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Etiqueta: Laicidade

9 de Fevereiro, 2025 Onofre Varela

Perdoar a quem nos agride

“A quem te bater na face direita, dá-lhe também a esquerda” (Mateus, 5: 39-42). Esta frase evangélica foi escrita num tempo em que a lei era “Olho por olho e dente por dente”. Convenhamos que a moral contida em Mateus é bastante mais positiva e pacífica do que o conflito que emerge da frase que então fazia lei e mandava tirar os olhos a quem cegasse alguém. As frases moralistas que podem ser encontradas nos Evangelhos têm de ser entendidas à luz do tempo em que foram registadas. Dois mil anos depois de Jesus Cristo (JC), as sociedades evoluíram, os Códigos Comportamentais também, e nós… bem… nós continuamos a ser os mesmos animais de sempre!

A nossa mentalidade pouco mudou com o decorrer dos séculos! Em termos de consciência, somos, hoje, os mesmos homens que escreveram a Bíblia e os Evangelhos. A técnica evoluiu; na escrita passamos das placas de barro para o papiro, deste para o pergaminho, depois para o papel e a seguir para o computador, mas a nossa mente bélica continua a mesma. Somos a última experiência da Natureza na vida do planeta. Temos menos de 200.000 anos… somos primitivos por mais evoluídos que, por vaidade, nos consideremos. Quando oferecemos “a outra face” a quem nos bate, partimos do princípio que o outro vai entender a nossa posição e sentir-se envergonhado por nos ter agredido. A nossa atitude pacífica contrasta de tal modo com a do agressor que, este, se for inteligente e sensível, vai sentir-se mal e pedir perdão pelo seu acto hostil, abandonando as suas incorretas atitudes. É esta a intenção da frase evangélica atribuída a JC e escrita por Mateus.

Mas… e os ditadores? São inteligentes e sensíveis? NÃO!… Se o fossem não seriam ditadores. É no quadro evangélico que eu entendo a frase do Papa Francisco I (F1) quando, há cerca de um ano, pediu ao governo ucraniano que tenha “a coragem da bandeira branca e de negociar com a Rússia”, acrescentando que “a palavra «negociar» é uma palavra corajosa […] quando percebemos que estamos derrotados e que as coisas não estão a correr bem, é preciso ter a coragem de negociar”. Obviamente, os ucranianos ficaram indignados ao interpretarem o discurso de F1 como um apelo à rendição do país perante a invasão russa. Putin regozijou-se com o apelo do Papa por o sentir do seu lado e fez saber que está disponível para negociações com a Ucrânia, numa atitude de exploração do mais fraco no conflito.

Imagem gerada por IA

Neste caso, eu só posso pensar o contrário do ditador e de F1! Quem tem de terminar a guerra é o país invasor que a começou… e não o país invadido que não faz guerra e apenas se defende! Sublinhando a sua maldade de invasor, Putin acrescentou ao seu discurso de “paz”, este “pacífico” recado dirigido a todo o mundo: “a Rússia está pronta para uma guerra nuclear”.

F1 (que considero ser o melhor Papa de todos quantos no último século se sentaram na cadeira de S. Pedro) tem de perceber que as frases evangélicas são para consumo caseiro dos fiéis cristãos, mas nunca serão consumidas, nem entendidas, pelo mau vizinho que é Putin (nem as entende Trump). Em resposta, a Polónia sugeriu a F1 que “encoraje Putin a retirar o seu exército da Ucrânia”. Por seu lado, Zelensky pediu ao Papa para apoiar o plano de Paz ucraniano onde se reitera a restauração da integridade territorial da Ucrânia, a retirada da tropa russa e a cessação das hostilidades. Este plano não está aberto a negociações, disse ele… e eu assino por baixo.

Vamos lá a ver, leitor. Raciocine comigo: o seu vizinho destrói-lhe a casa que é sua e mata a sua família. Depois quer que você “negoceie” com ele de acordo com a vontade dele, que nunca é a sua; ele propõe que você fique com o anexo do fundo do quintal, e ele ficará com tudo o resto que é seu. Só assim o seu vizinho lhe “garante” a Paz. Você aceita?… EU NÃO ACEITARIA! A “Paz” alcançada deste modo não é Paz; é um conflito latente e interminável. Não é por eu “dar a outra face” que vou viver bem e que o meu vizinho jamais me incomodará!… Este vizinho nunca retirará a sua bota do meu pescoço. Vamos aceitar “ultimatums” de todos os bandidos que nos invadem a casa e que nos matam a família? O que fazemos com um psicopata assassino? Ajoelhámo-nos perante ele, ou enclausurámo-lo?

Espero que o Mundo nunca deixe de se unir em favor dos invadidos e condene os invasores. O mesmo penso de Israel; terá de reconstruir a Palestina para os palestinos. Netanyahu merece ser preso… e Trump também!

4 de Fevereiro, 2025 Onofre Varela

«Ateísmo-Cristão»

Em 1945, quando soldados das tropas aliadas entraram nos campos de concentração nazis, não queriam acreditar no que viam. Seres humanos esqueléticos e pilhas de cadáveres era o que restava dos prisioneiros judeus. O general Eisenhower pediu a quem tivesse máquinas fotográficas para registar o maior número possível de imagens, pois haveria de vir um tempo em que alguém se ocuparia em negar o que eles testemunhavam (premonitório!).

A realidade da condição humana foi alvo de profundas reflexões. A religião, enquanto refúgio das almas, não sabia explicar o abandono dos mais fracos e desprotegidos. Os crentes mais directamente atingidos pela tragédia, sentiam legitimidade para perguntar: “Onde estava e que fazia Deus, quando os nazis eliminavam o seu povo eleito em câmaras de gás?!”… Não era fácil responder às interrogações daqueles que se consideravam burlados no conceito que sempre lhes alimentara a esperança e que tão cruamente os desiludira. Urgia assumir a necessidade da revisão de conceitos culturais e religiosos que tinham perdido todo o significado e o carisma que possuíam antes da guerra.

Foto de Frederick Wallace na Unsplash

Rudolf Karl Bultmann (1884-1976), teólogo alemão perito em história das religiões, era um dos intelectuais que alinhavam na nova atitude. Anunciou a necessidade da proclamação moderna do Evangelho “sem que os ouvintes se sintam obrigados a adoptar a mentalidade e a cultura dos homens do começo da era cristã”. Bultmann chamava a atenção para o facto de o Novo Testamento ser mitológico, e preocupava-se com a questão de como propor o verdadeiro conteúdo da mensagem cristã. “Esta exprimiu-se nos primeiros séculos segundo um determinado número de ideias, de imagens, de referências tomadas da cultura de então, cuja forma de pensar era mítica, isto é, apresentava as realidades divinas, transcendentes, em termos deste mundo. Ora, essa forma de pensar já não é a nossa!”.

Impunha-se a desmistificação da mensagem cristã tornando-a compreensível na simples e natural dimensão humana, abandonando a ideia de se ter em Jesus Cristo (JC) um mediador da divindade.

Mas Bultmann foi mais longe nas suas considerações. Argumentando que desde o século I o entendimento evoluiu de tal modo que a concepção do mundo e o aparecimento do Homem são matérias que já não podem ser consideradas da mesma maneira, defendia que a ressurreição de Cristo devia ser considerada como mito. Não a rejeitava enquanto mensagem de fé, mas entendia que deveria fazer-se a separação dos conceitos, já que, na realidade, JC não ressuscitou!…

O seu contemporâneo Thomas J. L. Altizer, também teólogo, navegava nas mesmas águas e propôs a ideia do “Ateísmo-Cristão”, fundamentando-se em estudos que lhe permitiam concluir que “o Deus soberano, absoluto, opressivo e transcendente, morreu em Jesus Cristo. Deus aniquilou-se a si próprio para que uma nova manifestação do espírito pudesse aparecer sob uma forma profana. A morte de Deus deveria ser saudada pelos cristãos como um acto redentor que liberta o homem da escravidão a uma divindade despótica que lhe permite aguardar, confiante, uma nova epifania do Espírito no mundo”.

Estas eram as preocupações de alguns homens de religião despoletadas pela guerra, pelos horrores e pelas atrocidades que se conheceram em 1945. Hoje, quando assisto a uma missa observando o que ali acontece, retrocedo para a Idade Média!… A Igreja não ouviu os seus influentes teólogos de há 80 anos.

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

29 de Janeiro, 2025 Eva Monteiro

Nem só de religião vive o ateu

O ateísmo, por si só e nos tempos que correm, não é nada de excitante. A ausência de alguma coisa não significa que haja um vazio a preencher. Ser-se ateu é apenas uma recusa em acreditar em deuses. Ora, posto isto a discussão acaba aqui. Não há uma mundividência ateia, um sistema ético ateu ou um modo de vida ateu. Este último no sentido em que o ateísmo não acrescenta, apenas retira. Não significa que o modo de vida de um ateu não seja rico e preenchido – por outros meios. Em suma, o ateísmo não é uma religião e não pretende oferecer nada além dessa ausência.

Para que eu seja ateia é necessário que exista religião e que ela seja prevalente. O ateísmo existe apenas como reação ao mundo infetado em que vivemos, tomado conta por um vírus existencial que recusa emancipar-se de um pai ultrapassado e senil que há muito devia ter deixado de ditar as regras lá em casa. Neste sentido, o ateísmo vive da religião porque na sua ausência seríamos apenas normais.

Não obstante esta luta entre acreditar e não acreditar numa ideia sobrenatural que pertence à infância da humanidade, nem só de religião vive esta ateia e, creio, outros ateus. Necessito de uma mundividência, de estabelecer valores éticos e um modo de vida. É o Humanismo Secular que preenche esse lugar onde recuso deixar entrar o dogma religioso e os sistemas arbitrários de falsa moralidade que as religiões oferecem. Se abraço assim a razão humana, a ética, a justiça social e o naturalismo, esta ateia vive também de política. Aliás, como ativista ateia, haverá pouco do que faço e vivo que não esteja imbuído desta coisa que se refere à vida em sociedade e a relação com o poder.

Neste sentido, é como humanista secular que hoje escrevo, além de enquanto ateia. Li ontem um artigo do Vatican News em que se dá conta de uma nota dos Dicastérios para a Doutrina da Fé (anteriormente chamados de Inquisição – sim essa) e para a Cultura e Educação em que “são destacadas as potencialidades e os desafios nos campos da educação, economia, trabalho, saúde, relações humanas e internacionais, bem como em contextos de guerra.”. À primeira vista não posso deixar de concordar que existem desafios. No entanto, basta continuar a ler para entender que o Sr. Jorge Mário tem umas ideias pouco originais sobre a IA, fruto de uma longa tradição católica de combater tudo o que é novo e que retire protagonismo ao seu modo de vida dogmático e redutor.

Nem tudo o que se diz na “Antiqua et Nova” é de deitar fora. Nem tudo, mas muito. Refiro-me à pressa em advertir os crentes que não endeusem a IA. Não que eu a queira endeusar, mas eu, pelo menos, não invento deuses para controlar grupos de pessoas. O Papa, vulgo Sr. Jorge Mário, tem receio do “Poder nas mãos de poucos”. A piada faz-se sozinha, claro.  Preocupa-o (além da guerra que também me preocupa), a “antropomorfização da IA” gerando relações fraudulentas. Mais uma oportunidade perdida de um gracejo pouco simpático. No seu costumeiro ímpeto de controlar a sexualidade humana, o documento avança que “usar a IA para enganar em outros contextos – como na educação ou nas relações humanas, incluindo a esfera da sexualidade – é profundamente imoral e exige vigilância rigorosa”. Mas quem vigia a igreja que há séculos o faz?

O texto fala de preconceito e discriminação, de perdas no desenvolvimento do pensamento crítico, de fake news e deep fakes, de manipulação, informações falsas, enganos, de alimentar o ódio e a intolerância, da desvalorização da beleza e intimidade da sexualidade humana e da exploração dos fracos e indefesos. O Sr. Jorge Mário vai mais longe e critica o controlo da consciência humana pela IA, a vigilância do cidadão comum para proveito de outros, a exploração de recursos naturais para alimentar a IA, mas acima de tudo, alerta que a “presunção de substituir Deus por uma obra de suas próprias mãos é idolatria”.

Em suma, depois de listar tudo aquilo que tem feito nos últimos 2000 anos e que sente ser apanágio da ICAR, o Sr. Jorge Mário identifica o busílis da questão: a Igreja sente-se gradualmente substituída por uma imaginada IA maldosa (quiçá competitiva também neste campo com as atrocidades que a ICAR cometeu ao longo de séculos) e isso não dá jeito nenhum.

Por fim, um campo em que eu e o Sr. Jorge Mário concordamos:

Em particular, no âmbito do trabalho, destaca-se que, se por um lado a IA tem “potencial” para aumentar competências e produtividade ou criar novos empregos, por outro, pode “desqualificar os trabalhadores, submetê-los a uma vigilância automatizada e relegá-los a funções rígidas e repetitivas”, a ponto de “sufocar” toda capacidade inovadora. “Não se deve buscar substituir cada vez mais o trabalho humano pelo progresso tecnológico: ao fazê-lo, a humanidade prejudicaria a si mesma”.

Dizia eu há pouco que nem só de religião vive o ateu. Eu vivo deste Humanismo Secular que me auxilia a identificar-me como pessoa que luta pelo bem estar de todos, em sociedades dignas e dignificantes sem recurso a falsas promessas de castigo ou recompensa após a morte. Eu concordo com o Sr. Jorge Mário no que diz respeito à IA no campo do trabalho ainda que não corra o risco de a endeusar e a enfiar na ausência de religião a que o meu ateísmo obriga.

Ao contrário do Sr. Jorge Mário, a minha solução proposta não é a fuga para um passado medieval de bruxas, demónios e fogueiras. Sugiro que todas as empresas que utilizem inteligência artificial ou outras tecnologias para substituir o trabalho humano sejam obrigadas a pagar impostos proporcionais aos encargos fiscais que teriam caso essas tarefas, funções ou postos de trabalho fossem ocupados por pessoas. Os valores arrecadados com este imposto teriam de ser direcionados para a criação de um rendimento básico universal, garantindo que os trabalhadores, em vez de serem simplesmente descartados, pudessem beneficiar dos avanços tecnológicos. Dessa forma, a automação não serviria apenas para maximizar os lucros dos CEOs à custa do desemprego em massa, mas sim para promover uma distribuição mais equitativa da riqueza gerada pela inovação. Ou seja, mais tempo para viver, com os meios para aproveitar esse tempo. Talvez o Sr. Jorge Mário devesse estar menos preocupado com a manutenção da imagem de infalibilidade da ICAR e da perda crescente de crentes (por consequência, do dinheiro que geram), e mais preocupado em realmente encontrar soluções para a sociedade em que vivemos. Nem só de pão vive o homem – dizem eles. É verdade, pessoalmente gosto de um bom Alvarinho e um queijo a acompanhar. E preferia ter como os pagar.

8 de Dezembro, 2024 Onofre Varela

Crer é um acto intelectual

Muito provavelmente a ideia de Deus (dos deuses) entrou em processo de depuração logo após a termos criado, por sentirmos que o caminho dos deuses, afinal, era uma vereda muito mais estreita do que a estrada que ambicionávamos pisar. Razões diversas estarão na base da motivação que nos levou à criação das divindades – que imaginávamos ter-nos oferecido o mundo, a vida e a felicidade eterna – e à eleição de um deus particular para cada momento dos dias que os deuses nos ofereceram para os cultuarmos. Começamos por criar um panteão onde colocamos os deuses da nossa invenção e, com o evoluir do pensamento,

destruímos o panteão e elegemos um único deus (um deus-single) para nos servir a todo o tempo e em cada situação de vida.

A ideia do divino é comum a todas as sociedades porque o Ser Humano é único e universal. Somos o mesmo ser em todas as latitudes e em todos os tempos, e as motivações que nos levam à adoração do que quer que seja, são universais; apenas modificadas por questões culturais de cada povo e em cada época.

Em todas as sociedades há um fundo comum embelezado com as crenças, às quais não é estranha a humana necessidade da introspecção, a inquietude do acaso, a fuga à solidão e às agruras da Natureza, e o sentimento da insegurança, acrescentando o medo da morte como “medo máximo” que eternamente nos consome.

O vencer do caminho que nos conduziu ao abandono de um panteão, pretensamente (mas também enganadoramente) protector de todos os males, e ao apuro de um único deus, acabará por dispensar, também, o deusJeová (Alá) – criado pelos Hebreus, reciclado por Jesus Cristo e adoptado (e adaptado) por Maomé – que sobrou da purga que o passar do tempo e o evoluir do pensamento promoveu no panteão que gregos e romanos herdaram da civilização mesopotâmica.

Na verdade antropológica, “deus habita em nós”. Isto é: existe no nosso pensamento… mas não passa de uma ideia, não se encontrando em mais lado algum fora da cabeça de quem crê. A crença num deus (ou em deuses e santos) é uma característica da nossa espécie de “Sapiens”, a qual nos diferencia de todos os outros animais nossos companheiros da vida na Terra.

Imagem gerada por IA

Porém devemos ter a consciência de que a crença é um acto intelectual. Aqueles ateus “em princípio de carreira” que vociferam contra tudo quanto “cheira a incenso”, se não tiverem essa consciência também não têm discurso que mereça ser ouvido. Se cremos, é porque sentimos que precisamos de crer; se criamos deus à nossa imagem e semelhança, foi porque sentimos necessidade de o fazer, já que o Homem só cria aquilo de que necessita. (A exploração social e económica que dessa ideia se faz, por uma elite exploradora de tal sentimento… é que já é outra conversa!…)

O sentimento da religiosidade é comum a todos os humanos independentemente das geografias em que se encontrem, e só está vedado aos restantes animais por não terem intelecto. Foi a nossa capacidade de raciocínio, a inteligência, a sensibilidade e o sentido estético, que nos levou à criação da Arte, ao entendimento do belo e à criação de deuses (que depois transformamos no Deus único).

Esta faceta criativa que nos caracteriza, faz de nós uns seres especiais. No entanto, quando em discordância com os nossos semelhantes, somos capazes de adoptar comportamentos iguais aos de um qualquer animal predador porque a nossa origem natural, enquanto animais, é a mesma!… 

Embora raciocinemos, deixamos, imensas vezes, a nossa sensibilidade tormentosa comandar-nos tomando conta da razão… e, por esse caminho, se bem virmos, até ficamos em patamares inferiores relativamente aos irracionais nossos companheiros de reino, porque enquanto que eles só guerreiam por alimento, por fêmea e pelo domínio do grupo, nós fazêmo-lo pelas mesmas três razões dos irracionais que consideramos inferiores… e ainda acrescentamos a lista, deixando-nos tomar por uma irracionalidade e uma cupidez que demonstram o pior da nossa condição animal, incluindo na lista das malfeitorias a crença em Deus quando a usamos como arma discriminatória e até mortífera (embora, ao mesmo tempo, o louvemos e lhe cantemos loas… o que sublinha a nossa imponente estupidez).

Isto parece-me incongruente com a capacidade que temos de raciocinar… mas a verdade é que nós somos assim… somos um produto natural ainda muito mal acabado!… (Espero que a evolução natural “lime as arestas” e nos melhore… mas isto, se calhar, também já é crença!).

Nós só erramos porque somos imensamente ignorantes… alguém disse que  “o erro é uma ignorância que se ignora”. A ignorância também é uma das nossas características. Todos nós somos ignorantes, até mesmo os sábios… que só o são no seu tempo e no seu ramo… e, mesmo assim, com limites.

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

13 de Novembro, 2024 Carlos Silva

Despertar

Imagem gerada por IA de Artguru

A determinada altura da vida atingimos um determinado patamar de consciência que nos confere um nível de perceção exclusivamente racionalista.[1]

A determinada altura da vida deixamos de temer criaturas “infernais” e aspirar a “paraísos” supranaturais.

A determinada altura da vida, somos inevitavelmente arrastados pela corrente de observação objetiva da realidade.

A determinada altura da vida a consciência atinge praticamente o seu auge e assimilamos que só AGORA podemos ser realmente felizes.

A determinada altura da vida deixamos de ter pressa de viver e queremos apenas desfrutar.

A determinada altura da vida queremos simplesmente conhecer e esquecer tudo o que inutilmente nos impuseram.

A determinada altura da vida queremos simplesmente deliciar com esta maravilhosa paisagem com que diariamente nos deslumbramos.

A determinada altura da vida queremos simplesmente estar em paz, connosco e com todos os que nos rodeiam.

A determinada altura da vida queremos simplesmente saborear o mais simples dos milagres…

A VIDA!

Aspiramos então a ser apenas nós…

Livres e satisfeitos!

Aspiramos então a sentir e que nos deixem sentir completamente.

Aspiramos então a pensar e que nos deixem pensar da forma mais racional possível.

Aspiramos então a amar e sobretudo que nos deixem amar quem e o que realmente amamos.

É então que assimilamos que nunca é tarde para Sonhar…

É então que assimilamos que nunca é tarde para Amar…

É então que culminamos que nunca é tarde para Viver…

E nunca é tarde para DESPERTAR!


[1] Numa fase mais precoce, traduzida pela descoberta e deceção que conduz ao desacreditar do “pai natal” e de todas as figuras do universo imaginário.

Numa fase mais matura, alicerçada no crivo do contraditório e na consciência da realidade, traduzida na contínua desconstrução e desmistificação de todos os dogmas previamente incutidos.

É, pois, normalmente neste apogeu de plena capacidade física e intelectual, que é atingido o desacreditar lógico e racional em todas as entidades ditas “divinas; o ponto de perceção do ideal divino como mero conceito individual e abstrato, factualmente inexistente fora do contexto mental humano”.

A óbvia assimilação e conclusão do ato mental, característico da espécie humana, que varia de acordo com contexto sociocultural onde se produz.

AGORA ATEU (I), 2017-03-06

27 de Outubro, 2024 Carlos Silva

Diz-me mulher

Imagem: Internet


Diz-me mulher

Filha
Mãe
Avó
Esposa
Amiga
Companheira

Diz-me mulher

Como podes permitir que
Um homem
Te roube o direito à vida
Te roube o direito à liberdade
Te roube a autonomia de pensar
Te torture e imponha maus tratos
Te viole física e moralmente até ao íntimo do ser
Te imponha o direito de escolher
Te negue o direito à informação e educação
Te impeça de votar e participar neste progresso
Te humilhe simplesmente por seres mulher

Diz-me mulher

Como podes permitir que
Um livro
Exclusivamente escrito por homens e para homens
Exclusivamente baseado no domínio dos homens sobre as mulheres
Absolutamente machista absurdo e obsoleto
Te peça que sejas submissa
Te faça objeto propriedade e mercadoria
Te cubra o corpo e a mente
Te estupre e atire pedras até à morte
Te cegue e crucifique por perderes a virgindade
Te queime pelo adúltero delito de amares alguém
Um livro escrito com sangue suor e lágrimas
Que de ti faz demónio do bem e anjo do mal
Que te rouba a vida e tudo o que é natural

Diz-me mulher

Como te pudeste deixar seduzir
Por tão encantadora serpente
Como pudeste ter ingerido tão pecaminoso fruto
De tal proibida árvore
Como pudeste ter nascido
De tal dita virgem maria
Sem amar verdadeiramente

Diz-me mulher

Tu que dás e concedes esta vida
Tu que dás alento e alimento
Tu que dás este canto e encanto
Tu que dás esta inspiração e admiração
Tu que dás este sentimento e sensualidade
Tu que tudo dás na realidade
Peço que neste preciso momento
Soltes o cabelo ao vento
Soltes a voz com todo o alento
Quero ouvir o teu grito até ao mundo dar volta
Quero ouvir o teu grito de volta e de revolta

BASTA

Não
Não fiques aí parada
Solta e desvenda a verdadeira beleza do teu rosto
Solta e descobre o verdadeiro encanto do teu sorriso
Solta e manifesta todas as razões do teu coração
Tu és legitimamente a única dona do teu corpo
Tu és autenticamente a única dona do teu ser

Desperta mulher

Desperta o corpo da tua admirável mente
E ama verdadeiramente
Ama plenamente a liberdade
Ama perdidamente aquele homem
Que simplesmente te quer

MULHER


AGORA ATEU (I), 2019-05-26

25 de Outubro, 2024 Eva Monteiro

Um Gesto de Altruísmo do Prof. Ricardo Oliveira da Silva

A AAP – Associação Ateísta Portuguesa teve recentemente o prazer de se fazer representar numa conversa online sobre o Ateísmo em Portugal e no Brasil. Esta conversa decorreu no dia 9 de Outubro no Canal de Youtube Ativistas Ateus do Brasil, com o objetivo de iniciar uma ponte entre as comunidades ateístas dos dois países.

Prof. Ricardo Oliveira da Silva

Desta conversa decorreu o contacto com o Professor Ricardo Oliveira da Silva que possui uma Graduação em História pela Universidade Federal de Santa Maria (2005) e Mestrado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2008). É Doutorado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013). Tem experiência na área de História, com ênfase em Historia das Ideias, Historiografia e teoria da História, História do Brasil republicano e História do Ateísmo. Atualmente é líder do Grupo de Pesquisa Ateísmos, Descrenças Religiosas e Secularismo: história, tendências e comportamentos, e faz parte do Grupo de Pesquisa História Intelectual, Produção de Presença e Construção de Sentido e do grupo História Intelectual e História dos Conceitos: conexões teórico-metodológicas. Esses grupos estão registrados no CNPq. É também membro do fórum acadêmico International Society for Historians of Atheism, Secularism, and Humanism (fonte).

Como autor prolífico na área do Ateismo, o Professor Ricardo Oliveira da Silva prontificou-se a disponibilizar aos nossos leitores algum do seu material sobre o tema, que aqui se reproduz.

A AAP agradece este gesto de incrível altruísmo que me muito ajudará a nossa comunidade a melhor compreender o ateísmo, em particular no Brasil.

21 de Outubro, 2024 Eva Monteiro and João Nascimento

Associação Ateísta Portuguesa condena o recente comunicado da Associação dos Médicos Católicos Portugueses (AMCP) acerca da IVG

Foto de Aiden Frazier na Unsplash

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) considera o recente comunicado emitido pela Associação dos Médicos Católicos Portugueses (AMCP) acerca da atual proposta do PS e BE para alterar a lei da interrupção voluntária da gravidez (IVG) um ataque à laicidade em Portugal. Todos os médicos têm direito à liberdade de consciência, mas a AMCP é uma entidade de cariz religioso que está a usar a influência dos seus membros para fazer avançar uma agenda católica. A existência de uma Associação de Médicos Católicos Portugueses é, por si só, claro sinal de falta de laicidade na sociedade em que vivemos. Um médico deve reger-se pelos ditames da ciência ao invés da crença cuja natureza é dogmática e limitante. Da mesma forma, uma Associação deve emitir comunicados baseados em evidências e rigor, especialmente quando coloca em causa a informação que critica.

A AAP representa ateus e agnósticos a favor e contra a atual lei, de todos os quadrantes políticos, e respeita todos os seus associados e o direito de todos os cidadãos de se posicionarem quanto a este assunto, relembrando que a IVG é um direito adquirido das mulheres portuguesas que não pode ser violado.

Antes de mais, importa lembrar que, na ditadura, o planeamento familiar e a contraceção eram absolutamente proibidos em nome da ideologia católica e conservadora do regime. A pílula apenas chegou ao país em 1962 e vinha com o rótulo de “produto do demónio” – este método contracetivo era legalmente considerado produto abortivo. Até 1984 a prática do aborto era completamente proibida em Portugal. A Lei de 6/84 veio permitir a IVG nos casos de perigo de vida da mulher, perigo de lesão grave e duradoura para a saúde física e psíquica da mulher, em caso de malformação do feto, ou quando a gravidez resultasse de uma “violação”. A Lei n.º 90/97, de 30 de julho, alargou o prazo em situações de malformação fetal e do que até então era chamado de “violação”. E foi este quadro legal que persistiu até 2007.

Hoje em dia, apontar a degradação dos serviços obstétricos como justificação para negligenciar o acompanhamento das mulheres que escolhem a IVG é uma comparação análoga a dizer que por termos urgências cheias devemos deixar os doentes oncológicos de parte. Ou seja, a AMCP comete o pecado de que acusa estes partidos. Trata-se de dois serviços diferentes, com finalidades diferentes e com a mesma validade e peso, não devendo nenhum deles ser priorizado. Em boa verdade, e contrariamente ao afirmado neste comunicado da AMCP, nenhum dos partidos propôs ignorar um em prol do outro.

A AMCP indica os prazos em que se realiza a IVG ignorando que muitas mulheres se vêm impedidas pelos hospitais das suas zonas de residência a realizarem o procedimento. Muitas desistem porque são perseguidas, acusadas por médicos religiosos de cometerem pecados, culpabilizadas pela gravidez indesejada e ignoradas nos seus pedidos de ajuda. Muitas vêm-se obrigadas a disponibilizar verbas avultadas para deslocações ou para fazerem a intervenção em clínicas privadas ou noutros países. Esta realidade é avançada por quem tem contacto direto com estas pessoas, a Associação Escolha, com quem a AAP travou conhecimento para se inteirar da realidade. Estas mulheres, e isto não convém à AMCP referir, não entram para a “média das 7 semanas” porque não lhes chega a ser permitido fazer a IVG devido ao prazo reduzido em relação aos melhores exemplos internacionais. Este é um claro uso falacioso da estatística.

Também ao contrário do que defende a AMCP, é necessário olharmos para países cujos modelos de sistema de saúde apresentam melhorias em relação ao nosso de forma a imitarmos modelos que comprovadamente resultam. Que a AMCP diga que olhar para o estrangeiro não é prática que nos deve conduzir é falacioso. Esta é uma organização que assume como seu objetivo a “intervenção social (..) tendo sempre como fonte respetiva a Doutrina da Igreja Católica”, instituição, como se sabe, liderada por um país estrangeiro, na pessoa do seu chefe de Estado, o Papa. Aliás, este chefe de Estado estrangeiro é a figura mais citada na página da AMCP na Internet. Parece-nos, portanto, que só neste quesito é que os médicos católicos de Portugal desejam que estejamos orgulhosamente sós: caso fossem tratamentos oncológicos, devíamos fechar os olhos às práticas mais avançadas praticadas noutros países?

Quanto à questão da legitimidade que a AMCP parece não reconhecer aos partidos políticos portugueses, mas sim a um chefe de Estado estrangeiro, esta parece-nos uma clara demonstração da verdadeira agenda da AMCP: infundir na sociedade o receio de afrontar as hierarquias e as forças católicas e conservadoras dominantes, às quais até os próprios partidos políticos, não poucas vezes, demonstram reverência. Cabe-nos referir que são de facto, os partidos com assento na Assembleia da República que devem exercer o Poder Legislativo. Aliás, isto mesmo é defendido logo de seguida, no seu comunicado, quando é afirmado que o prazo das 10, 12 ou 14 semanas é apenas uma questão política.

Também quanto à eliminação dos dias de reflexão obrigatórios a AMCP faz afirmações sem as fundamentar devidamente. Tanto quanto a AAP tem conhecimento, não existe nenhum prazo de reflexão obrigatória para nenhuma intervenção exclusiva ao corpo masculino, por exemplo, no que diz respeito à vasectomia.  A AMCP faz afirmações sem base documental suficiente ao alegar que “a prática irrefletida e apressada de um aborto pode conduzir a traumas psicológicos posteriores com maior frequência”. Esta é uma opinião infundada, proveniente de uma associação que não apresenta dados científicos, mas apenas crenças religiosas como argumento. Dado que os dias obrigatórios de reflexão existem desde que esta lei está em vigor, não existem sequer dados que apoiem esta afirmação, senão o desejo de alguns religiosos de verem a mulher que escolhe a IVG como incapaz de tomar decisões corretas para si, só porque a decisão que tomou é considerada incorreta para um religioso de determinada confissão.

Cada um dos médicos associados da AMCP tem o direito de acreditar nos preceitos religiosos que indicam que a vida é sagrada a partir da conceção. A discussão sobre a existência desse Deus cruel que tantas e tantas vezes interromperia, caso existisse, a gravidez desejada, pertence ao foro do debate religioso / não religioso. Da mesma forma, a discussão metafísica sobre se existe uma alma numa célula ou num aglomerado de células pertence ao mesmo foro, nunca à medicina. Da mesma forma que a AMCP defende a inviolabilidade da objeção de consciência que não deve ser fiscalizada ou violada, também se deve opor a que a mulher que escolhe a IVG seja fiscalizada ou veja a sua decisão questionada por prazos obrigatórios de reflexão paternalistas e degradantes.

A AMCP age de forma contraditória. Exige o cumprimento da vontade do povo português, expressa no referendo de 2007, mas opõe-se a essa decisão sempre que não favorece as suas posições ideológicas. É bom lembrar que a mesma AMCP, em 2007, jurava que a IVG ia resultar num aumento do número de abortos. O facto é que não resultou. O número de abortos diminuiu cerca de 15% desde essa altura e Portugal é hoje um dos países da Europa com mais baixas taxas de aborto por cada nascimento. Isto em contraste com o cenário pretendido pela AMCP:  uma lei que colocava mulheres na prisão ou as matava através das complicações do aborto clandestino.  É preciso notar que a AAP não está com este comunicado a defender que seja retirada a opção da objeção de consciência dos médicos. Mas defende que os hospitais devem garantir que as suas utentes tenham acesso ao serviço médico da IVG garantindo que existem médicos não objetores de consciência em todos os hospitais públicos. Só assim se garantirá, conforme também defende a AMCP, que seja cumprida a vontade dos portugueses e os direitos das pessoas grávidas portuguesas.

Devemos também apontar, em forma de conclusão que a AMCP refere várias vezes a palavra “natural”: “morte natural” e “desfecho natural”. Há muito pouco de natural na medicina, cujo objetivo é muitas vezes contrariar a natureza, tratando doenças que de outra forma finalizariam de forma natural a vida humana. Parece-nos incompatível a posição religiosa e o exercício consciente, laico e honesto de uma profissão baseada na ciência. Contudo, se um religioso, católico ou outro, escolhe ser médico, deve fazê-lo de forma informada e consciente que a sua crença é limitadora e dogmática e a medicina é sinónimo de progresso científico e civilizacional.

Autoria: Eva Monteiro, Gabriel Coelho, João Nascimento

20 de Outubro, 2024 Onofre Varela

Humanidade e lei religiosa

Cada país rege-se pelas leis aprovadas no seu parlamento, formado pelo voto popular, ou impostas por um ditador. Retirando a segunda hipótese que as pessoas bem formadas rejeitam, é comum (por respeito à liberdade) não nos imiscuirmos na política interna dos outros países, tal como não ditamos leis na casa dos nossos vizinhos. Mas as leis não caem do céu como as folhas outonais caem das árvores… há uma “História das Leis” ligada ao desenvolvimento da Civilização. 

No Egipto Antigo, há 5.000 anos, já havia uma lei escrita para governar o país, baseada na tradição e na igualdade social, e há 3.800 anos o Código Hamurabi regia a lei na Babilónia.

O Antigo Testamento tem mais de 3.300 anos e assume a forma de imperativos morais (alguns deles duvidosos hoje, mas todos aceites naquele tempo, naquele lugar e por aquela gente) como recomendações para uma boa sociedade.

Há cerca de 2.900 anos, Atenas foi a primeira sociedade a basear-se na ampla inclusão dos seus cidadãos, mas excluindo mulheres e escravos. A lei romana foi influenciada pela filosofia grega e impôs-se na Europa Medieval após a queda do Império Romano, tendo sido retocada com preceitos religiosos. Depois surgiu a necessidade de redigir leis internacionais para regular o comércio em toda a Europa e no mundo.

Toda esta retórica me serviu para dizer que embora cada país tenha a autoridade legal e inalienável de ditar leis aos seus povos, é igualmente verdade que a liberdade de cada pessoa em qualquer parte do mundo é, também, inalienável à luz do Humanismo e do conceito da igualdade e do respeito pelo próximo. Nesse sentido há leis de governos que, pela sua desumanidade, merecem o repúdio de todos nós.

Podemos dizer que cada Povo tem a sua sensibilidade, e que esta será a base das leis que o rege. Porém, o Humanismo não está presente nas leis de alguns países… e o Ser Humano é igual em qualquer parte do mundo. Cada um de nós tem o mesmo sistema nervoso que permite sentir alegria e tristeza na mesma experiência de vida, independentemente do ponto cardeal em que se nasça ou viva, e não precisamos de estudar Direito nem tradições sociais, para sentirmos o que é justo e o que é injusto.

As tradições sociais e religiosas de um país ou de uma sociedade não legalizam a maldade. Numa aldeia transmontana era tradição prender um gato no cimo de um poste, ao qual se ateava fogo!… Numa outra localidade espanhola era tradição lançar uma cabra viva das ameias de um castelo para um penhasco!… Se eram “tradições culturais” comunitárias… eram, também, acções desumanas e cruéis que a lei de um país moderno não pode outorgar; por isso foram anuladas. As leis não podem ser desligadas do respeito devido a qualquer ser humano ou animal, seja aqui ou nos antípodas (por cá, espero que as touradas desapareçam brevemente).

No Irão pratica-se uma lei que não é modelo de respeito em lugar nenhum do mundo… começando por não o ser no próprio Irão. Notícia recente (JN, 15/10/2024) dá conta da publicação de nova lei sobre o uso do “hijab” (lenço de cabeça) que castiga com cinco anos de cadeia as mulheres que não o usem. Num comunicado da organização “Human Rights Watch” (HRW) – “Observatório dos Direitos Humanos”, uma organização não governamental – faz-se saber que a nova lei, intitulada “Proteção da família através da promoção da cultura do hijab e da castidade”, foi aprovada pelo Conselho dos Guardiões, o órgão religioso que faz a aprovação final das leis do país.

Tal lei afirma medidas que já vigoravam, e adiciona sanções mais severas, com multas e penas de prisão mais longas, bem como restrições ao emprego e às oportunidades de educação para os infractores.

Jina Mahsa Amini.
ZUMA Press, Inc./Alamy Live News/Alamy

A morte da jovem Mahsa Amini às mãos da polícia em Setembro de 2022, por não usar o hijab conforme a lei manda, desencadeou uma onda de protestos durante meses, com motins nas ruas e a polícia a matar e a prender manifestantes. O governo, em vez de responder ao movimento “Mulher, Vida, Liberdade” com as reformas fundamentais reivindicadas, decidiu “silenciar as mulheres com leis de vestuário ainda mais repressivas, que só podem gerar uma resistência e um desafio feroz entre as mulheres dentro e fora do Irão”, disse a responsável da HRW no Irão.

A nova lei castiga com penas de até cinco anos de prisão a falta de uso do véu e reforça o controle sobre a vida das mulheres e das instituições que não aplicam estas medidas.

Pelo que se vê, o Irão ainda não saiu da medievalidade do pensamento… no pior que a Idade Média continha!

(Por preguiça de aprender novas regras, o autor não obedece ao último Acordo Ortográfico. Basta-lhe o Português que lhe foi ensinado na Escola Primária por professores altamente qualificados)

14 de Outubro, 2024 Carlos Silva

Apostasia

Imagem: Internet


Batizaram-me quando apenas tinha três meses de vida!

Mergulharam-me em “água benta” com a promessa que tal me purificaria e abriria o caminho para a eternidade.

Mergulharam-me em “água benta” com a convicção que tal me uniria eternamente ao seu deus (“Pai, Filho e Espírito Santo”) que por mim morrera e ressuscitara -tornando-me, assim, para sempre, seu filho e fiel servidor.

Marcaram-me como “cristão” quando ainda nem sequer sabia o que era uma ilusão, como quem marca um cordeiro recém-nascido do seu rebanho.

Marcaram-me num ritual eclesial mascarado de festa de família e amigos onde selaram uma espécie de contrato que, supostamente, manifestaria a vontade dos meus pais em me doutrinar de acordo com os valores e princípios morais da religião católica.

Assinaram uma espécie de contrato que definia o presente e decidia o meu futuro… que me impunha não pensar, não sentir… e sobretudo não questionar ou renegar.

Como é que uma mente minimamente decente pode celebrar ou validar um contrato entre uma suposta divindade e uma inocente criança?

Ninguém pode decidir o futuro de uma inocente criança sem conhecimento de causa… e muito menos com um outorgante fictício!

Diz a Igreja Católica que “Deus dá-nos o Seu Espírito e adota-nos como seus filhos, antes mesmo de O conhecermos” … “Deus ama as crianças ainda antes de estas O conhecerem” … e não é por acaso que o manifesta em Mt19, 14: “deixai vir a Mim as criancinhas e não as impeçam…”

Como é que um ser fictício, fruto da imaginação humana, pode adotar uma criança, ainda antes de esta ter consciência da sua… inexistência?

Mais do que um abuso de confiança, este “contrato divino” a que chamam “Batismo”, é uma ofensa à inteligência de qualquer mente minimamente racional.

Mais um dos muitos dogmas absurdos da Igreja Católica que importa desmistificar… e anular.

Assim, existindo tal contrato que me define como “cristão”, que para efeitos estatísticos do meu país me coloca como membro da Igreja Católica Apostólica Romana…

É de forma consciente e de livre vontade que o venho anular através do ato de Apostasia.


AGORA ATEU (I), 2024-02-10