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O rei do Lidl

Nessa grande publicação semanal, Dica da Semana, editada pela cadeia de supermercados Lidl, entre muitos faît-divers e promoções, conta-se uma entrevista com determinada personalidade da sociedade portuguesa. Esta semana o convidado é o senhor Duarte Pio que nos fala do seu dia-a-dia e da Páscoa.

Para esta personalidade (e acentuo bem o itálico), a Semana Santa e a Páscoa são os momentos mais importantes da vida de um cristão – numa religião que exalta o sofrimento como caminho para a salvação é natural que a morte violenta de uma das suas figuras centrais seja altamente celebrada – e prefere passá-los no campo – comportamento bastante aristocrático, esse de conviver com as massas plebeias.

A Dica da Semana coloca uma questão pertinente: Sendo que existe uma ligação profunda da família real à religião (de per si, uma excelente razão para se ser republicano), como é que têm transmitido essa mensagem as príncipes, tendo em conta que vivemos numa sociedade que se afasta cada vez mais dos valores religiosos?. O senhor Duarte Pio responde: há que dar o exemplo, mas é também preciso ensinar bases doutrinais teóricas para compreenderem a razão de ser e as verdades da religião. Claro que, para se ser um bom cristão, nem tudo pode ser lido sob pena de se cair nos fogos do Inferno ou, pior, se tornar agnóstico ou ateu, nem se devem questionar os ensinamentos dos mestres! É também indispensável, afirma, mostrar o que é o bem e o mal uma vez que é esta confusão que dá origem a grande parte das desgraças que atingem as famílias. Incrivelmente, esquece-se que tal distinção não tem de estar necessariamente ligada a uma qualquer moral religiosa podendo perfeitamente ser ensinada de acordo com valores laicos e republicanos.

Relativamente ao papel social da Casa Real na sociedade portuguesa, o senhor Duarte crê que as suas intervenções e as da amantíssima esposa podem ser úteis no campo social e caritativo e também sob o ponto de vista cultural. Pois sim, dão uma esmolinha a esta ou aquela instituição ligada à Igreja, aparecem nas revistas cor-de-rosa e nos programas televisivos quejandos. Grande contributo!

O mais interessante nesta entrevista não é tanto o seu conteúdo – que não é muito -, mas o local onde é publicada: num catálogo de promoções de uma cadeia de supermercados alemães normalmente instalados nos subúrbios e cuja distribuição abrange uma grande área residencial. Este folheto coaduna-se com o estilo do senhor Duarte, que fica no seu meio, entre hortaliças e conjuntos de limpeza profissional, mas o mais preocupante é a atenção dada a tal pessoa e a tudo o que representa: um regime nada democrático, nada laico e classista que não se coaduna com os valores que, no séc. XXI, devem ser defendidos.