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Carlos Esperança

1 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Feliz 2005



O Diário Ateísta agradece e retribui calorosamente os votos formulados por todos os que nos desejaram um feliz 2005.

E não podemos deixar de saudar igualmente todos os que nos visitaram em 2004 e contribuíram para o sucesso alcançado em treze meses de existência do Diário Ateísta.

Esperamos continuar a merecer as visitas dos leitores, sem nos responsabilizarmos pelo destino da alma dos que procuram este destino blasfemo.

30 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

A ICAR e a liberdade

O diário «El Periódico» dá conta da violenta campanha desencadeada pela hierarquia católica argentina contra o presidente Kirchner, tido por demasiado liberal, por causa de uma exposição de arte que os crentes consideram blasfema. Os bispos abominam uma máquina trituradora de carne que destrói imagens religiosas, um bombardeiro americano com um Cristo crucificado colado a uma das asas e outras imagens menos piedosas.

A ICAR amaldiçoa, não por razões estéticas, a arte que não glorifica Deus e os anjos e está particularmente irada com a reabertura da exposição do artista plástico León Ferrari, autorizada por um tribunal de segunda instância após ter sido encerrada por uma juíza, na sequência do pedido de grupos ultramontanos.

O bispo de Buenos Aires, cardeal Jorge Bergoglio, convocou os católicos para manifestações de rua a fim de impedir o «sacrilégio» que o carácter «blasfemo» da exposição constitui. Esta atitude – lê-se no «El Periódico» – é uma cortina de fumo que encobre uma luta profunda entre o Governo argentino e os bispos alinhados com a extrema-direita.

León Ferrari, de 84 anos, exilado durante a última ditadura (1976/83) abençoada pela Igreja católica e em que lhe desapareceu um dos seus filhos, afirma: «Sou contra a tortura e o cristianismo é a favor, porque o pensamento ocidental e cristão sustenta a existência do inferno o que implica aprovar ou exaltar o castigo a quem é diferente».

Não é a primeira vez que este pintor sofre a censura, mas agora a populaça, acirrada pelo clero, entrou no Centro Cultural Recoleta, onde decorria a exposição, e destruiu três obras ao som de gritos selvagens, «Viva Cristo-Rei!», a que se seguiu uma «missa de desagravo» à Virgem e uma intensa campanha mediática de denúncia à justiça.

Em contrapartida a sociedade civil desceu à rua para defender a liberdade de expressão.

Temas como a contracepção, a pílula, a despenalização do aborto, a educação sexual nas escolas e a união civil dos homossexuais são vistas como ameaças que corroem os alicerces da ICAR e levam os bispos a terçar armas contra o Governo do presidente Kirchner, à semelhança dos seus homólogos espanhóis, em beata cruzada contra o presidente Zapatero.

Apostila 1 – Este artigo, não sendo a tradução literal, foi elaborado com base no do diário «El Periódico», 29-12-04.

Apostila 2 – A intolerância do clero católico fica exemplarmente demonstrada.

Apostila 3 – Na Argentina e em Espanha trava-se uma luta feroz entre o Estado e a ICAR, entre a religião e a liberdade, entre a laicidade e o clericalismo.

29 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Maratona de devotos celibatários

Sob os auspícios da Comunidade Taizé, comunidade internacional e ecuménica, fundada em França, em 1940, na localidade que lhe dá o nome, chegaram ontem a Lisboa milhares de jovens para uma maratona de oração, meditação, leitura da Bíblia, cânticos e outras actividades litúrgicas, que se prolongarão até ao próximo dia 1 de Janeiro.

Os «irmãos», todos comprometidos com o celibato, são acompanhados pelo fundador, irmão Roger, e os pontos altos das festividades terão lugar na sexta-feira, a partir das 23:00, nas paróquias, em comunhão com os povos que sofrem, «vigília de oração pela paz», seguida de uma «festa das nações», também nas paróquias. O Encontro religioso termina em apoteose às 18:30 do dia 1 de Janeiro com uma «Eucaristia Vespertina da Epifania em Fátima».

Do vasto programa do encontro constam piedosos objectivos e vários pedidos a Deus, nomeadamente um futuro de paz. No entanto, face à calamidade que varreu o Sudoeste Asiático no último Domingo e às pavorosas consequências do terramoto e do maremoto que se seguiu, temo que os irmãos celibatários de Taizé e os jovens que os acompanham, ao chegarem a Lisboa, tenham chegado tarde, ao sítio errado e com as preces trocadas.

29 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Os fantasmas do Vaticano

Há temas, ditos fracturantes, que a ICAR gostaria de silenciar. O aborto, a eutanásia e o casamento de homossexuais são os que mais a crispam e apaixonam. E, no entanto, não podem ser ignorados nem perpetuamente adiadas as soluções legais.

A moral não é universal nem legitima a imposição de todas as normas e, muito menos, a punição pela sua violação. O divórcio, por exemplo, que é um mal, não pode ser proibido e só a intolerância religiosa e a cumplicidade da ditadura o limitou e, na prática, impediu, até ao regresso à democracia. O adultério é certamente iníquo e, no entanto, ninguém de são juízo se atreveria a propor uma punição legal, mas é bom lembrar que foi esse o crime que levou Camilo Castelo Branco ao cárcere.

Os que hoje se opõem à descriminalização do aborto são os mesmos que, já depois do 25 de Abril, não aceitavam que o risco de vida da mãe, as malformações fetais e a violação fossem motivos legítimos para a interrupção voluntária da gravidez, como se a lei impusesse a obrigação e não, apenas, consagrasse a permissão.

O mesmo acabará por acontecer com a eutanásia e com os casamentos dos homossexuais, cujo precedente existe em vários países europeus, apesar do terrorismo ideológico com que os adversários se opuseram. Convém repetir que é um direito que se consagra e não uma obrigação que se impõe.

O que surpreende nos adversários das alterações legais liberalizadoras, ou da simples discussão, não são as opiniões que perfilham, é o ódio que nutrem pelas ideias que colidem com as suas.

Há pessoas para quem a liberdade religiosa se confunde com o direito ao proselitismo e a exigência de conversão dos réprobos. Não lhes passa pela cabeça que a conversão e a apostasia, a ortodoxia e a heterodoxia, a devoção e o agnosticismo, a beatice e o ateísmo são direitos que se inserem na liberdade religiosa que, até hoje, só a laicidade do Estado conseguiu tornar efectiva.

28 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Desolação, horror e tragédia

O maior sismo dos últimos 40 anos, seguido de um violento maremoto, levou aos países do sudoeste asiático a morte, a destruição e o desespero. Um domingo macabro.

Dezenas de milhares de mortos, inúmeros desaparecidos, uma multidão de feridos e estropiados é o resultado de uma tragédia que as condições precárias de países pobres se encarregam de ampliar. A fome, a falta de água potável, a cólera e outras doenças vão dizimar uma grande parte do milhão de desalojados vítimas da tragédia.

Falar de Deus nestas alturas não é apenas um acto gratuito, é uma obscenidade cruel para quem sabe que há meios para prevenir a dimensão destas tragédias e minorar o sofrimento dos sobreviventes.

Perante a desgraça vem-me à memória uma balada de Paul Ford: «Se todos os homens do mundo quisessem dar-se as mãos…».

26 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Por que rezam os que sofrem?

O sudoeste asiático foi hoje assolado por um violento sismo, seguido de gigantescos maremotos que já mataram mais de 4 mil pessoas.

Faz hoje um ano que um terramoto devastou a cidade iraniana de Bam que provocou, oficialmente, a morte de 31.884 pessoas e fez cerca de 18 mil feridos, muitos deles estropiados, e cinco mil órfãos.

Todos os dias as catástrofes assolam a humanidade, umas vezes por causas naturais, muitas outras pela incúria dos homens, pelo modelo de desenvolvimento errado e pela explosão demográfica.

É preciso não ter sentimentos para viver indiferente aos dramas que diariamente afligem a humanidade, ser completamente insensível para ignorar as tragédias que se abatem sobre o Planeta, quase sempre sobre os mais pobres e tementes a Deus. Só um egoísmo feroz permite alhear as pessoas das soluções que possam minorar os horrores que batem à porta de milhões de desgraçados que, segundo o cinismo eclesiástico, são a vontade de Deus.

É com respeito e revolta que vejo hoje as imagens dos sobreviventes do terramoto de Bam, dos infelizes que, todos os dias, por todo o mundo, choram a tragédia que lhes bateu à porta e permanecem em longas orações a um Deus cruel e vingativo, como quem agradece o mal que lhe fizeram, como quem teme que lhes faça ainda pior.

O negro que esconde os corpos que sofrem, os corpos dobrados, os joelhos magoados, os rostos doridos, são uma dolorosa metáfora de quem se cansou de olhar para o Céu e vê como único destino da sua pobre condição prostrar-se de joelhos, rojar-se no chão, debitar orações e continuar refém do constrangimento social e do poder do clero que em todas as religiões se alimenta do medo, da ignorância e do sofrimento.

Às vezes penso que a oração é a blasfémia dos cobardes e a blasfémia a oração de quem não teme a liberdade.

Apostila – (17H00). Já estão contabilizados mais de 8.000 mortos, incluindo dois portugueses.

26 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Cunhas a JC

A ICAR marcou indelevelmente a sociedade portuguesa cujo atraso é, em boa parte, obra sua. Já Antero de Quental definiu de forma notável as «Causas de decadência dos povos peninsulares», decadência que parece acentuar-se na faixa mais ocidental.

JP2 ao pedir a Cristo «que não abandone o Homem» está convencido de que a cunha subserviente é útil ou comporta-se com hipocrisia para se dar ares de uma influência que não tem, para impressionar os fregueses espalhados pelo mundo. No pedido, JP2 aproveitou para informar JC de que a humanidade precisa dele. No seu peculiar jargão disse «Recordai-vos de nós, Filho eterno de Deus. A humanidade inteira, marcada por tantas provas e dificuldades, necessita de Ti». Ou Cristo não sabe disso, e precisa que o Papa o lembre, ou sabe, e não o leva a sério. Para os ateus é ponto assente que um cadáver não vê, não ouve, não sente e, sobretudo, não aceita cunhas.

Mas o mais surpreendente foi o pedido à entidade patronal para as igrejas do Oriente e Ocidente e os seus líderes, «para que a luz que receberam, a comuniquem com liberdade e com valor a todas as criaturas». Este acto, de quem disputa o mercado das almas à concorrência, só pode ser encarado como profundo cinismo e fingimento de uma bondade que dois mil anos de proselitismo desmentem.

Os apelos à paz e os pedidos pelos doentes, crianças da rua e outros desgraçados bem sabe JP2 e o seu séquito que são inúteis e que não se resolvem com orações ou apelos públicos a JC, durante a missa, apesar dos meios técnicos usados, incluindo telefones de última geração que, pela primeira vez, transmitiram a Missa do Galo.

JP2 deve lembrar-se de que, segundo a sua superstição, Deus faria bem melhor em evitar as desgraças do que esperar que o Papa lhe peça para as tornar um pouco menos obscenas. Evitava o espectáculo deprimente de enganar os simples com promessas que não pode cumprir, pedidos a quem não ouve e a criação de expectativas vãs a quem já tem do sofrimento um razoável quinhão.

O resto são as habituais lamúrias pela protecção da vida, desde a concepção, obsessão doentia de quem se desinteressa da explosão demográfica que ameaça o Planeta e sabe que quanto maior for a miséria mais a devoção se acentua.

25 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

O Patriarca de Lisboa e o Vaticano

A diocese de Lisboa é, pelo número de habitantes e pela sua importância política, a principal filial do Vaticano em Portugal, conferindo ao seu titular o título de «Cardeal», cujo barrete é concedido no primeiro consistório a ter lugar após a nomeação para o cargo. O actual feitor, José Policarpo, é um bispo inteligente e bem preparado que, segundo o último «EXPRESSO», terá sido indigitado para integrar o governo central da ICAR, com sede no Vaticano. Fala-se mesmo na possibilidade de suceder a Karol Vojtyla, conhecido pelo pseudónimo de João Paulo II, cujo prazo de validade se aproxima do fim.

A forma como se organiza o único Estado totalitário da Europa é um assunto de reduzida relevância para o ateísmo, mas o modo como parasita os países que procura reduzir à condição de protectorados é um problema de cidadania que, no caso de Portugal, interessa aos portugueses. A suspeita de que a carreira profissional do patriarca Policarpo possa ter sido feita à custa da capitulação do Estado português perante o Estado do Vaticano é uma probabilidade a merecer profunda reflexão e repúdio.

No mesmo número do EXPRESSO (site indisponível) lê-se que no art. 23.º da Concordata ficou acordado a criação de uma comissão bilateral que compromete o Governo português a «proceder às acções necessárias para a identificação, conservação, segurança, restauro e funcionamento» dos bens culturais da Igreja, «em igualdade de oportunidade com os bens do Estado». Ou seja, o Governo português converte-se na companhia de seguros que cobre os riscos do património imobiliário da ICAR, à custa do erário público.

Não sabemos se há algum pacto secreto em que a ICAR se compromete a proceder às anunciadas beatificações e canonizações de defuntos autóctones, prescindindo dos dispendiosos emolumentos que costuma cobrar. De qualquer modo, os privilégios de que goza a ICAR são indignos de um Estado laico, vergonhosos para quem capitulou perante um Estado estrangeiro – o Vaticano -, escandalosos para quem os reivindicou e aceita.

Todas as Igrejas estão no direito de exigir tratamento igual e a futura Associação Ateísta Portuguesa não deixará de o fazer em relação à sua sede e em apoio das outras religiões.

24 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

ENA3 – Notícia da «LUSA»

RELIGIÃO – Ateus vão criar associação

«CERCA de três centenas de ateus vão criar uma associação nacional em Janeiro para defender o seu pensamento, apologista da liberdade religiosa, mas avesso a todas as Igrejas que consideram «violentas e falsas».

A oficialização da associação surge na sequência da aprovação dos seus estatutos durante o 3.º Encontro Nacional de Ateus, que decorreu no domingo em Coimbra, revelou ontem à Lusa Carlos Esperança, da organização.

O grupo tem vindo a formar-se desde há cinco anos, para debater o pensamento ateísta – que nega a existência de Deus – em encontros nacionais e no site www.ateismo.net, «aberto à reflexão de todos os quadrantes ideológicos». Carlos Esperança sublinhou que os ateus portugueses «defendem a liberdade religiosa e o direito de se praticar qualquer religião ou até nenhuma», ressalvando, no entanto, que a intenção da associação «não é converter ninguém». «A religião é uma droga, que contém em si um espírito de violência, demonstrado nos próprios livros, ditos sagrados, como a Bíblia ou o Alcorão», sustentou, acrescentando que o fundamentalismo religioso «está normalmente associado à luta pelo poder». Carlos Esperança criticou, em particular, o Governo português por ter assinado este ano uma nova Concordata com o Vaticano, um acordo que, na sua opinião, viola os princípios de laicismo previstos na Constituição e «prevê certos privilégios para a Igreja Católica». Diário as Beiras, 24/12/04

A mesma notícia aparece noutros diários, nomeadamente no Jornal de Notícias.

23 de Dezembro, 2004 Carlos Esperança

Há 50 anos – o primeiro transplante

Faz hoje 50 anos que o cirurgião americano Joseph Murrey realizou o primeiro transplante humano – um rim doado por um irmão gémeo a outro que estava a morrer de doença renal. A generosidade fraternal foi compensada com mais de 8 anos de vida do irmão transplantado que constituiu família e havia de gerar duas filhas.

Os crentes mais devotos de então consideraram que se tratou de uma profanação do corpo e que os médicos interferiram numa prerrogativa de Deus. Nesse dia os homens deram mais um pequeno passo para a sua emancipação e Deus um enorme trambolhão para o seu descrédito.

O êxito da operação foi também uma vitória sobre a omnipotência e a omnisciência divina cuja credibilidade sofreu um rude golpe. E, a partir daí, milhares e milhares de vidas puderam ser prolongadas graças à ciência.

Para os que acreditam na vida eterna e na ressurreição da carne, deve dar-lhes volta à cabeça, no caso de a terem, o que acontecerá no vale de Josafat (entre Jerusalém e o monte das Oliveiras), no dia do Juízo Final. O Deus deles, cruel e medonho, lá estará a julgar os vivos e os mortos, perante uma enorme confusão em que à gravidade dos problemas logísticos se junta a berraria de quem pede a devolução do fígado, dos milhares que reclamam os rins próprios, daqueles que exigem de volta o coração ou procuram o esqueleto dividido por centenas de próteses após o acidente rodoviário.

Deus começa a ter problemas complicados. O melhor é desistir dessa ideia maluca da ressurreição e manter-se na clandestinidade a que se remeteu após o género humano ter decidido pensar.