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Categoria: Ateísmo

9 de Julho, 2025 Onofre Varela

A guerra de Trump contra o mundo incidindo no desprezo pelas crianças

Segundo a Organização Mundial da Saúde, os casos de poliomielite que condenavam os menores à paralisia, ou mesmo à morte, retrocederam 99% desde 1988. É a segunda grande doença infecciosa que se pode extinguir, depois da erradicação da varíola em 1980. Outras doenças, como o sarampo e a difteria, também foram limitadas drasticamente à medida em que foi aumentando a imunidade colectiva graças às vacinas e aos programas de vacinação elaborados pelas entidades sanitárias em cada país. 

É milenar a luta do Ser Humano contra as doenças, especialmente aquelas que se manifestam nas crianças. Porém, contra tudo quanto a história da luta médica em favor da saúde recomenda, hoje assiste-se a um retrocesso em todo o mundo, como se a experiência não nos ensinasse nada e regredíssemos no tempo, negando a ciência médica. Pior do que isso é termos orgulho de retrocedermos nas boas práticas médicas e científicas, mesmo condenando à morte ou à invalidez centenas ou milhares de crianças em todo o mundo. 

Um estudo médico publicado na revista “The Lancet” no último mês de Junho alerta para o retrocesso das práticas médicas que permitem a sobrevivência às doenças que podem ser evitadas pela vacinação, especialmente em crianças. O estudo em causa foi elaborado com base em dados recolhidos em cerca de 200 países (praticamente todo o planeta). 

É uma péssima notícia para todos nós. E o que é mais grave, é que o problema vai acentuar-se nos próximos anos. Na base de tal gravidade está a ordem de Donald Trump para se cancelar a ajuda dos EUA ao desenvolvimento da vacinação em dezenas de países, pondo fim ao progresso conseguido até aqui, condenando à morte, ou ao sofrimento crónico, milhões de crianças. 

Gerado por IA

A cimentar tal desfecho, que contraria todo o humanismo que já conseguimos na prevenção e eliminação das doenças, está o problema (crescente em todo o mundo) da desinformação massiva acerca das vacinas, como consequência do ataque à Ciência feito através das redes sociais. É conhecido o resultado trágico dos efeitos do COVID no Brasil dirigido por Bolsonaro, e do mesmo efeito nos EUA durante o “primeiro acto” da dramática presença de Trump na Casa Branca, com os malefícios da recusa dos conselhos médicos, substituindo-os por pseudoterapia sem qualquer base científica. 

A prevenção do contágio de doenças epidemiológicas requer a participação de todos e a ajuda técnica e económica dos governos realmente interessados na saúde pública. As muitas décadas de trabalho entre as autoridades e os cidadãos, reduziram para valores mínimos as doenças infecciosas que no princípio eram letais. Recordar este avanço das ciências médicas é fundamental para todos termos a noção da necessidade de continuarmos no bom caminho da prevenção. 

O pior de tudo isto são os ouvidos surdos dos responsáveis que preferem ficar na História da Humanidade como os monstros defensores de uma economia gananciosa, quase criminosa, em desfavor da economia socialmente responsável, como se verifica no “segundo acto” do dramático desempenho da presidência de Trump.

30 de Junho, 2025 Onofre Varela

COMO SERÁ O FUTURO?

Quando entramos no ano 2000, por ser uma data redonda e emblemática para os vaticinadores do futuro e da desgraça, ouvi e li opiniões de crentes – de um qualquer credo religioso – afirmando que “este século será religioso, ou não será”. A frase é ambígua. Desde logo importa saber o que se quer dizer com o termo “religioso”. Pode-se ser religioso e não ter fé numa divindade. Se quisermos ver assim, a Ciência também pode ser entendida como religião… no sentido de “procura”, que não no de “adoração”. No latim, o termo “religio” tem um significado amplo, englobando a ideia de um sentimento de respeito, dever moral e reverêncial, não apenas em relação à divindade, mas também noutros contextos como no de “procurar a verdade”. E depois… o “não será”, significa o quê? Que o século poderá não ser religioso… ou não será século?!…

Nas conjunturas sociais graves é comum os povos mais crentes recorrerem ao guarda-chuva da fé para apaziguarem o espírito. É nesse sentido que a rotineira “volta a Deus” acaba por aparecer como tábua de salvação sob uma forma ideológica gerada pelos indivíduos com menos raciocínio lógico e científico, encontrando no conceito de Deus algum sentimento de segurança e consolo. É uma característica do pensamento de quem “vive por procuração” com a mente cativa de uma entidade divina, impedindo-o de alcançar um raciocínio de “mente ilustrada”… isto é, uma mente mais racional e científica, dispensadora do divino.

Nesse sentido concordo com Gonzalo Puente Ojea (advogado, diplomata e escritor cubano, falecido em Espanha em 2017 com 93 anos) quando disse ser “o ateísmo a situação intelectual mais coerente com a actualidade, porque recusa as atitudes de fidelidade a um deus que viola as exigências de discernimento da consciência, impedindo que o ser humano tome posse de si mesmo” (no livro: “Ateísmo y Religiosidad. Reflexiones sobre un debate”. Siglo Veintiuno de España Editores. 2ª Edição corrigida. Madrid, 2001).

Gonzalo Puente Ojea, ayer, en A Coruña. / juan varela – Fonte

Na esteira da tentativa de adivinhação do futuro, também já se afirmou que o Islão irá dominar o mundo; que os árabes refugiados das guerras do Médio Oriente e da miséria dos países islâmicos africanos, invadiriam a Europa miscigenando-se connosco, e o futuro do mundo será islâmico (esperem aí um bocadinho… só vou ali dar uma gargalhada e já volto!…).

Miscigenados já nós estamos há milénios, desde que os Homo sapiens saíram de África e se espalharam pelo mundo! Não há “raças puras” (nem impuras… as “raças” humanas não existem. O que existe é o “Homo sapiens sapiens”, um antropoide igual em todo o mundo e que faz da espécie humana uma “raça” única, com indivíduos apresentando diferenças faciais, de estatura e cor de pele, por imposição do meio em que vivem há milhares de anos).

Eu não faço nenhuma ideia do que será o futuro… e os vaticinadores da desgraça, também não! Cada um pensa um futuro à sua medida… e eu gosto de pensar que a Humanidade trilha o caminho da perfeição possível, que será cada vez menos seguidora de religiões e mais ateia, respeitadora do próximo e do ambiente… se calhar, mais espiritual, mas dispensando a figura do Deus das religiões.

Quando afirmo este gosto parece que estou a colocar-me ao nível dos religiosos e a assumir a minha “costela de fé” ao “crer” num futuro positivo. Admito que sim… porém trata-se de “uma fé” alicerçada na História e não na Mitologia.

A nossa espécie já foi bem mais religiosa e belicosa do que é hoje. Depois da Revolução Francesa mudou-se o estado de graça da Religião e o seu paradigma. As repúblicas e as monarquias ocidentais modernas são laicas, e muitos conflitos já são resolvidos com a palavra, evitando-se recorrer à violência do confronto físico ou através de máquinas de guerra (o que não impede a existência simultânea de ditadores e malfeitores que contrariam esta minha premissa de pacifista e adoram invadir, destruir, matar, anexar e facturar; como fazem Putin, Netanyahu e Tramp).

Gosto de pensar que estes três casos provam o nosso primitivismo… mas que, felizmente, não retratam a maioria de nós. 

24 de Junho, 2025 Onofre Varela

Aborto ainda condena mulheres portuguesas

Leio no jornal Público de 17 de Junho último, que “entre 2007 e 2024 houve 159 crimes de aborto registados em Portugal e 33 condenações em 1ª Instância relacionadas com estes casos”. A notícia é, no mínimo, estranha e assombrosa… já que a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) em Portugal está legalizada desde 2007 pela lei nº 16, de 17 de Abril, segundo fonte fidedigna da Direcção Geral da Saúde e da Sociedade Portuguesa da Contracepção. Quem agora veio revelar este assombroso número de “crimes” relacionados com a prática do aborto no país (que eu presumia legal) foi a Amnistia Internacional (AI) que regista tão elevado número no seu relatório sobre IVG em Portugal. Entre as recomendações que a AI deixa ao governo Português consta a retirada da prática abortiva do Código Penal… (eu nem imaginava que constava dele, depois da lei de 2007!).

A mesma notícia dá conta de que quem se governa muito bem com esta “titubeante legalização da IVG em Portugal” são as clínicas espanholas. Em seis anos (de 2019 até 2025), 3352 grávidas portuguesas recorreram a clínicas espanholas para interromperem a gravidez. Não é novidade: em Junho de 1999 (quando ainda era proibido abortar em Portugal) a imprensa noticiou que nos três anos anteriores cerca de nove mil mulheres portuguesas tinham recorrido a clínicas espanholas para abortarem. Há, por cá, um movimento de “famílias bem” apoiado pela Igreja (não sei se alguns elementos destas famílias têm interesses económicos nas clínicas espanholas) que quer um retrocesso na lei que regulamenta a prática do aborto em Portugal, inscrevendo-o na mesma lista onde colocaram a eutanásia que não querem ver legalizada. 

É uma atitude que me parece muito estranha… porque aquilo que, de imediato, sobressai dela é a falta de respeito pela vontade do outro, o que mostra haver quem queira impor a sua própria vontade a todos os cidadãos do país! Para quem viveu, como eu vivi (em 1974 eu tinha 30 anos) a realidade do Portugal ditatorial sob o regime de Salazar e da Igreja Católica medieval (contra quem, e contra o que, eu estava) é que sente o bem que é ter a Liberdade de escolher que todos conquistamos em Abril!… 

Aos meus leitores mais novos lembro que as leis de Salazar proibiam o aborto e o divórcio, obrigando a que cada homem desse o seu apelido de família aos filhos da sua esposa, mesmo quando os bebés eram, garantidamente, filhos de outro homem! Quanto ao aborto, a tragédia multiplicava-se. Sob o falso e dogmático manto da defesa da vida, a petrificada posição religiosa contribuía para situações que se saldavam em elevado número de mortes, que seriam evitáveis através de políticas realistas, livres de religiosas e nefastas vontades. 

Getty Images

Em 1997, quando na Assembleia da República se discutia a lei da IVG, houve um caso noticiado pelo jornal Diário de Leiria como notícia local. Uma senhora tinha uma filha bebé de poucos meses e engravidou sem o querer. Por muito que ela quisesse dar um irmão ao primeiro filho, havia uma realidade económica e social que lhe dizia não ser possível fazê-lo naquele momento. Ela e o marido trabalhavam. As despesas da casa recém-adquirida levavam quase o vencimento do casal, deixando pouco para os restantes gastos familiares. Um outro filho naquela altura era impensável. Decidiu-se pelo aborto clandestino por ser o único modo que tinha de abortar naquele tempo. Mesmo assim, teve o bom senso de não confiar o seu corpo a uma habilidosa, e procurou uma profissional credenciada. Uma enfermeira que lhe foi recomendada por alguém. Teria de pagar 50 contos (parte para a enfermeira e outra parte para a pessoa que fez a mediação). Conseguido o dinheiro por empréstimo, a enfermeira provocou-lhe o aborto em sua própria casa. Dois dias depois a senhora não aguentava as dores e chamou a enfermeira que, vendo o caso de difícil solução, chamou uma ambulância e levou-a para o hospital. Foi-lhe diagnosticada uma “infecção generalizada”… e morreu no dia seguinte. 

São estes desfechos, impensáveis numa sociedade moderna, que os contrários à IVG querem ver nos telejornais da desgraça dos seus encantos?!…

29 de Maio, 2025 Onofre Varela

Tomás da Fonseca e o Anticlericalismo

O termo Anticlericalismo já foi pronunciado como insulto. Houve tempo em que rotular alguém de “anticlerical” era apelidá-lo de “mal comportado”, na definição mais suave do termo. Um anticlerical era o demónio em pessoa e não merecia mais do que ter a alma a arder no Inferno! Para além deste folclore de crendice direi que, hoje, em Portugal, não há Anticlericalismo pela simples razão de não haver Clericalismo! (Ou há?!…) O Anticlericalismo só existe na razão directa do Clericalismo que quer combater. É como um antivírus que só existe porque há o vírus. Não existindo este, não há razão para existir aquele.

O Anticlericalismo em Portugal existiu com uma força feroz num tempo em que havia um Clericalismo igualmente feroz. Penso que o último Anticlericalista Português foi Tomás da Fonseca (1877-1968), detentor de uma forte personalidade invulgar que o enviou para a cadeia diversas vezes por razões políticas. Na Primeira República foi chefe de gabinete de António Luís Gomes, que era ministro do Fomento do Governo Provisório, e ocupou o mesmo cargo ao serviço do primeiro-ministro Teófilo Braga. Foi eleito deputado à Assembleia Constituinte em 1911 pelo círculo de Santa Comba Dão, e em 1916 foi eleito senador por Viseu. Atento aos aspectos mais negativos da Igreja de então, numa intervenção que fez em 1912, denunciou casos de padres pedófilos… problema que, como se vê, não é só de hoje!

CM Mortágua

Os regimes ditatoriais mereciam-lhe o maior repúdio, e por isso foi preso em 1918 por se opor à ditadura de Sidónio Pais. Voltou à cadeia dez anos depois, em Coimbra, e tornou a ser preso em 1947 por ter protestado contra a existência do Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, para onde Salazar enviava presos políticos.

As razões de Tomás da Fonseca tinham uma causa histórica, e para a compreendermos temos de recuar no tempo. A 8 de Dezembro de 1854 o Papa Pio IX proclamou o dogma da Imaculada Conceição, a cuja cerimónia assistiu o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Guilherme Henrique de Carvalho, que conseguiu apoio papal para construir o templo do Sameiro, em Braga, dedicado a “Maria que engravidou sem mácula”.

Por todo o reino a coroa ofereceu património à Igreja, o que se reflectiu no sentimento religioso das populações que rejubilaram com os novos templos e recintos religiosos. Ao mesmo tempo reforçava-se a concórdia existente entre o Reino e a Igreja. 

Na sequência disto, no tempo de Tomás da Fonseca (já adulto) clamava-se por mais intervenção do poder eclesiástico na vida social. Era impossível para o pensador, democrata e republicano Tomás da Fonseca, assistir àquela “bagunça-político-religiosa” e ficar calado!… 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

11 de Maio, 2025 Onofre Varela

Levanta-te e pensa

«Pensar é o trabalho mais difícil que existe, o que é provavelmente a razão porque tão poucos se envolvem nele»

(Henry Ford. 1863-1947)

O título desta crónica é uma adaptação do que se lê no Novo Testamento, na referência à cura do paralítico de Cafarnaum: “Levanta-te e anda” (Mateus: 5; 6), cujo figurino é usado em comédia no programa televisivo “Levanta-te e ri”.

Tal como o exemplo desta frase, que foi adaptada repetidamente e usada em diferentes situações, também a vida de cada um é uma repetição ou cópia da vida de todos nós, com mais ou menos nuances que emprestam outro colorido à nossa vida, tal como as diferentes fórmulas que glosam a frase bíblica que conduziu ao título desta prosa.

Ninguém inventa a sua vida… todos a temos oferecida pelo nascimento que não pedimos (o filósofo Agostinho da Silva dizia que “nasce a gente de graça, para depois ter de ganhar a vida!)… depois, todos nós a podemos melhorar ou piorar de acordo com as acções usadas no preencher dos dias, ornamentando-a com as melhores cores que conseguimos engendrar, ou pintando-a a preto e branco… embelezando-a ou borrando-a.

Fonte: Comunidade e Arte

Podemos dizer que a escolha é nossa… mas também pode ser condicionada pela sociedade ou por algo que ultrapassa a nossa vontade, que nos isola e manieta como, por exemplo, acontece à vida dos palestinianos submetidos pelo exército criminoso do bandido Netanyahu.

Por muito má que consideremos ser a nossa vida (quando ela pode ser alterada pela nossa vontade… quando não estamos reféns de um ditador), há sempre um momento para nos determos numa reflexão suficientemente profunda e encontrarmos algum modo de corrigirmos o rumo que, por qualquer razão, intuímos não nos conduzir para o melhor dos destinos que para nós sonhamos.

Esta reflexão filosófica é uma função positiva da Religião… talvez a principal… não será a única porque é acompanhada pelo processo do luto na menorização do sofrimento quando se perde um ente querido.

Porém (há sempre um “porém” que pode fazer a diferença das nossas escolhas) devemos estar atentos à corrente do “rio religioso” que decidimos navegar!… Ela nem sempre nos dirige para a melhor foz, nem nos conduz pelo melhor leito!

A corrente pode transportar-nos para águas mansas e calmas, permitindo-nos a contemplação das margens que as guiam, ou, pelo contrário, pode desaguar em desfiladeiros tormentosos de águas imparáveis, de efeitos desconhecidos, quando as margens, ao invés de guiarem a força da água… a comprimem e convulsam!

A escolha da rota é sempre do discernimento de quem navega o rio da Religião… tal como na vida, afinal…

6 de Maio, 2025 Onofre Varela

ATEÍSMO, RESPEITO E ELEIÇÕES

No meu último texto de opinião manifestei o meu respeito e a minha admiração pelo clérigo Mario Bergóglio, enquanto Papa Francisco e chefe supremo da Igreja Católica. Este meu sentimento poderá ter leituras variadas, desde logo pelos religiosos (católicos ou outros) socialmente menos esclarecidos e mais fundamentalistas, que poderão sentir repulsa pelo apreço que um ateu pode nutrir pelo Papa, convencidos que estão de a religião que professam ser uma coutada privada da fé, interdita a quem não comunga dessa mesma fé (ou por ateus que detêm o mesmo sentimento fundamentalista).

Para um religioso que assim sente, um ateu não passa de um ser menor que não lhe merece qualquer respeito. Esta é uma atitude que não me merece nada mais do que um sentimento de pena por quem assim se comporta numa sociedade que, para atingir a maioridade, tem de ser composta por cidadãos donos de opiniões diversas, semelhantes ou contrárias às suas, de mente aberta e atentos às diferenças comportamentais e de pensamento que, por serem lícitas, merecem respeito: o mesmo respeito que eu sinto pelo Papa Francisco e por quem o adora para além do Homem que foi. (Estas diferenças de pensamento têm uma ressalva. Na lista não entram ideologias nazis nem xenófobas).

Ao iniciar esta escrita veio-me à mente um outro exemplo de respeito pela figura de um Papa, o qual quero registar aqui.

O Papa João Paulo II faleceu no dia 2 de Abril de 2005. Então eu tinha saído do Jornal de Notícias havia cinco anos, tendo-me dedicado ao teatro (uma paixão antiga mas que não podia concretizar porque, em termos horários – tarde e noite – a actividade teatral se sobrepõe à de jornalista). Liberto do jornal fui convidado pelo autor e actor Lopes de Almeida, que dirigia a companhia residente no Teatro Sá da Bandeira, no Porto – encenando uma revista por ano, e para as quais eu fazia o lettering e ilustrações para o pano da fachada e programa – para fazer parte do elenco. As revistas estreavam no palco do Sá da Bandeira em Dezembro, e aí se mantinham até Fevereiro, altura em que a companhia partia em “tournée” pelo país, aos fins-de-semana, até Junho. 

Naquele dia de Abril de 2005, a companhia representava a revista “Vira o Disco e Toca a Mesma” num teatro de uma cidade que não recordo qual. Soubemos da morte do Papa momentos antes do início do espectáculo e eu sugeri a Lopes de Almeida que abrisse o espectáculo com todos os actores e técnicos em cena, e convidasse os espectadores para cumprirem um minuto de silêncio em memória do Papa João Paulo II.

A minha ideia não foi acolhida de imediato. Lopes de Almeida, sendo profundamente católico, não a considerou num primeiro momento… mas, em reunião nos bastidores, toda a companhia considerou que devíamos fazê-lo. Assim se fez, os assistentes daquele espectáculo aderiram ao minuto de silêncio, e João Paulo mereceu um forte e longo aplauso antes da abertura do pano e da entrada do corpo de baile ao som da marcha do início da representação. 

A parte curiosa desta cena estava reservada para o final do espectáculo. O meu colega Manuel Monteiro, actor e radialista (foi a voz da Rádio Festival durante vários anos) comentou: “Foi um ateu que se lembrou de homenagear a memória do Papa no momento da sua morte!… Nunca pensei que isto pudesse acontecer.”

O ateu sabe da inutilidade da figura do Papa na sua filosofia de ateu… mas também sabe que o mundo não é só dele nem dos seus correligionários na filosofia ateia. O Papa, quer os ateus queiram, quer não, é uma figura moral ligada a uma religião com muita força em Portugal, cujos crentes merecem todo o respeito, não só como seres humanos que são, iguais a qualquer ateu, mas também no respeito pelas suas convicções religiosas (muitos religiosos é que não sabem desta igualdade que nos nivela… o resto acontecerá logo que o religioso entenda o ponto de vista do ateu!).

Este respeito devido pelos ateus aos religiosos, tem a sua reciprocidade… também é devido pelos religiosos aos ateus… e não é sinónimo de desrespeito nem de silêncio. Todos temos o direito e a obrigação de expormos o nosso pensamento, mesmo quando não estamos alinhados pelo pensamento de uma maioria, desde que não ultrapassêmos a linha vermelha do respeito devido ao outro sem que se chegue ao insulto, nem pretendamos calar “quem não pensa como eu quero que ele pense”!… Esse é o sentimento dos ditadores… e há meio século que nos libertamos do último que teve lugar no poder.

Vamos conservar a Liberdade de Pensamento neste momento eleitoral, votando por ela contra qualquer forma de ditadura… que anda por aí e todos os dias nos ameaça, mais concretamente agora, nas eleições que temos à porta, nas quais temos de ter em conta a eliminação da “ressalva” referida mais acima.

26 de Abril, 2025 Onofre Varela

“FRANCISCUS”

A memória do Papa Francisco merece a minha consideração de ateu, pela sua postura perante os pobres, os imigrantes e as mulheres, mais a aceitação no seio da Igreja daqueles que até aí eram escorraçados pela orientação sexual ou por serem divorciados. Tal atitude colocou-o a léguas da “beatice” dos Papas que o precederam e que conheci ao longo dos 80 anos da minha vida.

Como ponto alto da sua postura em favor da decência, Mario Bergoglio terminou com o segredo da confissão para criminosos pedófilos, entregando à sociedade civil, para que fossem julgados, os homens da Igreja que abusaram sexualmente de crianças. Para além disto, Bergoglio era, por essência, um “homem bom”… o que se notava no seu rosto e nos seus discursos. Ao mesmo tempo que demonstrava ser um clérigo diferente para melhor (atingindo a excelência) teve atitudes perfeitamente humanas, demonstrando ser um homem igual a todos os outros, carregando virtudes e defeitos de que qualquer um de nós é portador.

Por isso Francisco recusou a “capa de santo” tão comum na ornamentação da figura dos Papas, como que se um qualquer cardeal promovido a Papa fosse produzido por um espermatozoide de qualidade extra… à semelhança do “fiambre da pá”! O Papa Francisco assumia-se como sendo igual a qualquer pedreiro analfabeto ou ministro doutorado, como se demonstra na sua atitude ao bater na mão de uma crente que o queria agarrar num dos seus passeios na Praça de S. Pedro.

O modo de actuar do Papa Francisco foi diametralmente oposto ao seu antecessor, e contrário a muitos interesses instalados na Igreja (que se afirma espelho da perfeição, mas que no seu interior alberga tantos imperfeitos) o que transformou o Vaticano em “ninho de víboras” para o bispo argentino Mario Bergoglio. Recorde-se que em 2013, o alemão Ratzinger, no papel de Papa Bento XVI (B16), resignou ao cargo, obrigando à eleição de novo chefe para ocupar o trono da Igreja. B16 não era bem visto por alguns católicos situados na ala mais progressista da Igreja, que nunca deixaram de o criticar frontalmente por não esquecerem o seu passado à frente do Gabinete para a Congregação da Fé (substituto da “Santa Inquisição” de má memória). As suas acções de militante da extrema-Direita política a que colou o seu pensamento, foram notórias nos processos que desenvolveu para destruir o movimento denominado Teologia da Libertação, iniciado na década de 1950 pelo teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, seguido pelo brasileiro Leonardo Boff, pelo salvadorenho Jon Sobrino e pelo uruguaio Juan Luis Segundo, entre outros.

Teologia da Libertação foi um movimento religioso e social muito desejado pelos paupérrimos povos católicos de toda a América Latina, sempre explorados pelos donos do dinheiro que o Vaticano protege na sua habitual dicotomia: no altar com os pobres e à mesa com os ricos! Por isso era notório o desprezo que muitos bispos sentiam por B16, o que não terá sido alheio à sua resignação. Francisco mostrou ser um bispo diametralmente oposto ao comum, o que lhe granjeou ódio dentro da Santa Sé. Instituiu-se uma guerra nos meios eclesiásticos, financeiros e políticos, contra si, o que sublinha a característica política e intriguista da Religião em geral, e da “Santa Sé” em particular.

Em 2019 li que “ultra-conservadores milionários norte-americanos – apoiados pelos partidos da Direita extremada do país de Donald Trump e da Europa – ensaiam um golpe palaciano que condicione a escolha do próximo Papa” (Palavras do jornalista Miguel Marujo na edição do jornal Diário de Notícias de 5 de Outubro de 2019, coincidentes com a opinião do jornalista espanhol Daniel Verdú no jornal El País do mesmo dia). Ciente desta conspiração interna que crescia contra si, o Papa Francisco procurou moldar “o grupo dos seus conselheiros com homens que respondam às suas principais preocupações sociais e religiosas”. É por isso que no lote dos novos cardeais nomeados em 5 de Outubro de 2019, se encontra o português José Tolentino Mendonça, entre outros nomes da sua confiança. Quase 80% dos 140 cardeais eleitores escolhidos por F1 têm menos de 80 anos e vão participar no conclave que vai eleger o novo Papa. Como ateu espero “a perfeição da Igreja”, nomeando um Papa com uma linha de pensamento semelhante à de Francisco. 

21 de Abril, 2025 Onofre Varela

21 de Abril, 2025 Onofre Varela

O MERECIDO SILÊNCIO

A manchete do jornal Público do último Domingo informava que “já há coimas aplicadas por falar em voz alta nos transportes”. Para quem viaja em transportes públicos, como eu, isto é uma excelente notícia… não raras vezes quero ler nas viagens que faço no Metro do Porto, e não consigo porque no banco ao lado, atrás ou à frente, alguém ouve música alta no seu telemóvel, talvez no convencimento de estar a prestar serviço público gratuito, inundando aquele espaço com tal poluição sonora, a qual, na sua óptica, até Mozart, Chopin ou Beethoven, aplaudiriam!

A notícia remeteu-me para a lembrança da minha primeira viagem em Metropolitano, o que aconteceu há mais de meio século (1973), em Paris. Era a minha estreia na Cidade-Luz e também naquele meio de transporte urbano (só depois daquela viagem a França fui, pela primeira vez, a Lisboa e viajei no Metro… o qual, por comparação com o de Paris, me pareceu um “Centímetro”…), obviamente, estava alerta, com os sentidos todos ligados, para saborear aquela experiência.

Reparei que os passageiros falavam uns com os outros, mas não ouvia as suas vozes. Falavam num tom de voz tão baixo, mantendo um silêncio absoluto, que era possível ouvir-se o rodado da carruagem nos carris. De repente, dois passageiros entabularam uma conversa em tom de voz muito alto, destoando do ambiente… falavam Português!

As nossas vilas e aldeias são apreciadas pela paz rural que ainda se pode experimentar em meios povoados. Vivo em Rio Tinto (Gondomar) que, sendo cidade, mantém espaços rurais calmos como é o lugar onde vivo (freguesia de Baguim do Monte). Ao lado do meu lugar, inicia-se a vila de Fânzeres e, imediatamente a seguir, está a vila de S. Pedro da Cova que, embora tendo crescido em construção e em população (pela imensa procura de habitação nos arredores do Porto) também não perdeu, de todo, a sua característica rural… o que me parece ser uma mais valia!

Há alguns anos, numa manhã de Domingo, uma qualquer razão levou-me ao centro de S. Pedro da Cova. Estacionei o carro e, quando saí, levei com uma missa nos tímpanos, obrigando-me ao espanto e a procurar entender o que ali se passava.

Gerado por IA.

Era hora de missa e o padre lá da paróquia entendeu que toda a gente devia ouvir a missinha!… Por isso mandou montar na torre sineira auto-falantes, colocados na direcção dos quatro pontos cardeais, difundindo o som da missa para toda a população da terra!

Com tal atitude, aquele sacerdote desrespeitava algumas regras. Não curei de saber se ele estava autorizado pela autarquia a emitir som com altíssimos decibéis… mas o que resultava daquele acto era o seu enorme desrespeito por todos quantos se marimbam para missas e, por isso mesmo, não entram na igreja em momento de celebração daquele acto litúrgico, mas que ele obrigava toda a população a ouvir!… 

O respeito é muito lindo, ó senhor abade… e o silêncio é de ouro! 

14 de Abril, 2025 Onofre Varela

Ainda sobre o Humor

De entre dezenas de frases sobre a importância do humor, vou citar duas delas. A primeira serviu de título a uma notícia sobre Saúde, publicada no jornal espanhol  “El País” há um quarto de século (em Novembro do ano 2000) e diz: “o riso protege o coração”; sublinhando que “um estudo indica que as pessoas com doença cardíaca se riem menos”; e acaba por advertir: “o humor previne o enfarte do miocárdio”.

Em face disto, muito provavelmente os médicos ainda vão adoptar (se ainda não adoptaram) esta frase preventiva de doenças cardíacas: “Faça exercício, coma bem e ria-se várias vezes por dia”.

O estudo referido foi realizado por cardiologistas do hospital da Universidade de Maryland, em Baltimore (EUA) e refere uma frase antiga dita pelos avós de passadas gerações: “O riso é a melhor medicina”. A capacidade de rir pode influenciar hábitos em sociedades desenvolvidas onde a doença cardíaca é a principal causa de morte.

Michael Miller, então director do hospital da Universidade de Maryland, disse ainda: “Sabemos que fazer exercício físico, não fumar e ingerir alimentos com baixo teor de gorduras saturadas, reduz o risco de contrair doenças cardíacas. Talvez devêssemos acrescentar à lista o hábito de rirmos frequentemente e de maneira franca”.

Para além dos médicos cônscios do valor do riso na melhoria e manutenção da saúde, outros profissionais de actividades com peso nas sociedades esclarecidas – como escritores e filósofos – também sugerem o riso como uma das melhores receitas para a prevenção de doenças e, quiçá, para ajudar à longevidade. É o caso de Jean-Claude Carrière, escritor e guionista francês (falecido em 2021 com 90 anos de idade) mundialmente conhecido pela sua colaboração com Luis Buñuel e por, de entre os vários livros de que é autor, ter escrito um com conversas mantidas com o Dalai Lama. É dele a segunda frase anunciada no início deste texto: “A única maneira de sobreviver ao poder, é rir”. 

Dizia Buñuel que um dia sem rir é um dia perdido… e defendia o “riso subversivo”, o qual é “rir-se contra algo”. De certo modo, este “riso subversivo” é utilizado pelos cartunistas, pelos actores de “Stand up Comedy” e pelos autores do Teatro de Revista na apreciação bem humorada de atitudes políticas que só provocam tristeza e choro quando são entendidas, apenas, pela nódoa vivencial que realmente representam.

O papel do humor é usar a ironia como elemento de luta contra o poder, juntando-lhe, também, o absurdo.

Disse Jean-Claude Carrière que “historicamente o humor tem servido para combater os bispos e os militares” e que “rir é uma atividade gratuita, saudável para o corpo e para a alma, e não requer educação específica”. Todo o mundo pode praticá-lo sem precisar de uma licenciatura!

Para Carrière, as histórias “com moral” eram demasiadamente básicas e sem profundidade. Preferia as histórias filosóficas… “mas sem filósofo… populares, cândidas e ambíguas”.

É sabido que em todas as épocas e em todo o mundo o humor é perseguido e condenado por ditadores, sejam políticos ou religiosos. Política e Religião são duas actividades humanas muito praticadas por ditadores convencidos de que representam a razão e a verdade, e que só eles têm direito à palavra e à acção, encarcerando e assassinando quem não diz amen consigo.

Gerado por IA

Ainda hoje assim é neste nosso mundo contemporâneo, comandado por sociedades que se afirmam tão avançadas no conhecimento e na técnica, mas que se apresentam tão atrasadas na prática da Humanidade que deveriam ter… mas nunca têm!

O nosso riso é a nossa arma perante essa enorme colecção de imbecis que imaginam comandar-nos.