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11 de Fevereiro, 2004 jvasco

A Igreja da Unificação

Existem várias seitas Cristãs. Umas mais divertidas, outras mais lúgubres.

Hoje, por via de um documentário no people&arts tomei contacto com uma das mais divertidas.

É a Igreja da Unificação, onde os Moomistas (assim se chamam os crentes) acreditam que Satã está prestes a tomar a terra através da imoralidade e do comunismo. Foi fundada por Sun Myung Moon, Koreano, evangelista, milionário, industrial, o qual Nasceu na Koréia do Norte em 6 de janeiro 1920. Conseguiu fazer uma enorme fortuna, investindo o dinheiro dos crentes em bancos, frotas pesqueiras, fábricas de armas, etc… Não obstante o rigor e a rectidão moral que defendia, Satã conseguiu fazer com que fosse apanhado por fraude fiscal, ao que se seguiu um julgamento que o levou a ficar cerca de 1 ano na cadeia. Não esmoreceu, continuando a sua grande “obra”. Fundou e comprou jornais (nos quais houve demissões devido a pressões editoriais) como o Washington Times. No escândalo Watergate intercedeu por Nixon, continuando muito amigo dos presidentes Republicanos dos EUA como Reagan e Bush pai. Disse que Clinton era “um instrumento de Satã”.

Sun Myung Moon continuou o seu caminho aumentando a sua fortuna, e fazendo espalhar a sua Igreja, e também partilhando a sua infinita sabedoria com os crentes. Entre as belas palavras que nos deixou contam-se estas verdadeiras pérolas:

1. “Eu sou um pensador. Eu sou o seu cérebro”.

2. “Quando você une seus esforços aos meus, pode fazer qualquer coisa em obediência absoluta a mim. Porque o que faço não é por acaso mas o que eu faço é sob ordem de Deus”.

3. Não há nenhuma reclamação, objecção a qualquer coisa sendo feita aqui até que consigamos estabelecer o Reino de Deus na Terra até mesmo o fim! Jamais poderá haver reclamações.

4. “Quero que todos os membros tenham a vontade de me obedecer, mesmo que tenham que desobedecer a seus próprios pais e aos presidentes das suas próprias nações. E se eu ganhar uma metade da população do mundo, poderei virar o mundo inteiro de ponta cabeça”.

5. “Você deve começar de novo sua vida, negando sua família, seus amigos, seus vizinhos e seus parentes passados”.

6. “O que eu desejo deve ser o seu desejo”.

7. “A minha missão é fazer novos corações, novas pessoas”.

8. “De todos os santos enviados por Deus acho que sou o melhor sucedido”.

9. “O tempo virá… quando minhas palavras quase servirão como lei. Se eu pedir tal coisa será feita”.

10. “O mundo inteiro está nas minhas mãos, e vou conquistar e subjugar o mundo”.

Enfim… Pensar no sucesso que Moon teve com a sua Igreja da Unificação faz-nos compreender melhor o sucesso das diferentes religiões, seitas e crendices.

11 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

A ICAR desconfia da música



Faz hoje 3 anos que um cardeal inquisidor condenou a música rock e pop. Assinalando o facto, deixo aqui o texto que, então, publiquei no Diário As Beiras, de Coimbra.

«O Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Sagrada Congregação da Fé (ex-Santo Ofício) num ensaio consagrado à liturgia, em 11 de Fevereiro de 2001, criticou severamente a música rock e pop e manifestou reservas em relação à ópera que acusa de ter “corroído o sagrado” de tal modo que – cita – o papa Pio X “tentou afastar a música de ópera da liturgia”, donde se deduz que ela é claramente desajustada à salvação da alma.

Eu já tinha desconfiado que certa música é a “expressão de paixões elementares” e que o “ritmo perturba os espíritos”, estimula os sentidos e conduz à luxúria. Salvou-me de pecar a dureza de ouvido que tinha por defeito e, afinal, era bênção.

Mas nunca uma tão relevante autoridade eclesiástica tinha sido tão clara quanto aos malefícios da música, descontada a que se destina à glorificação do Senhor, à encomendação das almas ou a cerimónias litúrgicas ( outrora com o piedoso sacrifício dos sopranistas).

Espero que o gregoriano, sobretudo se destinado à missa cantada, bem como o Requiem, apesar do valor melódico, possam ressarcir-nos a alma dos danos causados pelo frenesim da valsa, a volúpia do tango ou a euforia de certos concertos profanos.

Só agora, mercê das avisadas palavras de Sua Eminência, me interrogo sobre a acção deletéria do Rigoleto ou da Traviata, dos pensamentos pecaminosos que Aida ou Otelo poderão ter desencadeado em donzelas – para só falar de Verdi – ou dos instintos acordados pela Flauta Encantada de Mozart ou pelo Fidélio de Beethoven! E não me venham com a desculpa de que há diferenças entre a ópera dramática e a cómica, ou entre esta e a bufa.

A música, geralmente personificada na figura de uma mulher coroada de loiros, com uma lira ou outro qualquer instrumento musical na mão, já nos devia alertar para o pecado oculto na arte de combinar harmoniosamente os sons.

Sua Eminência fez bem na denúncia. Espera-se agora que, à semelhança das listas que publicou com os pecados veniais e mortais e respectivas informações complementares para os distinguir, meta ombros à tarefa ciclópica de catalogar as várias músicas e os numerosos instrumentos em função do seu potencial pecaminoso.

Penso que a música sacra é sempre de louvar (desde que dispensados os eunucos), enquanto a música de câmara, a ser executada em reuniões íntimas, é de pôr no índex. Na música instrumental, embora o adjectivo seja suspeito, talvez não haja grande mal, mas quanto à música cifrada não tenho dúvidas de que transporta uma potencial subversão.

Há instrumentos virtuosos, como o sino, o xilofone, as castanholas e quase todos os de percussão, deixando-me algumas dúvidas, mais por causa do nome, o berimbau.

Nos de corda, excepção para o contrabaixo e, eventualmente, o piano (excluídas perigosas execuções a quatro mãos) quase todos têm riscos a evitar. A lira, o banjo, a cítara, o bandolim e o violino produzem sons que conduzem à exacerbação dos sentidos.

Mas perigosos mesmo – a meu ver – são os instrumentos de sopro. Abro uma excepção para os órgãos de tubos que nas catedrais se destinam a glorificar o Altíssimo. Todos os outros me parecem pecaminosos. A flauta, o clarim, o fagote, o pífaro e a ocarina estimulam directamente os lábios e, desde o contacto eventualmente afrodisíaco aos sons facilmente lascivos, tudo se conjuga para amolecer a vigilância e deixar-nos escravizar pelos sentidos. Nem o acordeão, a corneta de pistões ou a gaita de foles me merecem confiança.

Apreciemos o toque das trindades dos sinos dos campanários e glorifiquemos o Senhor no doce chilrear dos passarinhos.

Cuidado com a música e, sobretudo, com os efeitos luminosos associados. Não esqueçamos as palavras sábias do Cardeal Ratzinger.»

10 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Oração dominical

Hoje é domingo

e eu não vou à missa

requer bênçãos, graças, salvação,

e o que mais

lá se institui

e distribui:

rosários, pão ázimo, água benta,

cantochões e presunção.

Filho apenas de meu pai

e de minha mãe,

ou de mim próprio, sei lá,

eis o que sou.

Filho da puta que fosse,

nunca lá fui

nem vou.

Do livro «do umbigo abaixo e acima», em preparação, de José Daniel Abrunheiro.

9 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

O papa pede perdão mas não perdoa. E é cada vez mais falível

JP2 já por várias vezes pediu perdão pelos erros e pecados que outros papas igualmente santos e não menos infalíveis acabaram por cometer.

A infalibilidade papal é uma obsessão que já existia antes da dignidade que Pio IX lhe conferiu ao erigi-la em dogma.

Calculo, pois, a perplexidade dos crentes. Em quem acreditar? Em quem, pedindo perdão, reconhece erros e pecados nos antecessores ou em quem, vendo neles virtudes e santidade, cometeu ou estimulou os actos que agora se condenam?

Tem sido corajoso João Paulo II, embora incompreendido por muitos. Mas não deixa de ser profético o perdão ultimamente pedido, a abrir caminho para que sobre o actual silenciamento de teólogos, a discriminação das mulheres, os anátemas sexuais, a expulsão de bispos e padres por delitos de opinião, etc. etc., os seus sucessores não se acanhem de pedir também perdão.

Um pequeno reparo apenas. O perdão pedido é irrelevante para as vítimas e demolidor para a infalibilidade e a santidade, dois atributos sem os quais um papa fica reduzido ao brilho dos paramentos e ao poder que a correlação de forças do momento lhe consentir.

Se as orações tivessem a mínima eficácia eu aconselharia os católicos a rezarem hoje com a mesma convicção com que rezaram, durante a ditadura fascista, pela conversão da Rússia, pelos nossos governantes e contra os judeus, para evitar que a erosão da Santa madre Igreja católica, apostólica, romana seja a porta aberta para outras religiões que não pedem perdão e, muito menos, perdoam.

8 de Fevereiro, 2004 Mariana de Oliveira

Duas frases dominicais não originais

Não é só o facto de Deus não existir. Experimentem chamar o canalizador num fim-de-semana.

Woody Allen

8 de Fevereiro, 2004 André Esteves

Deus não estava lá.. Só a incúria dos homens.

Há três anos atrás, dirigi-me para Castelo de Paiva com a minha mulher e um amigo.

Tinha havido a iniciativa, entre amigos e colegas de trabalho, de se organizar uma descida em rafting no rio Paiva.

Quando nos preparávamos para entrar nos botes, já eu sentia que havia qualquer coisa mal. O rio transbordara, e as árvores à beira rio tinham se transformado em lanças a emergir ou submersas na água.

O rio corria desalmadamente.

Comecei a aperceber-me que a empresa que organizara a descida não tinha avisado a polícia, ou bombeiros, do que se ia passar. A pressa com que nos queriam atirar para a água, puxou-me ainda mais o receio.

Tive que arrancar de um instrutor aparvalhado por alguém fazer perguntas, quais seriam os procedimentos no caso de cairmos à água… Entramos na água… e só saímos depois de virarmos três barcos e 6 pessoas quase morrerem afogadas, inclusive eu.

Fiquei preso num rolo de água de uma cascata, bebi e respirei água, enquanto via a minha morte, afogando-me num turbilhão. Felizmente que me lembrei das instruções que tinha pedido e relaxei o corpo, ao mesmo tempo que aceitei a minha morte e, ao fim de uma eternidade surda, acabei por me soltar da corrente que me aprisionava.

Percorri mais de 100 metros ao sabor da corrente, sem saber se estava morto, se estava vivo.

Reagrupámo-nos na margem, com mais de vinte pessoas cheias de escoriações, enlameadas e assustadas. Cheirava-se o medo no ar. Tive um ataque de pânico. Recriminava-me por me ter deixado apanhar naquela situação. Não podia ver um barco à frente…

A muito custo, convenceram-me a entrar no barco e a manter-me no fundo.

A minha mulher segurou-me e confortou-me, sabendo que, no meu pânico, podia saltar para a margem…

Na parte final, antes de chegarmos, ganhámos velocidade relativamente à margem e só a custo não nos despedaçavamos nas pedras e rápidos que estavam à frente, lutando contra a corrente, conseguindo agarrar um ramo, parar o barco e puxarmo-nos exaustos e a tremer por uma ribanceira acima, até chegarmos à estrada e aos nossos carros. Voltamos para casa, atordoados, a desejar por um banho quente e um lugar seguro e acolhedor.

Na manhã seguinte, ao ver as notícias na televisão, fiquei aparvalhado…

A ponte por onde tínhamos passado, horas antes, duas vezes, na ida e na volta daquela aventura idiota, tinha caído.

Sobreviver é f*****… Sabem porquê?

Porque se morremos, morremos.

Se sobrevivemos, tentamos tirar todo o gênero de lições e ilações sobre o que aconteceu.

E é difícil saber quando parar… Só quando controlamos a espiral de emoções libertadas é que emergimos para a calma. E conseguimos aprender alguma coisa…

Passados estes três anos, há uma reflexão que permanece: Estamos nas mãos uns dos outros.

E é só isso o que nos protege de um universo aleatório, adverso e terrível.

No entanto, naquele dia, houve pessoas que não me seguraram a mão.

A confiança numa sociedade é construída pela palavra e pelo cumprimento dos compromissos aceites.

A Competência é o cumprimento num serviço, trabalho ou profissão de certos compromissos: regras, objectivos de qualidade, segurança e transparência para com os outros nos nossos produtos e serviços.

Quando as pessoas deixam de se nortear por esses princípios e passam a “acreditar” que as coisas funcionam… Que alguém ou “alguma coisa” os há-de safar das consequências do seu mau trabalho ou má gestão dos seus negócios e responsabilidades, é quando se quebra o compromisso que todos temos uns com os outros, de manter a máquina da civilização e sociedade a funcionar e a preservar a vida comum.

Naquela noite morreram 59 pessoas. Caíram para uma morte certa, num rio a transbordar de incompetência.

Incompetência alimentada por uma cultura de aparências, superstição, cupidez e preguiça.

Ontem, duas novas pontes foram inauguradas, perto do local da tragédia.

Um governo que representa tudo o que de pior temos, transgrediu a constituição e a lei da liberdade religiosa, ao iniciar a cerimónia de estado, com um sacerdote católico romano a abençoar as pontes…

A ponte que caiu, quando inaugurada, foi abençoada por um sacerdote católico romano…

Onde está a racionalidade, neste tempo que passou?

Aprendemos alguma coisa?

Ou continuamos a alimentar a incompetência? E a esquecer a mão dos outros…

Associação Républica e Laicidade

Comunicado de imprensa sobre a inauguração das duas novas pontes em castelo de Paiva.

8 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Mariana Cascais e a educação sexual



Mariana Cascais, secretária de Estado que na A. R. advertiu os deputados de que Portugal era um país oficialmente católico, por desconhecer o carácter laico do Estado, é um dos elementos mais reaccionários do actual Governo.

Amiga do peito e da missa dos outros elementos do CDS é uma defensora da castidade absoluta, com vaga tolerância para excepções destinadas à prossecução da espécie que não impliquem prazer ou lascívia.

Na entrevista de hoje ao Diário de Notícias esta sólida defensora da alma e virtuosa promotora da abstinência sexual, declarou: «Se eu quisesse não havia educação sexual».

Parece uma freira da ICAR, saída de um convento para o Ministério da Educação, sem respeito pela Constituição e com enorme ressentimento pela influência hormonal. É tal o proselitismo que a devora, e tão grande o seu fanatismo, que entrou em rota de colisão com o PSD.

Esta mulher dedicou-se à promoção da virtude e prevenção do vício com tal denodo que julga a masturbação um genocídio e o orgasmo uma ofensa a Deus.

Só em Maomé se encontra tão genuíno ódio ao toucinho como o desta mulher ao prazer sexual.

É a pessoas assim que João Paulo II encomenda milagres para fazer delas santas.

7 de Fevereiro, 2004 André Esteves

O temor… Base da religião.

” A religião é fundamentada primeiramente e sobretudo no temor.

Por um lado é o terror perante o desconhecido, por outro, o desejo de sentir uma espécie de irmão mais velho que esteja ao nosso lado quando nos sentimos receosos ou em dificuldades.

O temor é a base deste problema – temor do misterioso, temor do malogro, temor da morte.

E o temor engendra a crueldade, razão porque a vemos de mãos dadas com a religião.

O temor está na base de uma e de outra.

Neste mundo, começamos a compreender as coisas, a dominá-las um pouco com a ajuda da ciência – que vai abrindo caminho pouco a pouco apesar da oposição da religião cristã, das igrejas em geral e de todas as superstições.

A ciência pode ajudar-nos a vencer esse covarde terror em que a humanidade têm vivido durante tantas gerações; a ciência pode ensinar-nos, e penso que o nosso próprio coração nos pode também ajudar, a não mais procurar apoios imaginários à nossa volta, a não mais forjar aliados nos céus, mas a concentrar todos os nossos esforços aqui na terra, a fim de fazer deste mundo um lugar onde se possa viver agradavelmente, ao contrário do que têm feito todas as igrejas através dos séculos. “

Do livro, Porque não sou cristão. de Bertrand Russel – livro baseado na conferência ao South London Branch da National Secular Society, UK em 1927

Vão 83 anos desde estas palavras… Não perderam o seu toque de verdade.

Que comece o bom combate.

7 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Recordar o beato Pio IX é impedir que se esqueçam os seus crimes



A fúria beatificadora / canonizadora do actual pontificado não podia deixar de incluir Pio IX entre os merecedores de devoção.

Pio IX foi o último papa detentor de poder temporal. Mandou fuzilar patriotas garibaldinos, construir em 1850 os muros do gueto de Roma, encorajou os padres a baptizarem em segredo crianças judias retiradas aos pais, condenou a separação da igreja do estado, excomungou os que negavam a soberania temporal dos papas, os liberais, os maçons, os socialistas e os comunistas, enfim, foi um reaccionário violento – mesmo para um papa católico.

É verdade que enriqueceu a igreja com o dogma da sua própria infalibilidade e dos seus sucessores e o da virgindade de Maria. Não ponho em dúvida que o milagre de ter curado, sem intervenção cirúrgica, uma carmelita que fracturara uma rótula, a troco de rezar duas novenas que lhe foram dedicadas, pesou na beatificação com que JP2 o distinguiu no Verão do ano da graça de 2000.

Mas, o anti-semitismo primário de quem chamava cães aos judeus, deixou marcas culturais que tiveram o seu epílogo no holocausto perpetrado por nazis e fascistas em que pereceram seis milhões de judeus. É a memória desta tragédia que não nos permite esquecer o branqueamento que JP2 pretendeu com esta beatificação.

Recorde-se a encíclica Sillabus errorum onde Pio IX afirmou que a Igreja era “inconciliável com o progresso e a civilização” – palavras proféticas que calaram fundo no coração de João Paulo II.

6 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Algumas reflexões sobre milagres



Antes de o Opus Dei ter descoberto um cardeal polaco para papa julgavam os crentes que os santos tinham o monopólio dos milagres. Rapidamente os factos desmentiram tal ideia. O milagre deixou de ser o favor obtido, através da cunha de um santo, para se converter na prova geral de acesso à santidade. JP2 aboliu o numerus clasus e os crentes mais aflitos habituaram-se a solicitar favores através da lista de espera, certos de que os santos encartados estão de baixa e não regressam ao ramo. Assim, o atendimento das cunhas deixou de ser um privilégio de quem detém o poder, como acontece na sociedade civil, que imitou a religiosa, para dar uma chance aos candidatos.

O milagre é o mais antigo produto comercializado pela ICAR. O mais prestigiado fabricante foi o próprio JC, alegado fundador.

Jesus era filho de pai incerto e de mãe judia, Maria de seu nome, companheira de um carpinteiro que a crise da construção civil empurrou para a miséria. Era tal a pobreza que a gravidez lhe tinha passado despercebida e foi preciso um anjo para a advertir do estado e preparar a família para mais uma boca. O aborto estava fora de questão. O menino, como todos os filhos de pobres, não estudou mas, como era muito vivo, dedicou-se à pregação e aos milagres, formas de sobrevivência bastante em voga.

Andava Jesus a aprender milagres para ser promovido a filho de Deus quando assistiu a um casamento onde faltou a pinga. Apesar de ser a primeira vez que ousava um milagre conseguiu transformar água sem garantia bacteriológica num agradável palheto de 12 graus. A receita, ainda usada em Portugal, é hoje objecto de repressão policial.

A falta de vigilância facilitou-lhe milagres em leprosos, paralíticos e cegos, mas os de maior sucesso foram a travessia do mar Morto e a ressurreição de Lázaro.

Jesus tinha os pés grandes a avaliar pela facilidade com que atravessou alguns metros de água salgada antes de lhos furarem. Os publicitários puseram a correr, com manifesto exagero, que tinha atravessado o mar Morto. Era impossível ter testemunhas que assistissem à partida e à chegada numa época em que as comunicações se faziam através de pessoas, que tinham de ir à volta. Mas, graças a 12 indefectíveis, obteve bastante popularidade até ter sido lixado aos 33 anos. Pregaram-no numa cruz e deixaram-no morrer de forma bárbara, habitual na época.

Sabe-se que o corpo desapareceu e foi posto a correr o boato de que tinha subido ao céu, sítio que se julgava ficar num alto. Chamou-se a isso ressurreição – fenómeno tido por verosímil –, hoje dá-se-lhe o nome de ocultação de cadáver.

Muitos séculos depois ainda se guardava em relicários o santo prepúcio, relíquia que teve de ser proibida pela profusão de exemplares reivindicados por várias paróquias italianas. As voltas que um prepúcio dá.

Os milagres da época eram para consumo na Palestina. Vinte séculos depois JP2 deslocalizou-os, principalmente para a Europa, e descobriu o fabrico em série com médicos privativos, e outros avençados, sempre prontos a passar certificados de garantia.

Recentemente tais milagres acontecem no ramo da medicina em áreas novas que vão da oncologia à endocrinologia. Muitas vezes as graças são para consumo caseiro, caso de freiras em sítios remotos ou conventos impenetráveis, pessoas que deus condenou a doenças incuráveis, que depois indulta por milagre, sem ninguém se interrogar se não seria mais fácil não lhe ter enviado a doença do que enviar-lhe a cura. Mas isto são segredos do negócio em que só acredita quem quer e que mobiliza muitas pessoas e enormes recursos.

O truque para ressuscitar pessoas é que nunca mais foi conseguido e passou à história como o mais difícil.