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31 de Janeiro, 2004 Mariana de Oliveira

Estranho Estado do Vaticano

O binómio Santa Sé/Cidade do Vaticano tem uma natureza jurídica estranha. Teses não estadualistas entendem que é uma entidade sui generis ou, materialmente, uma organização não-governamental (ONG). Isto porquê? Porque, de facto, não se verifica a presença dos elementos clássicos de um Estado: não existe um povo ou uma nacionalidade e a cidadania do Vaticano tem um carácter funcional e temporário.

É de notar igualmente que o território que ocupa é insignificante e o reconhecimento dos outros Estados como condição de obtenção da qualidade de Estado é insuficiente. Relativamente a este último ponto, as teses dominantes inclinam-se para a natureza meramente declarativa (não constitutiva) do reconhecimento: na verdade, não se satisfazem as exigências de reconhecimento no que toca à democracia e ao respeito pelos direitos fundamentais.

Há ainda que apontar, como manifestação da inexistência daqueles elementos clássicos, a dependência relativamente ao Estado italiano para a prestação de serviços básicos.

Por último, a natureza especificamente religiosa da missão da Santa Sé, sem a qual o Vaticano perde a sua razão de ser, também é de considerar. O binómio em causa promove uma religião e não os interesses dos cidadãos do Vaticano e actua como uma confissão religiosa e não como um Estado.

Foi com base nestas razões que, na IV Conferência Mundial sobre as Mulheres (1995), foi subscrita uma petição dirigida à Organização das Nações Unidas com o objectivo de se proceder à reconsideração do estatuto da Santa Sé junto daquela organização.

É também com estes fundamentos, conjugados com considerações de igualdade religiosa como valor da comunidade internacional, que as Concordatas celebradas entre os Estados e o binómio Santa Sé/Cidade do Vaticano devem priveligiar o respeito pelos valores substantivos essenciais do direito interno e do direito internacional.

30 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Desconfie dos que se gabam de ter boas relações com Deus



Hitler afirmava: “Deus está connosco”, tendo-se apercebido do contrário antes de se suicidar. Em Portugal, durante a ditadura, dizia-se que Salazar fora enviado pela Providência, hipótese que ganhou alguma consistência por Deus castigar os que mais ama, mas hoje tem-se como certo que foi o diabo. Saddam repetiu à exaustão que “Deus é grande”, num manifesto exagero. Antes da invasão do Iraque o Papa rezou pela paz e comprometeu a infalibilidade. Só Bush teve razão para acreditar que Deus estava com ele, mas aí foi o prestígio divino que saiu prejudicado. Quem escreve em notas verdes que acredita em Deus é porque duvida e prefere o numerário.

Hoje, para descrédito dos que se gabam da intimidade com Deus, ficámos a saber que Saddam para ter uma simples entrevista com um alegado empregado teve de subornar um padre.

Esta é a acusação contra o padre francês Jean-Marie Benjamin – que organizou o encontro de Tarek Aziz com JP2.

Pobre Saddam, se uma entrevista do seu ministro dos Estrangeiros ao papa ficou tão cara, percebe-se que não tivesse dinheiro para falar com Deus.

30 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Os facínoras de Deus não aceitam a modernidade

Poder ter qualquer religião ou nenhuma é um direito indeclinável que a sábia decisão francesa acautela, opondo-se à guerra dos véus desencadeada pelos arcaísmos intoleráveis do islão, que não prescinde de regimes teocráticos.

Há medos e ódios que nascem do proselitismo beato bebido no livro único e acirrado nas madraças. A ofensiva desperta reacções islamofóbicas, semelhantes à violência que o catolicismo romano acordaria se a cartilha de Pio IX fosse restaurada. Tal como esse papa também os próceres islâmicos consideram a fé incompatível com a liberdade e a democracia. Não é, pois, uma questão de religião, é um conflito de poderes.

Sendo o islão o que é, a precisar de reforma, não pode tolerar-se-lhe os ataques à natureza laica do Estado. Os facínoras de Deus não aceitam a modernidade e a civilização não pode condescender com desvarios místicos.

É este o problema que grassa em França para desgraça dos franceses. As raparigas que ostentam o véu não reivindicam um direito, fazem uma provocação, quiçá imposta pelos clérigos. Amanhã exigem a burka, depois uma cantina separada, onde estejam longe da carne de porco, e, finalmente, «direito» à excisão e à poligamia. É a perpetuação da discriminação que os constrangimentos sociais lhes impõem. Ninguém as impede de passarem o dia a rezar ou de fazerem jejuns. Podem virar-se para Meca, não podem virar-se contra Paris.

Quando em 1905 a França foi obrigada a uma laicidade musculada tinha boas razões. Hoje tem razões acrescidas. Há princípios irrenunciáveis e deveres obrigatórios. Viva a França. (in Diário As Beiras, de hoje.)

28 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Ninguém pense que a pedofilia é exclusiva da ICAR



A devassidão é uma tradição do clero que a secularização das sociedades permitiu investigar. Dá a impressão de que a ICAR, sobretudo nos Estados Unidos, se converteu num paraíso de pederastas com forte vocação pedófila, mas não é fácil aceitar que os padres católicos sejam mais perversos do que os mullahs islâmicos ou os dignitários de outras religiões.

Claro que é difícil absolver bispos e cardeais que encobriram a actividade criminosa dos seus padres, que pagaram indemnizações aos ofendidos a troco do silêncio, que transferiram sucessivamente de paróquia os agressores, para ofenderem outras crianças e prevaricarem de novo.

Em França o Bispo Pierre Pican acabou condenado pelos tribunais por ter ocultado as actividades pedófilas do sacerdote René Bissey, condenado a 18 anos de prisão por ter abusado sexualmente de 11 menores.

Nos EUA recordamos o Cardeal de Nova York, Edward Egan, que encobriu vários sacerdotes e o Cardeal Bernard Law, Arcebispo de Boston, que se limitava a transferir os delinquentes entre os quais John Geoghan a quem se atribuem 130 vítimas de uma longa e cruel carreira de pederasta.

Não estão em causa as opções sexuais do clero nem a hipócrita exigência da castidade ou do celibato. O que é verdadeiramente inquietante são os crimes contra crianças, vítimas indefesas da confiança cega que os pais depositam nas sotainas.

E não basta que o papa afirme que a Igreja se sente próxima das vítimas. Nestes casos era preferível manter-se um pouco mais afastada.

28 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Com o CDS no Governo não haverá referendo



Há tempos Miguel Veiga, fundador e destacada personalidade do PPD/PSD denunciou a falta de carácter e de lealdade do ministro da Defesa e recusou aceitar a tutela de quem se comporta “de forma inqualificável”. O histórico dirigente limitou-se a dizer alto o que se murmura em surdina, a exprimir um estado de alma do partido, a gritar o que se cala em público e se diz em privado. Foi a propósito da Cruz Vermelha Portuguesa.

Agora, em relação ao aborto, o pio presidente do CDS volta a portar-se de forma inqualificável, com o Governo refém dos seus preconceitos, das suas virtudes públicas, do seu ódio implacável às mulheres. Nem o espectáculo do julgamento de Aveiro lhe atenua os ímpetos persecutórios.

Podem ser inúteis as 100 mil assinaturas para a realização de um novo referendo que ponha fim à perseguição das mulheres. O referendo corre o risco de encalhar na Assembleia da República onde os deputados do PSD serão obrigados a aceitar a tutela do CDS.

Assim, não é no exemplo de Simone Veil, antiga ministra da Saúde francesa, que a Direita portuguesa se revê, cada vez mais longe do exemplo civilizado da Direita europeia, a resvalar para posições trogloditas e caceteiras.

A presença de Paulo Portas, Bagão Félix e Celeste Cardona no Governo é cada vez mais um furúnculo que urge espremer para evitar a inflamação que corrói o aparelho de Estado.

28 de Janeiro, 2004 Mariana de Oliveira

MacJesus

27 de Janeiro, 2004 Mariana de Oliveira

Ainda a sexualidade da ICAR

Os homossexuais não são os únicos votados ao ostracismo no seio da Igreja Católica. Esta organização que faz da sua bandeira de combate o amor generalizado e estendido a todos os “filhos de Deus”, o perdão e a aceitação das diferenças, condena não só a comunidade “gay” a uma vida velada e recalcada, mas também os heterossexuais, negando-lhes qualquer possibilidade de relacionamento íntimo.

Não será a castidade é mais contra-natura do que qualquer método contraceptivo? Nestes casos, satisfaz-se uma necessidade essencial ao homem – o sexo – sem os inconvenientes de apanhar uma doença que transforme os órgãos vitais em papa e de ter uma gravidez indesejada.

Qual é a necessidade de não se estar com alguém que se ama? Qual é a necessidade de sacrifício? A esperança de redenção? Uma vida melhor no Além? Porque não ser-se feliz, aqui, acompanhado pela pessoa que se ama… homem ou mulher.

Ter a comunidade entre os lençóis é um pouco demais (mesmo para os amantes de sexo em grupo).

Deus, dizem, fez o homem à sua semelhança – a mulher já não por causa da história da costela, mas não tomemos este caminho -, deu-lhe vontade, mas disse “não comas a maça”; deu-lhe sentido de humor, mas não pode ser usado contra Ele porque é blasfémia; deu-lhe orgasmos, mas não podem ser vistosos, ruidosos, não se podem gostar deles e o que os origina não pode ser praticado muitas vezes… Sinceramente, parece que Deus é um sádico que gosta de ver as suas criações sofrer com dilemas.

Bem, bem vistas as coisas, o problema nem sequer é Dele (sim, não vamos culpar algo que é inexistente). O problema está, isso sim, nas mentes retorcidas de quem faz parte da hierarquia da Igreja.

27 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

O atropelamento do porco

O bispo da diocese andava a dar uma volta, por caminhos rurais, a matutar num milagre para convencer os diocesanos da existência de Deus quando, subitamente, o motorista atropelou um porco matando-o instantaneamente.

O bispo disse-lhe para ir à quinta e explicar o que tinha acontecido. Horas depois, vê o seu motorista a cambalear em direcção ao carro, com um cigarro na mão e com uma garrafa na outra. A roupa estava toda amarrotada.

O que é que aconteceu? – perguntou o bispo.

O motorista respondeu:

Bem, o dono da quinta deu-me vinho, comida, cigarros e a sua encantadora filha de 19 anos fez amor comigo, apaixonadamente.

Meu Deus! Mas o que é que lhes disse? – perguntou o bispo.

– Sou o motorista do bispo e acabo de matar o porco!

Desolado, Sua Excelência Reverendíssima pegou no volante do automóvel e só parou no primeiro café que encontrou aberto. Dirigiu-se ao empregado e perguntou:

– Servem cachorros?

– Servimos toda a gente. Diga o que quer.

27 de Janeiro, 2004 Mariana de Oliveira

Citação de boas noites

Se se mata um homem é-se um assassino. Se se matam todos os homens é-se Deus.

Jean Rostand

26 de Janeiro, 2004 Mariana de Oliveira

Direito Penal e aborto

O Direito Penal não é, nem deve ser, um direito penal de prevenção de riscos especiais e longínquos e de promoção de finalidades específicas da política estadual. Ele é, isso sim, um direito de tutela de bens jurídicos, ou seja, de preservação das condições indispensáveis da livre realização, dentro do possível, da personalidade de cada indivíduo no seio da comunidade.

Tudo isto conduz à questão da legitimação do poder punitivo do Estado. Tal poder tem fonte na exigência de que o Estado só deve retirar a cada pessoa o mínimo dos seus direitos, liberdades e garantias indispensáveis ao bom funcionamento da comunidade. A isto conduz igualmente o carácter pluralista e laico do Estado de Direito, que o vincule a que só recorra aos seus meios punitivos próprios para tutela de bens de relevante importância da pessoa e da sociedade e jamais para instauração e reforço de ordens axiológicas transcendentes de carácter religioso, político, moral ou cultural.

Relativamente à descriminalização do aborto e ao fundamento de que a Constituição defende a vida e que este conceito deve abarcar igualmente a vida intra-uterina, há que notar o seguinde: o legislador constitucional não apontou expressamente a necessidade de intervenção penal neste assunto específico. Neste sentido, onde não existam tais injunções expressas, não é legítimo deduzir sem mais a exigência de criminalização dos comportamentos violadores de tal direito fundamental. E isto porque não deve ser ultrapassado o princípio da necessidade.

É com estas directrizes que a questão jurídica do aborto, porque não passa disso mesmo, deve ser avaliada. Devemos perguntar se não será melhor atingida a tutela do valor “vida” através da restrição do âmbito da criminalização acompanhada por meios não penais de política social.

Deixemos a questão do aborto para quem deve decidir: a mulher e, se existir, o pai. O Estado não tem legitimidade para obrigar uma mulher a dar à luz contra a sua vontade, independentemente das circunstâncias em que houve concepção e de todas as excepções consagradas no Código Penal.

A tutela penal é sempre “ultima ratio”, não a banalizemos com questões mais ou menos religiosas, morais ou culturais que estão longe de ser universais.