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Etiqueta: mulher

29 de Abril, 2021 João Monteiro

Mulher Mártir

Texto de Onofre Varela.

Nawal el-Saadawi (1931-2021) acabou de nos deixar. Era egípcia, médica e escritora. Escreveu dezenas de livros abordando temas tabu, como sexualidade e prostituição, e era líder da luta pelos direitos da mulher no mundo árabe. 

Foi perseguida e detida várias vezes por pensar de modo diverso do estabelecido numa sociedade machista, e divulgar o seu pensamento. Teve os seus livros confiscados e proibidos, tal como em tempo de ditadura Salazarista por cá se fazia. Na sua biografia tem um discurso semelhante ao da escritora espanhola Cristina Fallarás, aqui divulgado no último artigo. Nawall cresceu numa cultura patriarcal onde as raparigas são sujeitas a vários abusos desrespeitadores da mulher, como são o casamento infantil e a mutilação genital. Sofreu tal mutilação por imposição familiar e tornou-se activista contra tão aberrante procedimento praticado em nome de uma tradição cultural criminosa. Na verdade a mutilação genital é uma condenação ao sofrimento da mulher por toda a vida, impedindo-a do prazer sexual, o qual é substituído por dores sempre que tem relações. 

Escreveu dezenas de livros abordando temas tabu, como sexualidade e prostituição. Observando o mundo pleno de sociedades patriarcais e homófobas, teve uma frase semelhante à de Cristina Fallarás: “Depois de viajar por todo o mundo, descobri que as raparigas são educadas de uma maneira muito parecida – estamos todas no mesmo barco. O sistema patriarcal, capitalista e religioso é universal”. 

Desta universalidade nasce o desrespeito pela mulher. Na nossa sociedade (no Portugal de 2021) ainda se discute o óbvio: se a mulher que executa o mesmo trabalho de um homem, deve receber um ordenado do mesmo valor! As tabelas salariais são sempre mais baixas para a mulher!… Esta discriminação não significa nada mais que não seja atribuir o estatuto de menor importância à mulher, e tem origem em milenares conceitos religiosos. Se no mundo ocidental (onde tanto se fala no sentido do humanismo cristão) esta verdade existe, em países muçulmanos o drama é substancialmente ampliado.

Lembro um caso acontecido na Turquia, onde os chamados “crimes de honra” ainda são entendidos como o eram na medievalidade. No ano 2000 os jornais deram conta do caso de uma rapariga turca, de 14 anos, ter cometido a imprudência de ir ao cinema com umas amigas sem a prévia autorização da família… o que era uma vergonha!… Em reunião caseira de machos foi sentenciada a pena capital para a “portadora da vergonha familiar”, e um sobrinho da jovem, também menor, foi encarregado de executar a “justiça”. Sem pestanejar nem se interrogar por que haveria de fazê-lo, o moço aceitou naturalmente a incumbência como um ritual a ser cumprido sem questionamento. Provavelmente até se sentiu honrado por ter sido escolhido para aquela tarefa que lhe daria mais valia curricular de macho. Saiu da sala, passou pela cozinha onde pegou numa faca, foi-se à tia… e degolou-a!… E a Justiça turca nada pôde fazer… por aceitar a figura do “lavar da honra com sangue”!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

18 de Março, 2021 João Monteiro

A mulher na Igreja

Texto da autoria de Onofre Varela:

A escritora e jornalista espanhola Cristina Fallarás, autora do livro El Evangelio Según Maria Magdalena (O Evangelho Segundo Maria Madalena), entrevistada pelo jornal espanhol El País (27 de Fevereiro último) diz que “não se entende a violência contra as mulheres sem a Igreja Católica”.

O seu livro não é uma biografia da personagem mais importante do Cristianismo depois de Maria, mas sim uma novela. “Quando não existe o relato [histórico] devemos criá-lo”, disse a autora. É nessa sua criação literária que se enquadra a afirmação da violência da Igreja contra as mulheres, num enredo novelístico à volta da figura de Maria Madalena e da misoginia da Igreja Católica, uma Igreja patriarcal onde as mulheres são relegadas para uma posição menor na organização do credo. 

Fallarás não quis escrever uma novela histórica, até porque não há fontes históricas fidedignas para se abordar com seriedade intelectual e científica a figura de Maria Madalena, nem, tão pouco, a de Maria, mãe de Jesus, tão venerada mas de quem, na realidade, nada se sabe! A construção dos Evangelhos não configura uma narrativa histórica, mas sim uma narrativa de fé, construída conforme o interesse do narrador. 

Curiosamente a escritora faz uma analogia interessante entre a Bíblia e os filmes de cow-boys! Diz ela que “quando comecei a lê-la dei conta de que a história, desde o princípio, não é mais do que um xadrez sem peões. À partida, não se entende, o jogo não funciona. Colocar as mulheres no relato, completa-o, dando-lhe um sentido que não tinha sem elas”. É aqui que a autora considera que os relatos bíblicos têm forma de “western”, pois, no princípio, também não considerou a mulher. Aquilo era só para homens selvagens e maus, dormindo na montanha tendo a sela por travesseiro. “No ‘western’ as únicas camas são as da cadeia e do bordel. Como relato é uma idiotice igual ao Evangelho de Paulo de Tarso, que considerava a mulher um erro”. 

A sua curiosidade por Maria Madalena tomou forma quando o papa Francisco decidiu nomeá-la apóstolo! Foi em 2016 que a Igreja resgatou aquela mulher que foi referida, durante séculos, como sendo possuída por sete demónios. A Igreja sempre a apelidou de prostituta, adúltera e pecadora. Desde Junho de 2016 Maria Madalena tem dignidade de Mulher, e o seu dia foi marcado no calendário litúrgico (22 de Julho), por mostrar “um grande amor a Cristo e ter sido tão amada por ele, devendo ser exemplo e modelo para toda a mulher na Igreja”.

Cristina Fallarás foi criada num ambiente ultra-católico, passando 17 anos em colégios religiosos femininos. “Sempre soube que havia algo de errado naquela vivência. Não houve nenhum momento em que me desse conta de que o mundo era injusto connosco […] educam-nos com um medo de que não se fala […] como se fossemos o Capuchinho Vermelho, que não é uma mulher, mas uma menina”. 

Na sua obra Fallarás espelha Maria Madalena como uma mulher culta, bissexual e rica. Com base neste possível entendimento da história de Madalena, a autora ficcionou no sentido de explorar “a origem da violência com que nos tratam”. Na Bíblia há três mulheres sexualizadas: Eva, Maria e Maria Madalena. “A primeira é tratada como sendo a culpada de todos os males da Humanidade. A segunda é virgem, perfeita, impoluta… algo inalcançável e absurdo. E a terceira… é uma puta… sem mais! Alguém a quem se usava. A mulher é um corpo que pode ser usado por todos, dizem os Evangelhos”. E conclui a autora: “tenho a raiva dentro de mim […] e qualquer mulher que não tenha a raiva dentro, não é consciente da violência que sofre em cada dia”.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

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