sua relação com a Palestina”, acrescentando que a “estrela de David sobreposta no coração de uma imagem desenhada de Hitler é uma ofensa grave e indecorosa”.

Embora a decisão de retirada do cartoon tenha partido do autor, a verdade é que essa mesma decisão decorreu das pressões exteriores, conferindo ao caso um carácter de censura.

Para compreendermos o que está em causa, o cartoon visado é o que abaixo se apresenta:

Uma vez que o autor do cartoon, Onofre Varela, é não só associado da AAP como até é o seu vice-presidente, cabe-me, na qualidade de dirigente, emitir umas palavras sobre o tema.

Em primeiro lugar, quero expressar-me contra qualquer forma de negação ou menorização do que foi o Holocausto, um episódio negro e vergonhoso do século XX cujas raízes do preconceito remontam, infelizmente, a épocas anteriores. Em segundo lugar, afirmar-me contra a perseguição do povo hebreu, do mesmo modo que sou contra a perseguição de outros povos minoritários, pois revejo-me nos
valores Humanistas que defendem a segurança e paz para todas as pessoas e populações. Apresentado o meu posicionamento geral, passemos ao caso concreto.

Em causa está um cartoon de tipo caricatural, ou seja, um desenho que pelo exagero pretende passar uma mensagem. A imagem ilustra uma figura masculina representada por uma mescla de uma personagem judia e nazi em simultâneo. Ora, isto é deliberadamente um contrassenso, por representar na mesma figura o opressor e o oprimido, ou o tirano e a vítima. Se isto não fosse suficiente para nos fazer parar e questionar sobre qual o tipo de mensagem, o autor fez acompanhar a figura pela frase “Israel trata os palestinos com o mesmo desrespeito com que Hitler tratava os judeus”. Ou seja, o autor pretendeu lançar um alerta, ou criar uma forma de questionamento, sobre a perseguição política
e social, de quase genocídio, que Israel tem vindo a fazer em território palestiniano (interpretação minha). As obras para serem devidamente entendidas devem ser analisadas no seu contexto histórico, e este cartoon foi desenhado precisamente numa altura em que abundavam notícias nos meios de comunicação social sobre os atentados do governo de Israel contra os palestinianos. Perante as evidências,
o autor enquanto artista limitou-se a representar a realidade na forma a que está habituado: através do desenho. O facto de a forma escolhida ter sido um cartoon caricatural remete para a sátira e a crítica de costumes, portanto para a reflexão crítica de um evento sociopolítico.  

Terá a CIL motivos para se sentir incomodada ou ofendida? Devido à alusão ao nazismo na figura, por motivos históricos, até poderia concordar. Porém, a representação num todo (texto e imagem) vai além disso. Mais do que uma crítica, é uma denúncia, um alerta, uma chamada de atenção para o que acontece lá ao longe (mas não assim tão longe). Não se trata de antissemitismo. Isto são factos: o governo israelita expandiu o seu território unilateralmente, usurpando, ocupando e colonizando território palestiniano; tem atacado, perseguido e assassinado palestinianos que defendem o seu território; entre os membros da
população morta ao longo dos anos, já se perdeu a conta ao número de crianças que viram a sua vida ceifada nesta guerra por terra e fronteiras, que mais não é do que uma guerra por poder. Contra estes factos é que a CIL deveria sentir-se incomodada, e não com um desenho.

Isto leva-nos à questão do título: afinal, para que serve a arte? Esta pergunta tem um conjunto alargado de possíveis respostas. Podemos dizer que a arte serve como forma de comunicação e de expressão; reflexão e crítica; inspiração e estímulo criativo; entretenimento e deleite estético; preservação de património cultural e histórico; transformação e ativismo social, apenas para dar alguns exemplos. A boa arte consegue mexer connosco, suscitar sentimentos e emoções do âmago da nossa pessoa. Olhando para o cartoon de Onofre Varela e para as reações por ele geradas, podemos então dizer que a arte
e o artista cumpriram o seu propósito.

Termino com um abraço de solidariedade ao nosso estimado Onofre Varela.

Este caso nas notícias:

https://www.publico.pt/2023/04/18/culturaipsilon/noticia/cartoon-retirado-bienal-gaia-apos-criticas-comunidade-israelita-2046595

https://www.publico.pt/2023/04/21/culturaipsilon/noticia/presidente-associacao-jornalistas-considera-lamentavel-censura-cartoon-onofre-varela-2046925

https://cnnportugal.iol.pt/videos/uma-ofensa-grave-que-menoriza-o-horror-e-a-tragedia-do-holocausto-cartoonista-onofre-varela-retira-cartoon-apos-polemica-com-comunidade-israelita/643ffb6e0cf2dce741b55724

https://observador.pt/2023/04/20/bienal-de-gaia-cartoonista-onofre-varela-refuta-acusacoes-da-comunidade-israelita-de-lisboa-e-ataca-israel/

https://portocanal.sapo.pt/noticia/325186

https://www.jn.pt/artes/cartunista-explica-que-retirou-obra-de-exposicao-para-nao-provocar-guerras-16205765.html/

23 de Junho, 2022 João Monteiro

Debate: Religião no Século XXI

João Monteiro, presidente da Associação Ateísta Portuguesa, participou num debate com Luísa Jacinto, que representou o Movimento Católico de Estudantes. A moderação esteve a cargo de João Mendes, da Escola Superior de Comunicação Social, onde teve lugar o debate. A conversa pode ser ouvida aqui.

17 de Março, 2022 João Monteiro

Vereador de Lisboa: estando em funções, vai em procissões

Ângelo Pereira, vereador da Câmara Municipal de Lisboa, abandonou o seu exercício de funções para acompanhar a Procissão do Senhor dos Passos da Graça. O próprio fez questão de o mencionar com alarde no twitter (ver fotos abaixo). Estes tweets merecem duas críticas: uma de carácter institucional e outra de carácter religioso.

A nível institucional, e tendo nós um Estado Laico, há que relembrar o dever de separação da crença individual do exercício de funções públicas, o que exige uma neutralidade confessional. Assim, Ângelo Pereira poderia estar na procissão na qualidade de cidadão enquadrado na sua crença, mas não se poderia identificar como Vereador em exercício de funções públicas como fez no tweet. Além do mais, o carácter político na procissão fica reforçado se atendermos que o mesmo contou com a presença da Embaixadora da Ucrânia e – surpresa, surpresa – do nosso Presidente da República.

A nível religioso há a apontar a oração pela paz e fim da guerra. Qual o resultado prático desta oração? Nenhum. Não são as orações que terminam as guerras – aliás, não fazem nada. O que termina as guerras são as conversações, as negociações e as intervenções políticas. Mas, uma vez mais, orações religiosas e intervenções políticas deveriam ser como água e azeite: não se misturam.

Sejamos construtivos: então qual o procedimento correto que o vereador deveria ter tido?

a) presença na procissão a título pessoal, enquanto cidadão, ou não ir de todo;

b) no final do ato religioso, convidaria a Embaixadora e o Presidente da República para um encontro de carácter político em ambiente profano.

É simples. Fica a dica para próximas ações.

21 de Abril, 2021 João Monteiro

Lei da separação do Estado das Igrejas

Assinala-se hoje, dia 20 de Abril, os 110 anos em que foi aprovada, por decreto, a Lei da separação do Estado das Igrejas. Entre os seus princípios destacam-se: a liberdade de consciência; a religião católica deixar de ser a religião do Estado; ninguém poder ser perseguido por motivos de religião; a república não reconhecer, não sustentar, nem subsidiar culto algum; ou ainda a proibição de realização de reuniões políticas nos lugares habitualmente destinados ao culto de qualquer religião.

A lei original estava organizada em torno dos seguintes sete capítulos:

I – Da Liberdade de consciência e de culto;
II – Das corporações e entidades encarregadas do culto;
III – Da fiscalização do culto público;
IV – Da propriedade e encargos dos edifícios;
V – Do destino dos edifícios e bens;
VI – Das pensões aos ministros da religião católicos;
VII – Disposições gerais e transitórias

E a mesma lei pode ser consultada aqui, no site da Associação República e Laicidade.

Apesar destas conquistas sociais, elas não permaneceram no tempo, tendo sido alvo de sucessivas reformas. Como sabemos, a história é feita de avanços e recuos. Hoje, a Igreja Católica tem privilégios (originados pela Concordata e outra legislação); o Estado paga a capelães dos hospitais, das forças armadas e das prisões; e as escolas públicas e universidades promovem comunhões pascais e cerimónias (como temos denunciado). Há pois muito por reivindicar, como temos vindo a fazer junto das entidades competentes, e como continuaremos a fazer.

Afonso Costa assina a Lei da separação do Estado das Igrejas.
Foto do Arquivo Municipal de Lisboa.
25 de Fevereiro, 2021 João Monteiro

Hospitais públicos não podem ser memoriais religiosos

Tomei conhecimento de que existe no Hospital Dona Estefânia um memorial religioso dedicado à Jacinta Marto – uma dos três pastorinhos que alegadamente terá vivido o suposto “milagre” de Fátima.

As fotografias foram ontem partilhadas na conta de twitter da Associação República e Laicidade. Num Estado laico não deveriam existir referências religiosas no espaço público, por duas razões principais: porque não existe uma religião de Estado e porque o espaço público pertence a todos independentemente da sua crença ou ausência dela. O facto de o memorial ter surgido por iniciativa de uma organização católica – “Liga da Acção Católica Femenina da Freguesia dos Anjos (1943)” – e lá permanecer até aos dias de hoje é uma descriminação face às outras religiões, bastando perguntar-nos: seria hoje permitido no mesmo local um memorial judaico ou muçulmano?

Tweet da Associação República e Laicidade

Um dos comentadores do referido tweet justifica a existência do memorial argumentando que “releva a importância histórica e espiritual das instituições hospitalares públicas”. Contudo, não é essa a função de um hospital público num Estado laico, é antes tratar e cuidar dos pacientes. O papel espiritual caberá a outras instituições.

Sobre o fenómeno de Fátima, acreditemos nele ou não, enquanto fenómeno social faz parte da história de um período do nosso país, que merece ser estudado, analisado, criticado e até exposto. Porém, se há lugar para realizar cada uma destas iniciativas, decerto não o será num hospital público.

Não nego o valor patrimonial e histórico das peças ali exibidas e por isso deixo uma proposta: a remoção das placas evocativas e a sua preservação, para futura exposição em local adequado (museu ou outro espaço visitável) com referida contextualização.

3 de Novembro, 2020 João Monteiro

Oeiras: padre abençoa autocarros

Numa tentativa de fazer política bipolar, Isaltino Morais, presidente da Câmara Municipal de Oeiras, inaugurou uma nova carreira de autocarros gratuitos no Concelho, o Combus, aparentemente incentivando o transporte público, ao mesmo que tem promovido o transporte individual. Para alegrar a festa, esteve presente um padre que abençoou os autocarros. Esta cerimónia religiosa num evento público é mais um exemplo de um atentado à laicidade, em que deveria haver separação entre a igreja e o Estado, aqui representado na política local.

Fonte: Facebook – Município de Oeiras

14 de Outubro, 2020 João Monteiro

Militares da GNR receberam sacramentos cristãos

Uma notícia da Agência Ecclesia deu a conhecer que 27 militares do 42º Curso de Guardas da GNR receberam sacramentos cristãos (26 crismas e 1 batismo), num evento presidido pelo Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança de Portugal, cuja missa teve lugar no Centro de Formação de Portalegre da GNR. Estes militares foram orientados pelo capelão da unidade.

Recordamos que Portugal é um Estado Laico, pelo que a Igreja não deveria envolver-se em assuntos do Estado, como são as forças de segurança, assim como não se devia privilegiar uma religião face às demais.

Sobre as palavras do clero durante a cerimónia, concordo com a crítica que fazem ao isolamento e ao individualismo, pois trata-se de algo que tem tanto de generalista como de sensato.

No entanto, terei de manifestar o meu desagrado perante a afirmação de que os militares se encontram aptos a “desempenhar a (…) missão de Guardas na força do sentido de Deus”, porque a função das forças de segurança é alheia a qualquer manifestação religiosa.

Não se pode deixar de notar que a Igreja se está a tentar imiscuir numa esfera do Estado e, sub-repticiamente, a infiltrar e a recrutar nas suas estruturas. É algo inaceitável e que merece o nosso repúdio.

Fonte: Agência Ecclesia

5 de Outubro, 2020 João Monteiro

O ateísmo e a República

Mensagem do Presidente da Associação Ateísta Portuguesa, a propósito do 110º aniversário da Implantação da República.

Sendo o ateísmo a ausência de crença em deus, então pressupõe-se que, em teoria, o ateísmo seja uma postura filosófica independente do regime político. Quero com isto dizer que uma pessoa pode ser ateísta independentemente de ser republicana ou monárquica, de esquerda ou de direita política.

Contudo, sabemos que, na prática, por motivos históricos, sociais e fenómenos de grupo, em Portugal, a direita e a monarquia encontram-se mais próximas da religião cristã. Por a crença, ou a ausência da mesma, ser uma postura individual, há exceções ao que mencionei (como ateus de direita e comunistas cristãos, por exemplo).

Olhado para a história do nosso país, e estando nós a celebrar hoje, a 5 de Outubro, os 110 anos da Implantação da República, gostaria de recordar brevemente a importância do movimento republicano para a discussão religiosa.

Um dos argumentos que justificava o elevado nível de crendice no final do século XIX, durante a monarquia liberal, era atribuído à elevada taxa de analfabetismo do povo e ao controlo social pelo clero nos meios rurais. Por isso, os republicanos insistiam na instrução popular, com a criação de escolas, recorrendo à propaganda ou até mesmo à criação de associações para esse fim. Recordamos por exemplo o papel da Liga de Instrução Popular ou da Sociedade Promotora de Escolas – detentora da Escola-Oficina Nº1, em Lisboa.

Mas não bastava aprender, pretendia-se que as pessoas deixassem de ser súbditos e passassem a ser vistos como cidadãos, com liberdade de pensar e agir por si mesmos, sem condicionalismos externos. A este respeito, relembro a importância da Associação para o Livre Pensamento.

Para combater o poder e contrariar o discurso do clero na sociedade, foram várias as vozes que se levantaram e várias mãos que escreveram denunciando o poder e as incongruências da Igreja enquanto instituição, a maioria deles republicanos apelidados de anticlericais.

110 anos depois da Implantação da República, constatamos que somos hoje herdeiros deste espírito republicano, defendendo ainda hoje a instrução, criticando o que está mal nas religiões, defendendo a laicidade e o livre-pensamento e sem esquecer os valores republicanos da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que esperamos que orientem a sociedade em direção a um mundo mais justo e solidário.