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AINDA SOBRE OS “DOIS PAIS” DE JESUS

No último artigo abordei o sentimento de ofensa que alguém possa deter perante conversas ou escritos que contrariem o seu modo de encarar o mesmo assunto, quando tratado de um outro campo que não o seu. É um sentimento natural que deve ser entendido com a mesma naturalidade, e nunca se deve ver, num ponto de vista contrário ao nosso, um insulto… se não, não fazemos nada mais na vida que não seja “insultarmo-nos constante e mutuamente”, porque não há duas pessoas que detenham “pensamentos, entendimentos e sentimentos, fotocopiados”.

Como ateu estou habituado a ver as minhas palavras interpretadas de modo ofensivo por religiosos, e quando me abordam nesse sentido faço a “prova dos nove”, lendo, ao pretensamente ofendido, o texto que o meu interlocutor diz ter sido uma ofensa à sua fé. Na maioria dos casos fica provado que o modo de ler (interpretar) faz a diferença entre a opinião e o insulto.

Gerado por IA.

Há quem inicie a leitura de um texto (sabendo que ele foi escrito por quem não alinha nas suas verdades políticas, religiosas ou futebolísticas), com intenção negativa e preparado para ver por ali ofensa ao seu modo de entender as coisas. E quando essa ofensa não existe, ele acaba por a “ver” porque está mentalmente preparado para a fabricar! Por isso aceito que o Bloco de Esquerda usasse aquela imagem e aquela frase (referidas no último artigo) sem pensamento ofensivo, por não ter essa intenção à partida.

Qualquer texto, incluindo os textos bíblicos do Velho Testamento, mais os neo-testamentários, está sujeito a interpretações várias, e não é lícito rotular de ofensiva qualquer interpretação que choque com entendimento diverso. Para um ateu (e para a própria História) a gravidez de Maria anunciada por um anjo não é um facto histórico nem científico, mas sim uma “estória de fé” que, merecendo respeito, também merece reparo ou crítica, numa sociedade maior, livre e consciente. O respeito não quer dizer “come, cala e não opines”. Respeitemos, mas opinemos… é isto a Democracia e o cumprimento do respeito que ela decreta.

A gravidez de Maria é uma cópia, na versão cristã, do mito grego da gravidez de Alcmena violada por Zeus para gerar Hércules, e que os escribas cristãos foram buscar à mitologia, retocando-a a seu jeito. Zeus lambuzou-se no leito de Alcmena tomando a forma de Anfitrião, o seu marido, para a enganar à boa maneira dos homens perversos e traidores (que eram sempre o espelho dos deuses).

A versão de Maria é mais cândida por escamotear o acto carnal da cópula, mas também mais irreal por nada ter de natural. Todos nós sabemos que uma gravidez precisa de um óvulo e de um espermatozoide que o fecunde… o que quer dizer: relações sexuais (naquele tempo não havia laboratórios de inseminação artificial, nem clonagem). Afirmar o contrário disto… é fé divorciada de qualquer realidade… e se a fé ofusca o entendimento… quem deve “desofuscar-se” é o religioso seguidista que desliga o seu motor de busca não procurando entendimento… e nunca o seu crítico. As lendas religiosas devem ser tomadas na sua realidade de lenda e de fé, respeitadas como tal, e nunca declaradas como “realidade sagrada” com ameaça de punição para quem não as aceite, como a Igreja fazia no tempo da Inquisição de má memória!

Por muito respeito que me mereçam os meus amigos crentes, eu tenho o direito de exercer o meu raciocínio. Não é falta de respeito questionar: se José é afirmado como pai adoptivo de Jesus… teve de haver um pai biológico e a biologia implica sexo. A fé tolda a razão?!… Se sim, é bom que quem assim sente tome consciência disso e deixe de se sentir ofendido pelas lícitas considerações de quem dispensa a fé e o mito por lhe bastar a realidade e a naturalidade das coisas naturais e reais. 

Perfil de Autor

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Onofre Varela nasceu no Porto em 1944, estudou pintura e exerceu a atividade de desenhador gráfico em litografia e agências de publicidade, antes de abraçar a carreira de jornalista (na área do cartune), em 1970, no jornal O Primeiro de Janeiro. Colaborou com a RTP, desenhando em direto a informação meteorológica no programa Às Dez e animando espaços infantis. Foi caricaturista e ilustrador principal no Jornal de Notícias, onde também escreveu artigos de opinião, crónicas e entrevistas.