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Mês: Fevereiro 2006

21 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Morreu o banqueiro de Deus

Corria o Ano da Graça de 1978 quando João Paulo I ascendeu ao trono pontifício e anunciou uma investigação ao Instituto das Obras Religiosas (IOR) também conhecido por Banco do Vaticano cujas fraudes eram objecto de rumores.

Um jornalista comentou então: «Não anda cá muito tempo». E Deus assim o quis. João Paulo I foi Papa durante 33 dias e não verificou a contabilidade do IOR. Esqueceu-se de respirar durante a noite de 28 de Setembro.

Nunca se saberá se foi Deus que o chamou ou a Cúria que o enviou naquela madrugada de 1978. O Vaticano recusou a autópsia.

No consistório seguinte o Espírito Santo foi mais sensato e inspirou melhor os cardeais. JP2 foi o resultado do bom entendimento entre cardeais, Espírito Santo e Opus Dei.

Começou então a ascensão do arcebispo Paul Marcinkus, banqueiro e guarda-costas de JP2. Presidiu durante onze anos ao IOR, o principal accionista do Banco Ambrosiano, uma respeitada instituição financeira onde o Vaticano, a Mafia, o Opus Dei e outras pias instituições faziam os seus depósitos.

A duplicação fraudulenta das acções do Banco foi o expediente encontrado para cobrir um «buraco» provocado pela dupla Marcinkus/Roberto Calvi (este, um funcionário que o Vaticano fez Director).

Roberto Calvi foi encontrado enforcado num pilar de uma ponte de Londres. Marcinkus foi chamado a depor pela polícia de Roma mas o bondoso Papa JP2 nunca permitiu a extradição.

Morreu hoje, aos 84 anos, o antigo banqueiro da Santa Sé, protagonista de um dos maiores escândalos do Vaticano. Morreu em Phoenix, Arizona, sem barrete cardinalício.

20 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

Bento 16 e as caricaturas de Alá

O Papa B16, distraído com o breviário ou preocupado com o polimento dos sapatinhos vermelhos, só hoje se pronunciou sobre a polémica em torno das caricaturas de Maomé.

E que defendeu o velho censor? A liberdade de expressão? O direito dos não crentes à denúncia do que julgam uma fantochada? A liberdade religiosa?

«É necessário e urgente que as religiões e os seus símbolos sejam respeitados e que os crentes não sejam alvo de provocações que firam a sua iniciativa e os seus sentimentos religiosos» – disse B16 durante a audiência ao embaixador marroquino junto do Vaticano, Ali Achour.

Para o velho inquisidor, este é o código de conduta a que todos se devem submeter. Não há uma palavra de censura para quem lapida mulheres, degola infiéis, tortura reclusos, assassina apóstatas e faz do livro sagrado a fonte de direito que quer impor ao universo.

O silêncio, perante crimes cometidos em nome de Deus, é a cumplicidade de quem gostaria de iguais condições para atear fogueiras, queimar livros e cometer desmandos.

20 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

O funeral da Irmã Lúcia (Bis)

Foi um espectáculo pífio ver a fé de molho e os crentes a arremeterem contra o Céu, empunhando guarda-chuvas.

O padre Borga, refugiado no estúdio improvisado da RTP, exultava com a chuva e os pés enxutos. A seu lado estava o Sr. Duarte Pio, um reprodutor serôdio, que, até prova em contrário do ADN, se reclama descendente do senhor D. Miguel, católico trauliteiro que em Evoramonte renunciou ao absolutismo e ao trono de Portugal.

Fátima foi ontem mais do que lugar de ilusão, foi o penico do Céu com a base decorada com peregrinos, onde o Padre Eterno aliviou a bexiga e evacuou granizo, a pôr à prova a resistência dos crentes.

O Sr. Duarte dizia-se conde de Ourém, como se os títulos nobiliárquicos não tivessem sido extintos antes do nascimento da Lúcia e da sua pia obsessão de converter a Rússia. Debitou lugares-comuns e informou que tinha levado três filhos ao castigo.

O padre Borga e o Sr. Duarte estavam felizes enquanto a Irmã Lúcia, reincidente no seu próprio funeral, continuou morta durante o espectáculo para promoção da fé.

Dada a fraca afluência de peregrinos, prejudicada pela intempérie que se abateu sobre a Cova da Iria, com particular violência à chegada do féretro, a ICAR pensa na repetição do acto com as três vítimas da farsa, em cerimónia comum, num funeral colectivo.

20 de Fevereiro, 2006 Ricardo Alves

O delito de blasfémia em Portugal

«Um dos efeitos menores do caso dos cartoons dinamarqueses foi a descoberta das limitações à liberdade de expressão em Portugal, consignadas no Código Penal de 1995, muitas das quais parecem abusivas. Será que todos os partidos estão de acordo com aquelas limitações? O assunto mereceria, por si, alguma discussão

Assim termina, com o parágrafo acima reproduzido, um artigo de opinião de José Vítor Malheiros no Público de segunda-feira passada. Eu já chamara a atenção para os resquícios de «delito de blasfémia» que ainda existem no Código Penal português, e que poderão ser usados para limitar, por razões de sensibilidade religiosa, a liberdade de expressão. Vejamos quais são os artigos em questão.

Artigo 252º
Impedimento, perturbação ou ultraje a acto de culto
Quem:
a) Por meio de violência ou de ameaça com mal importante impedir ou perturbar o exercício legítimo do culto de religião; ou
b) Publicamente vilipendiar acto de culto de religião ou dele escarnecer;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Na minha modesta opinião, a alínea b deste artigo nº252 deveria ser suprimida. Na prática, implica que quem troçar publicamente das missas católicas (e das procissões também?), dos rituais muçulmanos, satânicos ou outros se arrisca a uma pena de prisão por delito de opinião. Limita-se, assim, a liberdade de expressão sobre um tipo específico de actos, os actos de culto. Já a alínea a me parece razoável: o exercício do culto (da IURD, católico ou outro) deve ser respeitado. Mas vejamos também o artigo 251º…

Artigo 251º
Ultraje por motivo de crença religiosa
1. Quem publicamente ofender outra pessoa ou dela escarnecer em razão da sua crença ou função religiosa, por forma adequada a perturbar a paz pública, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2. Na mesma pena incorre quem profanar lugar ou objecto de culto ou de veneração religiosa, por forma adequada a perturbar a paz pública.

No essencial, o §2 do artigo nº251 não me incomoda: não desejo matar um porco dentro de uma mesquita ou de uma sinagoga, nem jogar futebol de salão dentro de uma igreja católica. Já o §1, mesmo com a ressalva da «forma adequada a perturbar a paz pública» (que pode ser difícil de avaliar), me parece desnecessário. Seria melhor que fosse também eliminado, prevenindo assim interpretações excessivas. A não ser eliminado, poderia passar a referir-se a «Quem publicamente ofender outra pessoa ou dela escarnecer em função da sua crença ou ausência de crença», uma vez que os insultos a quem não tem fé, por não a ter, são tão ou mais comuns do que os insultos a quem tem fé, por a ter (não faltam exemplos nas nossas caixas de comentários).

Recorde-se que a Constituição da República Portuguesa estabelece a liberdade de expressão como um direito fundamental, e que portanto os preceitos referidos até poderão ser inconstitucionais.
20 de Fevereiro, 2006 jvasco

A sondagem e a Sharia

De acordo com uma notícia do news telegraph, foi realizada uma sondagem na qual 40% dos crentes islâmicos que vivem no Reino Unido se manifestaram favoráveis à introdução da Sharia em algumas partes do país.

É preocupante.

É preocupante que o valor da laicidade, da separação entre a igreja e o estado, entre os valores religiosos e a justiça, não sejam valores abraçados pela esmagadora maioria dessa comunidade.

Creio que isto é fruto de um problema estrutural e conjuntural.

Estrutural porque o modelo de integração é laxista. Vai-se cedendo passo a passo, com leis anti-blasfémia, com leis feitas à medida das «especificidades culturais», que esquecem os valores da laicidade, da igualdade perante a lei, enquanto os guetos proliferam.
A integração tem de ser baseada numa verdadeira igualdade de oportunidades, não em cedências cobardes que escondem um paternalismo descriminador.

Conjuntural porque (esta sondagem também o confirma) as relações entre a comunidade islâmica e os britânicos têm piorado. Muito, tanto quanto entendo.
Isto vem reforçar a minha tese de que a invasão do Iraque foi do pior que poderia ter acontecido à laicidade. Não só no Iraque, como em todo o mundo.

19 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Reflexo do dia

Goya – O sono da razão produz monstros
19 de Fevereiro, 2006 lrodrigues

A Profanação do Cadáver

Código Penal Português:

Artigo 254º
(Profanação de cadáver ou de lugar fúnebre)
Quem:
b) Profanar cadáver ou parte dele, ou cinzas de pessoa falecida, praticando actos ofensivos do respeito devido aos mortos; ou
c) Profanar lugar onde repousa pessoa falecida ou monumento aí erigido em sua memória, praticando actos ofensivos do respeito devido aos mortos;
é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

Por iniciativa da Santa Madre Igreja e, não fosse o Diabo tecê-las, sob forte escolta policial (obviamente paga pelo Estado), e ainda com a complacência do Ministério Público, o cadáver de Maria Lúcia de Jesus e do Imaculado Coração de Maria foi hoje profanado.
Arrancado ao túmulo instalado provisoriamente num convento (com a complacente situação de excepção que o Estado e as autoridades públicas portuguesas persistem em conceder aos bons católicos e aos seus cadáveres), o corpo da Irmã Lúcia foi transportado para o Santuário de Fátima onde repousará agora, e até ver, definitivamente.

O macabro transporte foi acompanhado no seu trajecto por intermináveis reportagens em directo de todas as estações de televisão, embora quase sempre com imagens idênticas.
Mas todas com comentários mais ou menos idiotas e proferidos em voz sussurrada e em tom de abjecto auto-amesquinhamento e de uma cautelosa submissão, não se sabe bem a quê.

Ao longo do trajecto viam-se inúmeras pessoas, todas ansiosas por um relance do santo caixão e até, quem sabe, na ânsia de que uma pequena snifadela aos gazes da decomposição do corpo do santo cadáver lhes pudesse proporcionar uma overdose de santidade que lhes garantisse a remissão de secretos e inconfessáveis pecados, e lhes franqueasse milagrosamente as portas do Reino dos Céus.

Foram rezadas missas e entoados cânticos, tudo, e como de costume, em tom circunspecto, respeitoso e muito humilde.
Assim como se os fiéis estivessem a cumprir uma espécie de divina necessidade de louvor e glorificação, que lhes exige uma permanente pose de submissão canina.

Tendo como único crime praticado a sua pacóvia simplicidade, a Irmã Lúcia foi, ainda em criança e sem qualquer hipótese de recurso, impiedosamente condenada a prisão perpétua pela Igreja Católica.
Não fosse alguém duvidar dos critérios da mãe de Deus na escolha de três crianças alimentadas a sopas de cavalo cansado para transmitir uma mensagem à Humanidade, durante uma vida humana desperdiçada por uma clausura que durou 87 anos, a Irmã Lúcia só foi exibida fugazmente a intervalos estudadamente regulares.

Foi uma vida humana sacrificada a meros objectivos publicitários e promocionais de uma gigantesca fraude, que até, e antes de mais, começa por ser insultuosa para a inteligência e até para a fé dos próprios católicos.

Usada em vida, a irmã Lúcia continua agora a ser usada, sem qualquer vergonha ou pudor, mesmo depois de morta.
E tudo por mais, mas muito mais, do que 30 dinheiros…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

19 de Fevereiro, 2006 jvasco

Lúcia em alta na programação televisiva

Entre as 9h da manhã e as 13h da tarde, nenhuma das 4 televisões (RTP1, A Dois, SIC e TVI) deu qualquer alternativa à programação religiosa. Todos aqueles que não têm TVCabo foram impedidos de ver televisão sem se sujeitar a este verdadeiro monopólio.

Isto é tanto mais grave quando desses 4 canais televisivos dois deles são públicos. A televisão pública deveria precisamente servir para garantir alternativas. O canal «A Dois» garante alternativas aos cristãos passando programação religiosa que não tem qualquer sustentabilidade económica. Hoje era altura de mostrar que não há cidadãos de primeira e de segunda: deveria ter dado uma alternativa a todos aqueles (e não são assim tão poucos) que não querem saber de rezas e de transladações.

19 de Fevereiro, 2006 Carlos Esperança

A Irmã Lúcia e o Quincas

Chove. As bátegas não param de fustigar os peregrinos. O que as novenas dos padres não conseguiram, consegue-o a meteorologia.

Não é a ineficácia das rezas ou a ausência de Deus que demove os crentes, alagados de fé e chuva até aos ossos, de estarem presentes na segunda edição do funeral de Lúcia.

Não há na repetição das exéquias fúnebres a saudade genuína das putas de S. Salvador da Baía a passearem o cadáver do Quincas Berro D´Água, nas ruas em cujos botequins devorou cachaça com a mesma sofreguidão com que as beatas chupavam hóstias.

A freira, a quem o terrorismo religioso do catecismo induziu alucinações, nunca terá um Jorge Amado que a celebre em «A morte e a morte da Irmã Lúcia, vidente».

O Quincas, quando devorou, de um trago só, água em vez de cachaça, deu tal berro que passou a ser carinhosamente tratado por «Berrinho» e fez-se personagem de romance. Lúcia comungava por hábito e obrigação pia, mantinha olhos vagos e a postura de quem vive morta por dentro envergando como mortalha o hábito de freira.

Quincas é o delicioso personagem que diverte e comove o leitor de «A morte e a morte de Quincas Berro D’Água», marginal que viveu a vida, pecador que amou e foi amado.

Lúcia é exemplo trágico de criança pobre, embrutecida com orações e amedrontada pelo Inferno, que sonhou virgens nas azinheiras, cambalhotas do Sol no caminho das cabras, profecias de conversão da Rússia e churrascos de almas para absentistas da missa.

A criança amestrada com pias mentiras sobre o divino tornou-se cadáver de estimação, acolitada pela força pública, a viajar com padres, bispos, freiras e peregrinos, numa obscena encenação com quatro missas, orações pias e um futuro promissor de oferendas de gente aflita.

Não é o último capítulo da história de uma encarcerada de Deus, é o início do caminho da santidade, à espera dos milagres e das oferendas que hão-de alimentar funcionários de Deus e fazer de Fátima uma das mais lucrativas sucursais do Vaticano.

A burla não acaba hoje, um novo ciclo começa.

18 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Fanatismo segundo a Igreja católica

Os escribas ao serviço da Igreja Católica, que tem aproveitado a «guerra» dos cartoons para não só frisar a «superioridade» do catolicismo em relação ao islamismo ,enfatizando o suposto estoicismo católico aos «ataques» à fé e aos símbolos cristãos, como também urgir o «respeito» às crenças religiosas, multiplicam-se a fazer passar a mensagem de que os culpados por tudo isto são os perigosos ateus e laicos.

De facto, depois de na segunda-feira J. C. das Neves nos ter agraciado com mais uma das suas pérolas redondas de raciocínio no Diário de Notícias, hoje foi a vez de outro opinador católico, Jaime Nogueira Pinto, lançar farpas no Expresso contra ateus e defensores da laicidade.

J. C. das Neves, com a «clareza» de raciocínio a que já nos habituou, opinou que «A principal diferença entre fanáticos é que os religiosos são desequilibrados mas fiéis à sua fé, enquanto os laicos violam o seu próprio dogma de tolerância», ou seja, sugerindo que os fanáticos religiosos têm desculpa porque o que fazem é devido à sua fé (ardente) enquanto os que defendem a laicidade são todos uns fanáticos que não seguem o conceito de tolerância da Igreja. Na realidade, com este comentário J. C. das Neves confirma que a ICAR ainda não foi permeada pela tolerância, que é simplesmente a atitude de admitir a outrem uma maneira de pensar ou agir diferente da adoptada por si mesmo. Ou seja, para a ICAR e seus escribas quem não aceita de cruz os ditames do Vaticano é um fanático laico intolerante!

Que tal é verdade é confirmado pela indignação do opinador católico em relação a «Estes, para quem a liberdade é mais sagrada que Deus», ou seja, considerando ultrajante que existam indíviduos para quem sequer o conceito de Deus seja válido e que alguém se atreva a considerar que acima de qualquer mitologia estejam os direitos dos homens, sugerindo que são estes abomináveis «fanáticos» laicos, todos os que se atrevem a duvidar da superioridade da fé e que não reconhecem qualquer «autoridade divina», os responsáveis pelos desenvolvimentos da guerra dos cartoons já que «estão dispostos a incendiar o mundo pelo direito à caricatura».

Jaime Nogueira Pinto, na sua opinação intitulada «Guerras ‘religiosas’, não obrigado» (link reservado a assinantes, os restantes encontram o referido artigo no suporte celulósico do Expresso) vai mais longe e considera que «provocações dos fundamentalistas laicos do Oeste» aqueles que defendem «o humanismo laico, a democracia participativa, a cidadania vigilante, os direitos do homem» são de facto as responsáveis por mais «uma guerra ‘religiosa’, provocada e chefiada por ateus»…

Ou seja, como já reiterado por nós, a polarização real nesta história, lá como cá, é entre laicidade e clericalismo, liberdade de expressão e delito de blasfémia. Os fundamentalistas católicos aproveitam e distorcem, também como previmos, este incidente para atacar não só a laicidade e a liberdade de expressão, como também os valores humanistas e os direitos fundamentais dos homens. Para estes fundamentalistas católicos todos os que não aceitam ser a religião a reger a res pública (apenas a res privada) são… fundamentalistas/fanáticos laicos! Na realidade qualquer dos termos é um oxímoro, um contradictio in terminus mas para os que combatem a laicidade não aceitar os ditames da respectiva religião é fanatismo, não se apercebendo que os únicos fanáticos são eles, que querem impôr a todos os dogmas e acompanhamentos dessa religião!

Assim o pretexto usado pelo opinador do Expresso de que «Os crentes no Deus do Livro – cristãos, muçulmanos, judeus -têm um sentido do sagrado que é, coerentemente, o seu primeiro valor. Respeitam e amam Deus sobre todas as coisas e os valores – políticos, de família, de amizade, de solidariedade – são para eles um reflexo e uma continuação dessa ligação ao divino» é na realidade um ataque claro à laicidade, que separa a res pública da res privada, e aos valores humanistas e laicos em que está assente a nossa civilização. Uma «receita» que segundo o fundamentalista opinador se esgotou, insinuando que apenas o regresso ao integrismo cristão evitará aquilo a que chama «guerra de civilizações» na realidade guerra das religiões.

Afirmar que «uma ofensa à religião (…) é uma ofensa pessoal ao que têm de mais querido» não só é um atentado contra a liberdade de expressão como um incitamento à intolerância em relação a ateus e laicos, que não respeitam «Deus sobre todas as coisas e os valores» e como tal a sua mera existência, especialmente se se atreverem a afirmar publicamente o seu ateísmo ou a sua laicidade, ou a defender os seus valores humanistas e a laicidade, constitui «uma ofensa à religião»!

Como o Diário Ateísta vem alertandomuitos meses, a Igreja Católica encontra na conjuntura actual as condições necessárias para restaurar a antiga ordem, fundada no casamento (incestuoso) do poder político com o poder clerical. Com a integração de todos os elementos da sociedade sob a hegemonia do «poder espiritual» representado, interpretado e proposto pela Igreja Católica, mais uma vez com o seu expoente máximo no Papa, não mais um primum inter pares.

Reitero as minhas expectativas já expressas de que a História recente nos tenha despertado da atitude complacente em relação às religiões e acordado para a ameaça que estas constituem para o modelo de sociedade que queremos construir, preconizado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Que ameaça ruir se não pusermos um freio aos ensejos totalitários e intolerantes das religiões, nomeadamente da Igreja de Roma.