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A religião e o Holocausto: II (reloaded)

Freiras marchando com soldados Ustasa

«Os descendentes daqueles que odiaram Jesus, que o condenaram à morte, que o crucificaram e imediatamente perseguiram os seus discípulos, são culpados de excessos muito maiores que os dos seus antecessores… Satã ajudou a inventar o socialismo e o comunismo… O movimento para libertar o mundo dos judeus é um movimento de renascimento da dignidade humana. O Todo Poderoso e omnisciente Deus está por trás deste movimento»
Padre Franjo Kralik «Porque são perseguidos os judeus, » artigo na Acção Católica croata, Maio de 1941.

«Deus, que dirige o destino das nações e controla o coração dos reis, deu-nos Ante Pavelic e inspirou o líder de um povo amigo e aliado, Adolf Hitler, para usar as suas tropas vitoriosas para dispersar os nossos opressores. Glória a Deus, a nossa gratidão a Adolf Hitler e lealdade ao nosso Poglavnik [fuhrer], Ante Pavelic.» Carta Pastoral de 1941 do Arcebispo de Zagreb Aloysius Stepinac, beatificado por João Paulo II em 1998.

Depois das ondas de indignação despertadas pelo meu post sobre o envolvimento das Igrejas protestantes com o regime nazi, reconhecido recentemente por estas, acho que se torna indispensável reiterar que estes posts servem como aviso para a necessidade absoluta da laicidade do Estado e relembrar quão fácil é usar a religião para os mais ignóbeis fins. Como podemos testemunhar no século XXI.

O envolvimento do Vaticano com os nazis e seus regimes satélites não nega o facto de que muitos católicos, padres, freiras ou simples leigos, combateram heroicamente os nazis e foram solidários com os judeus e outros perseguidos. Mas é inegável que o silêncio ensurdecedor das altas cúpulas do Vaticano, de Pio XI e especialmente de Pio XII, o Papa nazi para muitos, incomodou e incomoda muitos crentes. Que tentam ver nesse silêncio uma expressão de diplomacia, que afirmam que se Pio XII tivesse falado abertamente contra os nazis o horror do Holocausto teria atingido dimensões ainda maiores.

Pessoalmente tenho dificuldade em acreditar nessa explicação que não só ignora os factos que apresento no post seguinte como também é contrariada pela actuação do Vaticano noutros conflitos da época. Nomeadamente essa contenção não foi seguida pelo Papa Pio XI, que em 1936 exorta os católicos espanhóis a lutarem lado a lado com Franco na «difícil e perigosa tarefa de defender e restaurar os direitos e a honra de Deus e da Religião».

A Igreja de Espanha declarou-se imediata e entusiasticamente do lado de Franco, nomeadamente através da pastoral «Las dos ciudades» do bispo de Salamanca, Enrique Pla y Deniel (nomeado cardeal por Pio XII em 1946, sem dúvida em reconhecimento pelos bons serviços prestados), datada de Setembro de 1936. E não podemos esquecer que em Julho de 1936, tinha começado uma rebelião contra o governo democraticamente eleito da Frente Popular.

Uma rebelião, que se transformou na Guerra Civil Espanhola, tornada possível em grande parte pelo apoio do Vaticano, de Mussolini e de Hitler, tendo este último enviado tropas em apoio de Franco. Em Abril de 1937, os aviões alemães da Legião Condor bombardeiam e destroem pela primeira vez na história uma cidade a partir do ar. Foi a cidade de Guernica, na província espanhola do País Basco, imortalizada por Picasso. Para recordar a estupidez de uma guerra que causou um milhão de vítimas e o exílio de centenas de milhares de espanhóis.

Essa desculpa é ainda negada pela atitude de muitos responsáveis católicos em países satélites do regime de Hitler. Mal as forças alemãs marcharam sobre Viena em Março de 1938 o Cardeal Theodore Innitzer, arcebispo de Viena, entrou em contacto com Hitler. Três dias depois envia instruções aos seus subordinados: «Os crentes e aqueles que cuidam das suas almas, devem submeter-se incondicionalmente ao Führer e ao grande estado germânico. A batalha histórica contra a ilusão criminosa do bolchevismo e para a segurança da Alemanha, por trabalho e pão, para o poder e honra do Reich e pela unidade da nação germânica, têm manifestamente a benção da Divina Providência».

Duas semanas depois o episcopado austríaco emite um comunicado de apoio ao plebiscito sobre a incorporação da Aústria no III Reich (que teve o apoio de 99,73% dos votantes) em que se pode ler «No dia do plebiscito é claramente o nosso dever nacional, como alemães, declararmo-nos em favor do Reich germânico, e esperamos igualmente que todos os crentes cristãos percebam correctamente o seu dever para com a nação».

Em Março de 1939, a Alemanha invade as regiões checas. A Eslováquia forma então um país separado, sob a tutela alemã e com um regime pró-nazi, chefiado pelo católico monsenhor Josef Tiso, que foi executado em 1947 pelos crimes cometidos, indefectível até ao fim de Hitler.

Ante Pavelic, lider católico dos Ustase, tornou-se lider (poglavnik) do Estado Independente da Croácia depois de Hitler ter invadido a Jugoslávia em 1941. Pavelic pretendia exterminar um terço dos sérvios (ortodoxos), expulsar outro terço e converter ao catolicismo os restantes. Tudo sob o ar benévolo do Vaticano, que desculpava os massacres cometidos como sendo apenas «problemas de um novo regime» («teething troubles of a new regime» foi a expressão usada pelo secretário de estado do Vaticano, Monsenhor Domenico Tardini). Apenas quando a vitória aliada era um facto consumado o Vaticano denunciou o genocídio levado a cabo em boa parte por membros do clero católico. E Ante Pavelic nunca enfrentou um tribunal de guerra, sendo-lhe oferecido santuário pelo Vaticano no mosteiro de San Girolamo, indo depois para a Argentina onde foi conselheiro de segurança de Juan Peron, até uma tentativa de assassínio o fazer fugir para a Espanha de Franco onde morreu em 1959. A cumplicidade do Vaticano na fuga de Pavelic, com um espólio de guerra considerável, está a ser alvo de uma acção legal que pretende a devolução do dinheiro do tesouro da Croácia transferido ilicitamente para o banco do Vaticano.

Sobre as atrocidades cometidas pelo regime católico Ustasa ou Ustasha, o massacre de 600 000 sérvios, 30 000 judeus, e 26 000 ciganos, os livros indicados são elucidativos, o último escrito por um sobrevivente do campo de concentração de Jasenovac, dirigido até 1943 pelo frade franciscano Miroslav Filipovic-Majstorovic.

E não esqueçamos que em Outubro de 1941, enquanto os exércitos nazis ultimavam a invasão de Moscovo, Pio XII pedia aos católicos para orarem pela rápida realização da promessa da Senhora de Fátima de «conversão da Rússia». No ano seguinte, no dia 31 de Outubro de 1942, após Hitler ter declarado que a Rússia Comunista tinha sido «definitivamente» derrotada, Pio XII, numa mensagem de Jubileu, cumpriu a primeira das exigências daquela «Senhora», «consagrando o mundo inteiro ao seu Imaculado Coração».

«Convert or Die: Catholic Persecution in Yugoslavia During World War II» Edmond Paris
«The Yugoslav Auschwitz and the Vatican» Vladimir Dedijer
«Witness to Jasenovac’s Hell» Ilija Ivanovic