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  • 13 de Novembro, 2012
  • Por Carlos Esperança
  • Ateísmo

Eça conhecia a caridadezinha pia

 

Excerto – Capítulo VII de “O Crime do Padre Amaro”

«Um pobre então viera à porta rosnar lamentosamente Padre-Nossos; e enquanto Gertrudes lhe metia no alforge metade duma broa, os padres falaram dos bandos de mendigos que agora percorriam as freguesias.

– Muita pobreza por aqui, muita pobreza! dizia o bom abade. Ó Dias, mais este bocadinho da asa!

– Muita pobreza, mas muita preguiça, considerou duramente o padre Natário. – Em muitas fazendas sabia ele que havia falta de jornaleiros, e viam-se marmanjos, rijos como pinheiros, a choramingar Padre-Nossos pelas portas. – Súcia de mariolas, resumiu.

– Deixe lá, padre Natário, deixe lá! disse o abade. Olhe que há pobreza deveras. Por aqui há famílias, homem, mulher e cinco filhos, que dormem no chão como porcos e não comem senão ervas.

– Então que diabo querias tu que eles comessem? exclamou o cónego Dias lambendo os dedos depois de ter esburgado a asa do capão. Querias que comessem peru? Cada um como quem é!

O bom abade puxou, repoltreando-se, o guardanapo para o estômago, e disse com afeto:

– A pobreza agrada a Deus Nosso Senhor.

– Ai filhos! acudiu o Libaninho num tom choroso, se houvesse só pobrezinhos isto era o reininho dos Céus!»

(Enviado pelo estudioso de Eça, M. P. Maça)