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Mês: Agosto 2019

31 de Agosto, 2019 Carlos Esperança

O Islão misericordioso e o terrorista

Corre por aí que há um Islão benevolente e outro terrorista. O primeiro é o que se baba de gozo nas madraças e aparece compungido em público em cada ato de violência pia, a reiterar a benevolência do Corão, a execrar o terrorismo e a reclamar a paz. O outro é o que ulula, crocita e uiva na rua islâmica por cada infiel decapitado ou adúltera lapidada.

O Islão, o benevolente, oprime as mulheres, evita a modernidade e recusa a democracia. Ignora direitos humanos que o coíbam de cumprir a vontade de Alá e do Profeta, exulta com lapidações, folga com chibatadas e excita-se com decapitações. Não precisamos de olhar para o Islão terrorista, basta-nos o benévolo, aquele que há vários séculos impede, onde conquista o poder, que alguém despreze a religião ou tenha qualquer outra.

Os povos não são dementes, é o Islão que, à semelhança de outras religiões, contém em si o germe do crime. O terrorismo é a aplicação dos preceitos do livro sagrado contra os infiéis e a crueldade o método prescrito.

Seria trágico que se abrisse a caça ao muçulmano numa explosão de xenofobia baseada em sentimentos religiosos rivais, o desejo perverso do Islão que põe o terror ao serviço do proselitismo. O racismo é o sentimento piedoso do crente, a tolerância é a atitude de quem se libertou da religião. É por isso que o combate não deve ser dirigido aos crentes, mas contra o proselitismo troglodita dos seus próceres e o carácter retrógrado do Corão.

As armas nas mãos dos homens são um perigo, nas de Deus uma catástrofe. O clero não deseja a felicidade humana, aspira apenas satisfazer a crueldade de Deus. Não podemos condescender com quem despreza os direitos humanos. Há um combate cultural a travar em defesa da liberdade que não pode deter-se nos véus, nas mesquitas e madraças.

O Corão não é apenas o baluarte inexpugnável dos preconceitos islâmicos, é a fonte que legitima toda a iniquidade. No mundo islâmico, os mullahs procuram ocupar os devotos, nos intervalos das cinco rezas diárias, com o sofrimento dos infiéis. É preciso travá-los.

30 de Agosto, 2019 Carlos Esperança

A Igreja católica e os nossos impostos

No caso dos colégios, os clérigos querem que a caixa das esmolas regresse com o óbolo dos impostos de todos os portugueses, independentemente do credo ou ausência dele de cada contribuinte.

No caso do IMI, não se contentam com a isenção dos templos, sacristias e terrenos pios (os santuários), querem que os edifícios onde moram, os colégios onde ensinam e todos os outros em que exercem atividades lucrativas fiquem isentos.

No fundo, não se consideram cidadãos portugueses, julgam-se súbditos do Vaticano e esperam pagar com indulgências e ave-marias o que a concorrência paga em euros.

Os privilégios concedidos por um Estado débil, a pensar nos votos dos devotos, não são perpétuos, embora o direito canónico os equipare a sacramentos, sobretudo quando não distinguem entre as isenções que, bem ou mal, foram concedidas e as que pretendem acrescentar.

A isenção de qualquer imposto ou contribuição geral, regional ou local, segundo o artº. 26 – 2 b) da Concordata, incide sobre “As instalações de apoio direto e exclusivo às atividades com fins religiosos”. A igreja reivindica a isenção para armazéns onde guarda os andores e os prédios que servem de apoio às paróquias, escolas, seminários e jardins paroquiais.

A gula só é pecado no mundo profano e tem aí quem lhe alimente a sofreguidão pia.

28 de Agosto, 2019 Carlos Esperança

Recordando JP2

As preocupações do Diário de uns Ateus com a ofensiva reacionária e antidemocrática dos meios religiosos, manifestadas desde o seu aparecimento na Internet, começam a ser partilhadas por diversos cidadãos que descobrem o perigo do proselitismo raivoso, da defesa de valores anacrónicos e da exaltação dos próceres eclesiásticos. Há, nos dois monoteísmos prosélitos – o cristianismo e islamismo – uma escalada clerical metódica e concertada.

Até hoje, não houve da parte do Vaticano uma condenação do fascismo islâmico (não há outro nome para definir as teocracias) pela pena de morte contra Salman Rushdie ou pela criminosa aplicação da sharia. No entanto, grasna e crocita contra o laicismo e as decisões democráticas dos países livres, na França, em Espanha ou na Irlanda.

O livro «Memória e Identidade», de JP2, de que a ICAR já deixou de falar, mas a que continua fiel, é um vómito contra a liberdade expelido pela Cúria romana, um labéu contra o laicismo e um convite à revolta dos crentes contra as democracias liberais. O fundamentalismo católico encontra-se aí, implacável, nas posições ideológicas do livro papal e no desejo manifesto de provocar um retrocesso civilizacional na sociedade.

O mundo confundiu o anticomunismo de João Paulo II com o espírito democrático e o sorriso com a bondade. Hoje, a popularidade do ditador é uma arma contra a liberdade. A beatificação de Pio IX e outros algozes que nos remetem para o passado negro da ICAR devia ter-nos alertado para as alfurjas do mal que medram no Vaticano.

B16 foi um digno sucessor depois de ter sido o seu mentor. O mundo seria bem melhor sem as religiões, em geral, e os monoteísmos, em particular.

27 de Agosto, 2019 Carlos Esperança

Jacobinismo, democracia e adereços pios

Apesar da sanha contra o jacobinismo, injustamente recordado pela violência, gratuita e intolerável, deve-se-lhe a genuína defesa da democracia, razão do ódio dos que têm uma herança menos recomendável na defesa das liberdades e mais pesado na crueldade.

O jacobino, exatamente por amor à liberdade, não aceita que a limitem os que a odeiam, a desafiem os que a pretendem destruir, e a minem os que impõem verdades únicas.

As religiões, sobretudo as que não sentiram a repressão do seu clero, obrigado a aceitar o laicismo, são hoje um fator de instabilidade e de terror, imposto pela fúria demente de um proselitismo incansável e inadmissível.
Como as leis dos países civilizados e democratas são obrigatoriamente abstratas, gerais e imperativas, não se deve, por exemplo, interditar o burkíni, quando a burka já cai sob a alçada da proibição, por razões de segurança, de ocultar o rosto.

Sendo a discriminação inaceitável e impune o desafio não violento à democracia, não há forma de evitar as provocações do Islão político, sem impedir a apropriação do espaço público pelas religiões.

Proibir, no espaço público e organismos oficiais, as indumentárias que manifestem uma pertença religiosa pode tornar-se necessário para garantir a tranquilidade, evitar insultos e defender todos os cidadãos da discriminação e animosidade das religiões concorrentes.

É intolerável que as ruas sejam ocupadas por crentes que aí procuram rezar (provocar) e promover a fé, impedindo o trânsito. A lei terá de proibir, fora dos locais de culto, as vestes clericais e adereços litúrgicos, mitras, tonsuras, batinas, burcas, kipás ou hijabs, bem como todas as vestes que os clérigos e crentes de qualquer religião exibem.

Urge impedir o retorno das rivalidades pias e da guerra de religiões que já está em curso no espaço europeu. Não podemos ignorar a atmosfera de medo que limita a liberdade, o terrorismo que ameaça a democracia e a demência religiosa que destrói a civilização.

A herança renascentista e iluminista da Revolução Francesa, civilização que nos coube, não pode ficar à mercê de quem troca os Direitos Humanos pela ilusão do Paraíso.

A proibição exclusiva do burkíni, condenada por quem não percebe o contexto, e ontem expressamente apoiada pelo PR francês, interessa aos cúmplices do terrorismo e tem o apoio dos inocentes úteis.

26 de Agosto, 2019 Carlos Esperança

Fátima — terra de fé

Fátima está condenada a ser instrumento da extrema direita. O que parecia a imitação de Lourdes, através de um catecismo arcaico, com o clero reacionário a vociferar contra a República, passou a ser, durante a ditadura salazarista, um instrumento de luta contra o comunismo.

A implosão da URSS desviou o objetivo para a propaganda contra o ateísmo e manteve-se um santuário do clericalismo, sem perder a matriz original do reacionarismo.

O catolicismo tridentino encontrou naquele lugar o ponto de encontro entre o arcaísmo da fé de natureza popular e a trincheira contra a modernidade e emancipação dos povos.

As encenações pias têm o ponto alto nos dias 13, mas, nos intervalos, a extrema-direita marca presença em datas aleatórias, para conspirações contra a democracia.

O último encontro de líderes políticos e religiosos da extrema-direita, preparado pelo International Catholic Legislators Network, com Viktor Orbán e o chefe de gabinete de Donald Trump, Mick Mulvaney, foi uma conspiração contra a democracia e o desafio ao Papa.

Não foram rezar o terço, mas aproveitar o simbolismo do local e a tradição cúmplice do catolicismo jurássico com a extrema-direita quando já está esquecida a colaboração do catolicismo com os nacionalismos extremistas que levaram Hitler e Mussolini ao poder.

O Vaticano é, aliás, criação do último, e considerado então, pelo regedor do bairro de 44 hectares, como enviado da Providência. Bastou um século para o regresso à matriz original em que o nacionalismo católico e as aventuras contrarrevolucionárias germinam no terreno árido da Cova da Iria.

23 de Agosto, 2019 Carlos Esperança

O Santo Condestável

B16 anuncia a canonização de D. Nuno

Em 14 de agosto de 1951 foi inaugurada a igreja do Santo Condestável no bairro de Campo de Ourique, quando o herói de Aljubarrota era apenas beato e nada fazia supor que atendesse súplicas e entrasse no ramo dos milagres para ser canonizado em 2009, antecipando em mais de meio século a dignidade que B16 lhe conferiu.

Deus podia não saber, mas sabia o cardeal Cerejeira do que o beato D. Nuno era capaz, depois do denodo com que matou cristãos castelhanos, em Alfarrobeira, Aljubarrota e Valverde, para defender o mestre Avis e aumentar o património próprio. Antecipou-lhe a inauguração de uma igreja o título que lhe exigiu o milagre.

Estava escrito nas estrelas que seria criado santo logo que a fé esmorecesse em Espanha e o poder político não se opusesse à canonização do carrasco de Castela no século XIV. Há sempre uma cozinheira sujeita a salpicar o olho esquerdo com óleo de fritar peixe, disposta a dispensar o colírio e pedir a intercessão de um herói no milagre de que ambos carecem, a cozinheira para sarar a queimadura e o beato para ser criado santo.

Portugal, esquecido pelo Vaticano nos negócios da santidade, viu Nuno Álvares Pereira ser criado santo. O herói resistiu à apropriação de Sidónio e de Salazar, mas, com cinco séculos de cadáver, não resistiu aos interesses da Igreja e à satisfação dos beatos.

O PR e o presidente da AR, Cavaco e Jaime Gama, fizeram parte da comissão de honra da canonização de Nuno Álvares a cujo espectro se atribuiu a cura do olho esquerdo da cozinheira de Ourém.

Foi grave que o Estado se tivesse enredada na cura miraculosa do olho esquerdo de uma devota; foi ridículo que os seus altos representantes confundissem as legítimas crenças individuais com factos; arruinaram a reputação do Estado laico a rubricarem, em nome do Estado, um grosseiro embuste de sabor medieval. Foi abusivo enviar a Roma uma comitiva, a expensas do tesouro público, para rezar ave-marias durante a canonização e trazer, depois, santinhos para os amigos.

Se D. Guilhermina tivesse rezado quatro novenas, em vez de duas, e passado a noite aos ósculos na imagem do Condestável, teria curado o olho esquerdo e feito a profilaxia das cataratas. A medicina está obsoleta, basta, na altura certa, rezar a um beato em lista de espera para ser canonizado. A felicidade conquista-se a rezar o terço.

Nuno Álvares foi o herói que a Igreja transformou em colírio rasca para a cura de um olho esquerdo, queimado com óleo de fritar peixe. Com a espada nas mãos não se teria deixado capturar, mas, desfeito em cinzas, sucumbiu com duas novenas e deixou-se trespassar pelo ósculo de uma beata numa imagem sua.

22 de Agosto, 2019 Carlos Esperança

Milagres

19 de Agosto, 2019 Carlos Esperança

Ser religioso e ser crente, não são a mesma coisa

Por

ONOFRE VARELA

No jornalismo (mais concretamente no Jornal de Notícias, já que, desde 1969 até ao ano 2000, passei pelas Redacções de todos os jornais diários editados no Porto) tive um chefe de Redacção que era sacerdote católico. Refiro-me a Rui Osório. O nosso relacionamento sempre foi bom. Lembro que numa das várias conversas que mantivemos sobre religião, ele comentou: “Não conheço ninguém que seja mais religioso do que tu”.

Só tive que lhe dar razão atendendo à acepção da palavra “Religião”, cuja raiz latina vem de Religio e Religare, no sentido da procura de visões do mundo enquadradas numa espiritualidade enquanto valor moral e social. Já não lhe dei razão no significado que aponta para a adoração de uma entidade abstracta criada com a finalidade de darmos um sentido filosófico à vida, na convicção de que ela nos foi dada por um deus criador. Este “deus criador” não é mais do que um produto da nossa imaginação criadora, já que o verdadeiro criador… é o Homem.

Mas a necessidade que o Homo Sapiens sentiu de criar Deus (deuses) remete-nos para o sentido da religiosidade deísta que alimenta as várias igrejas estabelecidas em todas as sociedades e que os crentes sentem como balsamo, ou aspirina do espírito, para as maleitas que sempre nos afligem a vida.

Os credos religiosos caracterizam-se por uma união de sentimentos, de emoções místicas, de modos de ver o mundo… consequentemente reflectem uma cultura. Quando várias pessoas se juntam a pretexto de um qualquer tema que apreciam, estão a afirmar a sua cultura e a sublinhar o seu respeito e admiração por aqueles que compartilham as mesmas ideias. Esta união de sentimentos leva-nos a reunir no mesmo clube, no mesmo partido, no mesmo movimento cívico e na mesma igreja.

Sendo certo que no seio de cada um destes grupos é suposto existir respeito entre os elementos que lhe dão corpo, também é certo que não sentem o mesmo afecto pelos frequentadores, ou aderentes, de outros clubes, partidos, movimentos e igrejas.

Estas diferenças que nos aproximam ou separam dos outros, no fundo, só afirmam o facto de todos nós sermos iguais em sentimentos. Guerreamo-nos e suportamo-nos. É a característica do animal predador que somos. Não há “grupos de humanos bons” e “grupos de humanos maus”. A situação só é verdadeiramente grave quando o verbo “guerrear” conduz a atitudes políticas e religiosas extremistas, que fazem sofrer o semelhante. E por aí todos reconhecemos os exemplos de políticas e religiões extremistas, sempre desrespeitadoras do semelhante.

(Artigo de Onofre Varela a sair na edição de 22 de Agosto no jornal Gazeta de Paços de Ferreira)

13 de Agosto, 2019 Carlos Esperança

Suplemento Q_o convidado. Hoje, DN (9 de agosto de 2013)

Convidado como presidente da Associação Ateísta Portuguesa, deixo aqui as respostas que dei, há 6 anos:

VER

Casablanca é o filme da minha geração

Sendo um filme romântico, fica para sempre a tensão dramática do tema, o desempenho notável de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman e o dilema dilacerante entre a virtude e o amor, numa situação extrema onde o sacrifício do amor é cruel e obrigatório.

Só um filme em que o interesse do tema, a realização exemplar e o sublime desempenho dos atores se conjugam para documentar um dos mais dramáticos momentos da história da Humanidade, podia resistir aos 70 anos que já leva a cativar sucessivas gerações de cinéfilos e espectadores comuns.

Rever Casablanca é uma viagem ao Governo de Vichy e à demência nazi que apavorou a humanidade, particularmente a Europa, e prestar homenagem à resistência heroica que uniu as mais diversas correntes democráticas contra o esmagamento das liberdades pelo extremismo ideológico do nazismo que reuniu o que pode haver de pior em qualquer ideologia: o imperialismo, o racismo e a xenofobia, numa orgia de horror, violência e morte.

***

Citizen Kane ou «O Mundo a Seus Pés» é um filme de suspense com uma realização soberba de Orson Welles. A palavra “Rosebud”, com que começa, pronunciada imediatamente antes da morte do magnate do jornalismo, acerca do qual se desenrola o filme, perdura pela vida de quem o viu e sentiu necessidade de o rever. «Rosebud» é a palavra enigmática, quiçá, algo que Kane perseguia e não conseguiu, talvez o fracasso derradeiro de quem subiu ao cume do poder, tornando-se um dos homens mais ricos do mundo, e algo lhe escapou.

Citizen Kane é um filme obrigatoriamente presente na história do cinema. Desde a direção artística à banda sonora, da fotografia à montagem, tudo se conjuga para a apoteose do ator protagonista, o próprio Orson Welles, que interpreta a vida de um homem pobre cuja indiferença alheia o levou a construir uma fortuna colossal e um poder imenso.

OUVIR

Recordo Os vampiros, de Zeca Afonso, talvez pelo momento presente em que a crise do capitalismo encontrou a saída na fuga para a frente, sem reparar na angústia, medo e revolta que semeia com o ultraliberalismo a que, neste momento, quer condenar-nos, em Portugal, na Europa e no Mundo.

Vem-me à memória a primeira quadra: «No céu cinzento sob o astro mudo / Batendo as asas Pela noite calada / Vêm em bandos Com pés veludo / Chupar o sangue Fresco da manada». Não posso deixar de pensar no homem generoso que pôs o seu talento ao serviço dos seus valores numa dádiva constante de um sonhador, para quem a vida foi madraça, e que tanto deu recebendo tão pouco.

Ouvir Zeca Afonso é prestar homenagem a um grande cantor de intervenção que ajudou a mudar Portugal quando não se sonhava que, numa manhã de abril, nasceriam cravos nos canos das espingardas.

Pedra Filosofal – Este belo poema, de António Gedeão, atinge uma sonoridade especial na voz de Manuel Freire. Enquanto houver homens e mulheres para quem o sonho comande a vida, não deixará de ser ouvido. É um hino à liberdade que nos interpela e extasia os sentidos.

Gosto de ouvir a Pedra Filosofal, fechar os olhos e sonhar, porque sei que «sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança, como bola colorida, entre as mãos de uma criança». Quando o mundo volta a ser a preto e branco, quando a realidade quotidiana nos empurra para a melancolia, valem-nos os poetas e cantores para descobrir, por entre as nuvens pardacentas das noites escuras, o raio de luz que desponta para iluminar a aurora dos dias.

Ouvir música, como a referida, e ler um bom livro apazigua e traz a serenidade a que todos devíamos ter direito.

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LER
Memorial do Convento é na obra do maior ficcionista português de todos os tempos a marca indelével do escritor que trago no meu devocionário há muitos anos, do escritor a quem sempre profetizei o Nobel da literatura e a quem o devemos.

Estou a reler o livro que me despertou para a leitura do enorme escritor, para a escrita do estilista que revolucionou a arte literária e elevou a ficção a um nível raramente atingido, neste livro, no Memorial do Convento, casando a beleza da escrita com o rigor da descrição.

É uma viagem na história, pela mão do erudito e observador atento da monarquia e da sociedade, no tempo da construção do convento de Mafra, quando a fé num milagre era mais eficaz para a gravidez da augusta rainha do que assiduidade de D. João V a cumprir os deveres conjugais. Há personagens que vão resistir ao tempo, a todos os tempos, como Sete Luas e Sete Sóis e tantas outras.
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Li «Velhos Marinheiros», de Jorge Amado, quando «A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água» e «Vasco Moscoso de Aragão Capitão de Longo Curso» ainda faziam parte do mesmo volume. Foi uma delícia percorrer S. Salvador da Baía, onde um dia, talvez influenciado por Jorge Amado, haveria de rumar.

Nunca mais esquecerei o boémio que prostitutas e amigos passearam pelas ruas de S. Salvador, já no seu caixão, a despedir-se dos botequins onde devorava aguardente e fazia amigos. O berro que lhe deu a alcunha, quando lhe trocaram a cachaça por água, ficou imortalizado na prosa humorada de Jorge Amado.

Também as peripécias de Vasco Moscoso de Aragão, que tinha comprado um título de capitão de longo curso, como hoje se compra em Portugal uma licenciatura, ficou célebre a dar ordens para amarrar o navio que lhe coube comandar pela morte súbita do comandante. Foi o único navio que a ignorância do falso comandante salvou do vendaval que varreu o porto de S. Salvador da Baía.

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O Fim da Fé, Sam Harris – É um livro de um ateu militante que revela a origem humana das religiões e desmascara o potencial belicista dos livros sagrados. Nele, Sam Harris tem a coragem de denunciar o terrorismo islâmico não como obra de fanáticos, mas como maldade intrínseca do mais implacável dos monoteísmos.

Mostra como um livro da Idade do Bronze, criação da sociedade tribal e patriarcal, deu origem aos três monoteísmos e perpetua valores desse período histórico. Fica a saber-se que não foi Deus que criou os homens, mas estes que criaram Deus, à sua imagem e semelhança. Daí que o carácter xenófobo, violento, vingativo e misógino seja uma característica do Deus abraâmico que é comum às três religiões do livro. Quem ignora o sangue vertido em nome desse Deus cruel fica a saber como a humanidade sofreu por ser habituada, desde criança, a crenças que não resistem ao escrutínio da razão e se desmorona com os inúmeros exemplos de versículos que cita e dos factos históricos a que alude.

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«Porque não sou cristão» – Neste livro, Bertrand Russel, insigne matemático, filósofo e escritor, galardoado com o prémio Nobel da Literatura, prestou um enorme contributo à causa do ateísmo. O seu ateísmo, que não era militante, impediu-lhe a docência numa Universidade americana, tal a sanha que o ateísmo despertava, e ainda desperta.

No fundo invocou dois argumentos para justificar o título e o conteúdo do livro. Um argumento intelectual, que o impedia de acreditar em afirmações que não pudessem ser comprovadas; e outro, de natureza moral, que o impelia a ter valores civilizados e humanistas completamente inexistentes na época em que Deus foi criado.

De facto, hoje, quando a pena de morte é um símbolo de atraso civilizacional, é com espanto que vemos o Deus que os homens criaram a exigir tal sacrifício, por vezes por razões tão fúteis como a apostasia e a blasfémia. B. Russel foi um verdadeiro pedagogo.

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Antigo Testamento – É uma obra cuja leitura é recomendada pela Associação Ateísta Portuguesa (AAP). Estando na origem dos três monoteísmos ninguém ficará indiferente ao potencial de violência que contém. São particularmente significativos o Levítico e o Deuteronómio cujos horrores ultrapassam os preconizados pelos três outros livros que integram o Pentateuco.

Não foi por acaso que a Igreja católica proibiu a leitura da bíblia durante muitos séculos. Desde as contradições que encerra, até à fragilidade das afirmações científicas, há matéria suficiente para desconfiar de um Deus, se o houvesse, que fosse tão violento e reduzisse a criação humana a um mero trabalho de olaria. Mas o que mais perturba, mesmo quem tem convicções firmes sobra a natureza humana do AT, é o seu carácter misógino, que está na origem de séculos de sofrimento por metade da Humanidade –as mulheres. Veja-se, aliás, que a libertação da mulher foi conseguida, onde foi, no último século e sempre contra a vontade das religiões que a reduzem à menoridade, com especial violência no Islão.

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Deus não é grande – Christopher Hitchens procura demonstrar através deste livro como a religião envenena tudo. Foi um ateísta militante que deu uma notável conferência, uma das últimas, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa. Este notável jornalista, escritor e crítico literário dedicou uma parte importante da sua vida a combater as religiões.

Talvez nenhum outro ateu tenha sido tão inflamado na defesa do ateísmo, uma opção filosófica que, contrariamente ao cristianismo e islamismo, não costuma ser prosélita.

A sua inteligência e sagacidade fez do livro «Deus Não É Grande» («God Is Not Great», no original), um libelo implacável contra a influência deletéria das religiões. Era temido pela rapidez do raciocínio e argúcia argumentativa.

Este livro é, para os ateus, uma referência que estimula o estudo das religiões. Hitchens, baseado nos textos ditos sagrados, documenta à saciedade como Deus é um reflexo do nosso medo da morte e desmascara, de forma inexorável, os dogmas responsáveis pela violenta repressão sexual e pelos caminhos ínvios que a humanidade, refém desses dogmas, percorreu.

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O Conde de Abranhos – Eça de Queirós é um notável retratista. No Conde de Abranhos, mais do que a ironia, é o sarcasmo que domina a imagem impiedosa de uma figura do Constitucionalismo. Misto de biografia e de romance, Eça escreve a história privada de Alípio Abranhos e a sua ascensão social, num delírio de humor e escárnio com que cria uma figura de que todos os regimes, todos os países e todas as épocas têm um avatar.

A descrição do Conde de Abranhos, cuja origem se perde numa genealogia suspeita, entre relações adúlteras e a roda de crianças abandonadas de um convento, é uma sátira ao oportunismo de um medíocre bacharel em direito que passa por deputado e chega ao ministério.

Este exercício de humor corrosivo ficou como imagem de marca do grande romancista. A biografia deste político constitucionalista, pela pena do seu secretário e dedicado biógrafo, Z. Zagalo, é uma das mais demolidoras críticas com que Eça de Queirós criou mais um personagem da sua imensa galeria de retratados.

Carlos Esperança – 09-08-2013

Q – Era, se a memória me não falha, um suplemento do DN que convidava pessoas para enumerarem filmes, músicas e livros que particularmente apreciaram. Hoje poderiam ser algo diferentes as respostas, mas, como memória, aqui ficam respostas que então dei.

11 de Agosto, 2019 Carlos Esperança

Efeméride — 11-8-1912

1912 – Rosalina Gomes Leite da Silva, mulher livre, republicana e livre pensadora, foi a primeira mulher a ter um enterro civil em Braga após a implantação da república, os republicanos do Porto, de Braga e de Barcelos, fundaram um jornal, número único, intitulado A Mulher Livre, em sua homenagem, distribuído neste dia da romagem fúnebre ao cemitério municipal de Braga, onde tinha sido sepultada em jazigo da família, causando a maior manifestação republicana em Braga