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Categoria: Religiões

5 de Setembro, 2018 Carlos Esperança

O Vaticano, o clero e o poder

O Vaticano não é apenas a sede da multinacional da fé católica, em concorrência direta com outros monoteísmos, e a ambição de penetrar em outros mercados de crenças mais ou menos teístas, é um centro de poder político à escala global.

O cristianismo, nascido da primeira cisão bem-sucedida do judaísmo, foi sempre palco de cisões, que tiveram como pretexto a ortodoxia e o poder como objetivo. Há no clero, de qualquer religião, imensa ânsia de poder e especial apetência por verdades únicas.

Tendo as democracias nascido contra a vontade das Igrejas, e graças à repressão política sobre o clero, compreende-se que se tornem tanto mais vulneráveis quanto mais se identifiquem com regimes democráticos e prescindam da opressão no seu seio.

Não estão em causa os dogmas ou a hipotética existência de Deus nos ódios que nascem no interior da Igreja católica, acossada pelo fascismo islâmico e pelo poder financeiro e político de Igrejas evangélicas cujo proselitismo é hoje o que foi o da Igreja católica na Idade Média ou no advento do fascismo. O que está em causa é o poder. Simplesmente.

A chegada do Papa Francisco ao Vaticano, certamente com vários cardeais distraídos e o Espírito Santo ausente do consistório que o proclamou, permitiu à Igreja católica um prestígio acrescido, apesar de manter pujante a indústria dos milagres e em exercício os exorcistas que afugentam demónios, atividades em apenas os seus fiéis acreditam.

A condenação da pena de morte, um abalo enorme na moral dos padres reacionários, foi uma deceção para os que ainda hoje gostariam de acender fogueiras contra os hereges.

Não surpreende, pois, que o primeiro Papa que apostou combater a pedofilia tenha sido a sua vítima. Os que sempre protegeram os pedófilos, condescenderam com o tráfico de crianças roubadas a mães solteiras ou à guarda de instituições pias, foram os primeiros a tentar derrubar o Papa, agora que a comunicação social está mais alertada para aditivos alimentares e medicamentosos.

A Igreja católica está à beira de um cisma, mas os autores serão os que pretendem que o Vaticano abençoe a deriva fascista que contamina a Europa e a América, especialmente a América latina.

Os ataques ao Papa Francisco não são uma quezília interna, fazem parte da conspiração contra as democracias constitucionais, a que chamamos Estados de Direito.

Surpreendentemente, os bispos portugueses decidiram apoiar o Papa, o que é bom sinal. Esperemos que os democratas, ateus, agnósticos ou católicos, acertem na barricada. É o poder que está em causa. Dentro e fora da Igreja.

1 de Setembro, 2018 Carlos Esperança

Notas Soltas

Espanha – A lei da Memória Histórica, que impõe a remoção da toponímia dos nomes simbólicos da ditadura, tem a oposição de juízes, bispos e militares na reserva. Franco, o maior genocida ibérico de sempre, ainda condiciona a democracia e ultraja as vítimas.

Vaticano – O Papa Francisco alterou o parágrafo do catecismo da Igreja católica sobre a Pena de morte, considerando-a “inadmissível”. A rutura com a doutrina tradicional e o estímulo à abolição incitou a rebelião do clero retrógrado, que esperava um pretexto.

Argentina – O Senado, fortemente beato e reacionário, recusou a lei da IVG votada no Parlamento. As opções confessionais contrariam o direito de decisão das mulheres sobre o seu próprio corpo, contaminando toda a América latina.

Igreja católica – O maior escândalo sexual de sempre, o abuso de mais de mil crianças por mais de 300 padres da Pensilvânia, EUA, em sete décadas, com a cumplicidade de bispos e, desde 1963, conhecido do Vaticano, é a desgraça da Igreja e a ruína da fé.

Budismo – Xuecheng, abade do famoso templo de Longquan, demitiu-se da presidência da Associação Budista da China, por assédio e violação de monjas. A lascívia derrubou o principal líder espiritual chinês, que atingira o cargo antes dos 50 anos, em 2015.

PR – Que Marcelo reze o terço todos os dias e ache que “Um sítio onde é sensacional rezar o terço é a nadar no mar”, é uma opção pessoal, mas que a explicite e refira que a sua recandidatura “está nas mãos de Deus”, trai a laicidade a que o PR é obrigado.

28 de Agosto, 2018 Carlos Esperança

A Igreja católica no seu labirinto

Sabe-se que a Igreja católica, enquanto defendia a moral mais conservadora e os valores mais reacionários, silenciou crimes cometidos no seu próprio seio e ordenou sacerdotes bandos de pedófilos. Pior, encobriu-os e mudava-os de paróquia, para onde os nómadas levavam o vício, a desgraçar crianças e adolescentes.

O que não pode ser esquecido é que a Igreja católica não tem o monopólio desse tipo de perversão e a divulgação exclusiva dos seus crimes não tem apenas em vista a denúncia e punição dos prevaricadores, visa beneficiar os interesses de outras Igrejas e amordaçar o atual Papa, que tem tomado atitudes corajosas no seu pontificado.

Esquece-se mais facilmente a cumplicidade com ditaduras fascistas do que se perdoa o alinhamento com a modernidade. O episcopado ultramontano que não aceita a rutura do Papa com a perpetuação da moral da Idade do Bronze, prefere destruir a Igreja a aceitar que acerte o passo com os valores civilizacionais.

A Europa tem sido varrida, depois da vitória sobre o nazismo, por sucessivas vagas de conservadorismo, cada vez mais reacionárias, no retorno aos anos trinta do século XX. Reagan, Thatcher e João Paulo II protagonizaram a primeira vaga contra as conquistas sociais e a liberalização dos costumes; depois veio Bush, Blair e Aznar; agora é a vez de Trump, May e vários neofascistas que ascendem ao poder na Europa e no mundo. Cada nova vaga é mais violenta do que a anterior.

Este Papa é um alvo a abater. Não é de admirar que tenha sabido de casos de pedofilia e que, à semelhança de João XXIII, não tenha sabido dar a resposta que devia, mas seria ingénuo atribuir ao acaso a denúncia do arcebispo Carlo Maria Viganò.

O ex-embaixador do Vaticano em Washington, de extrema-direita, nomeado arcebispo por João Paulo II, divulgou cirurgicamente, horas antes da habitual conferência de imprensa a bordo do avião papal, uma informação que, a confirmar-se, seria de enorme gravidade. Francisco foi colhido de surpresa na sua viagem traumática à Irlanda, onde a Igreja cometeu tropelias durante séculos e o aguardavam as vítimas, com a acusação de que encobria abusos sexuais e sabia dos do cardeal McCarrick, que descurou, e outras acusações dirigidas ao clero mais próximo e de maior confiança do Papa.

Viganò é um experiente quadro da carreira diplomática e integra o numeroso grupo que acusa o Papa Francisco de cometer 7 (estranha fixação neste número primo!) heresias. O seu ataque cínico e premeditado é uma agressiva declaração de guerra ao atual pontífice, e tem atrás um bem organizado exército de sotainas que não hesitará em afastá-lo, ainda que provoque uma cisão na Igreja católica.

A luta pelo poder é a manifestação de força do obscurantismo contra a modernidade, e a vítima é o Papa Francisco, que procura reconciliar a Igreja com as sociedades laicizadas e democráticas, com a determinação de um jesuíta e a paciência de um franciscano, mas o tempo e os ventos reacionários que sopram na Europa e no mundo ameaçam varrê-lo.

Dos escombros da Igreja católica nada brotará de bom e no Islão a pedofilia não choca.

24 de Agosto, 2018 Carlos Esperança

O Papa Francisco e a ICAR

Sem maniqueísmo, facilmente se admira o atual Papa e desculpa o passado nebuloso do cardeal Bergoglio, benevolente com o ditador Videla e hostil à presidente Kirchner, em sintonia com os Papas de turno, e a presente sujeição ao Opus Dei na convocação de defuntos para alimentar a indústria dos milagres e a criação de beatos e santos.

A vida de figuras públicas tem zonas claras e escuras, e as circunstâncias moldam mais os homens do que estes as circunstâncias. O Papa Francisco é, no conjunto da sua vida, um homem respeitável e, quiçá, o mais estimável dos líderes religiosos mundiais. Não merecia a catadupa de problemas que desabam sobre ele. O futuro dirá se foi o homem certo na hora errada ou o homem errado que chegou na hora certa ao Vaticano.

Ao receber a tiara, o solidéu branco, a romeira, os sapatos vermelhos, a infalibilidade e a diocese de Roma, que vagara porque o antecessor trocou a santidade pela vida, estaria longe de imaginar as desgraças que desabariam sobre ele.

São do domínio público as ligações do Vaticano à Máfia, que Francisco teve a coragem de cortar, a lavagem de dinheiro no IOR, pseudónimo do banco do Vaticano, a que pôs cobro, e a tentativa de acertar o passo com a modernidade e a ética, numa manifestação de coragem que o nobilita.

Não vale a pena escarafunchar os escândalos que envolvem o clero católico, verdadeiros e infamantes, habilmente aproveitados pela concorrência, mais perigosa e assustadora.

Só quem tem a noção dos séculos de impunidade da Cúria Romana pode apreciar a luta deste jesuíta determinado e corajoso, perante um antro de reacionários e dissolutos.

A ousadia de quebrar a moral da Idade do Bronze, quando o Deus de Abraão foi criado por patriarcas tribais, valeu-lhe a aversão da tralha beata, que se confunde com os mulás e sonha com as Cruzadas e à Inquisição. As suas manifestações de humanismo cativam crentes e livres-pensadores, os que defendem a modernidade e se reveem na civilização herdada do Iluminismo e da Revolução Francesa.

Quando alterou o parágrafo do catecismo da Igreja católica sobre a Pena de morte, que considerou “inadmissível” e fez a rutura com a doutrina tradicional, era de admitir que o avanço civilizacional, que incentivava a abolição em países de influência católica, fosse acolhido pelo clero como um momento alto da história milenar do cristianismo e tivesse o consenso de todo o clero, ressarcido das nódoas que o atingem por um ato que honra a Igreja e, por extensão, a clerezia apostólica romana.

Foi uma ingenuidade, não certamente do Papa, que conhece a Santa Máfia que o rodeia, mas dos incréus que ainda aguardavam o contributo do Vaticano para um mundo mais humanista e alinhado com a modernidade.

Enquanto livres-pensadores saudaram a posição do Papa, agitaram-se as sotainas e, do antro do Vaticano e de sucursais reacionárias, surgiram urros de trogloditas que acusam o Papa de adulterar a palavra do Deus deles, que continua aquele velhaco e cavernícola, à imagem e semelhança dos trogloditas para quem a pena de morte é exigência divina.

21 de Agosto, 2018 Carlos Esperança

O sexo e o clero

A repressão sexual, comum aos monoteísmos, foi sempre um instrumento de domínio do clero sobre a sociedade e do homem sobre a mulher.

O judaísmo, com menos de 20 milhões de judeus, muitos deles agnósticos e ateus, é o monoteísmo cuja primeira cisão com êxito originou o cristianismo. É hoje irrelevante no número de crentes, contrariamente ao poder político, militar e financeiro, e não erradica os escândalos sexuais dos muftis, rabinos e judeus de trancinhas à Dama das Camélias.

O islamismo, plágio tosco do judaísmo e cristianismo, é implacável na misoginia e em outras perversões que o misericordioso Profeta, analfabeto e amoral, introduziu com a violência do guerreiro e a demência do prosélito. Mas é a sexualidade que ora importa e, nesse aspeto, a violência contra a mulher e a pedofilia são direitos masculinos exercidos em casamentos sem consentimento da mulher, na lapidação por adultério e casamentos com crianças de 9 anos. Mais do que religião, o islamismo é um fascismo inconciliável com a liberdade, os direitos humanos e a civilização.

No cristianismo, onde a Reforma foi uma lufada de ar fresco, coube à Igreja romana ser a guardiã dos valores mais retrógrados, que a Contrarreforma defendeu com a violência da alegada ortodoxia. O direito romano foi-lhe introduzindo a componente civilista e as democracias impuseram-lhe a laicidade. Hoje, com o fundamentalismo a contaminar as Igrejas evangélicas, o catolicismo romano tornou-se a versão mais tolerante e civilizada dos monoteísmos, mas não conseguiu libertar-se da imposição do celibato ao clero nem da discriminação da mulher.

Penso que reside nestas duas aberrações, aliadas à obsessão da castidade, a que se junta o livre escrutínio que só as democracias permitem, a sucessão de escândalos sexuais que a comunicação social e a justiça terrena têm investigado, divulgado e punido.

Nestes últimos dias o Vaticano sofreu a vergonha do maior escândalo sexual de sempre, com a divulgação do abuso de mais de mil crianças, por mais de 300 padres da diocese da Pensilvânia, EUA, durante sete décadas, com a conivência de bispos e, desde 1963, o conhecimento e tolerância do Vaticano. É uma desgraça para a Igreja e a ruína da fé.

A quebra ética de uma Igreja cuja dissimulação permitiu ocultar durante séculos os seus crimes, não deixará de ser usada pela concorrência, hoje muito mais reacionária e perigosa. É irónico que os escândalos de que foram cúmplices numerosos papas, muitos já canonizados, desabem sobre o primeiro que lhes quis pôr termo e a quem escasseiam apoios para abrir as portas do sacerdócio às mulheres e as do casamento ao clero.

Curiosamente, enquanto a ICAR* lambe feridas e suporta a vergonha e as decisões dos tribunais, Xuecheng, o abade do famoso templo de Longquan, demitiu-se da presidência da Associação Budista** da China, por assédio e violação das monjas. As hormonas apearam o principal líder espiritual chinês, que atingiu o mais alto cargo em 2015, antes dos 50 anos, com assento na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, órgão de assessoria do Governo, de que igualmente se demitiu na última quarta-feira. Sic transit gloria mundi 😊

* ICAR – Igreja Católica Apostólica Romana; ** O budismo não é um teísmo, mas é considerado religião.