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Mês: Setembro 2006

14 de Setembro, 2006 Ricardo Alves

Karol Wojtyla: «a evolução aplica-se a todos os animais menos um» (2)

(continuação do artigo anterior)

A ideia de que o homo sapiens é um animal excepcional, esmiuçada, resume-se a dois factos: fala muito e fabrica utensílios. Mas, mesmo aí, as diferenças são de grau: podemos ensinar os nossos primos chimpanzés a usar palavras (sem gramática, todavia) e a usar utensílios (e talvez mesmo fabricá-los). Mais importante: sabe-se que algumas lesões cerebrais prejudicam o uso da linguagem e alteram a personalidade (ler Damásio), o que certifica que a mente tem uma base biológica. Claro que isto deixa o homem sem a «dignidade especial» que obcecava Wojtyla. Mas o Papa polaco pertencia ao género de pessoas que, mesmo que tivessemos dez tsunamis como o de 2004 por ano, não se convenceria de que a natureza não é boa nem má, limita-se a ser. (Quanto à ideia de que a evolução se aplica aos chimpanzés mas não aos homens, é tão absurda que só merece ser ridicularizada.)

Mas é claro que a principal diferença entre ciência e religião é metodológica. A ideia de «criação» nunca produziu uma equação ou um instrumento, uma previsão que não fosse banal, nem alguma vez nos disse nada que não pudessemos saber por outros métodos. Pior ainda, é um método estático, que não apresenta forma de se corrigir a si próprio, e que pretende que o conhecimento sobre o universo se adquire consultando textos neolíticos e discutindo-os a partir de premissas erradas e inquestionáveis. Com a ciência, pelo contrário, já curámos doenças e prolongámos a esperança de vida, inventámos o computador e o telemóvel. E podemos actualizar a ciência com novas observações e novos desenvolvimentos teóricos, corrigindo alegremente o conhecimento anterior. A ciência está do lado da liberdade, da criatividade e do aperfeiçoamento do conhecimento. A religião, embora insista em pronunciar-se sobre biologia e cosmologia, nunca produziu uma conta certa.

O apelo da religião deve-se, evidentemente, à exploração de fraquezas humanas como a vaidade, o medo da morte, o medo da solidão, o medo da realidade, e a ignorância. Mas a ciência tem para oferecer o prazer da descoberta e da compreensão da realidade, armando-nos com o espírito crítico e a independência intelectual. Quanto ao propósito do universo ou da vida humana, isso é com cada um.

13 de Setembro, 2006 Ricardo Alves

Karol Wojtyla: «a evolução aplica-se a todos os animais menos um» (1)

Se é verdade que o Papa Karol Wojtyla afirmou que «a teoria da evolução é mais do que uma hipótese», é também verdade que a considerava «incompatível com a verdade sobre o homem». A contradição é só aparente: lendo a sua «Mensagem à Academia Pontifícia de Ciências», compreende-se que Wojtyla pretendia conciliar o evolucionismo com a «revelação» judaico-cristã, limitando o campo de aplicação do primeiro a todos os animais à excepção do homem.

A ideia aparece claramente no final do quinto parágrafo, quando Wojtyla diz que «teorias da evolução que (…) consideram a mente como emergindo das forças da matéria viva, ou como um mero epifenómeno desta matéria, são incompatíveis com a verdade sobre o homem. Também não podem fundamentar a dignidade da pessoa». No início desse parágrafo, Wojtyla explicara claramente que a preocupação do «magistério da Igreja» com a evolução se deve às consequências desta para a «concepção do homem», que a ICAR considera que foi «criado» separadamente dos outros animais por «Deus». Portanto, a divergência fundamental com a ciência funda-se na repugnância católica em reconhecer que o ser humano é um animal.

No parágrafo seguinte, Wojtyla precisa que o ser humano constitui «uma diferença ontológica, um salto ontológico», e afirma que esta «descontinuidade ontológica» não contradiz a «continuidade física» do universo, porque o «momento da transição para o espiritual» não seria «observável» pelas ciências da natureza.

A cosmovisão «excepcionalista» de Karol Wojtyla seria compatível com várias situações: a «criação» do ser humano, mas não dos outros animais (existentes e passados); ou a aceitação da origem evolutiva do homo sapiens, seguida da «inoculação espiritual» da «alma» em momento histórico incerto.

Em qualquer dos casos, Wojtyla parte de várias premissas erradas: que o homem é um animal fundamentalmente diferente dos outros; que o universo foi «criado» para o homem; que o universo foi «criado» com um propósito ético benigno; que a separação disciplinar entre vários ramos do conhecimento corresponde a uma compartimentação das parcelas da realidade; finalmente, que existe uma hierarquia entre as disciplinas do conhecimento humano, com a teologia no topo.

(continua)

13 de Setembro, 2006 Carlos Esperança

Timor – Igreja católica abriu Caixa de Pandora

Timor-Leste: PM Ramos Horta ameaça com demissão se persistir a instabilidade

Díli, 13 Set (Lusa) – O primeiro-ministro timorense, José Ramos Horta ameaçou hoje que se demitiria do cargo, para que foi empossado no passado dia 10 de Julho, caso persista a instabilidade no país.

O padre Domingos Soares, defendeu a intromissão da Igreja católica na política, numa missa celebrada em Gleno, ontem, «pelas almas dos que já tombaram e também por aqueles que estão agora a lutar pela verdade e pela justiça», de entre os quais destacou o major Alfredo Reinaldo – lê-se no Diário as Beiras, de hoje (sítio disponível).

De destacar que o referido militar anda foragido e é acusado de assassínio, sedição e outros crimes.

A iniciativa da realização da missa partiu da Frente Nacional para a Justiça e Paz (FNJP), a organização responsável pelas manifestações em Díli que contribuíram para derrubar Mari Alkatiri.

13 de Setembro, 2006 jvasco

A Bíblia merece a nossa repulsa?

Este video argumenta que a resposta a esta pergunta deverá ser afirmativa.
Que a mensagem bíblica é incompatível com os valores de uma sociedade civilizada, humana e tolerante.

13 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Robert Trivers e Noam Chomsky


Robert Trivers é um biólogo evolucionista e um sociobiólogo que se distinguiu ao propor a teoria do altruismo recíproco. Em 1971 Trivers despoletou uma controvérsia que se transformou na época nas «guerras sociobiológicas» com o seu famoso artigo «A Evolução do Altruísmo Recíproco» que, recorrendo à Biologia Evolucionista e à Teoria de Jogos, responde à pergunta: se cada indivíduo maximiza os seus benefícios através do comportamento egoísta, por que razão algumas espécies (inclusive, mas não só, o Homo sapiens) evoluíram através de um mecanismo de trocas altruístas?

O seu trabalho deu uma base evolucionista para a compreensão das actividades sociais dos humanos, nomeadamente foi o primeiro a questionar o dualismo cartesiano res cogitans e res extensa e a propor que comportamentos altruistas e sentimentos como a compaixão tinham uma base genética. A base da psicologia evolutiva assenta no reconhecimento que à medida que pressões selectivas específicas condicionaram a evolução do nosso cérebro, essa evolução traduziu-se numa evolução de comportamentos. E determinados comportamentos, como o altruísmo, representam um trunfo evolutivo para o homem. Isto é, reconhece que tal como as capacidades cognitivas, as capacidades comportamentais, nomeadamente morais, únicas aos humanos decorrem da nossa evolução biológica, igualmente única. Ou seja, evoluiram connosco ao longo de milhões de anos, não nos foram concedidas por especial favor de um qualquer implausível Criador!

Trivers deu igualmente um contributo importante para percebermos os mecanismos biológicos subjacentes ao auto-engano que descreve como uma ferramenta para manipulação social. Como Trivers observou, a principal função do auto-engano é enganar mais facilmente os outros. A pessoa que se auto-engana julga falar a verdade, e acreditar na própria história permite-lhe ser ainda mais persuasiva.

Auto-engano especialmente importante para percebermos a propagação e manutenção de mitos, isto é, das religiões que não passam de formas (muito) eficientes de manipulação social.

A revista Seed oferece-nos este momento fabuloso em que Trivers e Chomsky, que dispensa apresentações, discutem o papel do auto-engano e da mentira numa série de comportamentos humanos, desde impressionar os membros do sexo oposto às invasões do Afeganistão pela URSS, do Koweit por Saddam ou do Iraque pela administração Bush. Para quem estiver interessado a transcrição do debate encontra-se aqui.

12 de Setembro, 2006 Carlos Esperança

Tietmeyer no Banco do Vaticano

O arcebispo Paul Marcinkus transformou o Banco do Vaticano em caso de polícia e em antecâmara da morte para os principais comparsas do escândalo. O Papa B16 procurou agora um especialista do ramo bancário que aliasse conhecimentos das finanças e devoção religiosa.

O Banco do Vaticano é a caixa central das esmolas que pagam prestações da assoalhada da alma com sede no condomínio do Paraíso. Outras verbas pias lá vão parar, oriundas da lavagem de dinheiro ou de relações suspeitas, como outrora o ouro nazi extorquido aos judeus.

Para reabilitar o Banco (IOR) das patifarias que JP2 consentiu, desde empréstimos ao ditador Somoza à lavagem de dinheiro do tráfico de armas e à subvenção do sindicato Solidariedade, B16 vai nomear Hans Tietmeyer, o antigo presidente do banco central alemão – Bundesbank.

Além de ser um banqueiro respeitado, incapaz das patifarias de um arcebispo, estudou teologia, é um católico com sacramentos em dia, membro da Academia Pontifícia de Ciências Sociais e com dois irmãos padres.

Desta vez o banco do Vaticano vai passar a ser uma instituição séria apesar da localização da sede.

12 de Setembro, 2006 Ricardo Alves

Pacheco Pereira com alguns equívocos

No Prós e Contras de ontem, ouvi Pacheco Pereira repetir a tese de que a laicidade dos EUA teria resultado do cristianismo evangélico, à época desconfiado da interferência do Estado nas igrejas. É verdade, mas é só meia verdade. A outra metade da verdade é que a laicidade fundacional dos EUA foi estabelecida por livres pensadores como Thomas Jefferson e James Madison, que teologicamente se encontravam no pólo oposto do cristianismo evangélico, pois pertenciam a igrejas protestantes liberais (como os quakers ou os unitários), ou não tinham qualquer prática religiosa. A laicidade dos EUA deveu-se, portanto, a uma confluência entre os que desconfiavam da interferência das igrejas no Estado e os que temiam a influência do Estado nas igrejas. De fora, ficaram aqueles que vinham da tradição das igrejas de Estado, caso dos anglicanos e dos católicos.

Pacheco Pereira terá também distinguido entre a fé profunda e impositiva de Bin Laden, e a fé profunda mas não impositiva de Bush. Em rigor, Bush é o presidente da História recente dos EUA que mais se tem esforçado por contornar a proibição constitucional ao apoio financeiro a comunidades religiosas (através das chamadas «faith-based initiatives»), e já referiu «Deus» mais vezes nos seus quase seis anos de poder do que os seis primeiros presidentes dos EUA na totalidade dos seus mandatos (muitas vezes contribuindo para envenenar com as suas crenças pessoais debates públicos sobre casamento ou investigação científica). Mas embora seja evidente que Bush é um ultraconservador que dirige uma democracia e que Bin Laden é um fanático que lidera um movimento islamo-fascista, não se combate um integrismo estrangeiro contemporizando com os fundamentalistas caseiros. Sem coerência, não há credibilidade.

[Também no Esquerda Republicana.]
12 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Bento XVI diz que o evolucionismo é irracional!

A cruzada de Ratzinger contra a ciência e pelo obscurantismo atingiu hoje o seu auge quando o Papa, que quando abre a boca apenas discursa sobre irracionalidades supostamente reveladas, afirmou que «a teoria da evolução é irracional»!

Na sua última missa em solo alemão, que não passou de uma diatribe pateta e patética contra os cientistas, o ditador do Vaticano mostrou sem máscaras o que desde a sua eleição dizemos: este papado vai ser pautado por uma guerra contra a ciência e contra os cientistas, que Ratzinger acusa «de se empenharem em demonstrar que Deus é inútil para o homem».

De facto, os progressos em medicina, possibilitados pela execrada irracionalidade, a teoria da evolução – por exemplo, alguns antibióticos de última geração são obtidos graças a evolução dirigida – diminuiram consideravelmente a utilidade de Deus, isto é, o mercado dos (pseudo)milagres, e, não obstante as pregações do sumo pontífice para que a SIDA seja curada com a fé, quando alguém está doente vai ao médico não ao padre!

Ratzinger, falaciosamente como seria de esperar, afirmou que a malvada ciência desde o iluminismo «se empenha com astúcia para obter uma explicação do mundo que torne Deus supérfluo», o que é um disparate irracional óbvio. Para além da imbecil astúcia com que mimoseia o propósito da comunidade científica em entender o mundo que nos rodeia – uma blasfémia, uma vez que a palavra «revelada» deveria ser suficiente – na realidade nenhum cientista se empenha de alguma forma em tornar supérfluo uma impossibilidade lógica.

Deus é simplesmente uma hipótese desnecessária em ciência. Mais, é uma hipótese absurda! Em ciência, através da recolha de dados experimentais, simplesmente damos uma explicação racional e natural para os fenómenos observáveis que seja coerente com esses dados e com todo o conhecimento acumulado. Racionalmente, isto é, cientificamente, o que resulta é não ser necessária a intervenção de qualquer factor sobrenatural para explicar o que quer que seja. Da física à química passando pela biologia não há qualquer necessidade de invocar sobrenaturalidades para explicarmos o mundo!

Contrariamente ao que pretende Ratzinger, que «as histórias sobre o homem sem Deus não têm lógica», todas as histórias sobre o homem só são lógicas se não recorrermos a alguma sobrenaturalidade. Deus não é um argumento lógico ou racional. Deus é uma construção humana que é aceite pela fé, que, por definição, dispensa qualquer prova lógica ou racional!

A negação do evolucionismo, o primeiro alvo a abater para a Igreja de Roma nos fazer regredir para a Idade Média, não deveria deixar dúvidas mesmo aos católicos mais distraídos sobre os propósitos deste papado: sob os escombros do concílio Vaticano II a ICAR quer levar-nos de volta ao concílio de Trento. A missa tridentina já fez o seu regresso em força, o obscurantismo supersticioso é agora o objectivo supremo do Vaticano.

Não é difícil prever que dentro em breve a Europa será palco das «guerras da evolução» que assolam os Estados Unidos, ateadas por Bento XVI e alimentadas pelo beatério mais ignaro da nossa praça!

12 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Cartoons do Holocausto publicados na Dinamarca

Cartoon do Al-Wifaq (Irão). O demónio judeu/israelita com uma bandeira dinamarquesa na forquilha diz «Não admito limites à liberdade de expressão excepto em relação ao Holocausto».

Mostrando que o cartoon reproduzido não corresponde à realidade, um jornal dinamarquês – o Informationpublicou seis dos cartoons sobre o Holocausto em exibição na capital iraniana, Teerão.

Estas seis cartoons integram os cerca de 200 escollhidos entre os mais de 1100 cartoons enviados à competição a nível internacional de cartoons sobre o Holocausto, lançada por em Fevereiro pelo presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad – o tal que é crente fervoroso na proximidade do Yawm al-Qiyamah, o dia do Juízo Final.

Esta competição pretendia testar a liberdade de expressão como um valor fundamental ocidental e surgiu como resposta à publicação dos cartoons sobre Maomé na génese da «guerra» dos cartoons – que trouxe mais violência a um mundo já abalado pela violência decorrente da intolerância das religiões.

Como já afirmei noutro post, o conceito de sátira, o que caracteriza a irreverência e denúncia satírica, é algo completamente alheio quer aos promotores quer aos participantes no concurso. Negar o Holocausto, no qual pereceram 6 milhões de judeus, não se enquadra no objectivo da sátira, castigat ridendo moris, «castigar os costumes pelo riso».

A publicação pelo jornal dinamarquês de 6 destes cartoons, que o editor considera «de mau gosto mas previsíveis», mostra aos fundamentalistas islâmicos que a liberdade de expressão é de facto um valor inabalável na Dinamarca. Assim como em todo o Ocidente.

Mas negar o Holocausto para promover a causa palestina não me parece forma apropriada de sensibilizar o mundo para as atrocidades cometidas contra os palestinos. Como o faz um dos cartoons escolhidos, um cartoon dividido em dois por um muro que de um lado apresenta, sob um sol radioso, uma lápide com uma estrela de David debaixo da qual há um único esqueleto e do outro, noite profunda e uma lápide com Sabra e Shatila inscrito, relembrando o massacre às mãos das milícias cristãs maronitas libanesas, em 16 de Setembro de 1982, de entre 2 300 a 3 500 civis palestinos, enquanto Ariel Sharon assobiava para o lado.

Como diz o editor do jornal, Palle Weis:

«Os nossos leitores ficariam desapontados se não publicássemos os cartoons».

11 de Setembro, 2006 Carlos Esperança

João Paulo II em Notre Dame

As atrocidades perpetradas pelo clero devem-se mais ao poder económico e influência política de que dispõem do que à convicção. O medo e a ignorância condicionam a fé mas o estado de precisão e o monopólio da assistência nas mãos dos sacerdotes levam à subserviência e à oração.

Mas tal como o bispo da história a quem um barbeiro herege escanhoava os queixos, sentindo a navalha no pescoço, respondeu à pergunta dizendo que acreditava muito pouco em Deus, também as vítimas que dependem do poder das Igrejas reagem do mesmo modo reiterando, contudo, a inabalável fé que os protege.

No mundo islâmico a miséria e o desespero a que se junta o medo e a coação social fazem fanáticos os crentes e transformam em beatos os cidadãos.

Nos países democráticos, onde a secularização era vacina contra os desmandos do clero e o proselitismo cristão verifica-se um mimetismo que modifica gente de sãos princípios em beatos que debitam a bíblia, se empanturram com hóstias, persignam, genuflectem e rastejam por uma promessa de aluguer de uma assoalhada no Paraíso.

Governantes venais dão nomes da clerricanalha às praças e ruas cuja toponímia deviam defender dos embusteiros de Deus e fabricantes de milagres. O pudor até em França se perdeu já com autarcas que trocam o pudor republicano e a pedagogia da laicidade por um punhado de votos e o nome de um Papa pouco recomendável para um largo público.

Foi assim que o nome de João Paulo II infectou um largo, em frente à igreja de Notre Dame, em Paris, com a laicidade a ser ultrajada.