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Categoria: Religiões

16 de Julho, 2025 Carlos Silva

Deus – Eu

Imagem gerada por IA

Deus?!

Sou Eu!

Sim, Eu!…

Num determinado momento da minha vida que já não consigo precisar, o intelecto permitiu-me “reparar”[1] que o ser com quem diariamente falava e a quem chamava deus, era, afinal, eu próprio!

Foi precisamente nessa altura que acabaria por assimilar que a minha consciência de deus é precisamente a mesma que eu, ser humano, tenho de mim próprio!

Tal significa logicamente que o meu-deus, ou o conceito que dele tenho, é precisamente o mesmo que o da imagem abstrata que obviamente morrerá quando eu morrer; tal como morrerão todos os deuses de todos os seres humanos, sejam eles crentes ou não!

“O pior cego é aquele que não quer ver…”

É um facto que a maioria das pessoas não aceita… não quer ver a realidade que vê. Algumas não admitem não ver… e a maioria não consegue realmente ver. São as que “vêm e não reparam” porque cegaram.

O intuito destas duras palavras, que decerto incomodarão algumas mentes mais dormentes, não é desrespeitar; não é ferir nem ridicularizar pessoas ou crenças com as quais se identificam; muito menos tentar convencer alguém!

O intuito destas palavras é apenas expressar livremente a minha opinião.

O intuito destas palavras é apenas expressar livremente a minha opinião, que vale o que vale; ou seja, o mesmo que as demais; sejam elas convergentes ou divergentes. Todas são suscetíveis de crítica!

É uma mera opinião sobre o que considero completamente despropositado e intolerável na sociedade atual: a Religião -eventualmente a maior mentira da humanidade que, “por mil vezes repetida” se transformou na maior verdade adquirida.

Tivera eu proferido estas palavras há 500 anos atrás e no dia seguinte decerto estaria amarrado a um poste para ser queimado vivo em plena praça pública!

Não tenho a menor dúvida!

José Saramago, escritor marcadamente ateísta, foi “crucificado” e “queimado” simplesmente por dizer publicamente que “não acreditava em nenhum deus nem em mundos imaginários, como o céu e o inferno…”.

A forma incisiva como o fez, acabaria por colocar a nu algumas das mais aberrantes barbaridades da religião, nomeadamente nas obras ‘O Evangelho Segundo Jesus Cristo’ e ‘Ensaio sobre a Cegueira’, gerando um autêntico mar de críticas, que em abono da verdade, mais pareciam inocentes tempestades de verão lideradas por pastores e virgens ofendidas a caminho do céu.

A sua longa experiência de vida permitiu-lhe prematuramente alcançar que esse “deus não precisa do homem para nada, exceto para ser deus[2]. Mais do que destacar a frase, importa salientar a sua extraordinária genialidade e lucidez de raciocínio.

Realmente, poucos “podem olhar e ver[3]”… e muito poucos “podem ver e reparar[4]”!

Que me perdoe” quem lê, mas também me apetece repetir:

“Se puderem ver, reparem!”

Sentir, sinta quem sente!

Pensar, pense quem quiser!

Continuar a ler… siga quem gostar… ou não…

Faz algum sentido (e cito novamente Saramago), que “antes da criação do universo, deus não tenha feito nada, e um dia, não se sabe bem porquê, decida criar o universo. Segundo a Bíblia, fez o universo em seis dias. Seis dias só! Descansou ao sétimo dia… e até hoje nunca mais fez nada. Isto faz algum sentido?”

Faz algum sentido que exista um deus invisível, criado à imagem humana, que viveu na terra e mora no céu… (que céu?) que tudo sabe e vigia… que criou uma lista de mandamentos completamente ancestrais que exige que se sigam na atualidade, e simultaneamente ameaça quem não os cumprir?

Faz algum sentido que exista na realidade um deus invisível que ama se for seguido e odeia ou mata se for recusado? Um ser autoritário que além de amor, adoração e dedicação incondicional, precisa constantemente de dinheiro, de muito muito dinheiro!… -esse vil metal que o líder máximo[5] invocou como “fonte de pecado”?

Não faz sentido!…

Não só não faz sentido, como desperta em qualquer mente minimamente pensante um mar de interrogações…

Não é fácil a qualquer ser humano aceitar esta realidade!

Não é fácil recusar ou refutar o ideal do divino, porque implica, desde logo punição, negação de expectativas de perfeição e imortalidade!

Não é fácil reduzir a vida a simples partículas de matéria… -poucos são os que aceitarão esta realidade. Poucos são os que aceitarão o fim.

Não é fácil aceitar o falecimento absoluto do ser… do Eu.

Não é fácil aceitar o falecimento do corpo, da mente (também ela um órgão) e sobretudo da “alma”, porque também a sua casa morre!

Não é fácil!

Eu diria que é dramático para todos os seres. Crentes e não crentes.

A natureza, alheia a todas estas questões, é obviamente implacável com todos os seus seres… humanos e não humanos.

Dá-lhes vida…

Alimenta-os, alimenta os seus sonhos e desejos…

Ajuda-os a reproduzir…

Ajuda-os a viver e a sobreviver…

Mas…

Não os ouve!

Não os vê!

Não os distingue!

Não os compreende!

E mata-os!

É, pois, no mínimo incoerente, procurar encontrar um “espírito divino” fora da natureza humana!

É perfeitamente compreensível que por todo o planeta existam as mais diversas formas, teorias e explicações para todo o tipo de crenças…

Já não o será, a criação humana de “deuses” para serem e representarem o que não é, ou para explicar o que não sabe ou não consegue saber… é um perfeito absurdo!

Não se trata de reduzir a crença a um mero conceito antropológico; trata-se de raciocinar, de reparar, de perguntar… e sobretudo aceitar a realidade seja ela qual for… nua e crua!

A humanidade terá tido origem num processo perfeitamente natural (tal pode-se constatar através das ossadas dos nossos antepassados… de todos os fósseis descobertos…).

A cultura foi-se enraizando em cada tribo… as sociedades foram evoluindo moldadas pelo ambiente, pela necessidade de sobrevivência, dando origem às mais diversas civilizações nas mais diversas regiões do planeta…

Muitas destas civilizações extinguiram-se, algumas chegaram aos nossos dias com as suas normas, as suas tradições, os seus usos e costumes adaptados à realidade atual. A própria religião é uma dessas evidências culturais, que marcou e ainda continua a marcar catastroficamente toda a história da humanidade, tal a forma viral como se propagou praticamente por todo o planeta sobretudo nos dois últimos milénios.

Para que possamos entender qualquer crença, temos previamente que “reparar” que a consciência que temos de qualquer divindade é a mesma que temos de nós próprios. Todas as crenças não são mais do que o reflexo material e imaterial do mundo interior do ser humano…

O exteriorizar de medos e desejos vitais e elementares…

O exteriorizar de aspirações que não consegue realizar ou materializar como consequência da sua limitação…

A ânsia de saber ou de não poder saber tudo…

A ânsia de poder, de dominar, do que não tem ou não consegue alcançar…

O medo do ser mortal e consequentemente limitado no tempo… que lhe foge.

A criação, a adoração, a projeção, a relação com o ser divino, ou com a sua imagem… é precisamente a mesma que temos com os nossos semelhantes!

Os seus “mandamentos divinos” não são mais do que as regras de conduta humana elaboradas por humanos em nome da liberdade e da justiça social… da moral e do respeito que têm que ter para com os demais para que socialmente possam coexistir… hoje consideravelmente melhoradas em algumas democráticas “constituições”.

É inevitável que um dia todos “reparemos” um pouco melhor nesta realidade.

Tal como um dia disse o nosso Fernando Pessoa…

Que todos possamos “ouvir o olhar” e com esse “olhar adivinhar os sentimentos”!


AGORA ATEU (I), 2020-01-01


[1] “Reparar” (Saramago). Retirou-me a venda… capacitou-me a visão… conferiu-me a perceção.

[2] Saramago

[3] Idem, anterior

[4] Idem, anterior

[5] Papa

24 de Junho, 2025 Onofre Varela

Aborto ainda condena mulheres portuguesas

Leio no jornal Público de 17 de Junho último, que “entre 2007 e 2024 houve 159 crimes de aborto registados em Portugal e 33 condenações em 1ª Instância relacionadas com estes casos”. A notícia é, no mínimo, estranha e assombrosa… já que a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) em Portugal está legalizada desde 2007 pela lei nº 16, de 17 de Abril, segundo fonte fidedigna da Direcção Geral da Saúde e da Sociedade Portuguesa da Contracepção. Quem agora veio revelar este assombroso número de “crimes” relacionados com a prática do aborto no país (que eu presumia legal) foi a Amnistia Internacional (AI) que regista tão elevado número no seu relatório sobre IVG em Portugal. Entre as recomendações que a AI deixa ao governo Português consta a retirada da prática abortiva do Código Penal… (eu nem imaginava que constava dele, depois da lei de 2007!).

A mesma notícia dá conta de que quem se governa muito bem com esta “titubeante legalização da IVG em Portugal” são as clínicas espanholas. Em seis anos (de 2019 até 2025), 3352 grávidas portuguesas recorreram a clínicas espanholas para interromperem a gravidez. Não é novidade: em Junho de 1999 (quando ainda era proibido abortar em Portugal) a imprensa noticiou que nos três anos anteriores cerca de nove mil mulheres portuguesas tinham recorrido a clínicas espanholas para abortarem. Há, por cá, um movimento de “famílias bem” apoiado pela Igreja (não sei se alguns elementos destas famílias têm interesses económicos nas clínicas espanholas) que quer um retrocesso na lei que regulamenta a prática do aborto em Portugal, inscrevendo-o na mesma lista onde colocaram a eutanásia que não querem ver legalizada. 

É uma atitude que me parece muito estranha… porque aquilo que, de imediato, sobressai dela é a falta de respeito pela vontade do outro, o que mostra haver quem queira impor a sua própria vontade a todos os cidadãos do país! Para quem viveu, como eu vivi (em 1974 eu tinha 30 anos) a realidade do Portugal ditatorial sob o regime de Salazar e da Igreja Católica medieval (contra quem, e contra o que, eu estava) é que sente o bem que é ter a Liberdade de escolher que todos conquistamos em Abril!… 

Aos meus leitores mais novos lembro que as leis de Salazar proibiam o aborto e o divórcio, obrigando a que cada homem desse o seu apelido de família aos filhos da sua esposa, mesmo quando os bebés eram, garantidamente, filhos de outro homem! Quanto ao aborto, a tragédia multiplicava-se. Sob o falso e dogmático manto da defesa da vida, a petrificada posição religiosa contribuía para situações que se saldavam em elevado número de mortes, que seriam evitáveis através de políticas realistas, livres de religiosas e nefastas vontades. 

Getty Images

Em 1997, quando na Assembleia da República se discutia a lei da IVG, houve um caso noticiado pelo jornal Diário de Leiria como notícia local. Uma senhora tinha uma filha bebé de poucos meses e engravidou sem o querer. Por muito que ela quisesse dar um irmão ao primeiro filho, havia uma realidade económica e social que lhe dizia não ser possível fazê-lo naquele momento. Ela e o marido trabalhavam. As despesas da casa recém-adquirida levavam quase o vencimento do casal, deixando pouco para os restantes gastos familiares. Um outro filho naquela altura era impensável. Decidiu-se pelo aborto clandestino por ser o único modo que tinha de abortar naquele tempo. Mesmo assim, teve o bom senso de não confiar o seu corpo a uma habilidosa, e procurou uma profissional credenciada. Uma enfermeira que lhe foi recomendada por alguém. Teria de pagar 50 contos (parte para a enfermeira e outra parte para a pessoa que fez a mediação). Conseguido o dinheiro por empréstimo, a enfermeira provocou-lhe o aborto em sua própria casa. Dois dias depois a senhora não aguentava as dores e chamou a enfermeira que, vendo o caso de difícil solução, chamou uma ambulância e levou-a para o hospital. Foi-lhe diagnosticada uma “infecção generalizada”… e morreu no dia seguinte. 

São estes desfechos, impensáveis numa sociedade moderna, que os contrários à IVG querem ver nos telejornais da desgraça dos seus encantos?!…

18 de Junho, 2025 Onofre Varela

Nacionalismo criticado pelo Papa

O sentimento nacionalista é uma faca de dois gumes. Se, por um lado, com ele se pode demonstrar o “amor” (talvez melhor dito) o “interesse”, do cidadão pela terra que é sua, pelo país que é seu, enaltecendo-o por razões perfeitamente válidas que têm a ver com a história familiar que faz o lugar onde nasceu, cujo lugar também acabou por o moldar numa simbiose natural difícil de igualar… é um sentimento poderoso, verdadeiro e, podemos dizer, mesmo… saudável (se for bem tomado).

Porém, há outro sentimento nacionalista que deve ser evitado… é aquele que acaba por inquinar mentes defeituosas, divorciadas de qualquer sentimento de fraternidade e saber, quando o nacionalismo propalado por tal defesa não passa do “egoísmo nacionalista patriótico”, apodrecido, mal cheiroso na sua vertente mais estúpida, sacana e doentia, configurando a ideia extremista de que “esta terra é minha e de mais ninguém”. É uma ideia egocentrista a evitar por qualquer pessoa de bem. Aliás, nem ideia será… é uma “ideiinha” só possível a quem não tem ideias!

A “minha terra” é, em termos geológicos e universalistas, a terra de toda a gente. Todos nós nascemos no mesmo planeta que é a nossa verdadeira terra, independentemente do local que pisemos. Podemos defender o valor afectivo que nutrimos pelo “nosso torrão”, pela “nossa rua”, mas sem esquecermos que “a rua dos outros” é tão importante quanto a nossa que pode ser calcorreada e habitada por quem nasceu noutras ruas… noutros torrões. (Aqui podemos abordar costumes étnicos “dos outros”, que são representativos “da rua deles”. Valores que nós também temos, embora sejam diversos dos seus. Esta diversidade faz a riqueza étnica da origem de cada um de nós. Mas esta consideração já merece um outro texto para além deste).

A condenação deste egoísmo patriótico esteve bem presente nas palavras do novo Papa, em notícia divulgada pela imprensa um mês após ter sido eleito.

Fonte

, na homilia da missa que celebrou no dia 8 de Junho, criticou o surgimento de movimentos políticos nacionalistas, classificando-os como lamentáveis, sem mencionar especificamente qualquer país ou líder nacional. Esta sua intervenção foi noticiada pelo jornal Público na edição do dia seguinte.

O Papa pediu “que Deus abra fronteiras, derrube muros e dissipe o ódio” seguindo pergaminhos de Francisco, o que aponta para que a sua intervenção política e social perante o mundo de crentes e não crentes, será muito idêntica à do seu antecessor, o que é uma boa notícia, se não para todos os católicos (os mais fundamentalistas [nacionalistas] não concordarão com ele), sê-la-à para todos os religiosos e ateus “de boa vontade”.

Este seu pedido foi feito perante uma multidão de dezenas de milhar de pessoas na Praça de S. Pedro, no Vaticano. «Não há lugar para o preconceito, para “zonas de segurança” que nos separem dos nossos vizinhos, para a mentalidade da exclusão que, infelizmente, vemos agora emergir também nos nacionalismos políticos», disse o pontífice.

Antes de se tornar Papa, Robert Prevost, enquanto cardeal, não hesitou em criticar o presidente dos EUA, Donald Trump e o vice-presidente J. D. Vance na rede social nos últimos anos. Francisco, que foi Papa durante 12 anos, era um crítico contundente de Trump e afirmou, em Janeiro, que o plano do presidente de deportar milhões de migrantes dos EUA durante o seu segundo mandato era uma “vergonha”.

Francisco disse mesmo que Trump “não era cristão” por causa das suas opiniões sobre a imigração. “Uma pessoa que pensa apenas em construir muros, seja onde for, e não em construir pontes, não é cristã”, disse Francisco quando questionado sobre Trump em 2016.

9 de Junho, 2025 Onofre Varela

O Papa na Geopolítica

Há quem recorde uma frase do Papa Francisco quando lhe ofereceram um livro onde o autor narra as campanhas organizadas contra si a partir dos círculos ultraconservadores dos Estados Unidos da América (EUA). Bergóglio terá dito: “Para mim é uma honra ser atacado por americanos”. 

O novo Papa, Leão XIV (de seu nome Robert Francis Prevost), enquanto americano pode falar com Trump usando estatuto de “cidadão americano” para “cidadão americano”, sem que o presidente dos EUA se coloque em bicos de pés sobre a sua nacionalidade que imagina superior à de qualquer outro cidadão do mundo. 

Notícias de Vila Real

Têm, ambos, histórias familiares idênticas. O papa nasceu nos EUA, sendo filho de pai com ascendência francesa e italiana, e de mãe com ascendência espanhola. Por sua vez, Donald Trump também nasceu nos EUA, sendo filho de pai descendente de imigrantes alemães, e de mãe escocesa. Trump expulsa imigrantes que procuram melhorar a sua vida buscando trabalho nos EUA, esquecendo a sua origem idêntica à daqueles que expulsa. 

Os seus progenitores tiveram a sorte de ser recolhidos pela mesma América… mas de outro tempo e com outro presidente. Agora a Igreja Católica tem um Papa dos EUA, mas que também é sul-americano como era o seu antecessor. Dos EUA porque nasceu em Chicago… e sul-americano porque viveu o seu sacerdócio no Peru, adquiriu a nacionalidade peruana e conhece a realidade social dos povos mais pobres do continente, sempre tão desprezados pelos poderosos da Economia dos EUA. 

Leão XIV tem um trunfo para jogar com Trump: a sua autoridade moral… coisa que Trump nem imagina o que seja. 

O clérigo Francis Prevost não é um intruso para os americanos… é “um deles”! E para os Sul-americanos também é “um deles”. Trump não pode rotulá-lo de “perigoso marxista” como a extrema-direita internacional apoucava o Papa Francisco. 

Agora há um rosário de perguntas que todo o mundo espera ver respondidas pelas acções de Leão XIV: como serão as suas relações, enquanto referência moral, com Donald Trump? E com a China, a Rússia, a Ucrânia, Israel, o mundo árabe e os povos latino-americanos? 

Respostas difíceis de encontrar, mas que deixam esta preocupação no ar: “o Papa nunca devia ser um natural da primeira potência mundial”. 

Espera-se um grandioso trabalho da máquina diplomática do Vaticano e da sua secretaria de estado. Hoje, o Vaticano é mais do que um estado e uma religião num mundo semeado de estados e de religiões. No mundo actual é inevitável um choque cultural, político e moral com epicentro na sua polarização. 

Trump, com a sua arrogância, representa um populismo desrespeitador de valores humanos, seguido também por Giorgia Meloni, de Itália, por Viktor Orban da Hungria, pelo Vox de Espanha e pelo seu correspondente Chega, de Portugal. Políticos que, hipocritamente, rezam ao mesmo Deus de Leão XIV… mas com os quais a Igreja não pode pactuar, sob pena de degradar a sua imagem, que foi tão bem retocada e polida por Jorge Mario Bergoglio. 

29 de Maio, 2025 Onofre Varela

Tomás da Fonseca e o Anticlericalismo

O termo Anticlericalismo já foi pronunciado como insulto. Houve tempo em que rotular alguém de “anticlerical” era apelidá-lo de “mal comportado”, na definição mais suave do termo. Um anticlerical era o demónio em pessoa e não merecia mais do que ter a alma a arder no Inferno! Para além deste folclore de crendice direi que, hoje, em Portugal, não há Anticlericalismo pela simples razão de não haver Clericalismo! (Ou há?!…) O Anticlericalismo só existe na razão directa do Clericalismo que quer combater. É como um antivírus que só existe porque há o vírus. Não existindo este, não há razão para existir aquele.

O Anticlericalismo em Portugal existiu com uma força feroz num tempo em que havia um Clericalismo igualmente feroz. Penso que o último Anticlericalista Português foi Tomás da Fonseca (1877-1968), detentor de uma forte personalidade invulgar que o enviou para a cadeia diversas vezes por razões políticas. Na Primeira República foi chefe de gabinete de António Luís Gomes, que era ministro do Fomento do Governo Provisório, e ocupou o mesmo cargo ao serviço do primeiro-ministro Teófilo Braga. Foi eleito deputado à Assembleia Constituinte em 1911 pelo círculo de Santa Comba Dão, e em 1916 foi eleito senador por Viseu. Atento aos aspectos mais negativos da Igreja de então, numa intervenção que fez em 1912, denunciou casos de padres pedófilos… problema que, como se vê, não é só de hoje!

CM Mortágua

Os regimes ditatoriais mereciam-lhe o maior repúdio, e por isso foi preso em 1918 por se opor à ditadura de Sidónio Pais. Voltou à cadeia dez anos depois, em Coimbra, e tornou a ser preso em 1947 por ter protestado contra a existência do Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, para onde Salazar enviava presos políticos.

As razões de Tomás da Fonseca tinham uma causa histórica, e para a compreendermos temos de recuar no tempo. A 8 de Dezembro de 1854 o Papa Pio IX proclamou o dogma da Imaculada Conceição, a cuja cerimónia assistiu o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Guilherme Henrique de Carvalho, que conseguiu apoio papal para construir o templo do Sameiro, em Braga, dedicado a “Maria que engravidou sem mácula”.

Por todo o reino a coroa ofereceu património à Igreja, o que se reflectiu no sentimento religioso das populações que rejubilaram com os novos templos e recintos religiosos. Ao mesmo tempo reforçava-se a concórdia existente entre o Reino e a Igreja. 

Na sequência disto, no tempo de Tomás da Fonseca (já adulto) clamava-se por mais intervenção do poder eclesiástico na vida social. Era impossível para o pensador, democrata e republicano Tomás da Fonseca, assistir àquela “bagunça-político-religiosa” e ficar calado!… 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

18 de Maio, 2025 Onofre Varela

O que é defender a Paz?

As convulsões sociais constituem sempre um excelente pretexto para os credos religiosos, que se dizem defensores do bem contra o mal e da harmonia entre os povos, virem a terreiro deixar a sua palavra em defesa da paz e da concórdia. A defesa da Paz não é tomada, apenas, pela Igreja. Também partidos políticos a defendem (aliás, essa é uma das suas principais obrigações).

Habitualmente estas religiosas e políticas intenções moralizadoras, são inoperantes porque a moral é coisa que os fazedores da guerra não têm, nem querem ter… se a tivessem, não faziam guerras! Não esqueçamos que fazer a guerra não é a atitude do invadido… o invadido não faz guerra… apenas se defende do invasor… e este, sim, é quem faz a guerra! O recurso às armas para nos defendermos do invasor não é o mesmo que usarmos armas para invadir. A diferença entre as duas atitudes é abissal.

Acredito que para as mentes religiosas apregoadoras da paz para a Ucrânia, seja um acto salvador quando um bispo demonstra fraternidade por aquele sofrido Povo Ucraniano, num discurso pretensamente redentor… mas acredito ainda mais que, em termos práticos, em termos da vida real, da realidade que faz a guerra… tais actos redentores saídos dos púlpitos… não valem mais do que zero!… Estão distantes da realidade por viverem na fantasia religiosa. 

Gerado por IA

Não só neste momento de guerra na Ucrânia, mas também na nossa realidade política e económica caseira de todos os dias, em momentos de convulsões sociais, às vezes os bispos juntam-se ao coro de protestos dos povos, alertando os governos para práticas políticas ou económicas que, na óptica da Igreja, prejudicam os cidadãos dos países em conflito. Muitos desses discursos soam a falso… apenas são beatos e inoperantes.

Estou a lembrar-me do apelo que o Papa Francisco fez a Zelensky no dia 20 de Março de 2024, ao pedir ao Governo ucraniano que tenha  “a coragem da bandeira branca e de negociar” com a Rússia, numa declaração que foi interpretada como um apelo à rendição do país perante a invasão russa, merecendo a crítica da Polónia que, então, sugeriu ao Papa que “encoraje Putin a retirar o seu Exército da Ucrânia”. 

Tal como a Igreja, também há partidos políticos que enchem a boca com a palavra Paz, mas não definem o que pretendem dizer com ela. Esta atitude obriga-me a interrogar: o que é a Paz? É o invadido render-se ao invasor? É deixar de lutar pela liberdade e pela independência, aceitando a invasão e a opressão? Se a Ucrânia entregar à Rússia (como Putin e Trump querem) as partes do território ocupadas pelo exército russo, os ucranianos vão, a partir desse dia, viver em paz? 

Evidentemente que não. O mais certo será terem a bota militar do Kremlin a persegui-los e a esmagá-los por toda a vida. Neste caso da Ucrânia, a palavra Paz só pode significar “vencer Putin”… e nunca submeter-se-lhe. Qualquer outro final diferente desta matriz é a continuação da guerra (a um nível mais benéfico para Putin) e da opressão de um ditador sobre a população de um país vizinho que, até então, foi democrático e legal perante a lei internacional… e que deixará de o ser! 

6 de Maio, 2025 Onofre Varela

ATEÍSMO, RESPEITO E ELEIÇÕES

No meu último texto de opinião manifestei o meu respeito e a minha admiração pelo clérigo Mario Bergóglio, enquanto Papa Francisco e chefe supremo da Igreja Católica. Este meu sentimento poderá ter leituras variadas, desde logo pelos religiosos (católicos ou outros) socialmente menos esclarecidos e mais fundamentalistas, que poderão sentir repulsa pelo apreço que um ateu pode nutrir pelo Papa, convencidos que estão de a religião que professam ser uma coutada privada da fé, interdita a quem não comunga dessa mesma fé (ou por ateus que detêm o mesmo sentimento fundamentalista).

Para um religioso que assim sente, um ateu não passa de um ser menor que não lhe merece qualquer respeito. Esta é uma atitude que não me merece nada mais do que um sentimento de pena por quem assim se comporta numa sociedade que, para atingir a maioridade, tem de ser composta por cidadãos donos de opiniões diversas, semelhantes ou contrárias às suas, de mente aberta e atentos às diferenças comportamentais e de pensamento que, por serem lícitas, merecem respeito: o mesmo respeito que eu sinto pelo Papa Francisco e por quem o adora para além do Homem que foi. (Estas diferenças de pensamento têm uma ressalva. Na lista não entram ideologias nazis nem xenófobas).

Ao iniciar esta escrita veio-me à mente um outro exemplo de respeito pela figura de um Papa, o qual quero registar aqui.

O Papa João Paulo II faleceu no dia 2 de Abril de 2005. Então eu tinha saído do Jornal de Notícias havia cinco anos, tendo-me dedicado ao teatro (uma paixão antiga mas que não podia concretizar porque, em termos horários – tarde e noite – a actividade teatral se sobrepõe à de jornalista). Liberto do jornal fui convidado pelo autor e actor Lopes de Almeida, que dirigia a companhia residente no Teatro Sá da Bandeira, no Porto – encenando uma revista por ano, e para as quais eu fazia o lettering e ilustrações para o pano da fachada e programa – para fazer parte do elenco. As revistas estreavam no palco do Sá da Bandeira em Dezembro, e aí se mantinham até Fevereiro, altura em que a companhia partia em “tournée” pelo país, aos fins-de-semana, até Junho. 

Naquele dia de Abril de 2005, a companhia representava a revista “Vira o Disco e Toca a Mesma” num teatro de uma cidade que não recordo qual. Soubemos da morte do Papa momentos antes do início do espectáculo e eu sugeri a Lopes de Almeida que abrisse o espectáculo com todos os actores e técnicos em cena, e convidasse os espectadores para cumprirem um minuto de silêncio em memória do Papa João Paulo II.

A minha ideia não foi acolhida de imediato. Lopes de Almeida, sendo profundamente católico, não a considerou num primeiro momento… mas, em reunião nos bastidores, toda a companhia considerou que devíamos fazê-lo. Assim se fez, os assistentes daquele espectáculo aderiram ao minuto de silêncio, e João Paulo mereceu um forte e longo aplauso antes da abertura do pano e da entrada do corpo de baile ao som da marcha do início da representação. 

A parte curiosa desta cena estava reservada para o final do espectáculo. O meu colega Manuel Monteiro, actor e radialista (foi a voz da Rádio Festival durante vários anos) comentou: “Foi um ateu que se lembrou de homenagear a memória do Papa no momento da sua morte!… Nunca pensei que isto pudesse acontecer.”

O ateu sabe da inutilidade da figura do Papa na sua filosofia de ateu… mas também sabe que o mundo não é só dele nem dos seus correligionários na filosofia ateia. O Papa, quer os ateus queiram, quer não, é uma figura moral ligada a uma religião com muita força em Portugal, cujos crentes merecem todo o respeito, não só como seres humanos que são, iguais a qualquer ateu, mas também no respeito pelas suas convicções religiosas (muitos religiosos é que não sabem desta igualdade que nos nivela… o resto acontecerá logo que o religioso entenda o ponto de vista do ateu!).

Este respeito devido pelos ateus aos religiosos, tem a sua reciprocidade… também é devido pelos religiosos aos ateus… e não é sinónimo de desrespeito nem de silêncio. Todos temos o direito e a obrigação de expormos o nosso pensamento, mesmo quando não estamos alinhados pelo pensamento de uma maioria, desde que não ultrapassêmos a linha vermelha do respeito devido ao outro sem que se chegue ao insulto, nem pretendamos calar “quem não pensa como eu quero que ele pense”!… Esse é o sentimento dos ditadores… e há meio século que nos libertamos do último que teve lugar no poder.

Vamos conservar a Liberdade de Pensamento neste momento eleitoral, votando por ela contra qualquer forma de ditadura… que anda por aí e todos os dias nos ameaça, mais concretamente agora, nas eleições que temos à porta, nas quais temos de ter em conta a eliminação da “ressalva” referida mais acima.

26 de Abril, 2025 Onofre Varela

“FRANCISCUS”

A memória do Papa Francisco merece a minha consideração de ateu, pela sua postura perante os pobres, os imigrantes e as mulheres, mais a aceitação no seio da Igreja daqueles que até aí eram escorraçados pela orientação sexual ou por serem divorciados. Tal atitude colocou-o a léguas da “beatice” dos Papas que o precederam e que conheci ao longo dos 80 anos da minha vida.

Como ponto alto da sua postura em favor da decência, Mario Bergoglio terminou com o segredo da confissão para criminosos pedófilos, entregando à sociedade civil, para que fossem julgados, os homens da Igreja que abusaram sexualmente de crianças. Para além disto, Bergoglio era, por essência, um “homem bom”… o que se notava no seu rosto e nos seus discursos. Ao mesmo tempo que demonstrava ser um clérigo diferente para melhor (atingindo a excelência) teve atitudes perfeitamente humanas, demonstrando ser um homem igual a todos os outros, carregando virtudes e defeitos de que qualquer um de nós é portador.

Por isso Francisco recusou a “capa de santo” tão comum na ornamentação da figura dos Papas, como que se um qualquer cardeal promovido a Papa fosse produzido por um espermatozoide de qualidade extra… à semelhança do “fiambre da pá”! O Papa Francisco assumia-se como sendo igual a qualquer pedreiro analfabeto ou ministro doutorado, como se demonstra na sua atitude ao bater na mão de uma crente que o queria agarrar num dos seus passeios na Praça de S. Pedro.

O modo de actuar do Papa Francisco foi diametralmente oposto ao seu antecessor, e contrário a muitos interesses instalados na Igreja (que se afirma espelho da perfeição, mas que no seu interior alberga tantos imperfeitos) o que transformou o Vaticano em “ninho de víboras” para o bispo argentino Mario Bergoglio. Recorde-se que em 2013, o alemão Ratzinger, no papel de Papa Bento XVI (B16), resignou ao cargo, obrigando à eleição de novo chefe para ocupar o trono da Igreja. B16 não era bem visto por alguns católicos situados na ala mais progressista da Igreja, que nunca deixaram de o criticar frontalmente por não esquecerem o seu passado à frente do Gabinete para a Congregação da Fé (substituto da “Santa Inquisição” de má memória). As suas acções de militante da extrema-Direita política a que colou o seu pensamento, foram notórias nos processos que desenvolveu para destruir o movimento denominado Teologia da Libertação, iniciado na década de 1950 pelo teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, seguido pelo brasileiro Leonardo Boff, pelo salvadorenho Jon Sobrino e pelo uruguaio Juan Luis Segundo, entre outros.

Teologia da Libertação foi um movimento religioso e social muito desejado pelos paupérrimos povos católicos de toda a América Latina, sempre explorados pelos donos do dinheiro que o Vaticano protege na sua habitual dicotomia: no altar com os pobres e à mesa com os ricos! Por isso era notório o desprezo que muitos bispos sentiam por B16, o que não terá sido alheio à sua resignação. Francisco mostrou ser um bispo diametralmente oposto ao comum, o que lhe granjeou ódio dentro da Santa Sé. Instituiu-se uma guerra nos meios eclesiásticos, financeiros e políticos, contra si, o que sublinha a característica política e intriguista da Religião em geral, e da “Santa Sé” em particular.

Em 2019 li que “ultra-conservadores milionários norte-americanos – apoiados pelos partidos da Direita extremada do país de Donald Trump e da Europa – ensaiam um golpe palaciano que condicione a escolha do próximo Papa” (Palavras do jornalista Miguel Marujo na edição do jornal Diário de Notícias de 5 de Outubro de 2019, coincidentes com a opinião do jornalista espanhol Daniel Verdú no jornal El País do mesmo dia). Ciente desta conspiração interna que crescia contra si, o Papa Francisco procurou moldar “o grupo dos seus conselheiros com homens que respondam às suas principais preocupações sociais e religiosas”. É por isso que no lote dos novos cardeais nomeados em 5 de Outubro de 2019, se encontra o português José Tolentino Mendonça, entre outros nomes da sua confiança. Quase 80% dos 140 cardeais eleitores escolhidos por F1 têm menos de 80 anos e vão participar no conclave que vai eleger o novo Papa. Como ateu espero “a perfeição da Igreja”, nomeando um Papa com uma linha de pensamento semelhante à de Francisco. 

21 de Abril, 2025 Onofre Varela