11 de Dezembro, 2023 Onofre Varela
O medo da morte e a eternidade
Texto de Onofre Varela previamente publicado na imprensa, em que reflete sobre o medo da morte.
O medo é um sentimento que funciona como escudo protector da vida, activando o sentido de alerta perante situações de perigo. No bordo de uma falésia, qualquer animal, incluindo o Homem, recua com medo de cair. Só as aves se abeiram e saltam no vácuo… porque voam.
Nós compreendemos o medo pelo sentimento que temos dos riscos que corremos quando nos encontramos em perfeito estado de consciência… o que parece não acontecer aos suicidas. É normal e natural evitarmos tudo quanto possa apresentar risco de vida: não ingerimos veneno, não saltamos de uma ponte nem nos deitamos na linha do comboio (aqui fica uma dica para os candidatos ao suicídio: esta ideia da linha do comboio deve ser evitada… porque as frequentíssimas greves dos ferroviários fazem gorar o desejo do suicida).
Nós não temos, só, medo da morte; também receamos o futuro… que não sendo propriamente sinónimo de morte, já foi mais entendido como promessa de melhor vida do que o é neste tempo de má globalização. O futuro apresenta-se cada vez mais carrancudo e armadilhado para a maioria das pessoas que já têm, no tempo presente, um inferno sem porta de saída. Inferno imposto por guerras, lutas políticas violentas e pelos “mercados”, desde o do trabalho ao económico, embora o nosso inferno seja um paraíso para quem se alimenta de tais “mercados”.
Na consciência dos nossos medos, também tem lugar a morte natural. Todos temos medo de morrer. Mesmo quando vivemos em sofrimento social ou de saúde, queremos continuar a viver na convicção de o futuro nos premiar com melhor sorte (mesmo sabendo-o armadilhado).
Em situação normal numa sociedade civilizada, a vida apresenta-se atractiva e é uma alegria vivê-la junto de quem gostamos, sentindo-nos realizados vendo o crescimento dos nossos filhos e netos. Pôr um ponto final neste gozo que sentimos pela vida… só pode ser uma maldade!…
Ninguém, no seu perfeito estado de saúde mental, quer morrer. Mas o fim da vida é a coisa mais certa com que podemos contar. Só porque nascemos, haveremos de morrer. O nascimento activa o relógio da contagem decrescente. Após cada dia vivido, temos um dia a menos para viver. A morte é o nosso fim natural, e dela ninguém pode fugir. Desta vida ninguém sai vivo.
Algum dia a Ciência conseguirá vencer a morte?… Para já, consegue prolongar-nos a vida, aumentando o “prazo de validade” marcado pela estatística… o que já não é nada mau. Espero que jamais se vença a morte, porque se fossemos eternos não cabíamos todos no mundo… a não ser que se cancelassem os nascimentos! Mesmo assim, garantíamos lugar físico para termos chão, mas a sociedade não evoluía porque éramos sempre os mesmos, com as mesmas ideias e a porta fechada à renovação… por isso a eternidade seria uma chatice… só nos apeteceria morrer!…
A eternidade do corpo conservando todas as faculdades anímicas, é mito. A eternidade só é possível na memória histórica, não na matéria (pelo menos não o é em organismos complexos).
Mesmo sabendo que somos mortais, gostaríamos de viver eternamente e alimentamos esse gosto criando a ideia da vida eterna numa suposta existência espiritual a usufruir depois da morte, num suposto céu, junto do igualmente suposto deus que criamos à nossa imagem e semelhança, e à medida dos nossos desejos, da nossa angústia e da nossa ignorância.
Acredito que seja um consolo crer na vida espiritual eterna. Quem crê nela, na esperança de se encontrar com o deus da sua crença depois de morrer, terá nessa ideia um repelente para o medo da morte, ajudando a aceitar a naturalidade do fim com a muleta da fantasia religiosa na convicção de que, finalmente, irá encontrar-se com o seu deus e ser feliz. É o derradeiro consolo que configura a face positiva da crença por ajudar a aceitar a morte sem dramas maiores, mesmo que com base numa mentira que o crente aceita por verdade.
Na verdade natural das coisas naturais, depois de se morrer não se tem consciência… nem nada!… Não se sofre nem se goza, porque a hipotética alma não tem sistema nervoso nem cérebro!… A felicidade ou o sofrimento “post mortem” é anedota. Morrer é como apagar a chama de uma vela… aquela chama “morre” completamente, deixa de existir, não se traslada para um outro hipotético pavio no céu das velas de estearina!…
É por isso que quem morre nunca reclama da vigarice que lhe venderam da promessa de vida eterna “post mortem”. E os crentes vivos crêem (por isso são crentes) que se o morto não reclama… é porque está bem e se recomenda!…
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV