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Mês: Maio 2025

11 de Maio, 2025 Onofre Varela

Levanta-te e pensa

«Pensar é o trabalho mais difícil que existe, o que é provavelmente a razão porque tão poucos se envolvem nele»

(Henry Ford. 1863-1947)

O título desta crónica é uma adaptação do que se lê no Novo Testamento, na referência à cura do paralítico de Cafarnaum: “Levanta-te e anda” (Mateus: 5; 6), cujo figurino é usado em comédia no programa televisivo “Levanta-te e ri”.

Tal como o exemplo desta frase, que foi adaptada repetidamente e usada em diferentes situações, também a vida de cada um é uma repetição ou cópia da vida de todos nós, com mais ou menos nuances que emprestam outro colorido à nossa vida, tal como as diferentes fórmulas que glosam a frase bíblica que conduziu ao título desta prosa.

Ninguém inventa a sua vida… todos a temos oferecida pelo nascimento que não pedimos (o filósofo Agostinho da Silva dizia que “nasce a gente de graça, para depois ter de ganhar a vida!)… depois, todos nós a podemos melhorar ou piorar de acordo com as acções usadas no preencher dos dias, ornamentando-a com as melhores cores que conseguimos engendrar, ou pintando-a a preto e branco… embelezando-a ou borrando-a.

Fonte: Comunidade e Arte

Podemos dizer que a escolha é nossa… mas também pode ser condicionada pela sociedade ou por algo que ultrapassa a nossa vontade, que nos isola e manieta como, por exemplo, acontece à vida dos palestinianos submetidos pelo exército criminoso do bandido Netanyahu.

Por muito má que consideremos ser a nossa vida (quando ela pode ser alterada pela nossa vontade… quando não estamos reféns de um ditador), há sempre um momento para nos determos numa reflexão suficientemente profunda e encontrarmos algum modo de corrigirmos o rumo que, por qualquer razão, intuímos não nos conduzir para o melhor dos destinos que para nós sonhamos.

Esta reflexão filosófica é uma função positiva da Religião… talvez a principal… não será a única porque é acompanhada pelo processo do luto na menorização do sofrimento quando se perde um ente querido.

Porém (há sempre um “porém” que pode fazer a diferença das nossas escolhas) devemos estar atentos à corrente do “rio religioso” que decidimos navegar!… Ela nem sempre nos dirige para a melhor foz, nem nos conduz pelo melhor leito!

A corrente pode transportar-nos para águas mansas e calmas, permitindo-nos a contemplação das margens que as guiam, ou, pelo contrário, pode desaguar em desfiladeiros tormentosos de águas imparáveis, de efeitos desconhecidos, quando as margens, ao invés de guiarem a força da água… a comprimem e convulsam!

A escolha da rota é sempre do discernimento de quem navega o rio da Religião… tal como na vida, afinal…

6 de Maio, 2025 Onofre Varela

ATEÍSMO, RESPEITO E ELEIÇÕES

No meu último texto de opinião manifestei o meu respeito e a minha admiração pelo clérigo Mario Bergóglio, enquanto Papa Francisco e chefe supremo da Igreja Católica. Este meu sentimento poderá ter leituras variadas, desde logo pelos religiosos (católicos ou outros) socialmente menos esclarecidos e mais fundamentalistas, que poderão sentir repulsa pelo apreço que um ateu pode nutrir pelo Papa, convencidos que estão de a religião que professam ser uma coutada privada da fé, interdita a quem não comunga dessa mesma fé (ou por ateus que detêm o mesmo sentimento fundamentalista).

Para um religioso que assim sente, um ateu não passa de um ser menor que não lhe merece qualquer respeito. Esta é uma atitude que não me merece nada mais do que um sentimento de pena por quem assim se comporta numa sociedade que, para atingir a maioridade, tem de ser composta por cidadãos donos de opiniões diversas, semelhantes ou contrárias às suas, de mente aberta e atentos às diferenças comportamentais e de pensamento que, por serem lícitas, merecem respeito: o mesmo respeito que eu sinto pelo Papa Francisco e por quem o adora para além do Homem que foi. (Estas diferenças de pensamento têm uma ressalva. Na lista não entram ideologias nazis nem xenófobas).

Ao iniciar esta escrita veio-me à mente um outro exemplo de respeito pela figura de um Papa, o qual quero registar aqui.

O Papa João Paulo II faleceu no dia 2 de Abril de 2005. Então eu tinha saído do Jornal de Notícias havia cinco anos, tendo-me dedicado ao teatro (uma paixão antiga mas que não podia concretizar porque, em termos horários – tarde e noite – a actividade teatral se sobrepõe à de jornalista). Liberto do jornal fui convidado pelo autor e actor Lopes de Almeida, que dirigia a companhia residente no Teatro Sá da Bandeira, no Porto – encenando uma revista por ano, e para as quais eu fazia o lettering e ilustrações para o pano da fachada e programa – para fazer parte do elenco. As revistas estreavam no palco do Sá da Bandeira em Dezembro, e aí se mantinham até Fevereiro, altura em que a companhia partia em “tournée” pelo país, aos fins-de-semana, até Junho. 

Naquele dia de Abril de 2005, a companhia representava a revista “Vira o Disco e Toca a Mesma” num teatro de uma cidade que não recordo qual. Soubemos da morte do Papa momentos antes do início do espectáculo e eu sugeri a Lopes de Almeida que abrisse o espectáculo com todos os actores e técnicos em cena, e convidasse os espectadores para cumprirem um minuto de silêncio em memória do Papa João Paulo II.

A minha ideia não foi acolhida de imediato. Lopes de Almeida, sendo profundamente católico, não a considerou num primeiro momento… mas, em reunião nos bastidores, toda a companhia considerou que devíamos fazê-lo. Assim se fez, os assistentes daquele espectáculo aderiram ao minuto de silêncio, e João Paulo mereceu um forte e longo aplauso antes da abertura do pano e da entrada do corpo de baile ao som da marcha do início da representação. 

A parte curiosa desta cena estava reservada para o final do espectáculo. O meu colega Manuel Monteiro, actor e radialista (foi a voz da Rádio Festival durante vários anos) comentou: “Foi um ateu que se lembrou de homenagear a memória do Papa no momento da sua morte!… Nunca pensei que isto pudesse acontecer.”

O ateu sabe da inutilidade da figura do Papa na sua filosofia de ateu… mas também sabe que o mundo não é só dele nem dos seus correligionários na filosofia ateia. O Papa, quer os ateus queiram, quer não, é uma figura moral ligada a uma religião com muita força em Portugal, cujos crentes merecem todo o respeito, não só como seres humanos que são, iguais a qualquer ateu, mas também no respeito pelas suas convicções religiosas (muitos religiosos é que não sabem desta igualdade que nos nivela… o resto acontecerá logo que o religioso entenda o ponto de vista do ateu!).

Este respeito devido pelos ateus aos religiosos, tem a sua reciprocidade… também é devido pelos religiosos aos ateus… e não é sinónimo de desrespeito nem de silêncio. Todos temos o direito e a obrigação de expormos o nosso pensamento, mesmo quando não estamos alinhados pelo pensamento de uma maioria, desde que não ultrapassêmos a linha vermelha do respeito devido ao outro sem que se chegue ao insulto, nem pretendamos calar “quem não pensa como eu quero que ele pense”!… Esse é o sentimento dos ditadores… e há meio século que nos libertamos do último que teve lugar no poder.

Vamos conservar a Liberdade de Pensamento neste momento eleitoral, votando por ela contra qualquer forma de ditadura… que anda por aí e todos os dias nos ameaça, mais concretamente agora, nas eleições que temos à porta, nas quais temos de ter em conta a eliminação da “ressalva” referida mais acima.