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Mês: Fevereiro 2006

28 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

RTP – 2 Informação

A quem possa interessar
Os leitores que estiverem acordados e interessados podem ver o Documentário «A Fé de Cada Um» de Neni Glock.

O Documentário vai passar na RTP2 (hoje ) terça-feira, dia 28 por volta das 24h (mais coisa menos coisa: http://programas.rtp.pt/EPG/epg-dia.php?datai=-0&dia=28-02-2006&sem=e&canal=8&gen=&time=) .

Este documentário foi galardoado com o Prémio Especial do Júri da XXXII Jornada Internacional de Cinema da Bahia (Salvador da Baía – Brasil).

«A FÉ DE CADA UM» – Um documentário polémico de fé e denúncia

O documentário acompanha alguns personagens em peregrinação a pé ao Santuário de Fátima, Portugal. Um deles é um «pagador de promessas», figura lendária da idade média, que cobrava uma taxa para pagar promessas de outras pessoas. Acompanha também os peregrinos habituais que normalmente movidos pela fé na santa, fazem-se as estradas todos os anos por estas datas de festejos.

Paralelamente acompanha a trajectória polémica de um padre católico, preso por 2 vezes pela antiga policia do regime de Salazar, por ser considerado subversivo, quando alegava estar apenas a seguir o evangelho de Jesus Cristo. Era um opositor as guerra coloniais e pregava a paz entre os soldados.
O padre acredita que Fátima é um embuste da Igreja Católica, um campo de concentração da dor e do paganismo onde se apregoa o culto a uma imagem morta .Os caminhos que percorrem acabam no santuário onde explodem a fé e a denúncia.

Origem: Portugal – 2005 Duração: 57M

28 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

A religião e o Holocausto: II (reloaded)

Freiras marchando com soldados Ustasa

«Os descendentes daqueles que odiaram Jesus, que o condenaram à morte, que o crucificaram e imediatamente perseguiram os seus discípulos, são culpados de excessos muito maiores que os dos seus antecessores… Satã ajudou a inventar o socialismo e o comunismo… O movimento para libertar o mundo dos judeus é um movimento de renascimento da dignidade humana. O Todo Poderoso e omnisciente Deus está por trás deste movimento»
Padre Franjo Kralik «Porque são perseguidos os judeus, » artigo na Acção Católica croata, Maio de 1941.

«Deus, que dirige o destino das nações e controla o coração dos reis, deu-nos Ante Pavelic e inspirou o líder de um povo amigo e aliado, Adolf Hitler, para usar as suas tropas vitoriosas para dispersar os nossos opressores. Glória a Deus, a nossa gratidão a Adolf Hitler e lealdade ao nosso Poglavnik [fuhrer], Ante Pavelic.» Carta Pastoral de 1941 do Arcebispo de Zagreb Aloysius Stepinac, beatificado por João Paulo II em 1998.

Depois das ondas de indignação despertadas pelo meu post sobre o envolvimento das Igrejas protestantes com o regime nazi, reconhecido recentemente por estas, acho que se torna indispensável reiterar que estes posts servem como aviso para a necessidade absoluta da laicidade do Estado e relembrar quão fácil é usar a religião para os mais ignóbeis fins. Como podemos testemunhar no século XXI.

O envolvimento do Vaticano com os nazis e seus regimes satélites não nega o facto de que muitos católicos, padres, freiras ou simples leigos, combateram heroicamente os nazis e foram solidários com os judeus e outros perseguidos. Mas é inegável que o silêncio ensurdecedor das altas cúpulas do Vaticano, de Pio XI e especialmente de Pio XII, o Papa nazi para muitos, incomodou e incomoda muitos crentes. Que tentam ver nesse silêncio uma expressão de diplomacia, que afirmam que se Pio XII tivesse falado abertamente contra os nazis o horror do Holocausto teria atingido dimensões ainda maiores.

Pessoalmente tenho dificuldade em acreditar nessa explicação que não só ignora os factos que apresento no post seguinte como também é contrariada pela actuação do Vaticano noutros conflitos da época. Nomeadamente essa contenção não foi seguida pelo Papa Pio XI, que em 1936 exorta os católicos espanhóis a lutarem lado a lado com Franco na «difícil e perigosa tarefa de defender e restaurar os direitos e a honra de Deus e da Religião».

A Igreja de Espanha declarou-se imediata e entusiasticamente do lado de Franco, nomeadamente através da pastoral «Las dos ciudades» do bispo de Salamanca, Enrique Pla y Deniel (nomeado cardeal por Pio XII em 1946, sem dúvida em reconhecimento pelos bons serviços prestados), datada de Setembro de 1936. E não podemos esquecer que em Julho de 1936, tinha começado uma rebelião contra o governo democraticamente eleito da Frente Popular.

Uma rebelião, que se transformou na Guerra Civil Espanhola, tornada possível em grande parte pelo apoio do Vaticano, de Mussolini e de Hitler, tendo este último enviado tropas em apoio de Franco. Em Abril de 1937, os aviões alemães da Legião Condor bombardeiam e destroem pela primeira vez na história uma cidade a partir do ar. Foi a cidade de Guernica, na província espanhola do País Basco, imortalizada por Picasso. Para recordar a estupidez de uma guerra que causou um milhão de vítimas e o exílio de centenas de milhares de espanhóis.

Essa desculpa é ainda negada pela atitude de muitos responsáveis católicos em países satélites do regime de Hitler. Mal as forças alemãs marcharam sobre Viena em Março de 1938 o Cardeal Theodore Innitzer, arcebispo de Viena, entrou em contacto com Hitler. Três dias depois envia instruções aos seus subordinados: «Os crentes e aqueles que cuidam das suas almas, devem submeter-se incondicionalmente ao Führer e ao grande estado germânico. A batalha histórica contra a ilusão criminosa do bolchevismo e para a segurança da Alemanha, por trabalho e pão, para o poder e honra do Reich e pela unidade da nação germânica, têm manifestamente a benção da Divina Providência».

Duas semanas depois o episcopado austríaco emite um comunicado de apoio ao plebiscito sobre a incorporação da Aústria no III Reich (que teve o apoio de 99,73% dos votantes) em que se pode ler «No dia do plebiscito é claramente o nosso dever nacional, como alemães, declararmo-nos em favor do Reich germânico, e esperamos igualmente que todos os crentes cristãos percebam correctamente o seu dever para com a nação».

Em Março de 1939, a Alemanha invade as regiões checas. A Eslováquia forma então um país separado, sob a tutela alemã e com um regime pró-nazi, chefiado pelo católico monsenhor Josef Tiso, que foi executado em 1947 pelos crimes cometidos, indefectível até ao fim de Hitler.

Ante Pavelic, lider católico dos Ustase, tornou-se lider (poglavnik) do Estado Independente da Croácia depois de Hitler ter invadido a Jugoslávia em 1941. Pavelic pretendia exterminar um terço dos sérvios (ortodoxos), expulsar outro terço e converter ao catolicismo os restantes. Tudo sob o ar benévolo do Vaticano, que desculpava os massacres cometidos como sendo apenas «problemas de um novo regime» («teething troubles of a new regime» foi a expressão usada pelo secretário de estado do Vaticano, Monsenhor Domenico Tardini). Apenas quando a vitória aliada era um facto consumado o Vaticano denunciou o genocídio levado a cabo em boa parte por membros do clero católico. E Ante Pavelic nunca enfrentou um tribunal de guerra, sendo-lhe oferecido santuário pelo Vaticano no mosteiro de San Girolamo, indo depois para a Argentina onde foi conselheiro de segurança de Juan Peron, até uma tentativa de assassínio o fazer fugir para a Espanha de Franco onde morreu em 1959. A cumplicidade do Vaticano na fuga de Pavelic, com um espólio de guerra considerável, está a ser alvo de uma acção legal que pretende a devolução do dinheiro do tesouro da Croácia transferido ilicitamente para o banco do Vaticano.

Sobre as atrocidades cometidas pelo regime católico Ustasa ou Ustasha, o massacre de 600 000 sérvios, 30 000 judeus, e 26 000 ciganos, os livros indicados são elucidativos, o último escrito por um sobrevivente do campo de concentração de Jasenovac, dirigido até 1943 pelo frade franciscano Miroslav Filipovic-Majstorovic.

E não esqueçamos que em Outubro de 1941, enquanto os exércitos nazis ultimavam a invasão de Moscovo, Pio XII pedia aos católicos para orarem pela rápida realização da promessa da Senhora de Fátima de «conversão da Rússia». No ano seguinte, no dia 31 de Outubro de 1942, após Hitler ter declarado que a Rússia Comunista tinha sido «definitivamente» derrotada, Pio XII, numa mensagem de Jubileu, cumpriu a primeira das exigências daquela «Senhora», «consagrando o mundo inteiro ao seu Imaculado Coração».

«Convert or Die: Catholic Persecution in Yugoslavia During World War II» Edmond Paris
«The Yugoslav Auschwitz and the Vatican» Vladimir Dedijer
«Witness to Jasenovac’s Hell» Ilija Ivanovic

28 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

A religião e o Holocausto: I (reloaded)

Hitler com o Arcebispo Cesare Orsenigo, o núncio papal, em Berlim, 1935

Em 20 de Abril de 1939, o arcebispo Orsenigo celebrou o aniversário de Hitler. A celebração, iniciada por Eugenio Pacelli (depois Pio II) tornou-se uma tradição. Em 20 de Abril todos os anos o cardeal Bertram enviava «as mais calorosas congratulações ao Fuhrer em nome dos bispos e das dioceses alemãs».

«O Governo, decidido a empreender a purificação moral e política da nossa vida pública, está a criar e a assegurar as condições necessárias para uma renovação realmente profunda da vida religiosa (…). O governo nacional considera as duas confissões cristãs como os factores de maior peso na manutenção da nossa nacionalidade. Respeitará os acordos existentes entre elas e os estados federais. Os seus direitos não serão infringidos (…).

O Governo do Reich, que considera o cristianismo a fundação inabalável da moral e do código moral da nação, considera do maior valor as relações amigáveis com a Santa Sé, e está empenhado em as desenvolver…»
Adolf Hitler, discurso no Reichstag em 23 Março de 1933.

Um post do Carlos criou veementes protestos, nomeadamente a acusação de mistura de alhos com bugalhos, ou seja, a mistura da religião católica com o horror do Holocausto. Na realidade acho que o post do Carlos nos recordou quão fácil é usar a religião para os mais ignóbeis fins. E é um alerta para que os eventos que tão tristemente relembramos hoje não se venham a repetir. A intolerância disfarçada com as roupagens da fé não deixa de ser intolerância mas é certamente mais «aceitável» para os crentes. Porque acima da razão e da crítica deve estar a obediência a Deus e aos seus representantes na Terra, os exegetas que interpretam à sua conveniência os textos ditos «sagrados».

As causas da II Guerra são, como é óbvio, complexas e diversas mas não devemos ignorar o papel desastroso que a religião teve nos acontecimentos que culminaram no Holocausto. O ódio de Hitler pelos judeus foi incutido pela sua religião, a visão exegética da religião católica dominante, e reforçado pela cultura germânica da época. A sua obsessão pela exterminação dos judeus, o «eixo do mal» para Hitler, era a sua forma de realizar o trabalho de Deus. Muitos altos dignitários das igrejas cristãs viam o trabalho de Hitler, não só na eliminação dos judeus mas também no combate ao comunismo soviético, como divinamente inspirado. Os nazis apresentavam-se como mais que um partido político, como um movimento que pretendia abranger todos os aspectos da vida quotidiana, em que a religião tinha um papel preponderante. O próprio Hitler usa a sua fé católica como inspiração para os seus inúmeros discursos, para o «Mein Kampf» de triste memória e como justificação para todo o mal que cometeu.

O Holocausto foi aceite sem grande contestação pelo povo alemão porque foi precedido por uma intoxicação da opinião pública contra os judeus por parte não só da propaganda nazi, como das igrejas protestantes, e por partidos católicos na Áustria e na Alemanha. Com o beneplácito da Igreja de Roma, como veremos no post seguinte.

A laicidade na Alemanha nunca foi sequer considerada antes da segunda guerra mundial. Por exemplo, os jovens que se formavam nas Escolas Militares alemãs do final do século XIX juravam obediência a Deus e ao Kaiser. Aliás é essa promiscuidade, a aliança entre a Igreja – Estado na Alemanha que inspira Nietzsche para o seu livro «O Anticristo». Mas um factor decisivo foi a celebração, em 1917, do quarto centenário das Teses de Martinho Lutero. O evento, infelizmente, tornou-se um veículo de idolatria de Lutero como um herói nacional, encarnando o espírito germânico. O anti-semitismo manifestado por Lutero foi assim facilmente utilizado na cooptação da Igreja Protestante como instrumento do Estado nazi.

Em 1920, o Partido dos Trabalhadores Alemães, precursor do Partido Nacional Socialista, adoptou um manifesto de 25 pontos, obviamente anti-semita, que limitava a liberdade religiosa, permitindo-a apenas na medida em que não ferisse os sentimentos raciais alemães, adoptando o que foi chamado de «Cristianismo Positivista».

Em 1928 surgia o movimento do Cristianismo Germânico, associado às Igrejas Protestantes da Alemanha, oficializado posteriormente em 1932. O líder do movimento era o Pastor Ludwig Muller, o chefe da Gestapo a partir de 1939, investido bispo da Igreja do Reich em 1933.

Em Julho de 1933, o Cristianismo Germânico ganhou as eleições nas igrejas protestantes com 70% dos votos e elaborou uma proposta de constituição para uma nova Igreja do Reich, muito desejada por Hitler, formada por todas as 28 igrejas regionais protestantes, reconhecida oficialmente pelo Reichstag em 14 de Julho. Da facção perdedora, o Evangelho e a Igreja, emergiram os religiosos que se opuseram a Hitler, que são agora usados como confirmação da oposição das Igrejas a Hitler, quando na realidade eram apenas uma honrosa minoria.

PS: Post originalmente publicado em Janeiro do ano passado e republicado dados os protestos a outro post do Carlos.

28 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Adolfo Hitler – um bom cristão

Alguns pios visitantes do Diário Ateísta, devotos de qualquer biltre que use a tiara pontifícia, gostam de acoimar de ateu o carniceiro anti-semita Adolfo Hitler.

Curiosamente, a ICAR, tão lesta a excomungar o comunismo, nunca usou a mesma arma para o nazismo e o fascismo. O livro «A minha luta» e o seu autor nunca foram parar ao Índex onde jazem Sartre, Simone e o perigoso Larousse, autor da… demoníaca Enciclopédia, com o seu nome.

Pio XII, amigo de Hitler, foi com esse ateu que assinou mais uma concordata. A ICAR, com as concordatas, parece vendedora de enciclopédias ao domicílio, e a prestações, ansiosa de obter a assinatura do comprador.

Os militares nazis usavam nas fardas, como divisa, «Deus está connosco». O ateu Hitler obrigava as crianças das escolas a começarem o dia com uma oração ao bom Jesus.

Deve ao ateísmo, certamente, o facto de as suas tropas terem sido recebidas em festa na Áustria com o beneplácito da Conferência Episcopal, sem uma única abstenção.

Após a morte, a missa solene mandada rezar pela ICAR foi uma deferência para com o ateu e suicida.

O Diário Ateísta compreende que João Paulo II não lhe tenha encomendado um milagre nem tenha alvitrado o seu nome para a beatificação mas não esperava que os católicos chegassem tão longe ao ponto de o renegar e considerá-lo ateu.

Aliás, a ICAR, que canonizou duas mulas e um cão (por lapso, é certo), podia também consagrar o antigo menino de coro Adolfo Hitler. Não ficava mal no mesmo altar de Santo Escrivá.

27 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

O Vaticano e o Islão – II

Que Ratzinger advoga implicitamente um retorno aos «gloriosos» tempos medievais em que Roma dominava todos os aspectos da vida europeia é absolutamente claro no seu livro, «Sem raízes» (Without Roots), escrito com Marcello Pera, presidente do Senado italiano e membro do Forza Italia de Silvio Berlusconi, em que nos é «explicado» como o secularismo, isto é a laicidade, e o multiculturalismo estão a matar a Europa e como apenas o regresso ao fundamentalismo cristão pode salvar a Europa.

Num livro que explora os medos da actualidade europeia, Ratzinger afirma que a laicidade e consequente recusa da herança cristã (isto é, ser o Vaticano a reger a Europa) deixa a Europa incapaz de responder à ameaça islâmica. Porque a resposta à ameaça islâmica é mostrar que o cristianismo é melhor que o islamismo. A incapacidade de resistir a um Islão, que segundo o livro declarou e conduz uma guerra ao Ocidente, é ditada pela abominável laicidade que impede os europeus de assumirem e afirmarem a superioridade do cristianismo!

Entre os pontos abordados no livro, que ainda não li na totalidade, há alguns que merecem destaque. Nomeadamente

-Como a falta de valores cristãos pela Europa e a sua falta de identidade explica porquê tantos europeus se opuseram à segunda guerra no Iraque e à iniciativa «democrática» de George W. Bush no Médio Oriente;

-E porquê os católicos têm de admitir que o diálogo inter-religiões promovido pelo concílio Vaticano II falhou (e deve ser abandonado).

Assim a ICAR deixou de se rever na Nostra Aetate, que exortava «os seus filhos a que, com prudência e caridade, pelo diálogo e colaboração com os sequazes doutras religiões, dando testemunho da vida e fé cristãs, reconheçam, conservem e promovam os bens espirituais e morais e os valores sócio culturais que entre eles se encontram» e na Dignitatis Humanae, que reconhecia o direito à liberdade de religião. Como seria expectável da eleição do autor do Dominus Iesus.

A mudança do discurso ecuménico do Concílio Vaticano II, mais um indício da negação crescente deste, é facilmente confirmada nas recentes emanações do Vaticano em relação à guerra dos cartoons. De facto, depois de criticar a publicação dos cartoons aproveitando o incidente para exigir «respeito» pelas religiões, mais concretamente nas palavras de Bento XVI, «É necessário e urgente que as religiões e os seus símbolos sejam respeitados e que os crentes não sejam alvo de provocações que firam a sua iniciativa e os seus sentimentos religiosos», o Vaticano adverte agora que se o Islão exige respeito pela sua religião então tem de respeitar as restantes.

«Se nós dizemos aos nossos que não têm direito a ofender, temos de dizer aos outros que não têm o direito de nos destruir» declarou em Roma o Cardeal Angelo Sodano, o secretário de estado do Vaticano.

«Nós devemos frisar sempre a nossa exigência de reciprocidade» reforçou o ministro dos Negócios Estrangeiros o arcebispo Archbishop Giovanni Lajolo ao Corriere della Sera, em uníssono com Bento XVI que na sua recente conversa com o embaixador de Marrocos frisou que a paz só pode ser assegurada pelo «respeito pelas convicções religiosas e práticos dos outros, de forma recíproca em todas as sociedades».

Atentando à declaração do Cairo dos direitos humanos no Islão, mais concretamente ao seu artigo 10:

Artigo 10
O Islão é a religião da natureza não conspurcada. É proíbido exercer qualquer forma de compulsão no homem ou explorar a sua pobreza ou ignorância para o converter a outra religião ou ao ateísmo

parece-me complicado que a reciprocidade exigida pelo Vaticano se consubstancie no que pareceria linear das palavras dos dignitários máximos do Vaticano.

A linha de acção proposta pelo Vaticano é mais explícita se atentarmos ao que dizem os dignitários intermédios, nomeadamente às palavras do bispo Rino Fisichella, reitor da Pontifical Lateran University, uma das Universidades que treinam padres de todo o mundo, «Devemos pressionar as organizações internacionais para que as sociedades e estados de maioria muçulmana enfrentem as suas responsabilidades».

Diria que as palavras do monsenhor Velasio De Paolis, secretário do Supremo Tribunal do Vaticano, nos esclarecem melhor sobre o que significa este enfrentar de responsabilidades:

«Já chega deste oferecer da outra face! É nosso dever defendermo-nos».

A mesma reacção da Associação Cristã da Nigéria (CAN), bem expressas pelo seu dignitário máximo, o arcebispo Peter Akinola, «Podemos nesta altura recordar aos nossos irmãos muçulmanos que eles não detêm o monopólio da violência nesta nação». Como se viu

27 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Deus e deuses

Gosto dos deuses gregos e do plágio que deles fizeram os romanos. Quando se tornam mitos os deuses ficam simpáticos, enquanto vivos são perigosos.

Os deuses, numerosos, tinham força, graça e beleza. Tinham sexo e reproduziam-se. Eram humanos e tornaram-se agradáveis, talvez por terem caído em desgraça.

O deus monoteísta, protector de tribos convencidas de serem o povo eleito, juntou em si o pior que os homens tinham e o mais execrável de que só deus é capaz.

Os homens, às vezes, são cruéis, deus é sempre e mantém-se eternamente vingativo. Os homens são machistas, prepotentes e arrogantes, deus é tudo isso, divinamente, e muito mais. É misógino e tem o culto da personalidade.

Deus gosta de orações, sacrifícios e jejuns. Adora liturgias idiotas em hebraico, árabe ou latim. Deseja ver pessoas de joelhos ou de rastos. É um déspota de baixo nível e egoísta de alto coturno.

De tanto assustar os homens foram-se estes cansando dele e deixam-no morrer, devagar, como quem esquece o algoz, se emancipa do opressor e prefere a liberdade à obediência e a felicidade de um só dia à glória da eternidade.

Progressivamente, os homens sobrepõem os seus direitos aos caprichos divinos, trocam a teocracia pela democracia e a vontade individual prevalece sobre a de deus. Este não vive sem o clero, a sua guarda pretoriana que lhe interpreta a vontade e a impõe à força.

A única desculpa de deus são os homens que o criaram e os parasitas que vivem dele.

26 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Ainda os negócios de Deus

Paul Marcinkus[BE1] , o enorme arcebispo de 1,94 metros e cem quilos de peso, responsável dezoito anos pelas finanças do Vaticano, não foi apenas o infeliz «banqueiro de Deus» que ajudou à falência do Banco Ambrosiano.

Ele dizia que «não se pode gerir a igreja a poder de Ave-Marias» e foi coerente com esta verdade comprovada desde a mercearia até à Microsoft.

Quando aceitou a presidência do IOR (banco do Vaticano) que tinha implícito o barrete cardinalício, uma mordomia substituta da comparticipação de lucros, declarou que, até aí, só tinha como experiência de gestão financeira a colecta dominical a seguir à missa.

Os desfalques foram em nome de Deus mas o Vaticano perdeu 500 milhões de dólares e enlameou-se. Não se soube o destino dos 1.300 milhões de dólares que levaram o Banco Ambrosiano à falência. O director, Roberto Calvi, foi encontrado enforcado numa ponte de Londres e Michele Sindona, outro amigo do arcebispo, foi envenenado na prisão.

Mas o pio bispo, amigo de vários papas, impedido de ser julgado por JP2 (os subsídios ao sindicato Solidariedade não caíram do Céu) recolheu aos EUA em 1990, reformado.

Foi pai solteiro. Deixou um filho único e um escândalo do tamanho da ICAR.

[BE1]Expresso de 25/2/2006 pg. 22

26 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

O Vaticano e o Islão – I

No livro que viu estrategicamente a luz do prelo uns dias antes do concílio que rapidamente o elegeu, «Values in Times of Upheaval» (Valores em tempos de crise), Ratzinger expressava as suas preocupações sobre o futuro de uma Europa sob a ameaça da laicidade e do Islão. Em que basicamente advoga que a laicidade, a exclusão de Deus da vida pública, nos impede de responder convenientemente à ameaça islâmica.

Segundo Ratzinger «Para sobreviver a Europa precisa de uma aceitação crítica da sua cultura cristã» e, fazendo as delícias dos grupos de extrema-direita, referindo-se ainda à baixa taxa de natalidade europeia e à necessidade de mão de obra imigrante afirmou que «Na hora do seu maior sucesso a Europa parece ter ficado vazia interiormente, paralizada por uma crise que lhe ameaça a vida e dependente de transplantes».

Preocupações que foram ainda alvo de uma alocução, igualmente estratégica, que proferiu no convento da Saint Scholastica em Subiaco, Itália, na véspera da morte anunciada de João Paulo II, no primeiro de Abril de 2005.

Alocução em que Ratzinger identifica o racionalismo iluminista, herança da Renascença que retirou «Deus» (isto é a Igreja de Roma) do centro de decisões na Europa, como o grande perigo. Assim, afirmou que «de acordo com a tese do iluminismo e cultura secular da Europa, apenas as normas e conteúdos do iluminismo são passíveis de determinar a identidade europeia» o que tem como consequência que «esta nova identidade, determinada exclusivamente pela cultura iluminista, implica igualmente que Deus não participa de todo na vida pública e nos alicerces do Estado».

Em resumo, segundo Ratzinger a cultura do iluminismo é execrável porque pondo a sua tónica nos direitos humanos e não na «vontade» divina (interpretada e debitada pelo Vaticano), explicando cientificamente o mundo sem necessitar de Deus, desenvolvendo uma ética e uma moral à revelia do emanado de Roma, é a causa última dos problemas com que a Europa se debatia (e debate), nomeadamente a ameaça islâmica.

Como corolário da sua mensagem, o na altura Cardeal clamou que a sociedade ocidental assente nos direitos humanos era um erro que nos tinha conduzido ao «abismo» actual. Afirmando que «Uma ideologia confusa de liberdade leva ao dogmatismo» – em que esta ideologia «confusa» envolve, p.e., o fim da discriminação da mulher, divinamente ordenada, e da homossexualidade, uma «desordem objectiva» – Ratzinger urgiu a necessidade de todos, crentes e não crentes, viverem e regerem a sua vida como se Deus existisse, veluti si Deus daretur, ou seja, subordinados aos ditames e dogmas do Vaticano.

Ou seja ainda, aproveitando habilmente a conjuntura actual, Ratzinger decretou a falência dos valores de tolerância e respeito pelos direitos do homem, os responsáveis pela crise actual, e advogou que a única resposta ao fundamentalismo islâmico só pode ser o retorno à cristandade, a supremacia da religião sobre todos os aspectos da vida, isto é, ao fundamentalismo cristão!

25 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

O perigo está na fé

As religiões são o cimento que aglutina impérios e exacerba a demência tribal. Foram sempre pretexto para o expansionismo e a xenofobia.

As religiões abraâmicas plagiaram-se sucessivamente e tornaram-se cada vez piores.

Deus, fugindo ao desprezo e tédio, rumou um dia ao Monte Sinai para chatear Moisés e, depois disso, não mais largou a humanidade nem esta deixou de o promover em feiras místicas, simpósios litúrgicos e peregrinações beatas.

O judaísmo degenerou em cristianismo e as metástases deste conduziram ao islamismo. As religiões necessitam de açaime. Sabe-se o que sofre a humanidade quando se deixam à solta.

Deus tornou-se saprófita dos homens, espécie de micróbio intestinal, alçado a criador do Céu e da Terra. Ficou-se por aí porque o medo não conhecia mais mundo para lá do seu habitat e da sua imaginação.

O cristianismo passou de seita a religião graças a Constantino, que se proclamou o 13.º apóstolo. Foi infanticida, assassino e uxoricida, ninharias que não impediram o clero de lhe confiar plenos poderes no concílio de Niceia em 325.

A isenção de impostos para bens imobiliários do clero, as prebendas e a construção de igrejas justificaram o pio silêncio. O Paraíso não tem preço mas paga-se caro.

Dezassete séculos depois, o comportamento do clero mantém-se. Em todas as religiões.