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Mês: Março 2006

31 de Março, 2006 Palmira Silva

Cartoons dinamarqueses: difamação de uma religião de paz?

Vinte e sete organizações muculmanas dinamarquesas interpuseram um processo de difamação contra o Jyllands-Posten na quarta-feira, duas semanas depois de o procurador-geral dinamarquês ter afirmado que os cartoons da discórdia não violavam a as leis dinamarquesas da blasfémia ou contra o racismo.

Michael Christiani Havemann, o advogado que representa os grupos muçulmanos, informou que a acção pretende uma indemnização de cerca de 15 000 euros em danos por parte do editor chefe do jornal dinamarquês, Carsten Juste, e do seu editor de cultura Flemming Rose, que supervisionou o projecto dos cartoons. O advogado explicou ainda que:

«Nós pretendemos um julgamento do texto e dos cartoons que foram gratuitamente difamatórios e injuriosos»

Não percebo muito bem como os cartoons podem ser considerados difamatórios. Por alguns associarem o islamismo a violência? Pensaria que a associação foi e é feita não pelos cartoons mas pelas acções (e falta de reacção em alguns casos, como o do julgamento por apostasia de Rahman) dos muçulmanos um pouco por todo o mundo. E injuriosos apenas indirectamente na medida em que a campanha de intimidação e o assalto à liberdade de expressão ocidental orquestrados como manifestação «espontânea» de indignação aos cartoons de facto contribuiram para que muitos se apercebessem de que o Islão é uma religião de violência. Uma religião em que o teste de lealdade não é a fé mas o martírio na luta contra os incréus (47:4) – a única forma de salvação garantida (4:74; 9:111), já que apenas os «mártires» que morrem quando assassinam não crentes têm automaticamente todos os seus pecados perdoados (4:96).

30 de Março, 2006 Carlos Esperança

O Papa e o laicismo

Os dirigentes do Partido Popular Europeu, que integra alguns dos maiores paladinos da moral e da honestidade pública, como Berlusconi e Aznar, foram genuflectir-se a B16 que os recebeu na qualidade de Chefe de Estado do Vaticano, o Estado totalitário que vive de acordo com o direito divino.

Perante a maior associação de partidos políticos, amigos do Papa e da hóstia, o sátrapa exortou os representantes para se empenharem no «combate político contra o laicismo».

«O vosso apoio à herança cristã pode contribuir de forma significativa para a derrota de uma cultura que já está largamente espalhada pela Europa e que relega a manifestação da convicção religiosa para a esfera do privado e do subjectivo».

O ditador de sapatinhos vermelhos não se resigna à perda do poder temporal.

B16 afirma que as intervenções de Igrejas ou comunidades eclesiais no debate público «não constituem formas de intolerância ou interferências, dado que essas intervenções se destinam a iluminar as consciências».

Para o iluminador B16, a moral da ICAR, a prepotência e a interferência nos assuntos internos dos países destinam-se a iluminar as consciências, tal como as fogueiras da Inquisição se destinavam a iluminar cidades quando não havia electricidade.

A luta assanhada contra o laicismo é parte da agenda do Papa, que pretende mergulhar a Europa secular numa pia de água benta e impor aos povos o terço, a missa, a confissão e a devoção à Virgem.

Se o Papa incita despudoradamente ao combate político contra o laicismo, temos de ser determinados no combate político contra o Papa, na defesa da liberdade e do pluralismo.

29 de Março, 2006 Ricardo Alves

Laicização do protocolo de Estado

O deputado Fernando Rosas entregou na Assembleia da República um requerimento que questiona o Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a existência, no protocolo de Estado, de um lugar para o Cardeal Patriarca de Lisboa da Igreja Católica.

A questão foi originalmente levantada pela Associação República e Laicidade (ARL), aquando da tomada de posse do Presidente da República. Nessa ocasião, o Cardeal Patriarca de Lisboa não apenas teve um lugar na tribuna de honra junto dos anteriores presidentes da República, como fez parte do ordenamento da apresentação de cumprimentos ao recém-empossado Presidente, imediatamente após os Chefes de Estado e Primeiros-Ministros presentes e antes dos Vice-Presidentes da Assembleia da República. A ARL recordou que a Lei da Liberdade Religiosa (Lei nº16/2001) preconiza que «o Estado não adopta qualquer religião» e que «nos actos oficiais e no protocolo de Estado será respeitado o princípio da não confessionalidade» (pontos 1 e 2 do Artº 4º – Princípio da não confessionalidade do Estado). Deve notar-se que a mesma Lei estipula que «o Estado não discriminará nenhuma igreja ou comunidade religiosa relativamente às outras» (ponto 2 do Artº 2º).

O constitucionalista Vital Moreira afirma, sobre este assunto, que «nem era preciso estar na lei, bastando o princípio constitucional da separação entre o Estado e a religião». O requerimento do deputado Fernando Rosas conclui perguntando «o que tenciona o Ministério fazer para que o Protocolo de Estado cumpra as leis da República e Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho em particular»?
29 de Março, 2006 Carlos Esperança

A libertação de Abdul Rahman

Regresso ao caso de Abdul Rahman , convertido ao cristianismo. O Supremo Tribunal afegão decidiu suspender o processo que inevitavelmente o condenaria à morte por alegada «incapacidade mental».

A decisão é jubilosa, os pressupostos execráveis.

As pressões internacionais desempenharam um papel de relevo mas os depoimentos dos familiares, «ele não tem todas as capacidades mentais», «é louco» e «diz ouvir vozes estranhas na cabeça», foram o alibi para libertar um cidadão que optou por uma religião diferente daquela em que foi criado.

Provavelmente se tivesse optado pela indiferença religiosa ou pelo ateísmo, decisões igualmente legítimas, não teria sido considerado louco, condição sine qua non para manter ligada a cabeça ao tronco, porque a solidariedade internacional seria mais frouxa e as pressões menos intensas.

Não podemos esquecer o silêncio e cobardia de vários Governos de países democráticos em relação à fatwa contra Salman Rushdie e a displicência com que parecem ser vistas as ameaças de morte a Taslima Nazreen.

É perante factos de que o caso de Abdul Rahman constitui um paradigma que devemos interrogar-nos até onde pode ir a defesa do multiculturalismo e a compreensão com o comunitarismo.

Se aceitarmos que a vontade de Deus, interpretada pelos clérigos, se pensarmos que o direito canónico pode, em qualquer circunstância, ser o fundamento do Direito Penal, é a barbárie que prevalece sobre os avanços da civilização.

Se pensarmos que Camilo foi preso por adultério, que o divórcio era praticamente proibido há 30 anos, que o ensino religioso era obrigatório nas escolas públicas, até há pouco, que a escravatura existiu até meados do séc. XIX e a inquisição até 1821, não temos razões para considerar a civilização europeia superior à árabe.

Efectivamente superior é a democracia comparada com a teocracia, a civilização face à barbárie e a supremacia do Estado de direito sobre a tradição.

Nota: Este caso já mereceu 3 artigos da Palmira: «Sentença de morte no Afeganistão», Insanidades mentais e «Abdul Rahman libertado».

28 de Março, 2006 Palmira Silva

B&B cristãs protestam lei anti-discriminação

A lei britânica anti-discriminação com base na religião ou nas escolhas sexuais recebeu, como seria de esperar, violenta oposição por parte dos cristãos neste país.

Mas ninguém podia prever que centenas de devotos cristãos que dirigem pensões protestem este «abuso» e violação do seu direito de mui cristãmente banirem dos seus tectos homossexuais, casais que não sejam casados ou membros de outras religiões. De facto, centenas de cartas têm sido escritas sobre as novas regras que forçam estes devotos a «trair Deus» e as suas consciências obrigando-os a permitir que «indesejáveis» apreciem a sua hospitabilidade.

Don Horrocks da Aliança Evangélica resume os sentimentos da «hospitaleira» comunidade cristã: «Os homossexuais têm direitos humanos, mas as pessoas religiosas também os têm e potencialmente são incompatíveis». Ou seja, impedir o direito cristão de discriminação com base na religião e na escolha sexual é em si uma discriminação com base na religião já que aparentemente o cristianismo para ser vivido em pleno implica que se possa discriminar pessoas de outras religiões, os abominados homossexuais e pessoas que têm sexo sem serem casadas.

Na mesma linha do pensamento do nosso cavaleiro da pérola redonda que num dos momentos zen de segunda se lamuriou em relação à «Resolução sobre a Homofobia na Europa», que considera uma violação da liberdade (?) esta resolução «abstrusa», já que uma «pessoa, em liberdade, tem o direito de pensar que a homossexualidade é uma depravação». Ecoando a reacção do Vaticano sobre o assunto, que considera esta lei como uma afronta à liberdade, isto é intolerância, religiosa.

27 de Março, 2006 Palmira Silva

Scalia rejeita direitos dos detidos de Guantanamo

Antonin Scalia, um dos juizes Opus Dei que integra a maioria católica no Supremo Tribunal americano declarou num discurso que proferiu para estudantes de Direito em Freiburg que os detidos em Guantanamo não têm o direito a serem julgados em tribunais civis.

Inquirido sobre se os detidos em Guantanamo têm alguns direitos ao abrigo de convenções internacionais, o mui católico juiz, grande paladino do direito à vida de óvulos e espermatozóides e defensor acérrimo da família «tradicional», respondeu:

«Se ele foi capturado no campo de batalha pelo meu exército é aí que ele pertence. Eu tinha um filho nesse campo de batalha e eles estavam a atirar contra o meu filho e eu não vou dar a este homem capturado na guerra um julgamento completo com júri. Seria loucura se o fizesse.»

O devoto Scalia declarou-se ainda atónito com a reacção, que considerou hipócrita, da Europa em relação a Guantanamo.

27 de Março, 2006 Ricardo Alves

Momento Zen de segunda-feira, 27 de Março

Ao ler o início da sua homilia de hoje, onde o inefável João César das Neves (JCN) afirma que «o nosso tempo tem um trauma com a religião», pensei por instantes que o talibã do Diário de Notícias teria finalmente a hombridade de reconhecer que a religião é a maior fonte de violência deste início de século. Efectivamente, do 11 de Setembro aos atentados suicidas no Médio Oriente, passando por Casablanca, Madrid, Bali, Londres e muitos outros lugares, o nosso mundo é aterrorizado por organizações que recrutam crentes e os convencem de que o paraíso fica ao seu alcance se se fizerem explodir levando o máximo de «infiéis» consigo. Todavia, o tema da crónica é uma alegada dificuldade contemporânea em aceitar que tudo é religião (e tudo mesmo, até o ateísmo, por paradoxal que pareça a quem não partilhe da mundividência surreal de César das Neves).

Assim, no segundo parágrafo JCN diz-nos que os movimentos espirituais ditos «da Nova Era» são religião, presume-se que da má porque aparecem, diz-nos ele, para colmatar a «decadência espiritual da Europa» (sic!). No terceiro parágrafo, insulta e blasfema a moderna música urbana, ao comparar «o rock e o metal» à religião organizada. No quarto são as canções de música ligeira que são vilipendiadas ao serem comparadas a «orações», embora ninguém cantarole a última canção da Ágata antes de se fazer explodir num restaurante.

O melhor do «amor cristão» de JCN está porém reservado, como sempre, para os ateus. Produz alguns daqueles oxímoros que tanto o embevecem: fala-nos do «dogma inabalável do cientifismo panteísta» (o dogma que consiste em não aceitar dogmas?) e assegura-nos que «o cepticismo militante mostrou ser a fé do avesso» (ter dúvidas é uma forma de fé?). Estes jogos de linguagem evidenciam como até na madraça de Palma de Cima o pós-modernismo e o obscurantismo religioso se deram as mãos.

Quase no fim, JCN conduz-nos a uma falsa alternativa que ele diz constituir o «o núcleo central do fenómeno religioso»: «a natureza e o homem não são deus, não se criam a si mesmos nem controlam o mundo à sua volta. Ou Alguém faz isso, ou então a vida e a realidade não têm finalidade e sentido». Na realidade, o mundo não foi criado para nós (aliás, nem foi criado). Quanto à vida, tem o sentido que lhe quisermos dar, e é aí que começa a nossa liberdade.