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Categoria: Ateísmo

11 de Dezembro, 2023 Onofre Varela

O medo da morte e a eternidade

Texto de Onofre Varela previamente publicado na imprensa, em que reflete sobre o medo da morte.

O medo é um sentimento que funciona como escudo protector da vida, activando o sentido de alerta perante situações de perigo. No bordo de uma falésia, qualquer animal, incluindo o Homem, recua com medo de cair. Só as aves se abeiram e saltam no vácuo… porque voam.

Nós compreendemos o medo pelo sentimento que temos dos riscos que corremos quando nos encontramos em perfeito estado de consciência… o que parece não acontecer aos suicidas. É normal e natural evitarmos tudo quanto possa apresentar risco de vida: não ingerimos veneno, não saltamos de uma ponte nem nos deitamos na linha do comboio (aqui fica uma dica para os candidatos ao suicídio: esta ideia da linha do comboio deve ser evitada… porque as frequentíssimas greves dos ferroviários fazem gorar o desejo do suicida).

Nós não temos, só, medo da morte; também receamos o futuro… que não sendo propriamente sinónimo de morte, já foi mais entendido como promessa de melhor vida do que o é neste tempo de má globalização. O futuro apresenta-se cada vez mais carrancudo e armadilhado para a maioria das pessoas que já têm, no tempo presente, um inferno sem porta de saída. Inferno imposto por guerras, lutas políticas violentas e pelos “mercados”, desde o do trabalho ao económico, embora o nosso inferno seja um paraíso para quem se alimenta de tais “mercados”.

Na consciência dos nossos medos, também tem lugar a morte natural. Todos temos medo de morrer. Mesmo quando vivemos em sofrimento social ou de saúde, queremos continuar a viver na convicção de o futuro nos premiar com melhor sorte (mesmo sabendo-o armadilhado).

Em situação normal numa sociedade civilizada, a vida apresenta-se atractiva e é uma alegria vivê-la junto de quem gostamos, sentindo-nos realizados vendo o crescimento dos nossos filhos e netos. Pôr um ponto final neste gozo que sentimos pela vida… só pode ser uma maldade!…

Ninguém, no seu perfeito estado de saúde mental, quer morrer. Mas o fim da vida é a coisa mais certa com que podemos contar. Só porque nascemos, haveremos de morrer. O nascimento activa o relógio da contagem decrescente. Após cada dia vivido, temos um dia a menos para viver. A morte é o nosso fim natural, e dela ninguém pode fugir. Desta vida ninguém sai vivo.

Algum dia a Ciência conseguirá vencer a morte?… Para já, consegue prolongar-nos a vida, aumentando o “prazo de validade” marcado pela estatística… o que já não é nada mau. Espero que jamais se vença a morte, porque se fossemos eternos não cabíamos todos no mundo… a não ser que se cancelassem os nascimentos! Mesmo assim, garantíamos lugar físico para termos chão, mas a sociedade não evoluía porque éramos sempre os mesmos, com as mesmas ideias e a porta fechada à renovação… por isso a eternidade seria uma chatice… só nos apeteceria morrer!…

A eternidade do corpo conservando todas as faculdades anímicas, é mito. A eternidade só é possível na memória histórica, não na matéria (pelo menos não o é em organismos complexos).

Mesmo sabendo que somos mortais, gostaríamos de viver eternamente e alimentamos esse gosto criando a ideia da vida eterna numa suposta existência espiritual a usufruir depois da morte, num suposto céu, junto do igualmente suposto deus que criamos à nossa imagem e semelhança, e à medida dos nossos desejos, da nossa angústia e da nossa ignorância.

Acredito que seja um consolo crer na vida espiritual eterna. Quem crê nela, na esperança de se encontrar com o deus da sua crença depois de morrer, terá nessa ideia um repelente para o medo da morte, ajudando a aceitar a naturalidade do fim com a muleta da fantasia religiosa na convicção de que, finalmente, irá encontrar-se com o seu deus e ser feliz. É o derradeiro consolo que configura a face positiva da crença por ajudar a aceitar a morte sem dramas maiores, mesmo que com base numa mentira que o crente aceita por verdade.

Na verdade natural das coisas naturais, depois de se morrer não se tem consciência… nem nada!… Não se sofre nem se goza, porque a hipotética alma não tem sistema nervoso nem cérebro!… A felicidade ou o sofrimento “post mortem” é anedota. Morrer é como apagar a chama de uma vela… aquela chama “morre” completamente, deixa de existir, não se traslada para um outro hipotético pavio no céu das velas de estearina!…

É por isso que quem morre nunca reclama da vigarice que lhe venderam da promessa de vida eterna “post mortem”. E os crentes vivos crêem (por isso são crentes) que se o morto não reclama… é porque está bem e se recomenda!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Milos Duskic por Pixabay
2 de Dezembro, 2023 Eva Monteiro

Da Infância à Apostasia

Nenhuma criança devia ser sujeita a qualquer tipo de ato religioso, já que carece da maturidade e discernimento para julgar por si mesma se dele quer tomar parte. Por outro lado, suspeito que é precisamente esse o objetivo. Começar cedo a combater o poder construtivo da indagação e da exploração na mente das crianças.

Há alguns dias fiz o meu pedido de apostasia, sobretudo porque não partilho da fé dos meus pais. Parece-me contudo, que a ausência de fé não é uma falha, assim como ter fé não é uma virtude. Não há nenhuma falha em recusar ideias dogmáticas sem fundamento, ou provas tangíveis. Não há nada de virtuoso em acreditar numa divindade que, sendo omnisciente, omnipotente e o expoente máximo da bondade, pudesse ter criado um mundo de infindável sofrimento. E sem que esse masoquismo lhe chegasse, esperar que nos vergássemos em adoração constante. Não há nada de virtuoso em apoiar instituições que deliberadamente passaram toda a sua existência a tentar atrasar o progresso da humanidade, opor-se à ciência, à liberdade e à decência do senso comum. Não há nada de virtuoso em acreditar que, nascendo numa aleatória localização geográfica, qualquer que seja a fé ali praticada, é convenientemente a única religião verdadeira e capaz de conceder salvação.

Não há nada de virtuoso em desperdiçar a única vida que temos, na expectativa de uma eternidade a adorar um ditador celestial. Ainda menos virtuoso é continuar a insistir nas supostas verdades da bíblia quando a Teoria da Evolução as deita por terra, a História as contradiz e a coerência as nega. E menos virtuoso ainda é atribuir a deus milagres nas pequenas coisas boas da vida e ignorar cataclismos, genocídios e atrocidades inimagináveis, votando-os ao misterioso plano divino. Isto, quando não é atribuído a um castigo pelos pecados da Humanidade, como se coisas como as placas tectónicas tivessem alvos a abater. Assim como dizer que se tem uma relação pessoal com essa insondável entidade que desaparece sempre que é necessária ou desejável, não é virtude, é delírio.

Sou ateia. Orgulho-me de o dizer publicamente e de não me esconder atrás da ridícula denominação “católica não praticante”. Fazê-lo apenas engrossa os falsos números que continuam a justificar uma Concordata que impede a plena laicidade deste país. Não acredito na existência do deus da bíblia, da tora, do corão ou de qualquer outro livro de ficção. Tal como não acredito em nenhuma divindade, nem em fadas, duendes e unicórnios. Aceitemos com honestidade intelectual que o que pode ser afirmado sem provas também pode ser rejeitado sem provas. Sou ateia. Afirmo-me absolutamente contra o poderio e compadrio de uma instituição religiosa que continua a sufocar uma sociedade que não obtém qualquer benefício na infantilidade de um amigo imaginário.

Sou ateia, nasci ateia. Fui batizada num momento em que não podia opor-me ou compreender o abuso a que estava a ser sujeita, ainda que os meus pais o tivessem feito de boa-fé, por tradição ou pressão de pares. Fui forçada a frequentar a catequese, numa das piores experiências de que tenho memória da minha infância. Fui forçada a assistir a missas que nunca me disseram nada, porque em nada podem acrescentar a um ser humano racional.

Fui forçada a ir confessar pecados que não tinha nem podia ter. Eram, afinal, tão imaginários quanto a autoridade divina de que se investia o padre, na primeira e última vez que coloquei os pés num confessionário. O mesmo que me afirmou que eu tinha que ter pecados e que me pressionou, naquela tenra idade, a não sair do confessionário sem que confessasse alguns, questionando-me sobre eventuais pensamentos contra a minha família. Afinal, era preciso vergar-me desde cedo à doutrina da culpa e da contrição, à perseguição do pensamento, ao alerta de que um deus cruel e desocupado me vigiava até no pensamento. Fui repetir umas avés-maria e uns pai-nossos como instruída, sem qualquer contrição, sem qualquer pecado. Fi-lo nas escadas da igreja da minha paróquia, juntamente com outras crianças que também não tinham idade para compreender a noção de pecado, quanto mais para o ter. O único pecado presente, e por pecado quero dizer falha moral, foi que aquilo nos tivesse sido solicitado. Pairava sobre nós a pressão de também ser pecado desobedecer ao Sr. Padre.

E assim fui obrigada a fazer uma “Primeira Comunhão” sem que tivesse idade para entender o que estava a fazer, de que comunhão estava a tomar parte. Para mim, era apenas um dia em que seria obrigada a usar um vestido branco, ir em fila comer uma hóstia que, diziam-me, não podia mastigar porque se tratava do corpo de Cristo. Sabia lá eu o que significava a transubstanciação ou quão ridícula e falsa é esta noção de canibalismo divino. Mas aterrorizava-me a noção de poder acidentalmente morder a carne de deus, principalmente quando se colou ao meu céu da boca, e eu achei com igual terror que teria de espetar um dedo numa parte desconhecida do corpo de Cristo para o desalojar.

Nenhuma criança devia ser sujeita a qualquer tipo de ato religioso, já que carece da maturidade e discernimento para julgar por si mesma se dele quer tomar parte. Por outro lado, suspeito que é precisamente esse o objetivo. Começar cedo a combater o poder construtivo da indagação e da exploração na mente das crianças. E assim, serão bons cristãos, bons muçulmanos, bons judeus, bons seja o que for. Porque nem lhes passará pela cabeça questionar. Sou ateia, nascemos todos ateus. Tentam retirar-nos essa virtude de questionar o mundo e buscar a verdade, convencendo-nos de que esta nos pode ser oferecida pelos senhores de paramentos mágicos num altar.

A minha experiência nesta instituição foi de opressão e culpabilização, de indoutrinação. Outros tiveram piores experiências ainda, e já não é possível à Igreja Católica esconder as suas muitas falhas, nem as disfarçar com as suas obras aparentemente altruístas. Por todos aqueles que foram abusados, psicológica, física, financeira e sexualmente, nenhum ateu de postura humanista pode aceitar ter o seu nome associado a esta instituição.

20 de Setembro, 2023 Onofre Varela

Sobre a morte de deus

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Quando se ouve vaticinar a “morte de Deus” aventada por Nietzsche, pensamos numa revolução que nasce na madrugada de um dia, e que ao raiar do Sol… Deus já não existe. Mas não é nada disso!…

A “morte de Deus” não é mais do que o abandono do conceito deifico por uma maioria que faz o caminho da sua descrença naturalmente e sem drama.

Na verdade, no nosso tempo, Deus (enquanto ideia de um ser criador omnipotente, omnipresente e omnisciente) já está a morrer… e tanto mais morrerá quanto mais alargada for a consciência das pessoas sobre a real dimensão imaginária desse milenar conceito de Deus que formatou sociedades, mas que não existe veramente fora do pensamento de quem crê.

Enquanto essa consciência não se generalizar (se, quiçá, algum dia se generalizar… e eu acredito que sim pelo facto de o Homem ser a última experiência da Natureza; somos ainda muito primitivos; cheiramos a pintado de fresco… e lá chegaremos quando atingirmos a “idade adulta”) a maioria de nós garante que a divindade é real, mercê da educação familiar e social que recebeu desde o berço. Em consequência, deposita mais confiança nos sacerdotes, bispos e pastores de igrejas e seitas malvadas… que são tão falsos quão falsos são os pregões dos políticos quando nos prometem a felicidade se receberem votos suficientes para atingirem o poder.

Na verdade a ideia de Deus emparceira com a Política no que respeita ao alimentar de desejos e paixões, e ao criar guetos e inimizades (mas também amizades… se francas ou falsas… isso já é outra conversa), e no extremo leva a guerras que a História regista e a actualidade assiste. Guerras declaradas com a invasão de países independentes, ou acções terroristas “em nome de Deus”, tão graves e mortíferas como muitas das acções bélicas decretadas por Parlamentos, generais ambiciosos e presidentes que sonham ser czares.

E também serve para manter a classe clerical e os gestores de seitas – que se pretendem defensores da moral instalada – em níveis económicos e sociais elevados… mas sem respostas realistas para o engrandecimento da sociedade onde se instalam… em vez disso prometem benefícios celestes baseando a sua moral em mitologias que são, afinal, a ferramenta do seu trabalho, de onde retiram o sustento… embora também abracem a realidade material recebendo subsídios governamentais para explorarem ramos sociais como o ensino, a saúde, lares da terceira idade e infantários. No extremo, organizações desta índole (a maior das quais, entre nós, é a Igreja Católica) transformaram a caridade numa indústria social.

A indústria da caridade é indigna numa sociedade verdadeiramente democrática e de cariz socialista que se interesse pelo bem-estar do seu Povo. Enquanto houver um sem-abrigo e uma família sem pão, a Democracia (e toda a prática política) é uma fraude. A indústria da caridade ajuda a alimentar essa fraude ao substituir a solução definitiva, que pertence aos governos, por remendos sazonais e “sopa dos pobres”, que nada resolvem em definitivo e só adiam a morte anunciada a quem tem fome, lhe falta abrigo e meios de subsistência dignos.

Neste contexto político e social (que, infelizmente, cada vez mais, faz o nosso dia-a-dia) a crença em Deus é positiva porque acaba por ser uma tábua de salvação das consciências religiosas, garantindo algum conforto espiritual.

Quero acreditar que quando atingirmos a “maioridade” enquanto “Homo sapiens-sapiens”, a perfeição comportamental estará mais perto… e a razão será de Nietzsche no vaticínio da definitiva “morte de Deus”.

Mas parece-me que isto também é fé… embora laica!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Por Friedrich Hermann Hartmann – Domínio público
18 de Setembro, 2023 Onofre Varela

“No princípio era o verbo”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

O termo Verbo é usado em Religião para designar o autor do princípio dos princípios, e na sua essência é o próprio Deus. Quem quer saber mais do que isto não o consegue nos registos religiosos; aí, o que encontra é pura fé: “Antes de qualquer coisa existir, Deus já existia. Foi ele o criador de tudo a partir da sua palavra. Deus falou e tudo se formou. Do nada, nada surge, mas da palavra de Deus tudo foi formado. O Verbo é a palavra, e a palavra é Deus. A palavra de Deus transformou-se em homem e esse homem é Jesus”.

Para um ateu, “saber isto”… é saber nada! (e para o religioso, também… embora ele imagine que não!). Quem mergulha na fé como numa piscina de sapiência, não sente necessidade de saber… a fé basta-lhe. Não tenho nada contra as vontades religiosas e só espero que quem assim sente seja feliz no entendimento dos seus conceitos… e não cometa actos contrários à ética universal, como fazem os religiosos fundamentalistas islâmicos e outros extremistas no campo da política.

Mas quem quiser saber realmente, tem de escolher outros caminhos que não os da fé. Pela fé nada se sabe. O “saber religioso” usa como garantia o selo-da-fé sem explicar os processos usados na comunicação e na criação. Em nome da fé valoriza-se o mito e relega-se a História (e toda a Ciência) para planos de menor, ou nula, importância.

Dir-me-ão que a fé pertence a outra dimensão que não à da Razão nem à da Ciência. Claro que sim. Sei disso. Os credos religiosos são uma questão ideológica, e os livros de fé derramam ideologia e não História nem Ciência. E também sei que a propaganda feita à fé para conquistar crentes, atropela e nega princípios científicos, mesmo os mais básicos. Logo, é desonesta na sua essência e à partida, por não considerar o avanço do conhecimento acontecido depois dos registos de fé que datam da Idade do Ferro e que ainda são usados como base de uma doutrina comportamental alegadamente ditada por um hipotético deus.

A fé inibe a vontade de interrogar e de investigar perante “explicações” ideológicas divorciadas de todas as explicações científicas, e algumas delas são, até, totalmente carentes de nexo. No campo racional não há espaço para discursos de pura fé debitados como realidade.

A Ciência, como meio de procura de explicações, é imbatível por qualquer ideologia política ou teológica, e quem rege a sua vida por dogmas religiosos, não tem uma conduta moral e cívica com melhor qualidade do que o ateu que se guia por uma sã decência laica. Aliás, no campo da decência, os conceitos comportamentais dos ateus até poderão ter lugar no pódio mais alto.

Os crentes, mais do que crentes, são crédulos… tomam por verdade as “escrituras sagradas” sem se preocuparem em saber a verdadeira origem e intenção primeira dos textos que lhes merecem crença em vez de compreensão. Há grupos de crentes (principalmente nos EUA, onde tudo é em grande… tanto a sapiência como a ignorância) apostados na “vitória da Bíblia sobre o conhecimento científico”, afirmando o Génesis contra a Evolução. A Ciência estuda e investiga (e também se engana), e só afirma com provas aferidas e experimentadas. Aqueles que a atacam fazem-no com base em comportamentos culturais que são outra coisa… nada têm a ver com conhecimento científico. Ao contrário da Religião, que “sabe que tudo sabe”, a Ciência apenas sabe que hoje sabe mais do que sabia ontem e espera saber, amanhã, mais do que sabe hoje… não sabendo se o saberá!

Ao contrário, a Religião afirma saber hoje o mesmo que garantia saber há cerca de três mil anos… e diz não haver nada mais para se saber e que a verdade lhe pertence… sendo que a Verdade é a “palavra de Deus” (grafada com maiúscula porque sagrada).

Perante conceitos religiosos há quem se coíba de pensar para além daquilo que diz o sacerdote ou o guru da seita, aceitando quaisquer palavras dúbias (ou explicitamente mentirosas) por verdade universal e absoluta, dispensando o seu cérebro do “penoso acto de pensar”!…

Parece ser esta a principal característica do crente típico… e quem dispensa o cérebro (não raciocinando para além dos conceitos religiosos) tem mais fé do que aquele que o usa, raciocina e quer saber.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de beate bachmann por Pixabay
15 de Setembro, 2023 Onofre Varela

COMO SERÁ O FUTURO?

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Quando entramos no ano 2000, por ser uma data redonda e emblemática para os vaticinadores do futuro e da desgraça, ouvi e li que “este século será religioso, ou não será”. A frase é ambígua, à boa maneira das coisas que às Religiões pertencem. Desde logo importa saber o que se quer dizer com o termo “religioso”. Pode-se ser religioso sem ter fé numa divindade. E depois… o “não será”, significa o quê? Que o século pode não ser religioso?… Ou que não será século?!…

Nas conjunturas sociais graves, é comum os povos mais vitimados recorrerem ao guarda-chuva da fé para apaziguarem o espírito. É nesse sentido que a rotineira “volta a Deus” acaba por aparecer como tábua de salvação, sob uma forma ideológica que gera nos indivíduos mais dados à fé do que ao entendimento das realidades sociais, económicas e políticas, algum sentimento de segurança e consolo.

É uma característica do pensamento crente… de quem “vive por procuração”, enquanto mente cativa de uma entidade divina. Nesse sentido concordo com o escritor espanhol Gonzalo Puente Ojea, quando afirma ser “o ateísmo a situação intelectual mais coerente com a actualidade, porque recusa as atitudes de fidelidade a um deus que viola as exigências de discernimento da consciência, impedindo que o ser humano tome posse de si mesmo”. (Ateísmo y Religiosidad. Reflexiones sobre un debate. Editora Siglo Veintiuno. Madrid, 2001).

Os mesmos vaticinadores da desgraça também já afirmaram que o Islão irá dominar o mundo; que os árabes refugiados das guerras do Médio Oriente e da miséria dos países islâmicos africanos, invadiriam a Europa miscigenando-se connosco, e o futuro do mundo será islâmico (esperem aí…vou ali dar uma gargalhada e já volto! [não alinho com radicalismos, sejam rácicos ou outros]).

Eu não tenho nenhuma ideia do que será o futuro!… E os vaticinadores da desgraça, também não. Cada um pensa um futuro à sua medida, e por aí eu gosto de pensar que a Humanidade trilha o caminho da perfeição possível (mesmo tropeçando nas situações mais horríveis, como o terrorismo, a guerra e a sede de enriquecimento pela indústria do armamento e da agressão ao ambiente) e que será cada vez menos seguidora de religiões… mais agnóstica ou ateia.

Quando afirmo este gosto parece que estou a colocar-me ao nível dos religiosos e a assumir a minha costela de crente num futuro positivo. Porém parece-me ser um assumir de uma característica possível, porque está alicerçada na História. Os seres humanos de outrora eram bem mais religiosos do que os actuais… no Egipto faraónico os líderes políticos também assumiam a liderança religiosa. Depois da Revolução Francesa mudou-se o estado de graça da Religião e do paradigma das sociedades. Hoje as repúblicas e as monarquias europeias são laicas.

Comparativamente com a idade da Civilização, iniciada na Suméria cerca do ano 3000 aC, (o que lhe dá 5000 anos de existência), a Revolução Francesa (14 de Julho de 1789) aconteceu na semana passada; ainda cheira a pintado de fresco!… A Humanidade ainda terá de esperar tanto tempo quanto aquele que decorreu entre Ramsés II (tempo de Moisés) e a tomada da Bastilha, para que o apuro do pensamento prescinda da ideia de Deus e as igrejas possam encerrar por falta de clientela? Ou reciclarem-se em algo semelhante a prestação de consultas de psicologia?

Penso que o tempo em falta para se atingir tal apuro não será tão dilatado, porque a aprendizagem já conseguida acelerará o processo, iluminando consciências muito mais cedo, numa lógica de um futuro com dimensão humana mais dada ao raciocínio, abandonando o conceito de Deus… e não só; também abandonando conflitos armados que serão substituídos pela palavra na resolução de problemas.

Mas… esperar um futuro assim, tão positivo… também pode configurar um sentimento de fé!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV 

13 de Setembro, 2023 Onofre Varela

O Pirilau do Cutileiro

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Ultimamente temos assistido a actos censórios exercidos sobre obras de arte, desde caricaturas e cartunes até instalações, passando por romances e banda desenhada. Uma “onda de pureza” parece estar a varrer as mentes perversas dos censores, travestidas de pudicas.

Quem censura obras artísticas e literárias, não sabe… mas devia saber… que os censores são, antes de mais, umas bestas. Só quando se atinge o estatuto de besta, se pode ser censor!

Lembro que em Janeiro de 2016 as autoridades políticas italianas decidiram tapar uma série de estátuas de nus, naquele que é considerado o complexo museológico mais antigo – os Museus Capitolinos, em Roma – por ocasião da visita do presidente do Irão Hassan Rouhani, para que os púdicos olhos do ditador desrespeitador das liberdades individuais e das mulheres do seu país, não fossem magoados perante a beleza de um nu artístico produzido na Época Clássica!

Se calhar as estatuetas de deusas-mãe pré-históricas (como a Vénus de Willendorf, do Paleolítico Superior) também não podem ser vistas por tal gente que nasceu com um defeito genético: os intestinos no crânio!

Esta decisão não foi mais do que um desavergonhado acto de ajoelhar da cultura ocidental, perante a cultura islâmica na figura de um miserável ditador, originando uma série de críticas ao governo italiano acusado de “excesso de zelo” (termo bonito para designar “besteira”) perante a distinta cultura do Irão. Obras como: “Arco” (de Lísipo, século IV a.C) e uma “Leda e o Cisne” (360 a.C.) foram revestidas com painéis para encobrir a nudez das figuras. Outras obras foram removidas do local onde se encontravam.

Quase tanto esteve para suceder à estátua equestre do imperador Marco Aurélio, neste caso devido à genitália do equídeo (parece que no Islão os cavalos nascem capados. A tomatada só a têm homens muito machos e desrespeitadores das mulheres). A estátua está colocada na denominada Sala Esedra, onde decorreu uma sessão com a presença de Hassan Rouhani e de Matteo Renzi, o primeiro-ministro italiano. E se mais obras não tiveram de ser tapadas, foi porque o dirigente iraniano só teve de percorrer um pequeno sector do museu até chegar à sala onde exibiria a sua ridícula figura a merecer um tapume.

O melhor seria terem fornecido umas palas de cavalo ao ilustre merdoso islâmico, para ele colocar na focinheira e não ver as obras de Arte que, desde a velha Grécia, são símbolo da liberdade de criação artística do ocidente, cuja liberdade ele desrespeita e despreza.

Passando para os dias de hoje, e na minha terra, parece-me que palas idênticas merecem usar os responsáveis daquela coisa religiosa tomada por coisa muito séria e que dá pelo nome “Jornadas Mundiais da Juventude” (a Festa do Avante da Igreja Católica) que até vai merecer visita papal. Um dos altares das cerimónias litúrgicas a terem lugar na capital do reino, situa-se no alto do Parque Eduardo VII em frente da escultura de João Cutileiro que ali foi instalada em 1997; um monumento fálico que simboliza a coragem dos capitães de Abril para derrubarem a ditadura.

A escultura vai ser retirada (afinal… a ditadura não foi totalmente derrubada!…) para não conspurcar as vistinhas dos assistentes das missinhas ali celebradas, tendo, em pano de fundo, um pirête a fazer concorrência à cruz.

O presidente da Câmara, Carlos Moedas, afirmou que a retirada do monumento nada tem de censório (admirava-me se dissesse que tinha!…) e que acontece só para se proceder à restauração da obra, que será recolocada no mesmo lugar logo que os olhos pudicos dos religiosos se ausentem de Lisboa após as jornadas.

Bem sei que há quem não goste daquele monumento fálico… mas ele não está ali para ser degustado!… Quem não gosta que não o chupe!…

Esta conversa do autarca lisboeta cheira-me a desculpa esfarrapada como a que foi usada perante as sensibilidades melindrosas de um monarca sem vergonha, e agora de uma classe clerical que, em nome de Jesus, se afirma detentora de uma pureza e de uma moralidade imaculadas, mas que no seu seio alberga pedófilos.

Perante estes casos eu fico furioso e atónito!… Ou o mundo está a ficar maluco com todos estes sintomas de mau funcionamento da mioleira destes (ir)responsáveis políticos e culturais… ou então o maluco serei eu por considerar Hassan Rouhani um personagem asqueroso quando há quem lhe dê ouvidos e o aceite como gente decente… e ao deparar-me, agora, com idêntico figurino censório cá na minha parvónia!…

Os desmiolados sensores actuais ainda serão capazes de fazer o mesmo que fez Salazar e censurar “Os Lusíadas”… porque a “Ilha dos Amores” pode ser pornográfica! E em consequência provavelmente ditarão a condenação à morte do Cupido por ter sido o instrumento da “pouca vergonhice”.

No extremo, o Vaticano terá de reescrever a Bíblia… já que umas filhas que embebedam o pai para se deitarem com ele e engravidarem (Génesis: 19; 30-38)… provavelmente não será uma atitude muito católica!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Por Francisco Santos (User:xuaxo) – Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2009534
11 de Setembro, 2023 Onofre Varela

Manuscritos do Mar Morto

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Os Manuscritos descobertos em 1947 em Qumrán, nas proximidades do Mar Morto, por um pastor que procurava uma ovelha tresmalhada, contém 900 textos bíblicos e são os mais antigos até hoje conhecidos. Foram alvo de várias disputas e situações dignas de um filme de espionagem, e sobre eles já foram escritos vários livros. O último deles tem como autor o teólogo bíblico Jaime Vázquez Allegue, e o título de “Los Manuscritos del Mar Muerto – La Fascinante Historia de su Descubrimiento y Disputa”, cujo conhecimento me chegou através de uma notícia publicada no jornal espanhol “El País” (16/05/2023).

Trata-se de um “ensaio literário” que se lê como um romance policial e que remete o leitor para o ano 70 da nossa era, quando as tropas do imperador romano Tito destruíram, pela segunda vez, o Templo de Jerusalém provocando a fuga de várias comunidades para o deserto.

Uma delas, denominada “Essénios”, era muito religiosa e cumpria com rigidez as leis de Moisés. Os Essénios em fuga estabeleceram-se em Qumrán, mas receavam que as tropas romanas não tardariam a encontrá-los. No sentido de preservarem os seus escritos religiosos – mais do que as suas próprias vidas  – (Livro de Isaías, Génesis, Pentateuco, Êxodo e Deuteronómio) meteram-nos em vasilhas e esconderam-nas em várias grutas daquela região que agora conhecemos por Cisjordânia. 

Para os Essénios cumpriram-se os receios da perseguição de que eram vítimas… e não escaparam ao massacre perpetrado pelas tropas romanas. Os manuscritos perderam-se por dois milénios, até à busca da ovelha tresmalhada, no Verão de 1947… cuja história é bastante conhecida.

A ideia de enriquecimento tomou conta da cabeça do achador. Os textos arqueológicos foram divididos em várias partes e vendidos a diversos coleccionadores de antiguidades. Só depois de se saber desta “tragédia comercial” é que entram em cena arqueólogos e epigrafistas apostados em reunir todos os escritos que o pastor vendeu a várias entidades.

Para os Judeus aqueles documentos eram a mais importante fonte literária da sua história, cultura e tradição. Para os Cristãos a importância daqueles textos prendia-se com o contexto social e religioso em que viveu Jesus. Os arqueólogos não tinham dúvida de que estavam perante a maior descoberta do século. Os Judeus conseguiram a sua independência em 1948 (no ano seguinte à descoberta dos manuscritos) e viam naquele achado a oportunidade de demonstrarem que os judeus habitavam aquela parte da Palestina há milhares de anos.

Os manuscritos, redigidos em Aramaico e Hebreu Antigo, converteram-se num achado de valor incalculável. Se o pastor achador vendeu os primeiros documentos por cerca de 40 dólares (no valor actual), os últimos valeram mais de um milhão de dólares! O achado foi dividido em cerca de seis centenas de peças vendidas a vários coleccionadores espalhados pelo mundo. Foi muito difícil reuni-los para poderem ser adquiridos, não por comerciantes, mas por estudiosos.

Em 1954 o jornal americano “Washington Post” anunciou a venda de uma grande parte dos Manuscritos do Mar Morto, e o estado de Israel organizou uma comissão com o objectivo de os comprar a qualquer preço, já que aquela colecção arqueológica constituía o melhor testemunho da sua origem. Israel demonstraria, assim, a todo o mundo, que aquela terra era o berço dos judeus, a terra onde chegou Abraão e que foi prometida por Deus a Moisés. Um aproveitamento dos registos de fé na tentativa de se escrever História.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

8 de Setembro, 2023 Onofre Varela

O MUNDO É PLANO, O HOMEM NUNCA FOI À LUA

E A PANDEMIA DO COVID É MENTIRA

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Vivemos numa época em que o título desta crónica pretende ser a resenha da realidade, e a tais preceitos juntam-se mais estes: Putin, Trump e Bolsonaro são exemplos de pessoas bem comportadas. Embora Putin tenha invadido o país vizinho, a culpa da invasão é da Ucrânia e da NATO, a destruição de zonas residenciais e a morte de civis inocentes não aconteceram, os cadáveres encontrados com as mãos amarradas nas costas não foram encontrados… e se alguém os viu é porque foram mortos pelos ucranianos ou se suicidaram antes de se auto-amarrarem, já que as tropas russas e os mercenários pagos por Putin estão ali em missão de paz, distribuindo beijos, abraços, flores e laranjadas, merecendo ser louvados e condecorados.

O presidente chinês foi convidado para mediar a paz entre a Rússia e a Ucrânia… ele aceitou o convite com um largo sorriso de contentamento (fechando ainda mais os olhos) e o mundo também ficou contentíssimo!… Xi Jinping nem se prepara para fazer a Taiwan o mesmo que Putin fez à Ucrânia!… 

Trump e Bolsonaro são exemplos top de civismo e de bons governantes. Foram exemplares no tratamento do Covid eliminando a transmissão do vírus que enterravam bem fundo depois da população morrer às molhadas. Por isso têm quase metade dos norte-americanos e dos brasileiros a apoiá-los. O tribunal dos EUA acabou de acusar Trump por quatro dezenas de crimes… mas da lista não consta o principal que o eliminaria da corrida às eleições presidenciais: a incitação dos seus apoiantes à invasão do Capitólio em 2021. Bolsonaro repetiu a “prescrição” de Trump para os mesmos “sintomas de perda de eleições”, e também incitou à invasão do Congresso Nacional. Está em liberdade e feliz, sendo convidado de candidatos a ditadores para fazerem propaganda dos seus ideais antidemocráticos em Parlamentos estrangeiros.

No Ocidente tão “respeitador e democrático” queimam-se livros de Banda Desenhada do Tintin, do Astérix e do Lucky Luke, alegadamente por incitarem ao ódio rácico!… Ódio e racismo que enche a cabeça dos censores, mas que nunca passou pela imaginação de Hergé, Goscinny e Uderzo, nem de Morris, seus autores. 

A História é atacada nas figuras de relevo que a fizeram, vandalizando-se estátuas representativas de personalidades que, em cada tempo e de acordo com a realidade social e política das épocas a que pertenceram, a escreveram. 

Editores permitem-se censurar obras clássicas, como as histórias do Agente Secreto 007, do escritor Ian Fleming, eliminando termos como “gordo” e “negro”, substituindo-os por “forte” e “homem de cor” (como se fossem sinónimos!)… E dizem que é por ser politicamente mais correcto… sendo que o politicamente correcto não é mais do que tentar pegar num pedaço de merda pelo lado limpo! 

A Igreja Católica que sempre se considerou exemplo de moralidade e politicamente correcta, obrigando as populações a esse reconhecimento auto-propagandeado, tem na sua História milenar exemplos de gritante imoralidade, perseguições e assassinatos, albergando pedófilos no seu seio.

Os Parlamentos Democráticos abrem a porta aos seus inimigos, permitindo acento a quem a ataca por dentro e propala ideais nazis e xenófobos, lançando a confusão no cérebro dos eleitores mais manipuláveis, descontentes, ignorantes e (por isso) fáceis de iludir.

De facto este mundo não é redondo… é quadrado como as bestas que o comandam!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de WOKANDAPIX por Pixabay
6 de Setembro, 2023 Onofre Varela

A coragem do Papa Francisco

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Para um ateu o Papa não faz falta. Na lista das importâncias sociais, o Papa merece-me a designação de chefe de Estado, que é o que ele realmente é: chefe do Estado do Vaticano.

Porém… o mundo não sou eu… somos todos nós!… A religião existe e o chefe da Igreja Católica, maioritária entre nós, é o argentino Mário Bergóglio que adoptou o cognome de Francisco I para o desempenho do papel de Papa no Teatro do Vaticano (riquíssimo em cenários, adereços, guarda-roupa e com boa receita de bilheteira). A importância dos chefes das Igrejas tem peso no mundo, porque socialmente o construímos assim… e tempos houve em que os chefes políticos das nações eram também os chefes religiosos (na Inglaterra ainda é).

Os homens fazem a História… e a História modela os homens. Se habitualmente os papas não passam de beatos autoritários, não merecendo qualquer respeito especial por parte de quem não é católico, com a escolha de Bergóglio para a cadeira de S. Pedro as coisas mudaram. Francisco I está no “top” porque teve a coragem de trocar a tradicional beatice papal pela Humanidade de cariz laico.

Um dos assuntos quentes da Igreja, de muito difícil tratamento, é a praga da pedofilia no seu seio, que inundou páginas de jornais e noticiários de rádios e televisões. Velha como o tempo, a pedofilia praticada por sacerdotes sempre foi escamoteada. Os papas sabiam dela, mas encolhiam os ombros. Com Francisco I mudou o paradigma.

Em Dezembro de 2019 Francisco I aboliu o segredo pontifício para os casos de abuso sexual por membros da Igreja. A nova lei, que entrou em vigor imediatamente, levantou o silêncio em relação às queixas, processos e decisões referentes a estes casos e promoveu o dever de a Igreja colaborar com a Justiça, fornecendo toda a documentação sobre processos e denúncias em curso, às autoridades judiciais. Em Portugal a Igreja começou por ignorar a lei de Francisco I… mas acabou por cumprir, e a comissão constituída para o efeito fez bem o seu trabalho.

Especialistas nas coisas que ao Vaticano dizem respeito, afirmam haver um “lobby gay” dentro da Igreja Católica que não gosta deste Papa por contrariar os seus prazeres. Junta-se a este grupo uma outra facção que faz a extrema-Direita política do Vaticano e que rotula o Papa Francisco I de “comunista”. Se estes pudessem, destituíam-no já (ou matavam-no como – há quem o afirme – fizeram a João Paulo I em 1978), para acabarem com tal personagem desarranjadora de arranjinhos!

A política de Direita Capitalista internacional também está aliada ao movimento clerical clandestino contra Francisco I, e querem ver no Vaticano uma personalidade mais de acordo com as políticas de Direita desrespeitadoras dos pobres e dos oprimidos que Mário Bergóglio pretende ver dignificados. Não vos parece que se Deus existisse realmente… já tinha desintegrado esta Igreja?!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

4 de Setembro, 2023 Onofre Varela

A mulher mártir

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Nawal el-Saadawi nascida em 1931 e falecida em 2021, foi médica e escritora egípcia, e liderou a luta pelos direitos da mulher no mundo árabe. Foi perseguida e detida várias vezes por pensar de modo diverso do estabelecido numa sociedade machista e por divulgar o seu pensamento. Teve os seus livros confiscados e proibidos, tal como em tempo de ditadura Salazarista por cá se fazia.

Cresceu numa cultura patriarcal onde as raparigas estavam sujeitas a vários abusos desrespeitadores da mulher, como o casamento infantil e a mutilação genital. Sofreu tal mutilação por imposição familiar e tornou-se numa activista contra tão aberrante procedimento em nome de uma tradição referida como sendo cultural, mas que é, também, criminosa. Na verdade a mutilação genital é uma condenação ao sofrimento da mulher por toda a sua vida, impedindo-a de ter prazer sexual, o qual é substituído por dores sempre que tem relações. 

Escreveu dezenas de livros abordando temas tabu, como sexualidade e prostituição. Observando o mundo pleno de sociedades patriarcais e homófobas, escreveu: “Depois de viajar por todo o mundo, descobri que as raparigas são educadas de uma maneira muito parecida; estamos todas no mesmo barco. O sistema patriarcal, capitalista e religioso é universal”.

Desta universalidade nasce o desrespeito pela mulher. Na nossa sociedade ainda se discute o óbvio: se a mulher que executa o mesmo trabalho de um homem, deve receber um ordenado do mesmo valor. As tabelas salariais são sempre mais baixas para a mulher!… Esta discriminação não significa nada mais que não seja atribuir o estatuto de menor importância à mulher, e tem origem em milenares conceitos religiosos. Se no mundo ocidental (onde tanto se fala no sentido de humanidade pregado por Jesus Cristo) esta verdade existe, em países muçulmanos o drama é substancialmente ampliado.

Lembro um caso acontecido na Turquia, onde os chamados “crimes de honra” ainda são entendidos como o eram na medievalidade. No ano 2000 os jornais deram conta do caso de uma rapariga turca, de 14 anos, ter cometido a imprudência de ir ao cinema com umas amigas sem a autorização prévia da família… o que era uma vergonha. Em reunião caseira de machos, foi sentenciada a pena capital para a “portadora da vergonha familiar”, e um sobrinho da jovem, também menor, foi encarregado de executar a “justiça”. Sem pestanejar nem se interrogar por que haveria de fazê-lo, o moço aceitou naturalmente a incumbência como um ritual a ser cumprido sem questionamento. Provavelmente até se sentiu honrado por ter sido escolhido para aquela tarefa que lhe daria mais valia curricular de macho. Saiu da sala, passou pela cozinha onde pegou uma faca, foi-se à tia… e degolou-a!… E a Justiça turca nada pôde fazer, por aceitar a figura do “lavar da honra com sangue”!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Nino Carè por Pixabay