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Mês: Julho 2019

31 de Julho, 2019 Carlos Esperança

A burqa, o niqab e a laicidade

É surpreendente que cidade a cidade, país a país, a tolerante Europa comece a proibir os símbolos identitários que atingem sobretudo as comunidades muçulmanas. Várias vezes discuti o assunto, quando ainda não tinha o atual grau de premência, com o meu velho condiscípulo do liceu da Guarda, Vital Moreira.

Os seus argumentos contra a proibição tinham o brilho da inteligência e da convicção e jamais me persuadiram, apesar de ambos defendermos a laicidade como exigência da democracia.

É difícil convencer alguém de que os crentes podem ser indulgentes, mas não o são as crenças, e de que há evidente afinidade entre crenças e ação. Os muçulmanos podem ser pacíficos, e geralmente são, mas não o são o livro que os intoxica nem os pregadores que os fanatizam.

Os cristãos já não assam judeus mas, quando frequentei a catequese, odiava-os. Muitas décadas depois de pensar que deus foi uma invenção dos homens e um instrumento do poder ao serviço das classes dominantes, aprendi que os quatro Evangelhos (Marcos, Lucas, Mateus e João) e os Atos dos Apóstolos têm cerca de 450 versículos abertamente antissemitas.

O sionismo não existiria se não existisse a crença no Armagedão e a demência da fé que devora os judeus de trancinhas que se esforçam por derrubar o Muros da Lamentações à cabeçada e se julgam o povo eleito com uma escritura notarial celeste que lhes outorga a Palestina.

Quanto ao Corão e aos horrores que Alá reserva aos infiéis basta a leitura na diagonal para nos apercebermos do fascismo islâmico contido nos versículos que são debitados nas pregações das mesquitas e recitados nas madraças. Não convém desconhecer que mais de cento e cinquenta versículos do Corão são dedicados à jihad.

As Cruzadas, a Inquisição, a Evangelização, o sionismo e o terrorismo islâmico seriam improváveis sem o livro que Saramago designou como “manual dos maus costumes”. O facto de os cristãos se comportarem hoje com civilidade deve-se à repressão política sobre o clero, desde o Iluminismo, e não à bondade dos textos sagrados.

Em nome da liberdade defendo a interdição da burka e do niqab, sinais de submissão da mulher e instrumento de provocação contra a sociedade laica. Por cada mulher que quer usar livremente tais adereços há milhares que são obrigadas.

Provem-me que a Tora, a Bíblia e o Corão só defendem o bem, apesar de os intérpretes diplomados que insistem em convencer-nos, quando lhes convém, de que tais livros não dizem o que lá está.

Qualquer religião, filosofia ou ideologia política que despreze a igualdade entre homens e mulheres, não merece a minha consideração. E nenhuma religião respeita.

Em 2014 o vice-primeiro ministro da Turquia disse que as “Mulheres não devem rir em público”. O processo de reislamização, impulsionado pelo PR Erdogan, a quem a Europa e EUA insistiam em apelidar de «muçulmano moderado», vai a caminho da sharia.

30 de Julho, 2019 Carlos Esperança

Naquele tempo…

Naquele tempo, Deus não era ainda o mito. Era apenas mitómano, a gabar-se de ter feito o Mundo em 6 dias, quatro mil e quatro anos antes da era vulgar, nem mais, nem menos, e descansado ao sétimo.

Era um celibatário inveterado que inadvertidamente criara Adão e Eva no Paraíso, onde matava o ócio na olaria. Fez o homem à sua imagem e semelhança e a mulher a partir de uma costela do homem.

Mandou que se afastassem da árvore do conhecimento, ordem que Eva logo desprezou, tentada por um demónio que por lá andava. O senhor Deus logo os expulsou do Paraíso, recriminando a malvada e condoído do tonto que se deixou tentar, enquanto o Demónio, igualmente expulso, foi viver num condomínio privativo – o Inferno.

Entretanto, na Terra, local de exílio, o primeiro e único casal logo descobriu um novo e divertido método de reprodução que amofinou o Senhor e multiplicou a espécie.

Deus era bastante sedentário, mas as queixas que lhe chegaram pelos anjos, um exército de alcoviteiros hierarquizados, decidiram-no a deslocar-se ao Monte Sinai onde ditou a Moisés as suas vontades. Ensandecido pelo isolamento e pela castidade veio ameaçar os homens e exigir-lhes obediência e submissão.

Algum tempo depois, vieram profetas – vagabundos que prediziam o futuro –, lançando o boato de que o velho, tolhido do reumático, enviaria o filho para salvar o Mundo. Foi tal a ansiedade nas tribos de Israel que alguns logo vislumbraram, no filho da mulher de um carpinteiro de Nazaré, o Messias anunciado.

Com falta de empregos, algum pó e líquidos capitosos à mistura, criaram a inverosímil história do nascimento do pregador com jeito para milagres e parábolas.

Puseram a correr que Maria fora avisada pelo Arcanjo Gabriel – o alcoviteiro de Deus –, de que, na permanente castidade, ficara prenhe de uma pomba chamada Espírito Santo.

Nascido o menino que nunca mijou, usou fraldas, fez birras ou fornicou, foi discreto na adolescência e dedicou-se cedo aos milagres e à pregação. Falava no pai e na obrigação espalharem todos as coisas que dizia. Acabou crucificado e culparam os judeus, desde então os suspeitos do costume. Claro que JC era judeu, mas isso foi e é irrelevante.

Admite-se que foi circuncidado e era exímio em aramaico, língua em que discutiu com Pôncio Pilatos, que apenas sabia latim, sem necessidade de intérprete.

Depois de crucificado, demorou-se três dias, provisoriamente morto, antes de ascender ao Céu com o prepúcio recuperado, o que desencadearia muitas discussões teológicas.

Os judeus ainda hoje são odiados porque o mataram, mas há exegetas que admitem que foi calúnia dos que criaram a nova religião e quiseram eliminar a antiga.

Ódio de trânsfugas!

29 de Julho, 2019 Carlos Esperança

Algumas notas religiosas para a silly season

Naquele tempo tinha sido Deus encarregado, pelas tribos nómadas dos árabes, para falar de forma definitiva e dar o alvará de profeta pela última vez.

Ajudou-o na tarefa um velho amanuense que seis séculos antes era alcoviteiro, o arcanjo Gabriel. Apesar da vasta criação de profetas e anjos, em que eram peritos os hebreus foi, Gabriel o escolhido para escriturário da fé, naquela região onde se substituíam os deuses criados para cada especialidade por um único.

Os hebreus tinham criado Deus para uso das suas doze tribos e o isolamento da época fê-los acreditar que eram o povo eleito. Apesar do êxito e de ser pouco recomendável a criatura, lembrou-se Paulo de Tarso de tentar uma nova cisão para que o Deus de Israel pudesse ser exportado para todos os cantos do mundo, conhecidos ou a descobrir.

Perderam os hebreus, especializados na criação de profetas, milagreiros, anjos e ofícios correlativos, que viram confiscado o Deus de Abraão, da sua lavra, e oferecido a todos os que quisessem adorá-lo. Aliás, o proselitismo ajudou à disseminação e foi o Império Romano que acabou por ser o seu sectário defensor e propagandista musculado.

Mais tarde, no início do séc. VII da era vulgar, ganhou o alvará de profeta, o legítimo e genuíno, um condutor de camelos, habituado a retirar-se para orar e meditar nos montes perto de Meca. No ano de 610, acredite quem quiser, o pastor de quarenta anos fazia um desses retiros espirituais, no interior de uma das cavernas do Monte Hira, quando o anjo Gabriel o achou e lhe ordenou que recitasse os versículos enviados por Deus e que ele próprio, pacientemente, o obrigara a decorar nas suas viagens entre Medina e Meca.

Sem concurso aberto, nem provas públicas, a fé quer-se oculta, o pastor foi empossado como profeta e passou a debitar uma cópia grosseira do cristianismo, misturada com as fontes do judaísmo, conhecimentos que não eram alheios aos árabes. E não lhe faltaram combatentes cruéis para serem militantes do que diziam que disse e que lutavam contra quem dizia que era diferente o que disse.

Quanto mais primária for uma crença mais sedutora se torna. Claro que não faltaram os verdadeiros intérpretes da palavra exata nem as lutas pela autenticidade. Mas do que se diz que o Misericordioso disse, apesar da violência que as tribos nómadas cultivavam, a fé mantém-se viçosa no húmus da superstição que a tradição eleva à culminância divina.

Os cinco pilares andam aí, contra as mulheres, contra a liberdade, contra um módico de modernidade, impostos à bomba por uma legião de dementes, ansiosos de virgens e de rios de mel. Até quando?

27 de Julho, 2019 Carlos Esperança

A fé e a displicência ética

A mãe que reza um terço para que o filho passe no exame está a meter a cunha à santa para que influencie o júri que o há de avaliar.

O construtor civil que manda o cabaz de Natal ao engenheiro da Câmara, agradece o último andar do empreendimento, que não constava do projeto inicial.

O funcionário que promete ir a Fátima, se for promovido, quer apenas que a Senhora se lembre dele para a vaga que, por mérito, pertenceria a um colega.

O cordão de ouro que a minhota deixou no andor do Senhor dos Passos para que o seu homem abandonasse a galdéria que o transtornou e voltasse para ela, imagina que, sem a renúncia ao ouro, o Senhor não lhe levaria de volta o bandalho do marido.

Sempre que há promessas para obter do santo, especializado em certo tipo de subornos, um qualquer benefício, é a admissão do carácter venal da Providência. É o cabrito que se manda ao chefe na véspera das atualizações salariais.

Ao santo pede-se que interceda junto de Deus para fazer ao mendicante o que não faz a outros. Ao chefe solicita-se que trame o parceiro em benefício próprio.

Portugal é um país venal, de pequenas e vis corrupções, feito à imagem da religião que o formatou, espécie de marca que indica a ganadaria de origem e reparte os portugueses por paróquias e dioceses como animais da respetiva quinta.

Que pode esperar-se da Igreja do Papa JP2 que acreditou que a Virgem lhe dirigiu a bala por sítios não vitais poupando-o a ele sem dele poupar os crédulos?

A mentalidade beata cria gente que vê o empenho, suborno e compadrio como virtudes canónicas, que levam as pessoas a condutas que lhes ensinaram a ter com Deus.

Felizmente ainda há gente séria. O mesmo não se pode dizer da fauna mística que povoa o Paraíso, para onde se viaja através de agiotas, à custa de missas, terços, oferendas e da renúncia aos prazeres da vida.

A ligeireza ética é uma consequência da mentalidade autóctone, que nos remete para as “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”, bem analisadas por esse grande vulto da cultura portuguesa, Antero de Quental, na 2.ª das históricas Conferências do Casino.

25 de Julho, 2019 Carlos Esperança

A GNR, a liberdade religiosa e a laicidade

«O Estado também não pode ser ateu, deísta, livre-pensador; e não pode ser, pelo mesmo motivo porque não tem o direito de ser católico, protestante, budista. O Estado tem de ser cético, ou melhor dizendo indiferentista» Sampaio Bruno, in «A Questão religiosa» (1907).

Não há laicidade antirreligiosa como não pode haver laicidade religiosa. É uma absoluta impossibilidade conceptual. A neutralidade não pode ser pró nem anti, apesar de a ICAR usar e abusar da acusação.

Defender a liberdade religiosa é um dever do Estado e uma obrigação cívica de qualquer democrata. Diferente é o que certos crentes exigem, o Estado a abrilhantar as procissões pias, os militares fardados a primor e os dorsos vergados ao peso da padiola que exibe a imagem de uma virgem, indiferente aos ombros dos mancebos que a transportam.

Facilitar aos doentes que chamem um clérigo da crença que professam é um dever, mas ter um padre, pago pelo Estado, a prestar assistência religiosa, é um privilégio injusto e discriminatório não previsto no SNS.

Artigo 43.º (CRP) – (Liberdade de aprender e ensinar)
1 –
2 – O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.
3 – O ensino público não será confessional.

É difícil mostrar aos crentes acirrados pela fé, desvairados pelo proselitismo e convictos de que o seu deus é o melhor, sem ensaios duplo-cegos que o provem, nem resignação para abdicarem de privilégios que nem a ditadura levou tão longe, que o Estado deve ser alheio às crenças privadas dos cidadãos para respeitar a laicidade que a CRP lhe impõe.

Artigo 41.º (CRP) – (Liberdade de consciência, de religião e de culto)
1., 2.
3. Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder.
4., 5., 6.

Como é conciliável o n.º 3 do Art.º 41 com a participação militar da GNR na procissão de Faro, sem inquirir os militares se são crentes ou obrigados a fazer a escolta que outra religião ou a ausência de qualquer uma não pode deixar de os constranger!?

Militares da GNR a alombarem o pesado andor ou jungidos às varas do pálio, a proteger do sol o padre e a custódia, não exibem brio militar, prestam vassalagem à Igreja do país que a Concordata transformou em protetorado do Vaticano.

24 de Julho, 2019 Carlos Esperança

GNR e a laicidade – do quartel à sacristia

A separação das Igrejas e do Estado, imposta pela Constituição, é indiferente à GNR, que persiste em ignorar o respeito que lhe deve. Mais uma vez, teve lugar em Faro, a cerimónia onde a GNR presta vassalagem à Igreja católica.

A apresentação de armas à imagem da Santa, dita padroeira, é um ato que a desvanece, extasiada com o aprumo dos militares a desembainharem os sabres e, submissos, a prestarem-lhe juramento!

Tudo isto é ridículo e patético. Até o presidente da Câmara de Faro, Rogério Bacalhau, cauciona, com a presença, um ato inadmissível numa Democracia Laica e Republicana.
Em vez de defenderem a República carregam o pálio como mordomos da procissão e acólitos do padre.

De tanto se baixarem ao Vaticano um dia viram-se para Meca e apresentam armas de joelhos ou de rastos.

23 de Julho, 2019 Carlos Esperança

A GNR e a laicidade

Em Faro, um graduado, com condutor e ajudas de custa, regressa de meter uma cunha à mãe do seu Deus para lhe reservar um lugar adequado, no quartel dos bem-aventurados, quando virar defunto.

Aguardam-no, à saída, dois mendigos que lhe imploram, em silêncio, o óbolo que lhes mitigue a fome e prorrogue o tempo de vida.

Pela foto, percebe-se que o silencioso pedido dos pobres não foi atendido.

23 de Julho, 2019 Carlos Esperança

Ainda sobre santos

Por

ONOFRE VARELA

Na última edição da Gazeta falei de Frei Bartolomeu dos Mártires, o santo Português que dispensa milagres para o ser eque, por ordem do Papa Francisco, será canonizado em Novembro de 2020, 430 anos depois de ter morrido. Não sei se este longo tempo de espera para ser elevado aos altares transformará o nosso Bartolomeu no santinho dotado de mais paciência por esperar tanto tempo para ser santo… e, mesmo assim, parece que está impedido de fazer milagres substituindo os médicos do Serviço Nacional de Saúde na cura de doenças esquisitas e tidas por incuráveis.

Mas sei de um outro santo, também Português, que bateu o recorde de menos tempo de espera para subir aos altares: o Santo António. Nasceu a 15 de Agosto de 1195, morreu a 13 de Junho de 1231, e foi canonizado a 30 de Maio de 1232 (apenas 11 meses e meio após a morte!).

Se os processos de canonização merecem investigação demorada, para se poder fazer um estudo sério, peneirando muito bem a vida e os actos do candidato a santo, evitando santificar-se qualquer mafarrico, parece que com António de Lisboa e de Pádua, o crivo não foi necessário. Aquilo foi automático: morreu, santificou! Parece que se criou aí o verdadeiro Simplex, mais tarde adoptado por José Sócrates!

A vida de Santo António tem um caso curioso entre os muitos casos curiosos que lhe permitiram ascender ao altar das igrejas num abrir e fechar de olhos. Numa viagem marítima pelo Mediterrâneo, fazendo o trajecto Marrocos – Lisboa, uma tempestade naufragou a embarcação e o náufrago António foi ter a Itália. Se fosse hoje, o governo da Direita de Giuseppe Conte não seria hospitaleiro e devolvia-o à sua terra. Em consequência não haveria dúvida de que o santo António era mesmo de Lisboa, porque nunca lhe permitiriam pôr os pés em Pádua!

Uma outra santinha que viu Maria, a mãe de Jesus, numa gruta de Lourdes (França) em 1858, foi Bernardette Soubirous, menina de 13 anos, pastora e filha de moleiro pobre. Teve mais 18 visões da senhora de branco vestida, viveu até aos 35 anos, e 34 anos depois (1933), foi canonizada.

Parece que a mãe de Jesus é uma senhora pouco recatada! Quase todos os anos, e desde a Alta Idade Média, há quem a veja por aí, a aparecer inopinadamente em tudo quanto é sítio… mas nem em todos os sítios a levam a sério. Se o fizessem, havia mais santas com o nome de Maria, do que moscas!

A história de Bernardette serviu de matriz para a fabricação das aparições de Fátima, e a principal protagonista, Lúcia, que morreu em 2005, já tem o processo de santificação a correr, e é bem capaz de ganhar a Bernardette no tempo de espera para trepar aos altares. Isto agora, com as novas técnicas, é uma fervurinha…

(Artigo de Onofre Varela a ser publicado no jornal Gazeta de Paços de Ferreira, na edição de 25 de Julho de 2019)