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Ciência e religião

«Apenas acrescenta factos ao teu conhecimento (…)
Assim não estarás perdido ao deixar esse paraíso,
pois possuirás um paraíso muito maior dentro de ti,
uma felicidade muito maior
»
John Milton, Paraíso Perdido

Os seres humanos apresentam uma apetência inata por explicações, por respostas aos muitos «porquês» que a observação do mundo que os rodeia causam. Esta é certamente uma das razões que explica porque a religião se difundiu tão universalmente, já que a maioria das religiões oferece, ou oferecia, respostas concludentes para praticamente tudo: desde cosmologia, biologia, física, química até, claro, à indispensável «teoria» da criação. Neste sentido a religião poder-se-ia considerar como ciência, já que esse é também o objectivo da Ciência, explicar todos os fenómenos físicos numa associação tão completa quanto possível. Mas a metodologia de ambas não poderia ser mais diversa e a religião é, quanto muito, um paradigma da má ciência, já que não se baseia em conhecimento ou observações mas sim em «revelações» improváveis de entidades não fisicamente observáveis.

Assim no século XXI todo o conhecimento concreto e real pertence à ciência; e todo o dogma quanto ao que ultrapassa o conhecimento definido, pertence à teologia. A teologia pretende que os cientistas são incapazes de descrever a Natureza, pelo facto de descartarem causas sobrenaturais e de desígnio insondável nas suas explicações.

Nos últimos tempos temos assistido a uma guerra surda entre as autoridades religiosas (e totalitárias) e a ciência, achando as primeiras que os cientistas dever-se-iam coibir de opinar sobre assuntos que contrariam os muitos dogmas religiosos, para além de deverem restringir os objectos de investigação a assuntos com os quais estas autoridades concordassem. A investigação em células estaminais ou a reprodução assistida destacam-se neste aspecto, já que os religiosos de várias confissões pretendem que determinados conhecimentos são restritos a Deus e que a ciência não pode investigar nessas áreas nem manipular técnicas que são da competência divina.

Para a Igreja Católica em concreto a verdade só pode ser revelada através da palavra divina, incompreensível para o homem, e a ciência, completamente fora do controle da Igreja, é um inimigo a anatematizar:

«Uma aceleração sem precedentes do progresso científico (…) a parcialidade contraditória das respostas oferecidas pela ciência moderna geram desorientação existencial e cultural entre os jovens e não só entre os jovens. O pensamento frágil, que se difunde rapidamente proclamando os dogmas da dúvida, do cepticismo e do relativismo radicais, produz personalidades frágeis, homens e mulheres que desistem da procura da verdade. Aumenta a diferença entre ética e pesquisa científica, aumenta o risco que a ciência, em vez de ser aliada do homem, se transforme numa ameaça para toda a humanidade» foram as palavras dirigidas pelo Arcebispo Stanislaw Rylko, em 31 de Março de 2004, ao oitavo Forum Internacional dos Jovens sobre o tema «Os jovens e a universidade: testemunhar Cristo no ambiente universitário».

O finado Papa, já tinha avisado que «A revelação cristã é a verdadeira estrela de orientação para o homem, que avança por entre os condicionalismos da mentalidade imanentista e os reducionismos duma lógica tecnocrática» na sua encíclica Fides et Ratio. Realçando que a ciência sem fé, resultou no «positivismo» e no «cientificismo», no «humanismo ateu» e em todas as «pragas» dos tempos correntes que João Paulo II jamais deixou de invectivar contrapondo como exemplo os piedosos «cientistas» da Idade Média.

Neste contexto, a ciência, completamente incompatível com quaisquer revelações divinas, é extremamente perigosa para a fé já que pode dar respostas satisfatórias sobre os «mistérios» da vida e prova que estes conhecimentos não são exclusivos à omnisciência divina, o que quer que isso seja. E prova também que algumas das «verdades absolutas» que se contrapõem à «ditadura do relativismo» são apenas rematados disparates.

Por isso não é de estranhar que o início do pontificado deste novo Papa tenha sido pautado pela denúncia desta dita «ditadura do relativismo», ou seja, supremacia da razão e ciência em detrimento do totalitarismo da fé, pois, como afirma o jornalista e escritor espanhol Juan Arias «Ratzinger não pediria perdão à ciência pelas perseguições durante a Inquisição. Ele acha que é o mundo moderno que tem de pedir perdão à Igreja».