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Mês: Abril 2005

19 de Abril, 2005 pfontela

Está no seguro

A onda de escândalos de abusos sexuais a menores envolvendo padres católicos que abalou a América está a chegar à Europa. No total às mais de 10000 vítimas americanas foram pagos cerca de 840 milhões de dólares e as indemnizações Europeias podem muito bem chegar a esses números, sendo que por exemplo na Grã Bretanha e na Irlanda já existem dezenas de casos a correr contra as respectivas dioceses. Apesar da ICAR ter seguro contra casos de abuso (sim é verdade, os senhores da ICAR fizeram uma apólice de seguro a cobrir essa eventualidade na década de 80) é algo duvidoso que ele cubra todos os casos já abertos. No passado muitos processos foram resolvidos através de acordos extra judiciais em que a condição para receber o dinheiro era a vitima ficar calada mas parece que não vai ser o caso com os processos mais recentes, a ICAR vai pagar mas vai receber toda a atenção que merece.

18 de Abril, 2005 André Esteves

O Kitsch da Fé

A minha avó materna morreu na passada semana.

A morte não me é estranha. Conforme os anos vão passando, inevitavelmente o número de féretros vai aumentando, até que culmine no nosso. Ser ateu e olhar a morte nos olhos dá-nos uma perspectiva diferente dos outros. Não nos enganamos a nós próprios acerca do destino final do nosso eu. Isso aumenta a intensidade com que vivemos a vida e ao mesmo tempo, dependendo do homem, faz crescer em nós um certo grau de desprendimento com o que outros consideram importante.

Velei o corpo da minha avó. Ao contrário do que a propaganda e educação religiosa envenenam na percepção comum, um ateu não é um abjecto niilista (coitado do niilismo) em relação às cerimónias à volta da morte. Pelo contrário, apercebemo-nos de nuances práticas, da história e necessidades que aos olhos dos outros se encontram escondidas pelo seu medo.

Velamos o corpo, por tantas razões práticas… Ao vermos o corpo à nossa frente, hirto, a demonstrar os sinais ocultados da decomposição, somos confrontados com a inevitabilidade da morte do nosso ente querido. À memória do vivo é associada a memória do morto. Isso ajuda-nos a avançar no processo do luto. Há outras consequências práticas: a comunidade certifica-se que o morto não será enterrado vivo, bem como posso imaginar, no dealbar da humanidade protegia-se o corpo dos animais selvagens, antes de ser sepultado, em segurança, durante o dia. A necessidade do luto, a consciência da morte, e podemos ver isso pelos vestígios arqueológicos, pelo tratamento dado aos mortos, é a marca do nascimento da noção do tempo e da mudança no cérebro humano. As ofertas de flores, por exemplo, são uma tradição já de si paleolítica. Afastam o mau cheiro, bem como permitem demonstrar o nosso apreço pelo falecido.

Mas há mais pormenores locais e das culturas que se vão acumulando. Por exemplo, a minha avó foi a enterrar num caixão, mas envolvia-a uma mortalha branca. Um pormenor característico do Alentejo e que é herdado da cultura semita judaica ou muçulmana.

Mas considerando tudo isto, o que me veio à mente quando olhei para aquele Cristo de plástico na tampa do caixão, a velar, indeciso, pelo morto foi isto: indo às raízes da história da humanidade e eliminando os sucessivos aculturamentos impostos por missionários e conquistadores, o que sobra do catolicismo e do cristianismo?

O Kitsch…

Fui para fora da sala, fumei um cigarro e dei uma gargalhada.
Foi com o que fiquei da minha avó: ainda se ria do absurdo da vida com 84 anos.
Um sentido de humor imperdoável.

18 de Abril, 2005 pfontela

A ficção dos direitos da mulher

Para quem gostar de obras de ficção fica aqui uma boa dica: porque que é que os direitos da mulher são uma ficção ocidental. Uma “obra prima” do conservadorismo islâmico que visa convencer-nos que afinal a intolerância religiosa não existe e que os maus da fita são os que querem dar oportunidades de escolha livres a todos os cidadãos independentemente do sexo, nacionalidade, raça, orientação sexual, idade, etc.

Como sempre a sociedade ocidental é definida como um ninho de víboras que querem corromper a pureza islâmica (se por pureza se entender uniformidade à ponta de uma arma então o termo é usado correctamente) e tudo o que dela emana é vilificado. Um texto a recordar, não tanto pela sua qualidade mas pelo facto de muitos dos seus argumentos serem usados repetitivamente por muitos conservadores religiosos, de diferentes quadrantes, para defender posições similares. Sem dúvida que a cúria de Roma (o mais recente aliado das teocracias islâmicas na luta contra a modernidade) não teria problemas em assinar de cruz este género de ideias.

18 de Abril, 2005 Carlos Esperança

A gralha do «Público»

Para mim, ateu e jacobino, todos os cardeais são iguais: piedosos, tementes a Deus e, a partir de certa idade, castos. Sei que são importantes para os católicos e, nesta altura do conclave, decisivos para a escolha do Papa que melhor defenda os interesses da ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana).

Tal como os cardeais, os papas tendem a ser iguais. A Santidade é profissão e estado civil comum a todos. A dilatação da fé é a obsessão que uns ensaiam de forma discreta e outros de forma vigorosa. O proselitismo está na matriz genética da ICAR desde o tempo do Imperador Constantino. As Cruzadas não foram um epifenómeno, foram uma manifestação de fé mal sucedida. A Inquisição não foi erro de percurso, foi o exercício do poder com excesso de fé. A contra-reforma não foi a crueldade de que se fala, foi um exercício pedagógico vigoroso destinado à reconversão dos crentes transviados.

O que eu não esperava ver era o «Público» a partilhar as minhas convicções. No seu número de hoje, apesar das desculpas que amanhã vai apresentar aos leitores, publicou o perfil do Patriarca Policarpo e o do cardeal Saraiva Martins, respectivamente nas página 4 e 5. Só os nomes, os títulos e as fotos são diferentes, tudo o resto é absolutamente igual, efeito provável da clonagem que a Santa Madre Igreja tanto abomina.

Já Luís de Stau Monteiro no seu livro «A Guerra Santa» considerava os generais todos iguais, a ponto de os soldados confundirem o general inimigo com o próprio, de tal modo que dois exércitos que aprisionaram os generais inimigos não deram conta da troca dos generais nem estes se aperceberam de ficar a comandar o exército errado.

Se o engano é possível com generais, mais fácil se torna com cardeais.

18 de Abril, 2005 Ricardo Alves

O «laicismo radical»

O texto reproduzido a seguir foi enviado para publicação ao jornal Público, em resposta a um artigo de Vital Moreira intitulado «Constituição europeia e religião». Nesse artigo, Vital Moreira acusara pessoas indeterminadas de serem «laicistas radicais» e «fundamentalistas» por defenderem a supressão do artigo I-52 da Constituição europeia, ou seja, por defenderem a laicidade da União Europeia. O Público entendeu não publicar esta carta de leitor. Fica aqui reproduzida.
«Senhor Director,
No Público de 12/4/2005, para minha perplexidade,Vital Moreira (VM) acusa os laicistas que se opõem à Constituição europeia de serem «radicais» e «fundamentalistas». VM defende, surpreendentemente, a institucionalização do diálogo europeu com as igrejas (estabelecido no artigo I-52), que apresenta como «condição da democracia participativa» (que prefere à democracia representativa?), mas não desmente que assim se institui um regime europeu semi-confessional distinto da separação das Igrejas do Estado que, felizmente, vigora em Portugal desde a Constituição (laicista «radical» e «fundamentalista»?) de 1976. VM nem sequer manifesta estranheza por a Constituição europeia separar o diálogo com as igrejas e organizações filosóficas do diálogo com as associações da sociedade civil, este já incluído no artigo I-47. Omite igualmente que o artigo I-52, ao também proteger contra a legislação europeia o estatuto de que gozam as igrejas ao nível nacional, evita que a legislação europeia contra a discriminação religiosa ou contra as sonegações de fundos afecte as igrejas, e perpetua os seus privilégios nacionais relativamente a outras associações, tornando assim o dito «diálogo» muito desigual.
Concordo no entanto com VM quando afirma que o Preâmbulo, na sua forma actual, confere à democracia e aos direitos fundamentais uma inspiração parcialmente religiosa inexacta, pois estas liberdades afirmaram-se, historicamente, em oposição ao poder das igrejas.
Tudo somado, espanta-me que VM não veja, mesmo perante o apoio das igrejas europeias ao Tratado Constitucional, que este não é laico. É caso para dizer que o europeísmo, como se diz do amor, pode cegar.
Ricardo Alves
13/4/2005»
17 de Abril, 2005 Palmira Silva

O próximo papa?

Amanhã começa no Vaticano o concílio que decidirá quem vai ser o novo papa e, mais importante ainda, indicará se serão concretizadas as esperanças dos católicos ditos moderados que almejam um papa mais próximo da modernidade, que não eleja a vivência medieval da fé como paradigma cristão.

Para mim e suponho que para os restantes ateístas que colaboram e seguem este diário, esta é igualmente uma ocasião que seguimos atentamente mas com apreensão. Porque quem for eleito neste conclave vai ser determinante na nossa acção futura. Porque se não me engano na minha análise dos factos vamos ver eleito um papa que será, se tal é possível, mais conservador que João Paulo II e mais determinado em anatematizar a laicidade e o ateísmo. A Igreja de Roma é uma organização política com centenas de anos de experiência e por mais que tentem «vender» o Espírito Santo como o inspirador da escolha, uma análise objectiva das eleições ao longo da História confirma que o vencedor é ditado pelos ventos da política. Interna, quando a Igreja tem assegurado o seu domínio temporal e política externa em tempos de crise. Foram apenas considerações de política externa que ditaram a eleição do doutra forma impossível João XXIII, numa altura em que era necessário lavar uma imagem muito chamuscada pela actuação dos pios Pios na segunda Guerra Mundial.

Nesta altura a imagem da Igreja, especialmente depois da mediatização da «bondade» de João Paulo II aquando da crónica da sua morte anunciada e desenvolvimentos, só é ensombrada para o grande público pelos inúmeros casos de pedofilia perpetrados por membros do clero. Um marketing subliminar em marcha há muito tempo tenta apontar como culpado o Concílio Vaticano II e os brandos costumes que permitiu, nomeadamente o abandonar das tradições (austeras) centenárias de celebração da missa. Muito vocal na condenação destas práticas modernistas litúrgicas é o «papável» que eu considero mais provável ser eleito, Joseph Ratzinger, que dirige, muito apropriadamente, a ex-Inquisição.

É o candidato mais provável porque a Igreja de Roma precisa afirmar o seu domínio numa área do globo que cada vez mais rejeita ser controlada por ela: a Europa. E a conjuntura actual é a ideal para um Papa que transmite, como Ratzinger no seu livro que viu estrategicamente a luz do prelo na passada quarta-feira, «Values in Times of Upheaval» (Valores em tempos de crise) as suas preocupações sobre o futuro de uma Europa que ele considera sob a ameaça da laicidade e do Islão e que manifesta publicamente o seu repúdio e desgosto pelos escândalos que abalam a santa Igreja.

«Para sobreviver a Europa precisa de uma aceitação crítica da sua cultura cristã» podemos ler no seu livro assim como «Na hora do seu maior sucesso a Europa parece ter ficado vazia interiormente, paralizada por uma crise que lhe ameaça a vida e dependente de transplantes», referindo-se à baixa taxa de natalidade europeia e à necessidade de mão de obra imigrante.

Numa homília escassos dias antes da morte de João Paulo II afirmou, e fez questão de tal ser reproduzido nos media, que «Senhor, muitas vezes a tua Igreja parece estar prestes a afundar e a parecer um barco cheio de buracos… A face e roupagem da tua Igreja chocam-nos. Mas somos nós que a conspurcamos» numa clara alusão ao escândalo da pedofilia que tem abalado a Igreja católica por todo o Mundo.

Todas estas «coincidências» e mais algumas que seria fastidioso enumerar conjugadas com o facto de Ratzinger ter sido escolhido para proferir a missa no funeral de João Paulo II, elegia que serviu para realçar a sua ligação muito próxima ao finado para além de o ter feito aparecer com uma face humanizada até aí desconhecida, me fazem considerar ser muito provável que o novo Papa seja o actual Cardeal Ratzinger. De qualquer forma é expectável que o próximo Papa saia da ala mais retrógrada do Vaticano e que seja um europeu!

Para a semana veremos se a minha análise se revelou correcta! E devo confessar, para bem dos meus escassos tempos livres, que gostaria que não… E certamente não assinei a petição aos membros do Conclave para que elejam Ratzinger rapidamente!

17 de Abril, 2005 Mariana de Oliveira

B. D.

Foi lançado, no passado dia 13, o primeiro livro da série «The Atheist», escrito por Phil Hester, desenhado por John McCrea e publicado pela Desperado Publishings através da Image Comics.

Segundo o criador da banda desenhada, «Antoine Sharpe é apelidado de Ateísta pelos seus colegas de trabalho do gabinete do sub-secretário de Estado de Defesa para a Tecnologia Emergente, uma equipa de desmistificadores. Ele não se importa com a fé ou com a falta dela, mas os seus colegas não conseguem lidar com o seu cepticismo e não o aceitam por causa disso».

O primeiro livro, «Incarnate», conta a história como Sharpe reage ao primeiro caso que não é capaz de desmistificar, um caso sobre possessão em que as almas dos falecidos querem apenas dar mais umas voltas com os corpos dos vivos. Basicamente, os mortos querem festa e regressam aos milhares.

Algo a descobrir pelos aficionados da banda desenhada.

17 de Abril, 2005 Mariana de Oliveira

Ecografia abençoada

Depois de uma tosta de queijo com a cara de Jesus e de uma tartaruga demoníaca, aparece uma ecografia com a cara de Cristo.

Paula Holmes, do Ohio, nos Estados Unidos da América, afirma que teve a ecografia da sua neta pendurada num placard durante anos e que, recentemente, fez esta descoberta.
Não se sabe ainda se a ecografia será vendida em leilão a algum coleccionador destas raridades, mas suponho que, pelo preço certo, a senhora estará disposta a ceder a sua recordação abençoada.

16 de Abril, 2005 Carlos Esperança

A religião e a liberdade

Os ateus não reivindicam superioridade moral. Não é a crença que faz alguém melhor nem o ateísmo que torna qualquer um pior. A influência do meio ambiente, a educação recebida, a instrução que se adquire e a matriz genética fazem os homens. Os homens são eles próprios e a sua circunstância, como disse Ortega y Gasset.

Há crentes que visitam o Diário Ateísta e que demonstram tolerância, espírito de diálogo, sentido crítico e respeito pelos valores humanos. Mas isso não faz respeitável a sua religião nem universais os seus valores e, muito menos, acrescenta provas da existência de Deus. Apenas faz deles cidadãos respeitáveis ou mesmo exemplares.

O Diário Ateísta esforça-se por preservar alguns valores que as religiões combatem – a liberdade individual, a laicidade do Estado e o tratamento igual de todos os cidadãos, independentemente do sexo, da religião ou da raça. É surpreendente que os crentes não se interroguem sobre a geografia das religiões e não reflictam sobre a distribuição dos credos pelo planeta e à custa de quanto sangue.

Outro aspecto inquietante é o facto de todas as religiões defenderem um tratamento igual quando são minoritárias e afirmarem que «não de deve tratar de forma igual o que é desigual» quando são maioritárias – argumento usado até à náusea em Portugal, pela ICAR, na negociação da Concordata.

A religião só não é mais repressiva porque não tem força suficiente. A cada conquista exige sempre mais. Não dispensa os baptismos em crianças de tenra idade, não desiste de tornar obrigatório o ensino religioso na escola oficial, interfere através das Associações que domina nos conteúdos e programas escolares e no comportamento social dos que não são crentes, condiciona o aparelho de Estado e interfere nas leis.

A possibilidade do divórcio entre casais que contraíram matrimónio católico só foi possível depois do saudoso ministro da Justiça Salgado Zenha ter ameaçado com a denúncia da Concordata. As Escolas do Magistério Primário, até ao 25 de Abril, tinham uma cadeira de Religião Católica, igual a qualquer outra, que exigia nota positiva para a obtenção do diploma de professor. Ninguém era dispensado da missa de consagração do curso, da bênção da pasta e da fotografia com o bispo da diocese. Ninguém podia ser professor do ensino primário sem professar a religião católica, embora a lei fosse omissa a esse respeito.

A admissão nas Escolas de Enfermagem exigia um certificado de baptismo católico e o atestado de bom comportamento passado pelo padre da paróquia de nascimento. Eram documentos necessários. E, no fim do curso, lá vinha a bênção, a missa da consagração e outras pias violências a que tinha de sujeitar-se quem precisava de ganhar a vida.

Para que a violência clerical se contenha é preciso uma vigilância constante. O combate às religiões e o exercício da blasfémia são necessários à preservação da liberdade de pensamento que as igrejas se esforçam por pôr permanentemente em causa.