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18 de Junho, 2025 Onofre Varela

Nacionalismo criticado pelo Papa

O sentimento nacionalista é uma faca de dois gumes. Se, por um lado, com ele se pode demonstrar o “amor” (talvez melhor dito) o “interesse”, do cidadão pela terra que é sua, pelo país que é seu, enaltecendo-o por razões perfeitamente válidas que têm a ver com a história familiar que faz o lugar onde nasceu, cujo lugar também acabou por o moldar numa simbiose natural difícil de igualar… é um sentimento poderoso, verdadeiro e, podemos dizer, mesmo… saudável (se for bem tomado).

Porém, há outro sentimento nacionalista que deve ser evitado… é aquele que acaba por inquinar mentes defeituosas, divorciadas de qualquer sentimento de fraternidade e saber, quando o nacionalismo propalado por tal defesa não passa do “egoísmo nacionalista patriótico”, apodrecido, mal cheiroso na sua vertente mais estúpida, sacana e doentia, configurando a ideia extremista de que “esta terra é minha e de mais ninguém”. É uma ideia egocentrista a evitar por qualquer pessoa de bem. Aliás, nem ideia será… é uma “ideiinha” só possível a quem não tem ideias!

A “minha terra” é, em termos geológicos e universalistas, a terra de toda a gente. Todos nós nascemos no mesmo planeta que é a nossa verdadeira terra, independentemente do local que pisemos. Podemos defender o valor afectivo que nutrimos pelo “nosso torrão”, pela “nossa rua”, mas sem esquecermos que “a rua dos outros” é tão importante quanto a nossa que pode ser calcorreada e habitada por quem nasceu noutras ruas… noutros torrões. (Aqui podemos abordar costumes étnicos “dos outros”, que são representativos “da rua deles”. Valores que nós também temos, embora sejam diversos dos seus. Esta diversidade faz a riqueza étnica da origem de cada um de nós. Mas esta consideração já merece um outro texto para além deste).

A condenação deste egoísmo patriótico esteve bem presente nas palavras do novo Papa, em notícia divulgada pela imprensa um mês após ter sido eleito.

Fonte

, na homilia da missa que celebrou no dia 8 de Junho, criticou o surgimento de movimentos políticos nacionalistas, classificando-os como lamentáveis, sem mencionar especificamente qualquer país ou líder nacional. Esta sua intervenção foi noticiada pelo jornal Público na edição do dia seguinte.

O Papa pediu “que Deus abra fronteiras, derrube muros e dissipe o ódio” seguindo pergaminhos de Francisco, o que aponta para que a sua intervenção política e social perante o mundo de crentes e não crentes, será muito idêntica à do seu antecessor, o que é uma boa notícia, se não para todos os católicos (os mais fundamentalistas [nacionalistas] não concordarão com ele), sê-la-à para todos os religiosos e ateus “de boa vontade”.

Este seu pedido foi feito perante uma multidão de dezenas de milhar de pessoas na Praça de S. Pedro, no Vaticano. «Não há lugar para o preconceito, para “zonas de segurança” que nos separem dos nossos vizinhos, para a mentalidade da exclusão que, infelizmente, vemos agora emergir também nos nacionalismos políticos», disse o pontífice.

Antes de se tornar Papa, Robert Prevost, enquanto cardeal, não hesitou em criticar o presidente dos EUA, Donald Trump e o vice-presidente J. D. Vance na rede social nos últimos anos. Francisco, que foi Papa durante 12 anos, era um crítico contundente de Trump e afirmou, em Janeiro, que o plano do presidente de deportar milhões de migrantes dos EUA durante o seu segundo mandato era uma “vergonha”.

Francisco disse mesmo que Trump “não era cristão” por causa das suas opiniões sobre a imigração. “Uma pessoa que pensa apenas em construir muros, seja onde for, e não em construir pontes, não é cristã”, disse Francisco quando questionado sobre Trump em 2016.

9 de Junho, 2025 Onofre Varela

O Papa na Geopolítica

Há quem recorde uma frase do Papa Francisco quando lhe ofereceram um livro onde o autor narra as campanhas organizadas contra si a partir dos círculos ultraconservadores dos Estados Unidos da América (EUA). Bergóglio terá dito: “Para mim é uma honra ser atacado por americanos”. 

O novo Papa, Leão XIV (de seu nome Robert Francis Prevost), enquanto americano pode falar com Trump usando estatuto de “cidadão americano” para “cidadão americano”, sem que o presidente dos EUA se coloque em bicos de pés sobre a sua nacionalidade que imagina superior à de qualquer outro cidadão do mundo. 

Notícias de Vila Real

Têm, ambos, histórias familiares idênticas. O papa nasceu nos EUA, sendo filho de pai com ascendência francesa e italiana, e de mãe com ascendência espanhola. Por sua vez, Donald Trump também nasceu nos EUA, sendo filho de pai descendente de imigrantes alemães, e de mãe escocesa. Trump expulsa imigrantes que procuram melhorar a sua vida buscando trabalho nos EUA, esquecendo a sua origem idêntica à daqueles que expulsa. 

Os seus progenitores tiveram a sorte de ser recolhidos pela mesma América… mas de outro tempo e com outro presidente. Agora a Igreja Católica tem um Papa dos EUA, mas que também é sul-americano como era o seu antecessor. Dos EUA porque nasceu em Chicago… e sul-americano porque viveu o seu sacerdócio no Peru, adquiriu a nacionalidade peruana e conhece a realidade social dos povos mais pobres do continente, sempre tão desprezados pelos poderosos da Economia dos EUA. 

Leão XIV tem um trunfo para jogar com Trump: a sua autoridade moral… coisa que Trump nem imagina o que seja. 

O clérigo Francis Prevost não é um intruso para os americanos… é “um deles”! E para os Sul-americanos também é “um deles”. Trump não pode rotulá-lo de “perigoso marxista” como a extrema-direita internacional apoucava o Papa Francisco. 

Agora há um rosário de perguntas que todo o mundo espera ver respondidas pelas acções de Leão XIV: como serão as suas relações, enquanto referência moral, com Donald Trump? E com a China, a Rússia, a Ucrânia, Israel, o mundo árabe e os povos latino-americanos? 

Respostas difíceis de encontrar, mas que deixam esta preocupação no ar: “o Papa nunca devia ser um natural da primeira potência mundial”. 

Espera-se um grandioso trabalho da máquina diplomática do Vaticano e da sua secretaria de estado. Hoje, o Vaticano é mais do que um estado e uma religião num mundo semeado de estados e de religiões. No mundo actual é inevitável um choque cultural, político e moral com epicentro na sua polarização. 

Trump, com a sua arrogância, representa um populismo desrespeitador de valores humanos, seguido também por Giorgia Meloni, de Itália, por Viktor Orban da Hungria, pelo Vox de Espanha e pelo seu correspondente Chega, de Portugal. Políticos que, hipocritamente, rezam ao mesmo Deus de Leão XIV… mas com os quais a Igreja não pode pactuar, sob pena de degradar a sua imagem, que foi tão bem retocada e polida por Jorge Mario Bergoglio. 

3 de Junho, 2025 João Monteiro

AAP deseja boa recuperação a Paulo Miranda Nascimento

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP), tendo tomado conhecimento do estado de saúde de Paulo Miranda Nascimento, vem por este meio solidarizar-se com todos os seus amigos, colegas e seguidores, neste momento de sofrimento, tristeza e preocupação. 

Paulo Miranda Nascimento, mais conhecido na internet por Pirula, é um paleontólogo, zoólogo e divulgador de ciência brasileiro. É licenciado em Biologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e possui mestrado e doutoramento em Zoologia pela Universidade de São Paulo (USP).

Em 2006 criou no YouTube o “Canal do Pirulla“, onde aborda temas como ciência, meio ambiente, religião e política, sempre com uma abordagem detalhada e acessível. Ele também é um dos fundadores do projeto Science Vlogs Brasil, que reúne canais de divulgação científica para combater a onda de anti-ciência na internet. Além disso, é coautor do livro “Darwin sem Frescura“, publicado em 2019, onde procura desmistificar conceitos da teoria da evolução de Charles Darwin. O seu trabalho é reconhecido internacionalmente por promover o pensamento crítico e combater a desinformação, tendo sido premiado, em 2014, como melhor influenciador em educação nas redes sociais no Shorty Awards. 

Na semana passada, Pirula sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) em sua casa em São Paulo e foi internado numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Um financiamento coletivo foi criado para auxiliar Pirula e a sua família durante esse período (consultar aqui).

A AAP deseja a Paulo Miranda Nascimento uma rápida recuperação. A todos os seus amigos, familiares e seguidores, em particular junto da comunidade brasileira, a AAP estende um abraço solidário e de apoio deste lado do Atlântico. 

Paulo Miranda Nascimento – crédito: Wikipedia

3 de Junho, 2025 Onofre Varela

Um santo português e especial

Em Junho de 2019, um assaltante de igrejas entrou na Igreja de S. Domingos em Viana do Castelo e roubou um relicário que continha uma vértebra de Frei Bartolomeu dos Mártires. Esse templo faz parte da história da minha vida, porque nele foi encomendada a alma dos militares do Batalhão de Artilharia 1869, em Dezembro de 1965 (ao qual eu pertencia) e que dois dias depois embarcou para Angola.

Dado o alarme do roubo, a polícia fez bem o seu trabalho, o assaltante foi preso e o relicário, que constitui uma peça importante na história da fé dos crentes frequentadores daquela igreja, voltou ao seu lugar.

Abordo este crime de usurpação e roubo de uma peça com valor religioso, como introdução a este texto porque, ao tempo, o Papa Francisco acabara de canonizar um novo santo da Igreja Católica… e que, por sinal, era o mesmo Frei Bartolomeu dos Mártires que o energúmeno assaltante desrespeitou religiosa e civicamente, com a profanação e roubo que protagonizou.

Frei Bartolomeu nasceu em Lisboa a 3 de Maio de 1514, morreu em Viana do Castelo a 16 de Julho de 1590, e pertenceu à Ordem dos Frades Pregadores de Braga. Em Março de 1845 o Papa Gregório XVI considerou-o Venerável, e o Papa João Paulo II titulou-o de Beato em Novembro de 2011. Em 2015 o arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, endereçou ao Papa Francisco o pedido de canonização “equipolente” de Frei Bartolomeu, e a sua canonização teria ocorrido (a crer na agenda religiosa da época, e se não sofreu alteração) a 10 de Novembro de 2019. O longo caminho para a canonização, no caso de Frei Bartolomeu, demorou cerca de 430 anos… e, mesmo assim, não é um santo com todos os predicados requeridos a um santinho… por isso é que lá está o termo “equipolente”, que é um palavrão eclesiástico para dizer “equivalente”… mas sem os crentes comuns perceberem!

E qual é o valor deste termo colado a um santo da Igreja Católica?… A canonização equipolente quer dizer que o respectivo santo não tem, no seu palmarés, milagres atribuídos, nem tem que os ter em tempo algum. É elevado a santo sem os créditos respectivos exigidos a qualquer santinha ou santinho, que é fazer milagres, sem os quais o candidato a santo não sobe aos altares.

Acho piada aos processos de canonização porque me parecem brincadeiras eclesiásticas medievais na era da computação!… Mas os bispos e os crentes de base encaram estas brincadeiras (que até têm gabinete próprio no Vaticano) como a coisa mais séria deste mundo e das suas vidas… o que aumenta a piada que lhes encontro!… Só não me rio histrionicamente por respeito aos crentes… mas, por respeito a mim mesmo, considero as canonizações como actos cómicos, para preservação da minha própria sanidade mental.

Frei Bartolomeu dos Mártires
(créditos: Giuseppe Antonio Lomuscio)
29 de Maio, 2025 Onofre Varela

Tomás da Fonseca e o Anticlericalismo

O termo Anticlericalismo já foi pronunciado como insulto. Houve tempo em que rotular alguém de “anticlerical” era apelidá-lo de “mal comportado”, na definição mais suave do termo. Um anticlerical era o demónio em pessoa e não merecia mais do que ter a alma a arder no Inferno! Para além deste folclore de crendice direi que, hoje, em Portugal, não há Anticlericalismo pela simples razão de não haver Clericalismo! (Ou há?!…) O Anticlericalismo só existe na razão directa do Clericalismo que quer combater. É como um antivírus que só existe porque há o vírus. Não existindo este, não há razão para existir aquele.

O Anticlericalismo em Portugal existiu com uma força feroz num tempo em que havia um Clericalismo igualmente feroz. Penso que o último Anticlericalista Português foi Tomás da Fonseca (1877-1968), detentor de uma forte personalidade invulgar que o enviou para a cadeia diversas vezes por razões políticas. Na Primeira República foi chefe de gabinete de António Luís Gomes, que era ministro do Fomento do Governo Provisório, e ocupou o mesmo cargo ao serviço do primeiro-ministro Teófilo Braga. Foi eleito deputado à Assembleia Constituinte em 1911 pelo círculo de Santa Comba Dão, e em 1916 foi eleito senador por Viseu. Atento aos aspectos mais negativos da Igreja de então, numa intervenção que fez em 1912, denunciou casos de padres pedófilos… problema que, como se vê, não é só de hoje!

CM Mortágua

Os regimes ditatoriais mereciam-lhe o maior repúdio, e por isso foi preso em 1918 por se opor à ditadura de Sidónio Pais. Voltou à cadeia dez anos depois, em Coimbra, e tornou a ser preso em 1947 por ter protestado contra a existência do Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, para onde Salazar enviava presos políticos.

As razões de Tomás da Fonseca tinham uma causa histórica, e para a compreendermos temos de recuar no tempo. A 8 de Dezembro de 1854 o Papa Pio IX proclamou o dogma da Imaculada Conceição, a cuja cerimónia assistiu o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Guilherme Henrique de Carvalho, que conseguiu apoio papal para construir o templo do Sameiro, em Braga, dedicado a “Maria que engravidou sem mácula”.

Por todo o reino a coroa ofereceu património à Igreja, o que se reflectiu no sentimento religioso das populações que rejubilaram com os novos templos e recintos religiosos. Ao mesmo tempo reforçava-se a concórdia existente entre o Reino e a Igreja. 

Na sequência disto, no tempo de Tomás da Fonseca (já adulto) clamava-se por mais intervenção do poder eclesiástico na vida social. Era impossível para o pensador, democrata e republicano Tomás da Fonseca, assistir àquela “bagunça-político-religiosa” e ficar calado!… 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

18 de Maio, 2025 Onofre Varela

O que é defender a Paz?

As convulsões sociais constituem sempre um excelente pretexto para os credos religiosos, que se dizem defensores do bem contra o mal e da harmonia entre os povos, virem a terreiro deixar a sua palavra em defesa da paz e da concórdia. A defesa da Paz não é tomada, apenas, pela Igreja. Também partidos políticos a defendem (aliás, essa é uma das suas principais obrigações).

Habitualmente estas religiosas e políticas intenções moralizadoras, são inoperantes porque a moral é coisa que os fazedores da guerra não têm, nem querem ter… se a tivessem, não faziam guerras! Não esqueçamos que fazer a guerra não é a atitude do invadido… o invadido não faz guerra… apenas se defende do invasor… e este, sim, é quem faz a guerra! O recurso às armas para nos defendermos do invasor não é o mesmo que usarmos armas para invadir. A diferença entre as duas atitudes é abissal.

Acredito que para as mentes religiosas apregoadoras da paz para a Ucrânia, seja um acto salvador quando um bispo demonstra fraternidade por aquele sofrido Povo Ucraniano, num discurso pretensamente redentor… mas acredito ainda mais que, em termos práticos, em termos da vida real, da realidade que faz a guerra… tais actos redentores saídos dos púlpitos… não valem mais do que zero!… Estão distantes da realidade por viverem na fantasia religiosa. 

Gerado por IA

Não só neste momento de guerra na Ucrânia, mas também na nossa realidade política e económica caseira de todos os dias, em momentos de convulsões sociais, às vezes os bispos juntam-se ao coro de protestos dos povos, alertando os governos para práticas políticas ou económicas que, na óptica da Igreja, prejudicam os cidadãos dos países em conflito. Muitos desses discursos soam a falso… apenas são beatos e inoperantes.

Estou a lembrar-me do apelo que o Papa Francisco fez a Zelensky no dia 20 de Março de 2024, ao pedir ao Governo ucraniano que tenha  “a coragem da bandeira branca e de negociar” com a Rússia, numa declaração que foi interpretada como um apelo à rendição do país perante a invasão russa, merecendo a crítica da Polónia que, então, sugeriu ao Papa que “encoraje Putin a retirar o seu Exército da Ucrânia”. 

Tal como a Igreja, também há partidos políticos que enchem a boca com a palavra Paz, mas não definem o que pretendem dizer com ela. Esta atitude obriga-me a interrogar: o que é a Paz? É o invadido render-se ao invasor? É deixar de lutar pela liberdade e pela independência, aceitando a invasão e a opressão? Se a Ucrânia entregar à Rússia (como Putin e Trump querem) as partes do território ocupadas pelo exército russo, os ucranianos vão, a partir desse dia, viver em paz? 

Evidentemente que não. O mais certo será terem a bota militar do Kremlin a persegui-los e a esmagá-los por toda a vida. Neste caso da Ucrânia, a palavra Paz só pode significar “vencer Putin”… e nunca submeter-se-lhe. Qualquer outro final diferente desta matriz é a continuação da guerra (a um nível mais benéfico para Putin) e da opressão de um ditador sobre a população de um país vizinho que, até então, foi democrático e legal perante a lei internacional… e que deixará de o ser! 

11 de Maio, 2025 Onofre Varela

Levanta-te e pensa

«Pensar é o trabalho mais difícil que existe, o que é provavelmente a razão porque tão poucos se envolvem nele»

(Henry Ford. 1863-1947)

O título desta crónica é uma adaptação do que se lê no Novo Testamento, na referência à cura do paralítico de Cafarnaum: “Levanta-te e anda” (Mateus: 5; 6), cujo figurino é usado em comédia no programa televisivo “Levanta-te e ri”.

Tal como o exemplo desta frase, que foi adaptada repetidamente e usada em diferentes situações, também a vida de cada um é uma repetição ou cópia da vida de todos nós, com mais ou menos nuances que emprestam outro colorido à nossa vida, tal como as diferentes fórmulas que glosam a frase bíblica que conduziu ao título desta prosa.

Ninguém inventa a sua vida… todos a temos oferecida pelo nascimento que não pedimos (o filósofo Agostinho da Silva dizia que “nasce a gente de graça, para depois ter de ganhar a vida!)… depois, todos nós a podemos melhorar ou piorar de acordo com as acções usadas no preencher dos dias, ornamentando-a com as melhores cores que conseguimos engendrar, ou pintando-a a preto e branco… embelezando-a ou borrando-a.

Fonte: Comunidade e Arte

Podemos dizer que a escolha é nossa… mas também pode ser condicionada pela sociedade ou por algo que ultrapassa a nossa vontade, que nos isola e manieta como, por exemplo, acontece à vida dos palestinianos submetidos pelo exército criminoso do bandido Netanyahu.

Por muito má que consideremos ser a nossa vida (quando ela pode ser alterada pela nossa vontade… quando não estamos reféns de um ditador), há sempre um momento para nos determos numa reflexão suficientemente profunda e encontrarmos algum modo de corrigirmos o rumo que, por qualquer razão, intuímos não nos conduzir para o melhor dos destinos que para nós sonhamos.

Esta reflexão filosófica é uma função positiva da Religião… talvez a principal… não será a única porque é acompanhada pelo processo do luto na menorização do sofrimento quando se perde um ente querido.

Porém (há sempre um “porém” que pode fazer a diferença das nossas escolhas) devemos estar atentos à corrente do “rio religioso” que decidimos navegar!… Ela nem sempre nos dirige para a melhor foz, nem nos conduz pelo melhor leito!

A corrente pode transportar-nos para águas mansas e calmas, permitindo-nos a contemplação das margens que as guiam, ou, pelo contrário, pode desaguar em desfiladeiros tormentosos de águas imparáveis, de efeitos desconhecidos, quando as margens, ao invés de guiarem a força da água… a comprimem e convulsam!

A escolha da rota é sempre do discernimento de quem navega o rio da Religião… tal como na vida, afinal…

6 de Maio, 2025 Onofre Varela

ATEÍSMO, RESPEITO E ELEIÇÕES

No meu último texto de opinião manifestei o meu respeito e a minha admiração pelo clérigo Mario Bergóglio, enquanto Papa Francisco e chefe supremo da Igreja Católica. Este meu sentimento poderá ter leituras variadas, desde logo pelos religiosos (católicos ou outros) socialmente menos esclarecidos e mais fundamentalistas, que poderão sentir repulsa pelo apreço que um ateu pode nutrir pelo Papa, convencidos que estão de a religião que professam ser uma coutada privada da fé, interdita a quem não comunga dessa mesma fé (ou por ateus que detêm o mesmo sentimento fundamentalista).

Para um religioso que assim sente, um ateu não passa de um ser menor que não lhe merece qualquer respeito. Esta é uma atitude que não me merece nada mais do que um sentimento de pena por quem assim se comporta numa sociedade que, para atingir a maioridade, tem de ser composta por cidadãos donos de opiniões diversas, semelhantes ou contrárias às suas, de mente aberta e atentos às diferenças comportamentais e de pensamento que, por serem lícitas, merecem respeito: o mesmo respeito que eu sinto pelo Papa Francisco e por quem o adora para além do Homem que foi. (Estas diferenças de pensamento têm uma ressalva. Na lista não entram ideologias nazis nem xenófobas).

Ao iniciar esta escrita veio-me à mente um outro exemplo de respeito pela figura de um Papa, o qual quero registar aqui.

O Papa João Paulo II faleceu no dia 2 de Abril de 2005. Então eu tinha saído do Jornal de Notícias havia cinco anos, tendo-me dedicado ao teatro (uma paixão antiga mas que não podia concretizar porque, em termos horários – tarde e noite – a actividade teatral se sobrepõe à de jornalista). Liberto do jornal fui convidado pelo autor e actor Lopes de Almeida, que dirigia a companhia residente no Teatro Sá da Bandeira, no Porto – encenando uma revista por ano, e para as quais eu fazia o lettering e ilustrações para o pano da fachada e programa – para fazer parte do elenco. As revistas estreavam no palco do Sá da Bandeira em Dezembro, e aí se mantinham até Fevereiro, altura em que a companhia partia em “tournée” pelo país, aos fins-de-semana, até Junho. 

Naquele dia de Abril de 2005, a companhia representava a revista “Vira o Disco e Toca a Mesma” num teatro de uma cidade que não recordo qual. Soubemos da morte do Papa momentos antes do início do espectáculo e eu sugeri a Lopes de Almeida que abrisse o espectáculo com todos os actores e técnicos em cena, e convidasse os espectadores para cumprirem um minuto de silêncio em memória do Papa João Paulo II.

A minha ideia não foi acolhida de imediato. Lopes de Almeida, sendo profundamente católico, não a considerou num primeiro momento… mas, em reunião nos bastidores, toda a companhia considerou que devíamos fazê-lo. Assim se fez, os assistentes daquele espectáculo aderiram ao minuto de silêncio, e João Paulo mereceu um forte e longo aplauso antes da abertura do pano e da entrada do corpo de baile ao som da marcha do início da representação. 

A parte curiosa desta cena estava reservada para o final do espectáculo. O meu colega Manuel Monteiro, actor e radialista (foi a voz da Rádio Festival durante vários anos) comentou: “Foi um ateu que se lembrou de homenagear a memória do Papa no momento da sua morte!… Nunca pensei que isto pudesse acontecer.”

O ateu sabe da inutilidade da figura do Papa na sua filosofia de ateu… mas também sabe que o mundo não é só dele nem dos seus correligionários na filosofia ateia. O Papa, quer os ateus queiram, quer não, é uma figura moral ligada a uma religião com muita força em Portugal, cujos crentes merecem todo o respeito, não só como seres humanos que são, iguais a qualquer ateu, mas também no respeito pelas suas convicções religiosas (muitos religiosos é que não sabem desta igualdade que nos nivela… o resto acontecerá logo que o religioso entenda o ponto de vista do ateu!).

Este respeito devido pelos ateus aos religiosos, tem a sua reciprocidade… também é devido pelos religiosos aos ateus… e não é sinónimo de desrespeito nem de silêncio. Todos temos o direito e a obrigação de expormos o nosso pensamento, mesmo quando não estamos alinhados pelo pensamento de uma maioria, desde que não ultrapassêmos a linha vermelha do respeito devido ao outro sem que se chegue ao insulto, nem pretendamos calar “quem não pensa como eu quero que ele pense”!… Esse é o sentimento dos ditadores… e há meio século que nos libertamos do último que teve lugar no poder.

Vamos conservar a Liberdade de Pensamento neste momento eleitoral, votando por ela contra qualquer forma de ditadura… que anda por aí e todos os dias nos ameaça, mais concretamente agora, nas eleições que temos à porta, nas quais temos de ter em conta a eliminação da “ressalva” referida mais acima.

26 de Abril, 2025 Onofre Varela

“FRANCISCUS”

A memória do Papa Francisco merece a minha consideração de ateu, pela sua postura perante os pobres, os imigrantes e as mulheres, mais a aceitação no seio da Igreja daqueles que até aí eram escorraçados pela orientação sexual ou por serem divorciados. Tal atitude colocou-o a léguas da “beatice” dos Papas que o precederam e que conheci ao longo dos 80 anos da minha vida.

Como ponto alto da sua postura em favor da decência, Mario Bergoglio terminou com o segredo da confissão para criminosos pedófilos, entregando à sociedade civil, para que fossem julgados, os homens da Igreja que abusaram sexualmente de crianças. Para além disto, Bergoglio era, por essência, um “homem bom”… o que se notava no seu rosto e nos seus discursos. Ao mesmo tempo que demonstrava ser um clérigo diferente para melhor (atingindo a excelência) teve atitudes perfeitamente humanas, demonstrando ser um homem igual a todos os outros, carregando virtudes e defeitos de que qualquer um de nós é portador.

Por isso Francisco recusou a “capa de santo” tão comum na ornamentação da figura dos Papas, como que se um qualquer cardeal promovido a Papa fosse produzido por um espermatozoide de qualidade extra… à semelhança do “fiambre da pá”! O Papa Francisco assumia-se como sendo igual a qualquer pedreiro analfabeto ou ministro doutorado, como se demonstra na sua atitude ao bater na mão de uma crente que o queria agarrar num dos seus passeios na Praça de S. Pedro.

O modo de actuar do Papa Francisco foi diametralmente oposto ao seu antecessor, e contrário a muitos interesses instalados na Igreja (que se afirma espelho da perfeição, mas que no seu interior alberga tantos imperfeitos) o que transformou o Vaticano em “ninho de víboras” para o bispo argentino Mario Bergoglio. Recorde-se que em 2013, o alemão Ratzinger, no papel de Papa Bento XVI (B16), resignou ao cargo, obrigando à eleição de novo chefe para ocupar o trono da Igreja. B16 não era bem visto por alguns católicos situados na ala mais progressista da Igreja, que nunca deixaram de o criticar frontalmente por não esquecerem o seu passado à frente do Gabinete para a Congregação da Fé (substituto da “Santa Inquisição” de má memória). As suas acções de militante da extrema-Direita política a que colou o seu pensamento, foram notórias nos processos que desenvolveu para destruir o movimento denominado Teologia da Libertação, iniciado na década de 1950 pelo teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, seguido pelo brasileiro Leonardo Boff, pelo salvadorenho Jon Sobrino e pelo uruguaio Juan Luis Segundo, entre outros.

Teologia da Libertação foi um movimento religioso e social muito desejado pelos paupérrimos povos católicos de toda a América Latina, sempre explorados pelos donos do dinheiro que o Vaticano protege na sua habitual dicotomia: no altar com os pobres e à mesa com os ricos! Por isso era notório o desprezo que muitos bispos sentiam por B16, o que não terá sido alheio à sua resignação. Francisco mostrou ser um bispo diametralmente oposto ao comum, o que lhe granjeou ódio dentro da Santa Sé. Instituiu-se uma guerra nos meios eclesiásticos, financeiros e políticos, contra si, o que sublinha a característica política e intriguista da Religião em geral, e da “Santa Sé” em particular.

Em 2019 li que “ultra-conservadores milionários norte-americanos – apoiados pelos partidos da Direita extremada do país de Donald Trump e da Europa – ensaiam um golpe palaciano que condicione a escolha do próximo Papa” (Palavras do jornalista Miguel Marujo na edição do jornal Diário de Notícias de 5 de Outubro de 2019, coincidentes com a opinião do jornalista espanhol Daniel Verdú no jornal El País do mesmo dia). Ciente desta conspiração interna que crescia contra si, o Papa Francisco procurou moldar “o grupo dos seus conselheiros com homens que respondam às suas principais preocupações sociais e religiosas”. É por isso que no lote dos novos cardeais nomeados em 5 de Outubro de 2019, se encontra o português José Tolentino Mendonça, entre outros nomes da sua confiança. Quase 80% dos 140 cardeais eleitores escolhidos por F1 têm menos de 80 anos e vão participar no conclave que vai eleger o novo Papa. Como ateu espero “a perfeição da Igreja”, nomeando um Papa com uma linha de pensamento semelhante à de Francisco. 

22 de Abril, 2025 Ernesto Martins

Ciência e Cristianismo (3)

Dois dos pensadores mais significativos dos Secs. XI e XII a seguir as pisadas de Agostinho no uso da lógica dos gregos para analisar os temas da teologia católica foram Anselmo de Cantuária (1033-1109) e Pedro Abelardo (1079-1142). Abelardo acreditava que o domínio da filosofia era importante, não pela pura especulação sobre a natureza das coisas, mas, primeiramente, para defender a fé dos ataques heréticos (e.g. a heresia cátara). A aplicação das ferramentas da filosofia era feita, no entanto, de forma cautelosa, e nem mesmo os teólogos mais liberais ousavam questionar a autoridade da Igreja. As verdades da fé eram tratadas como axiomas indubitáveis e a razão nunca era usada para esmiuçar crenças doutrinais. A Bíblia estava excluída de qualquer escrutínio rigoroso. Sobre isto Pedro Abelardo escreveu
“Jamais serei filósofo se isso for falar contra São Paulo; não seria um Aristóteles se isso me separasse de Cristo” [1]


Abelardo e Anselmo acreditavam na supremacia da autoridade divina. A razão e a lógica eram usadas para entender a fé que, por sua vez, era aceite com base na autoridade. Ainda assim o trabalho de Abelardo foi considerado demasiado ousado, tendo este sido condenado em 1140.
A condenação foi despoletada por denuncias movidas por Bernardo de Clairvaux (1090-1153), um dos mais influentes teólogos monásticos da época – teólogos conservadores, hostis ao uso da lógica e da dialéctica como ferramentas de análise dos dogmas católicos, que favoreciam o conhecimento directo de deus, nomeadamente através de experiências de contemplação e êxtase [2]. Segundo Bernardo, Abelardo era culpado de heresia em resultado da sua confiança excessiva na razão:
“Ele [Abelardo] contaminou a Igreja; infectou com a sua própria praga as mentes das pessoas simples. Tentou explorar com sua razão o que a mente devota capta imediatamente com uma fé vigorosa. A fé acredita, não contesta. Mas este homem, aparentemente suspeitando de Deus, não acreditará em nada até que primeiro o tenha examinado com a sua razão”
O uso da razão era coisa de curiosos; envolvia investigações intermináveis e por isso era uma actividade vista com suspeição pelos teólogos monásticos. Ruperto de Deutz (1070-1129), outro de entre essa corrente de teólogos escreveu:
“Vergonhosamente, ousaram examinar os segredos de Deus nas Escrituras de forma presunçosa, motivados pela curiosidade e não pelo amor. Como resultado, tornaram-se hereges” [3]
Esta atitude resume bem – usando as palavras do historiador de ciência Edward Grant – o clima de hostilidade e as lutas intelectuais entre fé e razão que se viveram durante o Sec. XII.
Gilberto de la Porrée (1085-1154), Pedro Lombardo (1100-1160) e Pedro de Poitiers (1130-1205) foram outros dos teólogos que acabaram acusados de heresia por terem aplicado a filosofia e as regras do pensamento racional a temas da fé.
No início do Sec XII o estudo da filosofia natural (a ciência) continuava subordinado às necessidades da teologia e aos limites impostos por esta. Invariavelmente os filósofos naturais interpretavam o mundo físico em termos teológicos. Mas alguns tentaram romper com esta abordagem, passando a apreciar os fenómenos naturais em termos puramente racionais. Adelardo de Bath (1080-1142) foi um desses pioneiros. Defendeu enfaticamente a busca de explicações naturais, ao mesmo tempo que condenou aqueles que se contentam com argumentos de autoridade teológica. De temperamento igualmente científico, Guilherme de Conches (1085-1154) rejeitou a ideia da Bíblia ter alguma relevância no estudo da filosofia natural, considerando impróprio invocar a omnipotência de deus como explicação para os fenómenos naturais. A causa dos efeitos devia ser procurada na própria natureza [4]. No seu “De philosophia mundi” referiu-se nestes termos aos inimigos da ciência:
“ignorantes das forças da natureza e querendo ter companhia na sua ignorância. . . não querem que as pessoas investiguem nada; querem que acreditemos como camponeses e não perguntemos a razão das coisas” [5]
No final do Sec. XII a Igreja ver-se-ia a braços com uma ameaça maior: a filosofia de Aristóteles, que passou a estar disponível em Latim no mundo Ocidental em virtude dum movimento sem precedentes de traduções do grego e do árabe.

EVM


Notas:
[1] Grant, Edward; “God and Reason in the Middle Ages”, Cambridge University Press, 2004, Cap. 2, pg. 57.
[2] ibid, pg. 63.
[3] ibid, pg. 64
[4] ibid, pg. 73
[5] Grant, Edward; “Science and Theology in the Middle Ages” in David C. Lindberg and Ronald L. Numbers (Eds) “God and nature – Historical essays on the encounter between Christianity and science” University of California Press, 1986.