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Mês: Janeiro 2021

18 de Janeiro, 2021 João Monteiro

O que é mais perigoso: o teatro ou a missa?

Devido à situação pandémica que estamos a viver, o governo viu-se na obrigação de tomar medidas para controlar o progresso da pandemia em território nacional. Com o aumento do número de casos e com o agravamento da saúde dos cidadãos, o governo optou por adotar um discurso em que endureceria as medidas advogando um confinamento mais rigoroso. Se concordo com a intenção, porque a situação assim o exige, a verdade é que o confinamento rigoroso tornou-se num confinamento suave repleto de exceções. Isto apesar de alguns estabelecimentos fecharem de facto, como os cabeleireiros e outros terem sido alvo de restrições de funcionamento, como os restaurantes.

Mas se conseguimos compreender nalguns casos, mesmo que isso afete a vida das pessoas e da economia, como é o caso dos exemplos referidos dos cabeleireiros e restaurantes, por serem espaços fechados onde se aglomeram pessoas (mesmo sabendo que a atividade destes espaços se adaptou durante a pandemia, com diversas medidas como o distanciamento e a desinfeção mais cuidada), já temos mais dúvidas relativamente a outras medidas como o fecho de atividades culturais, como teatros, bibliotecas ou arquivos. E essas dúvidas aumentam quando comparamos com outras medidas de exceção como é o caso da realização de missas.

Antes de avançarmos, quero começar por deixar a minha opinião geral sobre o tema do confinamento, que considero importante para se compreenderem as minhas motivações. Considero que tem de haver confinamento e que quaisquer que sejam as medidas apresentadas haverá sempre concórdia e discórdia, pois, como todos sabemos e já diz o ditado popular, é impossível agradar a gregos e a troianos. Mais considero que a situação pandémica veio a dificultar a atuação do governo, e que mesmo não concordando com todas as medidas (por um lado, considero que pecam por defeito; por outro lado, elogio o governo por não tratar os cidadãos de modo paternalista), o governo conta com o meu apoio nesta situação difícil de saúde pública que, direta ou diretamente, nos afeta a todos. Ou seja, a crítica que de seguida apresento visa o desequilíbrio das medidas atribuídas à prática cultural e a religiosa.

Vejamos. Por um lado vemos as atividades culturais suspensas. Foram teatros, concertos, convívios, tertúlias, museus, bibliotecas que se encerraram. Atividades que já tinham sido numa primeira fase suspensas e em que numa segunda fase de reabertura se souberam adaptar, com ensaios distanciados e com máscara, com assentos do público também com distanciamento, com entradas e saídas ordenadas (em vez de multidões aglomeradas), enfim, com consciência cívica desde os organizadores ao público. Todas as pessoas precisam de cultura. Por outro lado temos as missas, que com a pandemia também assistiram a limitações à sua atividade, mas cuja atividade também se soube adaptar às circunstâncias, limitando o espaço disponível, aumentando o distanciamento e alterando algumas práticas ritualísticas. Compreendo que algumas pessoas, nesta fase, precisem do consolo que creem que a espiritualidade e a religião lhes possam dar.

É precisamente nesta descrição que fiz que reside a minha incompreensão: ambas as atividades se souberam adaptar às circunstâncias, mas a cultura é para todos e as missas são só para alguns. Por isso, questiono-me porque é que umas veem as portas encerradas enquanto outras mantêm as portas abertas. E já nem comento o facto desta medida discriminatória ter tido lugar num Estado Laico! Com isto, não posso deixar-me de questionar: será que ir ao teatro é mais perigoso para a minha saúde do que ir à missa? Não creio.

Por fim, o que esperava era que, no mínimo, a decisão de abertura ou fecho fosse idêntica para as duas atividades. Mesmo que se optasse pelo encerramento geral, as pessoas podem sempre orar em casa. E nós, não crentes? Aproveitemos esta fase de confinamento para ler, para ouvir música, para visitarmos museus online, para assistirmos a musicais no youtube, para escrever, desenhar ou pintar, que são outras maneiras de nos mantermos ligados à cultura.

Imagem de Mustangjoe
11 de Janeiro, 2021 Onofre Varela

Crentes, ateus e humor

Por Onofre Varela

Amos Oz foi um escritor israelita que nos deixou em 2018 contando 79 anos de idade. Era um defensor dos palestinianos e da paz que considerava dever existir entre Israel e Palestina. Uma voz discordante das relações azedadas entre os dois povos vizinhos, que não conseguiu fazer-se ouvir pelos (ir)responsáveis políticos que fazem a guerra em vez de construírem a paz. É dele a frase: “O sentido de humor é uma grande cura. Jamais vi, na minha vida, um fanático com sentido de humor”. Ao contrário dos fanáticos que militam numa qualquer religião, há ateus que alimentam um saudável sentido de humor (também os haverá sisudos!). Lembro que há mais de uma vintena de anos participei, em Coimbra, numa reunião preparatória para a legalização da Associação Ateísta Portuguesa. O evento aconteceu num hotel onde se encomendou um almoço para aquele grupo de ateus que se reunia pela primeira vez, sob o lema: “Vale mais o primeiro almoço do que a última ceia”.

Christopher Hitchens, escritor e jornalista britânico, autor do livro “deus não é Grande” (Dom Quixote, 2007), soube que, em consequência do cancro que lhe encurtava a vida, havia quem fizesse apostas na Net sobre se se converteria quando sentisse estar às portas da morte, e declarou com sarcasmo: “Se me converter é porque acho preferível que morra um crente do que um ateu”.

Voltaire, no seu leito de morte, teve à cabeceira um padre que pretendia convertê-lo para exibir a sua conversão como troféu. Ao aperceber-se da intenção do clérigo que queria ouvir o pensador a negar o diabo, Voltaire disse-lhe: “Não é o momento apropriado para criar inimigos”.

Também Jesus Cristo era um homem cheio de humor, embora o Novo Testamento não o afirme… mas também não diz que ele respirava!… O escritor espanhol Félix Caballero Wangüemert escreveu o livro “Jesús Humorista – Comicidad, Humorismo y Sátira en los Evangelios” (Madrid, 2019). O autor fez um estudo dos Evangelhos e escreveu 316 páginas, referindo o humor que neles encontrou. É evidente que para uma análise deste tipo o leitor tem de deixar a religiosidade no bengaleiro e ler o Evangelho com olhos de céptico.

Um bom exemplo do humor de Jesus pode ser aquela descrição da transformação de água em vinho na boda de Canaã na Galileia (João 2: 1-11), para a qual Jesus e os seus discípulos foram convidados. O vinho acabou-se antes de terminada a refeição, e Jesus mandou que enchessem seis talhas com água e a servissem como se fosse vinho. Quando o mestre-sala o provou, comentou: “Habitualmente é servido o melhor vinho em primeiro lugar, quando os convidados ainda estão capazes de o apreciar. Mas aqui guardaram o melhor para depois!”.

Conseguir um bom vinho usando no seu fabrico, apenas água, dispensando as melhores cepas… convenhamos que, não sendo truque de magia, só pode ser humor!

Tenham uma Boa Festa da Família em recato, resguardados do vírus que por aí anda. Abraço-vos.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

11 de Janeiro, 2021 Onofre Varela

SER BOA PESSOA É SER CRENTE?

Texto de Onofre Varela

A resposta à pergunta formulada no título desta crónica pode ser encontrada por cada um de nós no juízo que fazemos do comportamento das pessoas que conhecemos, incluindo familiares, amigos e pessoas públicas. É verdade que o juízo é nosso e nada garante que possamos ser correctos na avaliação, porque obedecemos a preconceitos que alteram a honestidade da nossa apreciação.

Eu parto do princípio que o Ser Humano é igual em qualquer parte do mundo. Todos temos as mesmas emoções. Somos capazes de fazer o amor… mas também fazemos a guerra! As sociedades regem-se por valores éticos que não são muito diferentes entre elas. O respeito pelo outro parece-me ser a marca comportamental de todos nós, e na sociedade cristã onde nasci, fui criado e vivo diariamente, há uma ética comportamental que, se fosse observada por todos, viveríamos no melhor dos mundos. Obviamente que há sempre excepções que confirmam a regra… mas no essencial acredito que o Ser Humano é bom e fraterno por imposição não só das leis, mas também, se não principalmente, de uma ética natural ditada pelo cérebro que possuímos e registada na herança genética que recebemos e que a evolução vai aprimorando. O simples facto de haver regras sociais democráticas, comprova a nossa boa intenção, porque fomos nós quem as criou!

Steven Weinberg é um académico dos EUA que recebeu o Prémio Nobel da Física em 1979. É dele esta frase lapidar: “Com ou sem religião teremos sempre boas pessoas a fazer coisas boas, e más pessoas a fazer coisas más. Mas para termos boas pessoas a fazer coisas más, para isso, precisamos de uma religião”. Para comprovar a verdade da sua frase, basta-nos ver os actos bárbaros de religiosos muçulmanos fundamentalistas que matam excelentes pessoas sem outra “razão” que não seja a fé que têm de que “Deus quer vê-las mortas”. A barbárie religiosa muçulmana fundamentalista dos nossos dias pede meças com as históricas Cruzadas (1096-1270) que alimentaram uma guerra religiosa entre cristãos e muçulmanos por quase dois séculos.

Hoje, para além dos actos terroristas de religiosos muçulmanos (os mais recentes ocorrem no norte de Moçambique), também temos, no ocidente, dois casos de governantes que professam a fé cristã e são exemplos negativos pelas suas acções políticas: Bolsonaro no Brasil e Trump nos EUA. Ambos são profundamente crentes (Bolsonaro até se deixou “benzer” pelo explorador da fé Edir Macedo Bezerra, fundador da seita IURD). Usam o nome de Deus nos seus discursos, não respeitam etnias, agridem o ambiente e não esboçam qualquer gesto de combate à pandemia Covid, transformando os seus países em cemitérios de vala-comum para sepultar milhões de vítimas, não só do Covid, mas principalmente das suas atitudes perante os outros, imbuídos de um poder dado pelo povo… que já o retirou a Trump. É necessário retirá-lo, também, a Bolsonaro… e ao Edir, já agora!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

10 de Janeiro, 2021 Carlos Esperança

O proselitismo e a violência

O pior que algumas religiões encerram é o seu proselitismo. Não lhes bastam os crentes próprios, exigem a conversão dos alheios ou a sua eliminação. A evangelização cristã é hoje, felizmente, uma tara acalmada com a repressão política sobre o clero. Abandonou há muito os métodos cruéis de evangelização que usou em vários continentes e, de forma particularmente violenta, na América do Sul.

Na Europa , a paz de Vestefália, pôs fim à sangrenta Guerra dos 30 Anos e a Igreja católica só aceitou a liberdade religiosa na década de 60 do século passado, no concílio Vaticano II. O azedume de João Paulo II e de Bento XVI apenas fez mal aos próprios e foi irrelevante para a liberdade religiosa europeia onde o secularização dos países tornou impensável qualquer perseguição.

O Islão, pelo contrário, na cópia grosseira do cristianismo introduziu a guerra como um instrumento de contágio e submissão, agravado pela decadência da civilização árabe e o ressentimento dos crimes de que foi alvo por países saqueadores de matérias primas, em especial o petróleo.É incontestável que os crentes não são piores nem melhores do que os não crentes mas ninguém faz o mal com tanto entusiasmo e satisfação como os que são movidos pela fé.

Não é inocentando os crimes sectários das religiões que se estabelece um modus vivendi num mundo onde as diferenças deviam ser fatores de enriquecimento e não motivos de conflito.

Quando os crentes se convencerem de que as suas religiões refletem as formas de pensar da época em que surgiram e não palavras ditas por um ser ilusório, sem aparelho fónico, podem cumprir os preceitos que se habituaram a observar, desde crianças, e deixar no templo a obsessão de submeter os outros às suas próprias convicções.

Ao proselitismo não se podem tolerar outras armas para além da palavra e do exemplo e as armas devem ser banidas da evangelização. As democracias, por mais que sangrem, não podem ultrapassar os limites do Estado de Direito contra o terrorismo, sob pena de perdermos o Estado e o direito e ficarmos apenas reféns do terrorismo recíproco.