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Mês: Novembro 2012

13 de Novembro, 2012 Carlos Esperança

Eça conhecia a caridadezinha pia

 

Excerto – Capítulo VII de “O Crime do Padre Amaro”

«Um pobre então viera à porta rosnar lamentosamente Padre-Nossos; e enquanto Gertrudes lhe metia no alforge metade duma broa, os padres falaram dos bandos de mendigos que agora percorriam as freguesias.

– Muita pobreza por aqui, muita pobreza! dizia o bom abade. Ó Dias, mais este bocadinho da asa!

– Muita pobreza, mas muita preguiça, considerou duramente o padre Natário. – Em muitas fazendas sabia ele que havia falta de jornaleiros, e viam-se marmanjos, rijos como pinheiros, a choramingar Padre-Nossos pelas portas. – Súcia de mariolas, resumiu.

– Deixe lá, padre Natário, deixe lá! disse o abade. Olhe que há pobreza deveras. Por aqui há famílias, homem, mulher e cinco filhos, que dormem no chão como porcos e não comem senão ervas.

– Então que diabo querias tu que eles comessem? exclamou o cónego Dias lambendo os dedos depois de ter esburgado a asa do capão. Querias que comessem peru? Cada um como quem é!

O bom abade puxou, repoltreando-se, o guardanapo para o estômago, e disse com afeto:

– A pobreza agrada a Deus Nosso Senhor.

– Ai filhos! acudiu o Libaninho num tom choroso, se houvesse só pobrezinhos isto era o reininho dos Céus!»

(Enviado pelo estudioso de Eça, M. P. Maça)

12 de Novembro, 2012 Carlos Esperança

– PODE UM CRISTÃO RENEGAR O VELHO TESTAMENTO?

Por      Nota: Por lamentável lapso omiti o nome do autor. Peço a ele e aos leitores as minhas desculpas.

JOÃO PEDRO MOURA

JESUS E A BÍBLIA

– PODE UM CRISTÃO RENEGAR O VELHO TESTAMENTO?

1- Isto de se reclamar do cristianismo, renegando o Velho Testamento… tem que se lhe diga…
É como reivindicar a obra do filho, ectoplasma, repudiando a obra do pai que o gerou… e que determina essa obra…

2- Há alguma igreja no mundo que se reivindique de Cristo e renegue o Velho Testamento? Não! É possível? Bem, teoricamente, basta fazer um passe de mágica ideológica e retórica sofística e enaltecer o Novo Testamento, denegando o velho…

3- … Mas será que o Jesus Cristo bíblico renegou o Velho Testamento?! Não!
Vejamos, Mateus 5, 17-19:
“Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento, porque em verdade vos digo que, até que passem o céu a e a terra, não será omitido nem um só i, uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado. Aquele, portanto, que violar um só desses menores mandamentos e ensinar os homens a fazerem o mesmo, será chamado o menor no Reino dos Céus. Aquele, porém, que os praticar e os ensinar, esse será chamado grande no reino dos Céus.”

Então, a que “Lei” e “Profetas” se estaria a referir esse tal JC?! À lei hebraica e aos profetas da Bíblia hebraica, evidentemente…
Isto é, ao deus do Velho Testamento…

4- E será que JC renegaria os Salmos?! Também não!
Vejamos esta comparação:
Mateus 27, 46: “Por volta da hora nona, Jesus deu um grande grito: Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste?”…

… Idêntico ao Salmo 22, 2: “Meu deus, meu deus, porque me abandonaste, descuidado de me salvar, apesar das palavras de meu rugir?”…

Ou, então, em Lucas 23, 46: “E Jesus deu um forte grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Dizendo isso. Expirou.”…

…Idêntico ao Salmo 31, 6: “em tuas mãos entrego meu espírito, és tu que me resgatas, Iavé…”

… O que comprova a assunção dos Salmos, pelo dito Jesus Cristo, de resto, uma assunção conforme a educação típica dos jovens judeus de antanho…
Donde se regista o nexo ideológico entre o Novo e o Velho Testamento, inextricáveis, para só referir estes exemplos cruciais…
… O que comprova, também, por extensão, a assunção do versículo 137, 8-9, dos mesmos Salmos:
“E quanto a ti, Babilónia destruidora, feliz o homem que te retribuir pelo que nos fizeste!
Feliz o que pegar nas tuas crianças e as esmagar contra as rochas.”…
… Como manifestação hedionda e crudelíssima contra os “inimigos” e os, duma maneira geral, desafetos à causa judaica/cristã…
É… os religionários da Bíblia, nas suas diversas variantes, têm destas coisas “amigáveis”… por mais amigos e solidários dos povos, que aparentem ser…

5-… E o JC bíblico, na senda veterotestamentária, também preconiza coisas hediondas semelhantes contra os incréus ou os desafetos da sua palhaçada religiosa…

6- Pretender separar o Novo do Velho Testamento é amputar o corpo doutrinário da religião cristã, mesmo que haja distinções nítidas entre ambos…
Os religionários do Novo têm que se ater, assim, ao Velho, pois que o JC assim determinou. Nem num só momento, JC renegou a doutrina veterotestamentária, contrapondo-a a uma pretensa nova…
Quando muito, JC, biblicamente falando, seria um dissidente, isto é, um indivíduo proclamando algumas coisas diferentes da prática consuetudinária dos seus congéneres hebraicos, mas nunca renegando a “Lei”e seus “Profetas”…

7- A Bíblia é considerada a “palavra de deus”, pelos seus religionários. Pretender que se aceitam umas coisas e se denegam outras, dos textos bíblicos, é a mesma coisa que querer elevar-se à condição de “deus”, plenipotenciário, e transformar a Bíblia numa espécie de ementário, donde se saca o mais convinhável e se pretere tudo aquilo que se acha passadista, cruel, injusto, ou o que seja…
…Mas não pode ser! Sob pena de se estar a acusar o seu deus de certas injustiças ou crueldades ou demais atos nefandos…
Por isso, quem defende a Bíblia, tem de assumi-la toda, inteirinha!…
Se não quer, repense a obra e siga outro caminho… que não aquele do deus bíblico, do seu ectoplasma filial e das demais figurinhas e figurões do jardim da celeste corte…

12 de Novembro, 2012 Carlos Esperança

A Igreja católica e os milagres

Há quem pense que o Vaticano só tem para vender água benta, bênçãos e indulgências, produtos que o mercado da fé absorve na razão inversa do bem-estar das populações.

A vendas de títulos eclesiásticos de cónego, bispo e cardeal, com as respetivas funções e proventos, foi o abominável pecado da simonia que os protestantes condenaram, depois de verem os papas medrar com o negócio. Hoje, o Papa é mais cuidadoso mas ainda nos tempos de Salazar e Franco eram os ditadores que tinham a última palavra nas escolhas episcopais que, aliás, as concordatas lhes concediam.

As Igrejas vivem do fausto e do poder. Abandonadas ao negócio por conta própria não prosperam. Os cargos eclesiásticos são negociados em segredo com os Estados que lhes são fiéis ou com as oposições dos Governos de que não gostam.

Acontece que os principais produtos de exportação da ICAR, que rendiam muito ouro, entraram em decadência por saturação do mercado ou desinteresse da clientela. Já não se compram relíquias. A água de Lourdes, o ramo de azinheira benzido em Fátima ou o terço comprado no Vaticano vendem-se com dificuldade, ao preço da uva mijona. Já lá vão os tempos dos relicários com pedacinhos do santo lenho, farrapos das fraldas do menino Jesus ou ossos de S. Francisco. O raio do carbono 14 estragou o negócio pio.

As bulas que autorizavam comer carne à sexta-feira, compradas por pessoas que não tinham dinheiro para a ementa, desapareceram por falta de fé e de interessados. As indulgências plenárias passaram a ser de borla e só a liturgia dos batizados, casamentos e funerais ainda se aguentam no mercado. As procissões, onde as notas pregadas com alfinetes nas vestes do santo de serviço servem para exibir a vaidade dos benfeitores e suprir as necessidades do clero, rendem cada vez menos.

O Purgatório, uma mina em atividade durante séculos, foi encerrado por falta de visão ou de transportes para o Paraíso, depois de fortunas gastas em missas para sufragar as almas dos que se finaram com pecados veniais.

Atualmente restam dois negócios à ICAR, as peregrinações e a indústria da santidade, dependentes as primeiras da produção da segunda. A indústria da santidade, pelos emolumentos que rende à Cúria romana e pelos óbolos que atrai aos santuários onde o canonizado se encontra esculpido numa peanha ou colado a um andor, é a última fonte de rendimento com produtos pios.

O resto, e é a grande fonte de receita, é o património que as devotas almas deixam em testamento nos países onde a promiscuidade com o clero exonera de impostos o esbulho feito aos moribundos. É altura de tributar os bens da ICAR e de averiguar como foram obtidos.

11 de Novembro, 2012 Carlos Esperança

Diário de uns Ateus e a política

O Diário de uns Ateus, nos nove anos de existência que se completam no corrente mês, teve sempre a preocupação de evitar clivagens partidárias e respeitar o pluralismo dos ateus que aqui colaboram e dos que aqui vêm comentar os textos, notícias e imagens.

Procuramos, pois, evitar a luta partidária para que as opções de cada um não molestem o combate contra o obscurantismo, a mentira e o ódio que as religiões destilam. A política procura resolver os problemas das pessoas na sua passagem pela Terra, ao contrário das religiões, que procuram vender um lugar de estacionamento no Paraíso, fique isso onde ficar, com cama, mesa e roupa lavada, ainda que o façam através de ações caritativas.

Mas não nos iludamos quanto à neutralidade política. Os muçulmanos conquistam o seu espaço, não apenas pelo medo, como é hábito de todas as religiões, mas também através das escolas e obras de assistência. Esse modelo é comum às diversas crenças, razão para florescerem em épocas de crise. À medida que o Estado se demite das suas funções na educação e na assistência fica vazio o espaço por onde se infiltram o clero e a legião de crentes disposta a prestar-lhe vassalagem.

Em épocas de prosperidade as religiões recuam; em períodos de crise a fé em deus entra em apoteose. A doença, a fome e o analfabetismo são os ingredientes ideais com que se confeciona a esperança numa bem-aventurança eterna. Os períodos mais dramáticos da história da humanidade corresponderam sempre a amplos movimentos de fé e, muitas vezes, à repressão violenta sobre os descrentes.

Não há a mais leve suspeita da existência de deus mas a fragilidade humana, o medo do desconhecido e o temor da morte fazem as delícias dos parasitas de deus.

A crise internacional, com reflexos dramáticos em Portugal, já prenuncia uma onda de proselitismo servida por obras assistenciais que, tendo aspetos benéficos, não descuram a propaganda.

O ateísmo não pode ser, não deve e não é, uma religião. É uma opção filosófica que tem na defesa da laicidade e no combate às afirmações pias, sem provas, o seu objetivo. É o combate pela liberdade e o livre-pensamento que fazem do ateísmo uma forma superior de moral. A prática do bem não é exclusiva de crentes ou ateus mas é moralmente mais nobre se não tem em vista uma alegada recompensa de um ser hipotético.

11 de Novembro, 2012 Carlos Esperança

Deus despreza o Vaticano

Vaticano condena cúmplice de espionagem a dois meses de prisão

Dois meses de prisão foi a sentença recebida neste sábado por Claudio Sciarpelletti, técnico de informática acusado de encobrir Paolo Grabiele, ex-mordomo do papa Bento XVI, no caso de roubo e vazamento de documentos do Vaticano. Apesar de condenado, o homem de 48 anos teve a pena suspensa por cinco anos.

10 de Novembro, 2012 Carlos Esperança

A ALMA MÁ DE SETSUAN – Isabel Jonet

Há 70 anos, Bertolt Brecht contou-nos a história de três deuses que vieram à Terra à procura de uma alma boa e que encontraram na prostituta Chen Tê, que os acolheu, a alma que procuravam. Foi assim, graças ao encontro de uma única alma boa que os deuses desistiram de acabar com a porcaria cuja criação lhes atribuem.

Com uma tabacaria, a prostituta conseguiu ser esmoler ao mesmo tempo que apareciam os oportunistas que dela se aproveitavam e a exploravam. Acabou por inventar a figura masculina de um alegado primo, Chui Ta, vestindo-se de homem, engrossando a voz e tornando-se má para se livrar dos parasitas. E é nesta alternância dialética entre Chen Tê e Chui Ta, que a peça de Brecht se desenrola.

Diga-se de passagem que Chen Tê, na noite que acolheu os deuses, deixou de atender um cliente para fazer a sua boa ação.

Não sei porque me lembrei hoje desta peça e da personagem principal. Há associações por semelhança, contraste e proximidade, e não sei qual foi a que me trouxe à memória a dramaturgia de Brecht.

Talvez a região da milenária China onde viveu Chen Tê seja no multissecular Portugal a zona de Cascais e as tias que vivem na proximidade da paradisíaca baía se aproximem da versão masculina de Chen Tê.

Isabel Jonet não precisou do balcão de uma tabacaria para socorrer os pobres. Ganhou a presidência do Banco Alimentar contra a Fome para exercer a caridadezinha com um olho na sopa e outro na quantidade que os pobres devoram, porque a barriga de pobre é um buraco que não enche e a sua fome insaciável. Um conjunto de pobres chama-se um bando de porcos, capazes de comerem bifes diários, mastigados com ruído e boca aberta e sem reconhecerem os benfeitores nem terminarem com uma prece ao bom Deus.

Em Portugal não há fome e o Banco Alimentar contra a dita é uma mera instituição para satisfazer uma alma crente e exibir, perante os deuses que andam por aí, que a bondade é apanágio da condição social e a sopa uma marca cristã que precisa de pobres para que as tias ganhem o Paraíso.

Confesso: estimo cada vez mais as prostitutas.