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Mês: Abril 2005

25 de Abril, 2005 Palmira Silva

Imago Dei

Foram recentemente conseguidos resultados muitos promissores para o tratamento da artrite, um flagelo que assola a população portuguesa, já que as doenças osteoarticulares «constituem uma parte importante das patologias crónicas que afectam a população com mais de 65 anos de idade, embora se iniciem frequentemente em idades jovens», como se pode ler no Plano Nacional de Saúde: Orientações estratégicas para 2004-2010.

Mas, possíveis curas envolvem técnicas «pecaminosas» como terapia genética, ou envolveram manipulação genética e clonagem para produção de ratos knockout (isto é, com uma mutação que impede a transcrição de um determinado gene) no gene que codifica a proteína que foi considerada responsável pela desagregação do aggrecan, o componente maioritário da cartilagem (excluindo água, claro) a aggrecanase-2.

Na realidade, manipulações «pecaminosas» são a esperança para a cura de mais doenças até agora sem tratamento efectivo. Outro exemplo é a doença de Alzheimer. Entre 2001 e 2002 a equipa liderada pelo professor Mark H. Tuszynski, na UCSD (Universidade da Califórnia em San Diego) implantou fibroblastos da pele geneticamente modificados para produzir NGF (factor de crescimento de tecido nervoso) no cérebro de oito pacientes com esta doença.

Os resultados deste tratamento por terapia genética foram agora conhecidos e são igualmente extremamente promissores: seis dos pacientes apresentam sinais evidentes do sucesso da técnica e o grupo do professor Tuszynski prepara-se para iniciar a Fase II do estudo.

Resta saber se o novo Papa, que já declarou que uma das prioridades do seu papado será exactamente a bioética, em que se inclui manipulação genética, investigação em células estaminais, etc., e que prepara um novo documento sobre o assunto, vai apelar à desobediência civil, como parece ser a sua táctica de imposição dos anacrónicos dogmas e referencial da Igreja de Roma, para travar quer a investigação quer terapias baseadas no que considera imiscuição indevida do homem nas competências divinas.

Lendo a profusão de documentos, entrevistas e declarações debitadas sobre o assunto, é fácil concluir que o Cardeal Ratzinger considera pecaminosa qualquer interferência no desígnio divino por manipulação genética.

Para o cardeal Ratzinger, e podemos apenas supor que para Bento XVI igualmente, o homem foi criado à imagem de Deus, e embora «A ideia do homem como co-criador com Deus poderia ser utilizada para justificar a manipulação da evolução humana através de manipulação genética.» não podemos esquecer que «isto implicaria que o homem tem direito pleno sobre a sua natureza biológica.» Ou seja, «O nosso estatuto ontológico como criaturas feitas à imagem de Deus impõe limites à nossa auto determinação (biológica). A soberania (sobre o nosso corpo) de que dispomos não é ilimitada» já que «Um homem só pode melhorar realmente realizando mais completamente a imagem de Deus em si unindo-se em Cristo em sua imitação.»

E convém informar que este novo Papa considera que se uma célula adulta é alterada para se tornar totipotente (ou estaminal) então deve ser considerada um embrião. Ou seja, é expectável que brevemente pretenda proibir, na boa tradição inquisitorial a que já nos habituou, a investigação em células estaminais, embrionárias ou adultas, e todas as terapias envolvendo estas células, que serão certamente consideradas um pecado mortal.

24 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Viva o 25 de Abril

O Diário Ateísta saúda todos os que se bateram pela liberdade e tornaram possível a democracia.

O Diário Ateísta presta uma sentida homenagem a todos os que arriscaram a vida para que a censura, as prisões políticas, o degredo e a tortura tenham sido abolidos.

Sem o 25 de Abril não seriam respeitados os direitos, liberdades e garantias que a Constituição da República Portuguesa assegura, nem o fim da discriminação a que a mulher foi sujeita com a cumplicidade da Igreja católica.

Sem o 25 de Abril não seria tão marcada a «crise de vocações sacerdotais» nem tão amplo o espaço de liberdade que a sociedade conquistou ao poder despótico da religião e da ditadura.

Por tudo o que Portugal sofreu e pelo muito que a Revolução de Abril fez pela paz, progresso e liberdade, prestamos aos capitães de Abril a nossa grata e comovida homenagem.

Viva o 25 de Abril. SEMPRE.

24 de Abril, 2005 pfontela

Contra a homofobia

Face às violências clericais, e não só, sobre a população LGBT no Ocidente e fora deste (a situação em alguns países toma proporções que eu descreveria como apocalípticas) é cada vez mais importante o combate à discriminação. É esse o objectivo desta iniciativa que visa a criação de um dia internacional contra a homofobia. Para os leitores que estiverem interessados fica o convite para assinarem a petição.

Aproveito a oportunidade para aclarar um pouco as águas na questão do ateísmo e da homofobia. Um ateu por definição rejeita a existência de Deus(es) e esta premissa, por si só, não acarreta consequência alguma para o seu posicionamento em qualquer questão social, política ou económica. Como tal, o facto de alguém ser ateu não implica necessariamente que não seja homófobo, mas são maiores as probabilidades de um crente ser homófobo do que um ateu – porque, em princípio, o ateu desmontou toda a “cangalhada” que vem por arrasto com a religião. Quando isto não acontece temos um caso de crenças secularizadas que, na minha opinião, conseguem ser ainda mais perniciosas do que as que permanecem associadas à religião.

24 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Bento XVI foi entronizado

O Papa Ratzinger foi hoje aclamado por cerca de 300 mil pessoas, depois de ter tomado conta do Vaticano e se ter adornado com os símbolos do poder absoluto para o exercício vitalício das funções: o pálio e o Anel do Pescador.

Os suspeitos habituais aplaudiram-no entusiasticamente na primeira viagem triunfal à volta da Praça de S. Pedro. Os que gostavam do antecessor já se sabia que ficariam maravilhados com o sucessor. Este é o mistério da fé que faz de um indivíduo pouco recomendável um Santo Padre.

É interessante comparar os 4 milhões de peregrinos que se deslocaram para ver o cadáver de JP2 com os 300 mil que se incomodaram a saudar em apoteose o novo Papa.

Os católicos preferem um papa morto a um vivo. A vida é a morte da virtude e a morte é o alimento da fé.

24 de Abril, 2005 Palmira Silva

Relatividades e pontos de vista

«A permanência é uma ilusão. Somente a mudança é real. É impossível pisar duas vezes o mesmo rio.»
Heraclitus (540-475 a.C.)

Especialmente depois da eleição de Bento XVI o termo relativismo entrou definitivamente no léxico do quotidiano, normalmente empregue em termos pejorativos, como tive ocasião de confirmar quando assistia à emissão em directo do congresso do CDS, marcada por referências constantes aos dois Papas do século XXI e a este suposto flagelo da Humanidade. É extremamente curioso que a maior parte dos que o utilizam não se apercebam do tiro no pé que tal recurso semântico constitui.

Na realidade a relatividade, entendida como «tudo é relativo» por aqueles que ou não sabem Física ou ficam bloqueados pelo complexo formalismo matemático da teoria, é conceptualmente muito simples e assenta na invariância das leis da Física. Ou seja, a teoria da relatividade (restrita) diz simplesmente que as leis físicas são as mesmas para todos os observadores inerciais ou em todos os referenciais de inércia. Os observadores, «presos» aos respectivos referenciais, observam comportamentos «desviantes» de objectos apenas porque estes se movem relativamente a outro referencial de inércia. Mas na realidade estes comportamentos são «normais» no respectivo referencial. Extrapolando para a sociedade a razão porque alguns comportamentos parecem «desviantes» das leis sociais ou morais reflecte simplesmente os pontos de vista – os referenciais, na linguagem da relatividade – de cada observador.

Como escreve o meu amigo Jorge Dias de Deus no livro «Viagens no Espaço-Tempo» da colecção Ciência Aberta da Gradiva «A relatividade, que desde o início fascinou o grande público, foi, por outro lado, quase sempre mal entendida. A frase «tudo é relativo», resumindo, segundo muitos, as ideias de Einstein, seria uma espécie de machadada na objectividade e no realismo científico. Nada, porém, estava mais longe do pensamento de Einstein.(…) Realmente, o que Einstein procurava era, não o relativo, mas o invariante. Para ele seriam as invariâncias da física que dariam sentido à relatividade das descrições. Que características dos acontecimentos permaneciam invariantes, independentes da descrição, do referencial?»

Tal como na Física o que devemos procurar são as características sociais que permanecem invariantes independentemente do ponto de vista ou referencial de cada um, o que de facto são (ou deveriam ser) as «leis» absolutas da Humanidade ou o que chamo de ética consensual. Nomeadamente o Direito de cada Estado deve reflectir esta ética consensual e não deve impôr um determinado referencial. O que é o grande objectivo da Igreja de Roma: a imposição do seu referencial medieval (com resquícios de neolítico) a todos, tornando crime tudo o que considera pecado.

24 de Abril, 2005 Mariana de Oliveira

Je vous salue, Bento

No passado dia 21, a Assembleia da República aprovou por maioria um voto de saudação ao novo Papa, Bento XVI, anteriormente conhecido por Ratzinger.

Na declaração de voto lê-se o seguinte: «a Assembleia da República, representando a pluralidade da expressão política do povo português, e tendo em consideração o princípio constitucional da liberdade religiosa e a Concordata celebrada entre o Estado português e a Santa Sé, saúda o novo Papa». Mais uma vez, temos a República Portuguesa a prostrar-se face à ICAR, especialmente quando se menciona a Concordata, que é manifestamente inconstitucional já que viola o princípio da laicidade.

Os deputados ainda expressaram o seu desejo de que o reinado de Bento XVI «corresponda às aspirações dos portugueses, da Europa e do Mundo, a um frutífero diálogo inter-religioso e com os não crentes», sendo esta última aspiração algo quimérica vinda de um Papa que, no passado, se manifestou contra a laicidade, a emancipação das mulheres, os direitos dos homossexuais e que escreveu a declaração «Dominus Iesus».

Temos muito que festejar.

23 de Abril, 2005 pfontela

O defensor

Bento XVI o mais recente papa, tão louvado por alguns sectores católicos, foi acusado de ter intencionalmente ignorarado, durante 7 anos, as queixas contra o frade Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo. O frade em questão é acusado de abusar de nove jovens que estudavam no seu seminário durante as décadas de 40, 50 e 60 mas a abonar em seu favor tem o facto de ter sido um amigo pessoal de João Paulo II – prova de inegável virtude.

Quando em 1997 John R McCann, bispo de Nova York, enviou ao então Cardeal Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, uma carta aberta redigida pelo frade Juan Vaca (uma das nove vítimas que acusam Maciel) o exaltado Bento XVI, perdão, o cardeal Ratzinger (quase me esquecia da transformação mística que ocorre quando alguém se torna papa) não fez nada. Rigorosamente nada. A atitude deste servo do Senhor foi reconhecer que recebeu a carta e guardá-la num lugar remoto e escuro no Vaticano.

Quando questionado sobre a sua posição sobre o assunto Ratzinger sempre se mostrou evasivo e deu a entender que não considerava «apropriado» que se fizessem tais perguntas. Quando um repórter americano, de nome Brian Ross, teve a coragem de tocar no assunto levou uma palmada de reprovação na mão (literalmente) – o que provavelmente explica a atitude da ICAR em geral e de Ratzinger em particular face aos crentes, infantilizados como crianças retardadas que se portam de forma marota. Mas, numa ocasião em que resolveu quebrar o silêncio sobre o assunto, as suas palavras foram: «Não se pode pôr em julgamento um amigo pessoal do papa como Marcial Marciel».

Em Dezembro passado foi finalmente iniciada uma investigação do Vaticano sobre as queixas. Mas não se pense que houve alguma alteração na posição Ratzinger. Tudo não passou de uma manobra para aumentar a suas hipóteses de ser eleito papa, já que tendo a sombra de proteger abusadores a pairar no ar poderia diminuir de forma substancial a probabilidade de ser eleito.

Em suma, Bento XVI apresenta-se sem dúvida alguma como o defensor das tradicionais virtudes do Vaticano. Ainda bem que existe um homem destes preocupado com o estado moral do mundo e com a «ditadura do relativismo».

23 de Abril, 2005 jvasco

Explicando os casamentos homossexuais

Que a ICAR seja contra o casamento homossexual, que se recuse a prestar o sagrado matrimónio a crentes homosexuais, e que garanta que as relações homossexuais são um pecado com direito ao Inferno, é legítimo.
Claro que é uma posição homofóbica, triste, intolerante. Mas se acreditam realmente nisso, estão no seu direito de tomar aquela posição.

Mas que a ICAR seja contra que o Estado case homossexuais, sejam estes católicos ou não, faz tanto sentido como quererem obrigar os cidadãos a ir à missa! Sem tirar nem pôr! Eles acreditam que os homosexuais casados vivem em pecado, tal como acreditam que um crente que não vá à missa comete um pecado. Mas não têm nada que procurar alterar as leis para evitar que os cidadãos não tomem as decisões por si.

Quando vejo alguns crentes a comentar a posição da Igreja sobre a lei espanhola (ver os comentários do pertinente artigo Começou… do Blasfémias, e destes esclarecimentos adicionais no Da clara ilicitude de uma organização…), fico com a sensação que ainda não entenderam esta distinção.

23 de Abril, 2005 Ricardo Alves

25 de Abril em Lisboa com a ARL

A Associação República e Laicidade irá associar-se às celebrações do 25 de Abril em Lisboa, participando no desfile na Avenida da Liberdade.
O ponto de encontro é a estátua a Camilo Castelo Branco, no final da Avenida Duque de Loulé, quase na praça do Marquês de Pombal. Às 15 horas.
Todos os associados e simpatizante são convidados a participar.
23 de Abril, 2005 Palmira Silva

Ciência e religião

«Apenas acrescenta factos ao teu conhecimento (…)
Assim não estarás perdido ao deixar esse paraíso,
pois possuirás um paraíso muito maior dentro de ti,
uma felicidade muito maior
»
John Milton, Paraíso Perdido

Os seres humanos apresentam uma apetência inata por explicações, por respostas aos muitos «porquês» que a observação do mundo que os rodeia causam. Esta é certamente uma das razões que explica porque a religião se difundiu tão universalmente, já que a maioria das religiões oferece, ou oferecia, respostas concludentes para praticamente tudo: desde cosmologia, biologia, física, química até, claro, à indispensável «teoria» da criação. Neste sentido a religião poder-se-ia considerar como ciência, já que esse é também o objectivo da Ciência, explicar todos os fenómenos físicos numa associação tão completa quanto possível. Mas a metodologia de ambas não poderia ser mais diversa e a religião é, quanto muito, um paradigma da má ciência, já que não se baseia em conhecimento ou observações mas sim em «revelações» improváveis de entidades não fisicamente observáveis.

Assim no século XXI todo o conhecimento concreto e real pertence à ciência; e todo o dogma quanto ao que ultrapassa o conhecimento definido, pertence à teologia. A teologia pretende que os cientistas são incapazes de descrever a Natureza, pelo facto de descartarem causas sobrenaturais e de desígnio insondável nas suas explicações.

Nos últimos tempos temos assistido a uma guerra surda entre as autoridades religiosas (e totalitárias) e a ciência, achando as primeiras que os cientistas dever-se-iam coibir de opinar sobre assuntos que contrariam os muitos dogmas religiosos, para além de deverem restringir os objectos de investigação a assuntos com os quais estas autoridades concordassem. A investigação em células estaminais ou a reprodução assistida destacam-se neste aspecto, já que os religiosos de várias confissões pretendem que determinados conhecimentos são restritos a Deus e que a ciência não pode investigar nessas áreas nem manipular técnicas que são da competência divina.

Para a Igreja Católica em concreto a verdade só pode ser revelada através da palavra divina, incompreensível para o homem, e a ciência, completamente fora do controle da Igreja, é um inimigo a anatematizar:

«Uma aceleração sem precedentes do progresso científico (…) a parcialidade contraditória das respostas oferecidas pela ciência moderna geram desorientação existencial e cultural entre os jovens e não só entre os jovens. O pensamento frágil, que se difunde rapidamente proclamando os dogmas da dúvida, do cepticismo e do relativismo radicais, produz personalidades frágeis, homens e mulheres que desistem da procura da verdade. Aumenta a diferença entre ética e pesquisa científica, aumenta o risco que a ciência, em vez de ser aliada do homem, se transforme numa ameaça para toda a humanidade» foram as palavras dirigidas pelo Arcebispo Stanislaw Rylko, em 31 de Março de 2004, ao oitavo Forum Internacional dos Jovens sobre o tema «Os jovens e a universidade: testemunhar Cristo no ambiente universitário».

O finado Papa, já tinha avisado que «A revelação cristã é a verdadeira estrela de orientação para o homem, que avança por entre os condicionalismos da mentalidade imanentista e os reducionismos duma lógica tecnocrática» na sua encíclica Fides et Ratio. Realçando que a ciência sem fé, resultou no «positivismo» e no «cientificismo», no «humanismo ateu» e em todas as «pragas» dos tempos correntes que João Paulo II jamais deixou de invectivar contrapondo como exemplo os piedosos «cientistas» da Idade Média.

Neste contexto, a ciência, completamente incompatível com quaisquer revelações divinas, é extremamente perigosa para a fé já que pode dar respostas satisfatórias sobre os «mistérios» da vida e prova que estes conhecimentos não são exclusivos à omnisciência divina, o que quer que isso seja. E prova também que algumas das «verdades absolutas» que se contrapõem à «ditadura do relativismo» são apenas rematados disparates.

Por isso não é de estranhar que o início do pontificado deste novo Papa tenha sido pautado pela denúncia desta dita «ditadura do relativismo», ou seja, supremacia da razão e ciência em detrimento do totalitarismo da fé, pois, como afirma o jornalista e escritor espanhol Juan Arias «Ratzinger não pediria perdão à ciência pelas perseguições durante a Inquisição. Ele acha que é o mundo moderno que tem de pedir perdão à Igreja».