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Mês: Abril 2005

23 de Abril, 2005 Palmira Silva

Premonição ou Espírito Santo de orelha?

A nota pastoral debitada pelo cardeal Patriarca de Lisboa por alturas da Páscoa causou à época muita celeuma por o digno prelado ter entendido ser essa a altura apropriada para esclarecer um certo mau-estar relacionado com as circunstâncias em que decorreu o funeral do Dr. Nunes de Almeida.

Como terceira figura do Estado, o funeral do presidente do Tribunal Constitucional mereceu honras de Estado, que, no nosso País apenas laico no papel, decorreu na Basílica da Estrela. Como maçon, Nunes de Almeida tinha deixado expresso o seu desejo de ser velado segundo os ritos maçónicos, que decorreram numa capela adjacente à Basílica de Estrela.

Seis meses depois, o Cardeal Patriarca «apressou-se» a esclarecer que «Um católico, consciente da sua fé e que celebra a Eucaristia não pode ser mação». Porque a Maçonaria faz parte do conjunto de correntes de pensamento que «se baseiam na razão como fonte da verdade» e que acreditam «no carácter absoluto da liberdade individual».

Depois da eleição na passada terça-feira de Joseph Ratzinger interrogo-me se o ilustre cardeal português, que muitos especulavam ser um provável sucessor, teria tido uma premonição sobre as orientações do seu futuro Papa sobre o tema.

De facto, a opinião do actual Papa sobre a Maçonaria está explicitamente indicada em vários documentos emanados da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, ex- Santo Ofício da Inquisição, a que presidia. Que sem margem para dúvidas indicam:

«Permanece portanto imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçónicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçónicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão.»

Certamente que a Opus Dei e os Legionários de Cristo secundam e aplaudem tal disposição doutrinária…

22 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Bento XVI – papa da Contra-Reforma

Consta que o conclave, donde saiu o novo Papa, só não elegeu o Prefeito da Sagrada Congregação da Fé (ex- Santo Ofício) à primeira votação, pelo mau aspecto que poderia provocar e para não deixar mal colocado o Divino Espírito Santo a quem se reconhece dificuldade e lentidão a iluminar cardeais.

O novo monarca absoluto e vitalício, regedor do bairro de 44 hectares, sede do catolicismo político, só desagradou a alguns católicos ingénuos convencidos de que a sua religião é compatível com a liberdade e a democracia, que se compadece com a modernidade e se preocupa com a explosão demográfica ou com o flagelo da SIDA que ameaça dizimar a África e provoca tragédias em todos os continentes.

Os católicos fundamentalistas, que sempre digeriram mal essa aventura liberal que deu pelo nome de Vaticano II, exultam com o jovem Papa. Os muçulmanos estão de acordo com ele. A sua religião (a de cada um deles) é a única que conduz à salvação, convicção igualmente perfilhada por judeus ortodoxos. Todos têm instruções do seu Deus para converter os outros à verdadeira fé, através dos meios necessários.

Em vez de Bento XVI podia aparecer um papa defensor da democracia, arauto da liberdade, adversário da pena de morte, inimigo da censura, entusiasta do pluralismo. Esse perigo foi esconjurado. Este papa é contra a «ditadura do relativismo», a favor da democracia da verdade única, pois sabe e apregoa que «não há salvação fora da ICAR».

Ainda antes de ser infalível, atributo que desde Pio IX detêm os papas romanos, já tinha identificado as grandes ameaças do catolicismo: «O marxismo, o liberalismo, a libertinagem, o colectivismo, o individualismo radical, o ateísmo e o vago misticismo religioso» e alertado para a necessidade de haver limites à «liberdade de opinião».

A Alemanha, o país que ficou associado à Reforma, tornou-se agora a pátria do profeta da Contra-Reforma, Joseph Ratzinger, sob o pseudónimo de Bento XVI. Desde Adriano VI (1522/23) que a defesa da fé católica não era confiada a um pastor alemão.

A Europa está de parabéns. A secularização conteve a agressividade papal, agora há razões para cultivar a teofobia que a emancipe definitivamente do poder clerical. E há uma razão acrescida para reforçar a laicidade do Estado, para que a lepra do islão político não corroa a liberdade cujas malhas foram tecidas pela Revolução Francesa.

22 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Pastor alemão mostra os dentes

O Papa Bento XVI, avatar de Torquemada sentado no trono pontifício, iniciou a ingerência nos assuntos internos de países soberanos e a luta contra decisões legítimas de países democráticos. É o início da luta contra a «ditadura do relativismo», uma pia boçalidade papal para designar o pluralismo democrático.

O defunto João Paulo II, num dos momentos de maior desvario e rancor, pediu aos advogados católicos para manifestarem objecção de consciência e não patrocinarem casos de divórcio. Foi o espírito reaccionário do velho déspota na sua apoteose.

Agora é o supremo inquisidor que confunde a Espanha dos reis católicos, Fernando e Isabel, com a Espanha laica e democrática que as circunstâncias da história devolveram à monarquia mas não tornaram refém do despotismo. Bento XVI acaba de incitar os espanhóis à insurreição civil, convidando ao funcionários públicos à desobediência às leis, instigando-os a negarem-se a celebrar casamentos entre homossexuais.

O casamento, anterior à religião católica, é o contrato entre duas pessoas para a administração de bens comuns e outros fins que a lei define, sem a interferência divina nem a chantagem dos seus padres. A intromissão de Bento XVI nos assuntos internos da Espanha democrática é a desforra da Igreja que considerou o ditador Franco um enviado da Providência, que silenciou milhares de assassinatos, que conviveu com os carrascos espanhóis durante décadas.

Há um apelo urgente e necessário a fazer aos funcionários públicos que processam os vencimentos dos professores de religião católica, à custa do erário público. Cancelem os pagamentos dos veículos litúrgicos que atropelam a Constituição e traem a democracia. A Espanha, onde dezenas de facínoras que apoiaram Franco foram canonizados por João Paulo II, não é um protectorado do Vaticano. É um país livre e democrático onde os dentes do pastor alemão Bento XVI não podem transmitir a raiva.

22 de Abril, 2005 jvasco

Brasil – batalhas pela Fé

O Brasil é o país com mais católicos no mundo inteiro. No entanto, é palco de uma enorme batalha de «marketing religioso» que a ICAR está a perder.

Em 1991, 83% dos brasileiros eram católicos. Em 2000, a percentagem era de 73.5%.
Pode parecer pouco, mas temos de ver a dimensão do mercado em jogo: se a ICAR tivesse conseguido manter a proporção de crentes desde 1991, teria hoje mais de 16 milhões de fiéis.
No entanto, a ICAR aumentou o número absoluto de crentes em 0.3%, enquanto os evangélicos aumentaram 8%.
A dinâmica actual está longe de favorecer a ICAR…
Vejam este artigo, que relata esta situação em maior pormenor.

Pessoalmente não acho a perda de influência da ICAR para os evangélicos nada desejável…
Será que o novo Papa vai alterar esta dinâmica? Será que as suas posições dogmáticas, radicais e medievais vão fazer com que a ICAR compita com os evangélicos pelo mesmo «mercado» (pessoas menos instruídas), estancando o crescimento das Igrejas evangélicas, mas perdendo fiéis para o ateísmo e para as não-crenças? Será que o panorama da crença no Brasil vai mudar bastante?
Ou será que o novo Papa vai acentuar esta dinâmica? Com as suas posições contra a música nas Igrejas, contra um envolvimento sério na luta contra a pobreza (e é nas zonas mais pobres que as Igrejas evangélicas mais crescem), ele vai «empurrar» cada vez mais crentes católicos para as Igrejas evangélicas?

Aconteça o que acontecer, vale a pena estar atento a tudo o que vai acontecer no Brasil nos próximos tempos.

21 de Abril, 2005 fburnay

Assombração na TVI

Um espírito de mau gosto, populismo e superstição, que não a Manuela Moura Guedes, assombrou esta noite o estúdio da TVI. Manifestou-se com uma notícia interessantíssima, isenta e detalhada sobre um lar assombrado em Beja. Os seus ocupantes revelaram em directo os móveis tombados pelo poltergeist e o repórter esmerou-se a revelar às famílias portuguesas todos os compartimentos da habitação por onde passou a alegada entidade ectoplásmica.

Mais um caso de, pelo menos, violência doméstica – virar uma sala de pantanas requer algum mau génio ou algum histrionismo. E mais um caso de violência intelectual, em que os media não perdem tempo a encher a caixinha que mudou o mundo com porcaria de primeira apanha.

21 de Abril, 2005 jvasco

Religião e Obscurantismo II

Lembram-se quando eu listei citações e factos que indiciavam a existência de uma relação entre religião e obscurantismo? Vejam lá se a seguinte citação não poderia lá estar:

«O cristão é uma pessoa simples (…) e os bispos devem proteger estas pessoas sinceras dos intelectuais»
Cardeal Joseph Ratzinger

Descobri esta citação no barnabé, num artigo que aconselho vivamente.

Não convém esquecer que foi Ratzinger quem afirmou que os católicos não poderiam ler o «Código Da Vinci».

Enfim… parece que vem a propósito este artigo que Júlio Machado Vaz escreveu no seu blogue. É que parece que impediram, sem qualquer explicação, a emissão de um programa da sua autoria.

21 de Abril, 2005 jvasco

Não temos nada melhor para fazer?

A crítica à ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana) é ainda um tabu. Não importa quão legítima ela seja, não importa quão cordato seja o tom, não importa que o façamos num espaço onde nenhum católico é obrigado a «tropeçar» em textos que não quer ler. Não importa nada disso, há vários católicos que ficam revoltados com a existência de críticas à ICAR.

Muitas vezes a revolta é tão independente da crítica em questão, que pouco importam os argumentos. É nessa circustância que surgem várias ladaínhas recorrentes. Uma delas é esta:

«Vocês não têm mais nada que fazer? Porque é que estão sempre a criticar a ICAR Porque é que isso é tão importante para vocês? Porque é que vocês vivem para criticar a ICAR?»

Deixem prestar-vos alguns esclarecimentos. Neste Diário são publicados cerca de 20 textos por semana. Somos 10 autores, e eu, curiosamente, escrevo cerca de um décimo dos textos. Isso dá uma média de cerca de dois textos por semana. A fiar-me no meu perfil, escrevo uma média de 241 palavras por artigo. Isso dá um esforço semanal de menos de 500 palavras escritas, menos de uma página de texto.

Deixem-me dar-vos uma novidade: eu não preciso de dedicar todo o meu tempo livre para escrever uma página de texto semanal. Eu não preciso de «viver para críticar a ICAR» para ter motivação para escrever essa página. É lamentável que pareça, aos olhos de alguém, tão escandalosamente trabalhosa a produção semanal de uma página de texto. Não abona nada de positivo a respeito dessa pessoa.

É óbvio que este blogue não existe só para criticar a ICAR. Muitos nos nossos artigos falam das religiões em abstracto, e de outras religiões (o Islamismo, o Induísmo, o Paganismo) e Igrejas (IURD, testemunhas de Jeová, Evangélicos) em concreto. Estranhamente esses artigos não parecem «incomodar» os nossos leitores crentes, não parecem suscitar neles estas dúvidas acerca da forma como dispendemos o nosso tempo livre, e acerca dos nossos objectivos de vida.

E se eu realmente dispendesse muito tempo a criticar algo que me parecesse errado? Qual era o problema? Era por isso que as minhas críticas seriam menos legítimas?

São interrogações que não passam pela cabeça daqueles que não suportam críticas a uma Igreja, não importando o quão legítimas elas sejam.

21 de Abril, 2005 Palmira Silva

O útero segundo Bento XVI

Respostas às dúvidas propostas sobre o «isolamento uterino» e outras questões

Os Padres da Congregação para a Doutrina da Fé, às dúvidas apresentadas na assembleia ordinária e abaixo referidas, julgaram dever responder a cada uma como segue:

(…)
2. Quando o útero (por exemplo por causa de operações cesarianas precedentes) se acha num tal estado que mesmo não constituindo em si um risco imediato para a vida ou a saúde da mulher, não seja previsivelmente mais em condição de chegar ao fim de uma futura gravidez sem perigo para a mãe, perigo que em alguns casos poderia resultar mesmo grave, é lícito extirpá-lo (histerectomia), com a finalidade de prevenir um possível perigo futuro proveniente pela concepção ?

R. Não.

3. Na idêntica situação do número 2 citado acima, é lícito substituir a histerectomia pela laqueamento das trompas (procedimento chamado também ‘isolamento uterino’) tendo em conta que se atinge o mesmo fim preventivo dos riscos de uma eventual gravidez, com um procedimento muito mais simples para o médico e menos molesto para a mulher e que além disso, em alguns casos a esterilidade assim adquirida pode ser reversível ?

R. Não.

Explicação
(…)
Diferente, do ponto de vista moral, se apresenta o caso de procedimento de histerectomia e de ‘isolamento uterino’ nas circunstâncias descritas nos números 2 e 3; eles entram no caso moral da esterilização directa, a qual, no documento Quaecumque sterilizatio ( AAS LXVIII – 1976, 738-740, n. 1 ), vem definida como uma acção que «tem por único efeito imediato, tornar a capacidade de gerar incapaz de procriar». «Por isso», continua o mesmo documento «não obstante toda subjectiva boa intenção daqueles cujas operações são inspiradas pelo cuidado ou pela prevenção de uma doença física ou mental, prevista ou temida como resultado de uma gravidez, tal esterilização permanece absolutamente proíbida segundo a doutrina da Igreja».

(…) Portanto os procedimentos acima descritos não têm um carácter propriamente terapêutico, mas são realizados para tornar estéreis os futuros actos sexuais ferteis, livremente realizados. O fim de evitar os riscos para a mãe, derivados de uma eventual gravidez, vem portanto prejudicado com o meio de uma esterilização directa, em si mesma sempre moralmente ilícita, enquanto outras vias moralmente lícitas ficam abertas à uma livre escolha.

A opinião contrária, que considera as supracitadas práticas referidas nos números 2 e 3 como esterilização indirecta, lícita em certas condições, não pode portanto considerar-se válida e não pode ser seguida na praxe dos hospitais católicos.

21 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Timor – Um protectorado do Vaticano (2)

Em 26 de Março escrevi no Diário Ateísta, sob o título em epígrafe, um artigo sobre a ausência de liberdade religiosa em Timor, tema a que o João Vasco voltaria, há uma semana, com o artigo denominado «Sintomático…».

Não sei se é a influência do desvario islâmico, que grassa na região, ou a natureza da ICAR, apenas contida nos Estados laicos, que leva os dois bispos de Timor a açular as populações autóctones contra o primeiro-ministro Mari Alkatiri, a quem acusam de chefiar um «regime antidemocrático» pelo facto de pretender diminuir o peso da religião nas escolas públicas.

Ontem, a ICAR passou a ter como monarca absoluto e vitalício Bento XVI, um misto de Tomás de Torquemada e de Carol Wojtyla, que, tal como os bispos de Timor, defende que «só na Igreja Católica» está a salvação, visão totalitária que sobreviveu ao concílio Vaticano II, que a repudiou pela primeira vez.

No mesmo dia em que o inquisidor se tornou Papa, os bispos de Dili e de Baucau, largaram nas ruas da capital de Timor, sob o comando do padre Benâncio Araújo, cinco mil timorenses armados de terços e imagens da Virgem, numa manifestação contra o Governo, que acusam de antidemocrático por pretender tornar facultativa a disciplina de religião e reduzir a sua carga horária.

O padre Benâncio, porta-voz da Diocese de Dili, apelou ainda a outros membros da ICAR para organizarem manifestações para «derrubar o regime antidemocrático», eleito democraticamente.

O episcopado timorense exige o ensino obrigatório da religião na escola pública. Desde há dois meses, a Igreja católica não se limita a rezar. Combate e uiva, agora cada vez mais raivosa e em sintonia com o novo pastor alemão.

Portugal e a Europa poderão defender a liberdade religiosa em Timor?