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16 de Maio, 2004 Carlos Esperança

A escola e o presépio da minha infância

Para os que nasceram em democracia e não conheceram as escolas primárias da ditadura, deixo aqui um esboço do pardieiro onde aprendi as primeiras letras, publicado no JF em 19-09-2003:

Bem crucificado e suavemente chagado, numa cruz de madeira dependurada na parede, penava um Cristo de bronze em resignada agonia, ladeado à direita por uma fotografia de um homem de bigode, fardado, conhecido por marechal Carmona, e à esquerda por um eterno seminarista, com ar de gato-pingado, que infundia terror ? o Professor Salazar. Na mesma parede, em frente dos alunos, a razoável distância e muitos fungos depois, quedava-se a Senhora de Fátima, poisada numa mísula, alheada da conversão da Rússia e da salvação do mundo. Mais abaixo, à esquerda, ficava o quadro preto e o mapa do corpo humano e, à direita, rasgados, um mapa de Portugal Continental, outro das Ilhas Adjacentes e das Colónias e o mapa-múndi.

O soalho resistia aos buracos, numerosos e amplos, que a humidade e o uso se encarregavam de alargar. As carteiras alinhavam-se em rigorosa geometria com lugares destinados a cerca de quarenta garotos de ambos os sexos distribuídos pela primeira, segunda e quarta classes. Entre quinze a vinte estavam na sala oposta a frequentar a terceira, confiados à senhora Noémia, regente escolar.

Nos dias de chuva subvertia-se a ordem, numa complexa gincana de carteiras, para evitar que os pingos de água que escorriam do tecto acertassem nos tinteiros e salpicassem de azul a roupa das crianças e os tampos de madeira.

No intervalo, meninos e meninas, em amplas correrias e direcções opostas, procuravam os quintais próximos para se aliviarem dos fluidos que os apoquentavam.

À entrada da escola o presépio anunciava todos os anos o Natal. Na armação de tábuas e pedras cobertas de musgos, um menino de barro, seminu e de perna alçada, jazia em decúbito dorsal sobre uma caminha de palha centeeira. Era o Menino Jesus. De um lado uma virgem colorida, moderadamente recatada e com pouco uso, substituía a que se partira, interessada na companhia do filho que herdara. Do outro, um S. José, a quem a corrosão deixara em pior estado do que o dogma da Imaculada Conceição, parecia um erro de casting, indiferente ao aspecto, perdidas as cores, diluídas as formas, conformado com os olhares e as súplicas, incapaz de operar milagres, resignado com o frio de Dezembro.

O burro e a vaca comportavam-se a preceito, facilmente se adivinhando o gosto por erva se eles e esta fossem verdadeiros.

Os reis magos, eternos almocreves com ar de ladrões de camelos, virados para uma estrela recortada em papel colorido, permaneciam imóveis na lendária caminhada, quais amoladores de tesouras, à espera de fregueses para ganharem o sustento e um presente para o Menino.

As ovelhas que placidamente decoravam a montanha eram figurantes experientes, desinteressadas da importância que acrescentavam ao quadro e do exemplo de submissão que transmitiam. Nem um só carneiro as acompanhava, talvez para lembrar que é na renúncia ao prazer que se encontra a redenção da alma. Apenas um cão e o pastor.

Reflicto hoje sobre a predilecção por musgos, muitos musgos, para cobrir o chão do presépio. Na religião tudo se deve cobrir ou, no mínimo, disfarçar. Talvez esteja na ocultação dos órgãos de reprodução, característica das plantas criptogâmicas, a razão da preferência, a funcionar como metáfora.

Ah! Já me esquecia, pintados de branco, anjos de barro, junto ao caminho de serradura que conduzia à manjedoura, voavam baixinho, com asas quebradas, incapazes de regressar ao Céu. E o algodão em rama imitava os flocos de neve que lá fora rodopiavam ao sabor do vento. Eu gostava do Presépio. Não era o catecismo a aterrorizar-me com o Inferno onde as almas que ali frigiam, em perpétua flutuação no azeite fervente, eram mergulhadas com um garfo de três dentes empunhado pelo diabo.

A minha escola caiu, pelo Natal, ficando de pé uma única parede e a fé das pessoas que atribuíram à protecção divina a ausência de aulas durante a derrocada.

15 de Maio, 2004 Mariana de Oliveira

Citação do Dia

A ideia de Deus é, confesso, o único erro que não posso perdoar ao homem.

Doantien Sade, in “Histoire de Juliette”

15 de Maio, 2004 Carlos Esperança

Bush e o Papa. Uma desgraça nunca vem só



O presidente Bush, figura nada recomendável, vai ter uma audiência com o papa, igualmente pouco recomendável. Beatos de todo o mundo insinuam já que JP2 o vai admoestar pela guerra do Iraque. É uma forma de dignificarem o último ditador europeu, suspeito de ser amante da paz e pessoa de bem.

JP2 gosta de passar um atestado de imbecilidade aos crentes.

Quem combate a regulação da natalidade ou qualquer forma de planeamento familiar; quem nega a igualdade de direitos entre homens e mulheres ou o simples acesso destas às tarefas dos homens, dentro ou fora da sua própria igreja; quem é supersticioso ao ponto de se julgar objecto de profecias e faz depender o prestígio da sua igreja dos milagres que adjudica a pessoas de fraco entendimento e rudimentar equilíbrio mental; quem prefere a disseminação da SIDA ao uso do preservativo; quem se conluia com o Opus Dei e cala os teólogos progressistas, só tem como único objectivo manter-se o último ditador de uma Europa onde a democracia vai progredindo.

JP2 é um apóstolo incansável do obscurantismo, que entra em êxtase com o vazio da liturgia e o barulho das multidões ululantes que disputam o espectáculo das suas actuações.

Chefe do único Estado europeu sem maternidade, regedor de um bairro de 44 hectares sem tradições democráticas, julga-se o capataz de Deus, infalível, e dono de uma multidão de parasitas da fé que dão pelo nome de padres, freiras, monsenhores, cónegos, bispos, cardeais, bandos de travestis coloridos que se dedicam à ociosidade, intriga e oração.

Combater com vigor e obstinação esta sociedade arcaica e parasitária é um serviço cívico prestado à emancipação do mundo.

Acreditar na utilidade de um encontro entre Bush e JP2 é esperar que a paz resulte de uma entrevista entre Bin Laden e Ariel Sharon.

14 de Maio, 2004 André Esteves

O Ataque do Emplastro, a defesa da beata e a santa paciência dos jornalistas…

Anteontem, durante o tradicional enésimo não-sei-quantos directo do recinto de Fátima da RTP1:

Pergunta a jornalista:

– Então minha senhora, costuma vir ao 13 de maio?

– Sim! Venho todos os anos… Sinto uma grande paz… É muito bom… Venho sempre a Fátima para aliviar a culpa de desviar tanto dinheiro lá na secretaria da escola…

(não imaginava ela, que o emplastro se preparava para atacar…)

A jornalista afastou-se procurando evitar a situação e aborda duas senhoras da província:

– Então minha senhora, costuma vir ao 13 de Maio?

– Sim! Hi!Hi! Sim!! Hi!Hi!Hi!Hi!Hi!Hi! Sim!!! Hi!Hi!Hi!Hi!Hi!

– E o que a traz à Cova de Iria?

– Gosto muito da Nossa Senhora! Vim pagar a promessa depois do meu marido ter perdido as pernas num acidente de carro…

– E a sua mãe veio consigo…

– Sim… Ela também vêm pagar uma promessa, pela urticária.

– Pela Urticária??

– Sim. A do meu marido.

(E eis que ataca o emplastro…)

– Seu badalhoooco!!! Deixe a minha filha falar para a televisão!!

O tempo de antena é defendido com uma estalada…

Entretanto a jornalista afastou-se, falando sobre as defesas ao «ataque terrorista» na Cova de Santa Iria e entusiasmada, refere-se ao tamanho ENORME da futura basílica… Quando…

(o emplastro ataca outra vez…)

O ataque inicia-se…

Mas eis que a defensora da moral e dos bons costumes volta a defender a ordem natural das coisas…

– Seu Badalhoooco!!! Deixe a Nossa Senhora aparecer na televisão!!!

Sem resultados práticos… Os emplastros estão aí, para ficar!!

Nas franjas dos milagres prometidos existe uma mercado de esperanças…

Meia vida numa igreja evangélica pôde-me proporcionar algumas experiências esclarecedoras. Lembro-me de como todos os meses surgia pela igreja, o que chamávamos a «alminha do mês». O desespero da doença combina-se com a esperança da cura e acredita-se…

Esquizofrénicos, maníacos, deficientes mentais, espíritos simples… A procissão prolongou-se pelos anos.

Ajudei pretensos possessos que caiam no chão em convulsões de ataques epilépticos. Ouvi paranóias. Suportei as necessidades desesperadas de atenção de tantas pessoas… Jovens, velhos, mulheres, crianças. Humanos todos eles…

Sabem o que aprendi?

A distância entre a normalidade e a loucura, muitas vezes, não passa de uma mera convenção social…

Ás vezes, parecem mais loucos os que têm todas as faculdades mas dão a sua fé a coisas que são, pelas evidências, negativas – como o fenómeno de Fátima e o de todas as religiões.

O site do emplastro http://emplastro.no.sapo.pt/ e a conta bancária onde podem ajudar o Fernando Vamos ajudar o Fernando.

(O quê? achavam que o emplastro não tinha nome? Humano como nós!)

14 de Maio, 2004 Carlos Esperança

O ministro José Luís Arnaut foi a Fátima rezar na procissão das velas

Fé de ministro

«José Luís Arnaut foi a Fátima rezar na procissão das velas. Acompanhado por familiares e pelo governador civil de Santarém, Mário Albuquerque. Ocupavam a primeira fila na colunata sul do santuário, de vela na mão como qualquer peregrino. Tem muito por que rezar o ministro adjunto do primeiro-ministro. Por um Euro 2004 sem problemas e uma boa classificação da equipa nacional? Pela vitória nas europeias? Não foi possível saber. O ministro também tem direito ao recato nas suas manifestações de fé». Transcrição integral do Diário de Notícias de hoje (site indisponível).

Comentários:

1 – Fora melhor que um ministro não ocupasse a primeira fila. A ICAR sempre respeitou a hierarquia;

2 – «de vela na mão como qualquer peregrino». Onde é que a ia levar?

3 – Suspeito que foi pedir ajuda para melhorar o português periclitante que tem usado (sobretudo em relação ao verbo haver). Rezar não prejudica mas a gramática também faz falta.

13 de Maio, 2004 Carlos Esperança

A fé está em alta



À medida que se perdem os valores aumenta a fé.

A ociosidade e a oração dão-se as mãos.

13 de Maio, 2004 André Esteves

O kitsch religioso da semana

Esta maravilhosa obra educativa faz parte de um conjunto de diodoramas que podemos encontrar em Catholic Supplies.

Confesso que não percebo nada de futebol. Mesmo nadinha… Pior, não suporto futebol.

A única coisa boa que encontro, nas pessoas que gostam de futebol, é que algumas ainda vão mantendo o hábito da leitura, pelos jornais desportivos… Mesmo assim, quando metemos conversa, e puxamos o assunto para uma questão mais prosaica…

Aiii! (Insira um expletivo cortante aqui.)

De maneira, que me encontro sem palavras para descrever esta… “coisa”.

Até me pergunto, porque é que este género de produtos não se encontra com mais frequência no nosso país. As vantagens moralizadoras às criancinhas, são por demais evidentes. Nos EUA, o ambiente da escola anda à volta do desporto. Todas as escolas têm equipas de estudantes, que participam em Ligas regionais. É uma maneira de se reflectirem as hierarquias da sociedade para dentro da escola.

Mas também têm negros reflexos… O ambiente competitivo, as praxes, o culto dos heróis e a corte de raparigas à volta das equipas gera muita da cultura que temos visto, aplicada nas prisões do Iraque…

Qual é a semiótica desta “coisa”?

Pah! É melhor teres Jesus no lado da tua equipa…

Assim sempre vences. És um vencedor pela vontade divina… Com Jesus não podes perder…

(Aonde é que já ouvi isto?)

O horrível, são as pequenas mensagens subliminaress… Se forem á página original, descobrirão que Jesus está sempre a jogar na equipa do rapaz (ou pelo menos assim aparenta..). Ou seja, subliminarmente: As raparigas são umas fracas… Não deviam jogar futebol… Porque Jesus não quer saber delas na sua equipa. Só quer vencedores!

É razão para se dizer: Um lugar para cada um. Cada um no seu lugar…

13 de Maio, 2004 Carlos Esperança

A Modéstia No Vestir: É preciso preparar o futuro



A Modéstia No Vestir:

Normas Marianas

“Oh Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós.”

Não pode considerar-se decente um vestido cujo decote desça mais do que dois dedos abaixo da base do pescoço, que não cubra os braços pelo menos até ao cotovelo, e que não chegue um pouco abaixo dos joelhos.

Além disso, são impróprios os vestidos de tecidos transparentes. …Palavras

do Cardeal Vigário do Papa Pio XI.

1. Ser Mariana é ser Modesta sem compromisso. Seja “como Maria”, a Mãe de Cristo.

2. Os vestidos ou blusas Marianas hão de ter mangas compridas ou, pelos

menos, até ao cotovelo, e as saias devem chegar abaixo dos joelhos.

12 de Maio, 2004 Carlos Esperança

O presidente da Câmara de Viseu foi a Fátima agradecer a cura das hemorróidas

O Diário As Beiras (site indisponível) noticia na última página de 12 de Maio que o Dr. Fernando Ruas, presidente da Câmara de Viseu e da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, chegou ontem ao início da noite a Fátima, após uma caminhada de quatro dias para cumprir uma promessa feita por um amigo.

O amigo e vereador da Câmara de Viseu, António da Cunha Lemos, alarmado com as hemorróidas do seu presidente, no final do verão passado, prometeu que iriam os dois a pé a Fátima.

O Dr. Ruas, que não duvidará das virtudes da Cova da Iria, no que diz respeito às hemorróidas, optou, à cautela, por fazer uma cirurgia que lhe deixou a parte terminal do aparelho digestivo na perfeição. Mas, nem por isso se furtou à promessa.

Se é verdade que o bisturi do cirurgião possa ter ajudado na cura, não terão sido despiciendas as orações do seu vereador e as próprias, sobretudo no alívio pós-operatório. Com um pouco mais de convicção talvez as orações dispensassem a cirurgia.

«Na recta final da viagem, cerca das 19H45, o autarca social-democrata disse que o percurso a pé de Viseu a Fátima “não foi pêra doce”, mas que correu muito bem».

Para além de já se saber que são rectos e santos os caminhos que conduzem a Fátima pode concluir-se que são benfazejos para as moléstias do recto, como pode testemunhar o pio edil de Viseu.

Assim, caro leitor, se sofre de hemorróidas, não falte ao 13 de Maio em Fátima.