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2 de Abril, 2004 Carlos Esperança

O bispo de Viseu D. António Monteiro já ultrapassou o prazo de validade



Há 3 anos (24-03-2001) um lamentável e dramático acidente no IP3 ceifou a vida de 14 pessoas e deixou feridas 24, numa tragédia rodoviária a somar a muitas outras.

O respeito das vítimas e o sofrimento das famílias mereciam contenção das pessoas com responsabilidades públicas e o pudor das diversas forças partidárias no aproveitamento político. Mas tal não aconteceu, raramente acontece, e as coisas são o que são.

Os relatórios apontaram para deficiências nos travões, piso irregular nos pneus traseiros, excesso de lotação e erro humano de condução, num dia de más condições meteorológicas, num autocarro que já esse ano – segundo a própria empresa – tinha feito três intervenções relacionadas com a segurança. Compreendia-se a probabilidade elevada dum acidente que circunstâncias excepcionais se encarregaram de tornar devastadoramente trágico, sem que a vontade de deus fosse para aí chamada.

A pretexto desse acidente, o Bispo de Viseu aproveitou então para fazer críticas aos governantes e políticos em geral, responsabilizando-os por culpas que lhes não cabiam, num julgamento precipitado, com afirmações injustas e acusações deploráveis, bem ao seu jeito sempre que no poder esteve algum partido à esquerda do PSD. Nem as hóstias com que o Eng. Guterres se empanturrava o dissuadiram.

Este bispo, que vai em breve ser afastado por ter ultrapassado o prazo de validade canónica (aos 75 anos para todos os bispos, excepto para o papa), foi um veículo litúrgico em permanente rota de colisão com a democracia.

A impunidade das suas afirmações, nesse como noutros casos, ficou a dever-se à tradicional subserviência do poder e dos partidos políticos em relação ao clero. Nem quando dirigiu uma campanha terrorista contra a despenalização do aborto, alguém se atreveu a zurzi-lo publicamente. E, nos ataques indiscriminados a políticos e instituições democráticas, excedeu-se em afirmações gratuitas, insinuações malévolas e acusações caluniosas, numa espiral de reaccionarismo a que nunca ninguém opôs um dique de contenção cívica.

É curioso que também na Esquerda alguém quis crucificar o Presidente da Câmara de Viseu responsabilizando-o pelo acidente. A única crítica que lhe podia ter sido dirigida era sobre a concorrência desleal dum autocarro camarário às empresas legalmente estabelecidas e com os impostos em ordem. A única suspeição legítima era a de favorecimento de peregrinos com objectivos de aliciamento em ano de eleições autárquicas.

Este Bispo fez incursões na política e o Presidente da Câmara de Viseu dedicou-se à assistência espiritual fornecendo transporte gratuito a peregrinos, situação vulgar no interior do país.

Por lapso não coloquei este texto no dia em que foi divulgado o sucessor de D. António Monteiro cujo nome não fixei. Espero que não enverede pelo mesmo caminho deste antigo frade capuchinho e grande animador de cursos de cristandade.

31 de Março, 2004 Mariana de Oliveira

Hora da Poesia

Um soneto de Antero de Quental.

DIVINA COMÉDIA

Erguendo os braços para o Céu distante

E apostrofando os deuses invisíveis,

Os homens clamam: – «Deuses impassíveis,

A quem serve o destino triunfante,

Porque é que nos criastes?! Incessante

Corre o tempo e só gera, inextinguíveis,

Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,

Num turbilhão cruel e delirante…

Pois não era melhor na paz clemente

Do nada e do que ainda não existe,

Ter ficado a dormir eternamente?

Porque é que para a dor nos evocastes?»

Mas os deuses, com voz inda mais triste,

Dizem: – «Homens! porque é que nos criastes?!»

31 de Março, 2004 André Esteves

Homenagem a Peter.

Peter Ustinov, actor, escritor e ateu optimista morreu esta semana. Fica aqui a homenagem.

Obrigado, Peter. Pelas gargalhadas e pelas dúvidas que nos deixaste. Ao contrário do que nos querem fazer crer, elas andam de mãos dadas.

Quando questionado sobre o que esperava a cada novo dia.

“Sobreviver! É que eu sou curioso…”

Sobre o riso:

“A comédia é simplesmente uma maneira engraçada de sermos sérios…”

Sobre a vida:

“O objectivo da vida e de ser um optimista, é de nos enganarmo-nos a nós próprios o suficiente para acreditarmos que o melhor ainda está para vir”

“Não é o amor que faz avançar a humanidade, mas a dúvida. É o preço da liberdade.”

— diálogo do escritor com o fantasma, da sua peça de teatro “Photo-Finish”

“São as crenças que dividem as pessoas. A dúvida une-as…”

— citado por James A. Haught, em 2000 anos de descrença.

“O vício na religião é opressivo, uma fuga fácil ao pensamento.”

— na revista Everybody’s (1950)

“Uma vez que estamos destinados a viver as nossas vidas presos na nossa mente, a nossa obrigação é mobilá-la bem.”— no seu livro Dear Me Capítulo 20

31 de Março, 2004 Carlos Esperança

O comandante nacional e centenas de cavalos da GNR abrilhantam festas religiosas.

A imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem, padroeira da Moita, vai percorrer 160 km de caminhos secundários e campestres.

Os cavalos participam pela 4.ª vez e o comandante geral, por ser novo, pela primeira.

«A Romaria a Cavalo conta com os apoios financeiro e logístico das autarquias da Moita e de Viana do Alentejo, assegurando assistência médica, veterinária e siderotécnica aos presentes» – lê-se no Diário de Notícias de hoje.

Ninguém duvida de que os presentes necessitam dessa assistência, sobretudo da siderotécnica.

31 de Março, 2004 Carlos Esperança

Foi inaugurada uma nova caixa de esmolas em Balasar – Póvoa do Varzim

A ausência de legislação que defenda o consumidor levou ontem uma multidão de fiéis à localidade de Balasar, concelho de Póvoa do Varzim, para comemorar o 100.º aniversário do nascimento de Alexandrina Maria da Costa a quem, na mercearia do assombro, foi atribuído um milagre na área da neurologia. O departamento da ICAR, encarregado de fabricar milagres, já rubricou uma cura de parkinsonismo para provar a existência de deus, que faria melhor não ter enviado a doença em vez de reparar a maldade, mas, dessa forma, ninguém apreciaria o poder divino.

A bentinha Alexandrina há muito que merecia a beatificação pois viveu 20 anos em jejum, além de se ter entrevado aos 19 anos para defender a virgindade. Alimentou-se apenas de hóstias consagradas donde se conclui que o divino corpo substitui hidratos de carbono, proteínas, amino-ácidos e tudo o mais que é preciso para manter o metabolismo basal.

Para dar crédito à tramóia, 8 dúzias de sacerdotes, o núncio apostólico, numerosos figurões da ICAR e imensos figurantes, deslocaram-se à celebração eucarística.

A beatificação vai ter lugar no próximo dia 25 de Abril, um dia negro para a ICAR, em que a liberdade abriu as portas à concorrência religiosa e ao direito de não ter qualquer religião.

P.S. O departamento de marketing da ICAR não prevê uma baixa dramática na clientela de Fátima esperando, pelo contrário, uma sinergia para os negócios da fé, abalados com o desenvolvimento da ciência e progressos na alfabetização.

O estado de desânimo nacional foi considerado ideal para o lançamento deste produto depois do declínio da Sr.ª da Nazaré e doutros centros de fé outrora prósperos.

O bispo de Leiria/Fátima não se terá oposto ao milagre de Balasar depois de lhe ter sido prometido um novo milagre para elevar os pastorinhos a santos e assim poder prolongar o prazo de validade do santuário de Fátima e rentabilizar os investimentos com a nova basílica.

31 de Março, 2004 jvasco

Laicismo: Democracia vs Teocracia

Parece haver um generalizado consenso entre ateus, agnósticos e crentes de que o laicismo é fundamental para a democracia e para o estado de direito tal como o conhecemos. Pode ser que, na prática, sejam os ateus quem acaba por lutar mais em defesa da laicidade quando porventura alguma lei ou medida governativa ameaça este princípio (ocorreu-me a Bíblia manuscrita…), mas poucos crentes ousam duvidar da legitimidade deste valor, e nenhum que eu conheça considera que a democracia e o estado de direito sejam compatíveis com a ausência dele (é uma questão do foro jurídico, mas intuitivamente óbvia para qualquer um).

Há, no entanto, pessoas que não consideram a Democracia o sistema mais adequado para a nossa sociedade. Há quem defenda diferentes sistemas de poder (Anarquia, Despotismo, etc…); e há quem defenda, dentro do Despotismo, diferentes formas de representação desse poder. Há uma forma de representação do poder despótico que é particularmente antagónica do princípio da laicidade: a Teocracia.

Será que a Teocracia é uma melhor forma de organizar um estado do que uma Democracia Laica (passe a redundância)?

Para responder a esta pergunta, faz sentido pensarmos numa outra: Deus existe?

Se não, então a Teocracia parece um sistema de poder ridículo, e penso que todos concordarão que nem merece ser analisada.

Se sim, Deus gostaria que a humanidade organizasse a sua estrutura de poder dessa forma? Porquê?

Aqui a discussão remeter-se-ia para o campo teológico. Se o Deus existente fosse “Alá”, seria fácil justificar a Teocracia pelo Corão, se o Deus existente fosse o da mitologia Cristã, então a teologia actual defende que a teocracia seria um erro contrário aos ensinamentos de Jesus.

Mas existe um problema: a ausência de acordo em relação à pergunta colocada (Deus existe?). A maioria da humanidade continua a acreditar em mitologias e superstições, e por mais que as provas concretas indiciem a ausência de qualquer Deus, o acordo em relação a esta matéria não ocorre. Como organizar o estado nesta situação? No caso dos países Islâmicos isto pode ser um problema muito complicado (pelos visto é mesmo!), já que grande parte da população insiste em acreditar que Maomet voou de burrinho de Mecca a Jerusalém numa noite e noutros “factos” do género… Nos países de tradição Cristã, pelo contrário, não há razão para confusões: a teologia cristã actual renega a ambição da Teocracia, e existe um acordo generalizado em relação à indesejabilidade desta.

MAS, e se a teologia Cristã renega essa ambição apenas como forma de se adaptar à ausência de possibilidade de acesso directo ao poder? E se teologia Cristã actual manifesta a sua aversão à teocracia apenas para melhor lidar com a popularidade generalizada dos valores democráticos? Eu, que não vejo nada de divino na inspiração dos teólogos actuais, posso partilhar essa opinião com os actuais Cristãos defensores da teocracia, mas as consequências desta opinião são muito diferentes:

-No meu caso, não vejo nada de divino nestas novas “directivas espirituais”, mas também não vi nas anteriores, nem na Bíblia. Acredito que a Teocracia (quer seja aplicada como no passado, quer mesmo de forma muito diferente) é indesejável para a sociedade, para um mundo desenvolvido, justo, racional e feliz, pelo que me é indiferente a legitimidade dos pretextos dos teólogos para defenderem a laicidade, desde que a defendam.

-No caso dos Cristãos defensores da teocracia, não basta considerar que o móbil das novas considerações dos teólogos é questionável. Isso não torna questionável as considerações (afirmá-lo seria uma falácia). Desta forma, terão de discutir as questões teológicas e encontrar na Bíblia a defesa da Teocracia. Uma vez que não acredito em Deus, seria muito curioso para mim observar tal debate: conjuntos de falácias, enganos e contradições a serem desferidos num bailado retórico acerca da mensagem do best-seller mundial. E a situação (muito bizarra) de ver com alegria os teólogos actuais esmagarem retoricamente alguma ideia (a da legitimidade da teocracia).

30 de Março, 2004 Carlos Esperança

João César das Neves no seu melhor

Do Diário de Notícias respigo dois parágrafos:

«São hoje esquecidas e atacadas as duas razões mais próprias da glória feminina, o encanto da virgindade e a grandeza da maternidade. O engano é tal que vemos mulheres apreciar como ganhos a perversão da maternidade pelo aborto, da virgindade pela libertinagem, da família pelo divórcio. Cedem à promiscuidade e pornografia, velhas obsessões varonis. A promoção da homossexualidade baralha até os dados da natureza».

Comentário: João César das Neves ensandeceu.

Felizmente que, apesar da tirania da opinião, grande parte das mulheres resiste à pressão e preserva a superioridade. A virgindade e a maternidade brilham ainda neste tempo confuso. E, juntas na mesma pessoa, cintilam no mais alto dos céus, acima de toda a criatura.

Comentário: A uma pessoa normal perguntaria como é possível coexistirem a virgindade e a maternidade. Demência mística ou mitomania?

29 de Março, 2004 Carlos Esperança

Não é só o Islão que é mau, as religiões são todas péssimas

O Diário de uns Ateus não responde, em regra, aos comentários dos visitantes. Quem se incomoda a ler os meus textos há-de reconhecer que sou generoso a zurzir todas as religiões. Não é pois o islão o alvo predilecto, como se verá no texto que publiquei no Expresso em 13-09-2003 e que mereceu destaque em «Correio Azul». Mas seria ingénuo não denunciar o carácter fascista do Corão. Basta lê-lo.

Quanto ao texto referido, aqui fica:

Já dizia Voltaire que «o fanatismo é a doença do espírito» mas não creio que seja monopólio do islamismo. É por isso que discordo do Editorial «O inimigo invisível» (EXPRESSO, 6/9/03): é injusto e pouco rigoroso.

A pretexto do execrável atentado que vitimou Sérgio Vieira de Melo escreveu o Expresso: «O fosso entre o Islão e o Ocidente é tão fundo, a diferença cultural tão grande, o ódio tão generalizado – sobretudo entre as organizações fundamentalistas –, que os ataques terroristas tendem a perpetuar-se».

Os árabes produziram pensadores como Avicena (980/1037) e Averróis (1126/98) não sendo, pois, o fanatismo islâmico inevitável. A concepção actual do mundo e o processo da sua progressiva secularização devem mais à influência de Averróis do que aos santos doutores da igreja católica. Acontece que a pobreza e a ignorância são o caldo de cultura onde medram a fé e a intolerância.

O ódio entre xiitas e sunitas não é inferior ao que prodigalizam ao Ocidente. É equivalente ao que dividiu os cristãos.

A exaltação do martírio e o proselitismo são apanágio de qualquer religião do livro. Não me parece que os religiosos judeus sejam mais tolerantes que os do Islão. O pastor presbiteriano que foi executado na Florida, Paul Hill, por ter assassinado um médico que praticava abortos, não era menos violento do que o facínora islâmico do atentado de Bali e até no sorriso se notava a mesma ânsia do Paraíso.

João Paulo II na sua obsessão de incluir uma referência ao cristianismo na futura constituição europeia é mais moderado do que o clero islâmico que não abdica de regimes confessionais. Mas é mera diferença de registo.

O fosso não é entre religiões, é entre estas e o laicismo.

28 de Março, 2004 Mariana de Oliveira

Citação do Dia

Um homem que está livre da religião tem uma oportunidade melhor de viver uma vida mais normal e completa.

Sigmund Freud

28 de Março, 2004 Mariana de Oliveira

A América debaixo de Deus

Os Estados Unidos da América orgulham-se de ser o farol mais brilhante da Liberdade e da Democracia. No entanto, entre muitos outros atropelos a direitos e garantias fundamentais, encontra-se o pledge of allegiance ou juramento de lealdade. Em todo o país, as crianças da escola primária começam o dia a recitar este juramento.

Criado no séc. XIX pelo jornalista Francis Bellamy – indivíduo anti-clerical -, o texto, curiosamente, não incluía qualquer referência religiosa. Foi na década de 50 que o Congresso americano votou para acrescentar Deus ao juramento. Assim, actualmente, milhares de crianças juram fidelidade à bandeira e a uma nação indivisível, sob Deus.

Em 2002, Michael Newdow, ateu californiano, resolveu acabar com esta violação do princípio da separação entre religião e Estado e abriu um processo judicial para abolir o uso do juramento nas escolas públicas americanas. Newdow ganhou, mas o processo seguiu, de instância em instância, até chegar ao Supremo Tribunal. Esta semana, o autor do processo foi explicar a sua oposição àquele tribunal.

Newdow diz que o juramento divide a sociedade, que aponta o dedo aos ateus. O juiz-presidente do Supremo Tribunal, William Rehnquist, fez notar que quando a adição de sob Deus foi votada no Congresso, há meio século, a votação foi unânime e, portanto, não haveria sinal de divisão. A isto Newdow retorquiu afirmando que o voto só foi unânime porque nenhum ateu poderia ser eleito para um cargo público.

Os apologistas do juramento defendem-se ainda dizendo que a referência a Deus é tão vaga que apenas tem contornos cívicos e não religiosos e que, para além disso, as crianças não são obrigadas a pronunciar as polémicas palavras. Newdow contra-argumenta que a pressão social a que os alunos são submetidos é incompatível com a protecção da sua liberdade religiosa. O Estado tem de ficar totalmente fora [da religião].

O problema da separação da Igreja do Estado não se coloca apenas neste pledge of allegiance. É bem sabido que os dólares ostentam a frase In God We Trust e a sessão de abertura do Supremo Tribunal começa por God save the United States and this honorable court. Estes são reflexos de um sentimento religioso intensamente enraizado numa sociedade que vê com maus olhos o ateísmo e os movimentos humanistas seculares. Reflexos que encontram expressão em determinados sectores políticos, nomeadamente, no Presidente Bush. É assim que um país que foi pioneiro na defesa da Democracia e da Liberdade se torna num poço de contradições e hipocrisias.