3 de Novembro, 2005 Ricardo Alves
Maioria católica no Tribunal Supremo dos EUA
Fontes: Washington Post, Humanist Network News, Americans United for Church and State Separation.
Fontes: Washington Post, Humanist Network News, Americans United for Church and State Separation.
Muito mais poderia ser dito sobre a EMRE, mas os factos são claros: ensina-se o criacionismo e valores éticos retrógrados, dá-se orientação política, e industriam-se os alunos para porem em causa o que aprendem, na escola, fora do âmbito da EMRE. A existência na escola pública da Educação Moral e Religiosa acarreta portanto consequências para todos os alunos, evangélicos, católicos, ateus ou outros. É um autêntico cancro, que deveria ser debelado, sob perigo de estarmos a educar na escola pública gerações inteiras expostas à crença de que o mundo foi criado há seis mil anos (com fósseis e tudo) e que o ser humano sem «Deus» está ética e politicamente perdido. Por mim, que sou ateu e tolerante, até podem ensinar estes disparates na privacidade das suas igrejas. Mas será que peço demais quando exijo que o façam fora da escola pública e sem usarem o meu dinheiro?
No final de Setembro assisti, na Universidade Lusófona, a um debate integrado no colóquio «A religião na escola». Na mesa encontrava-se, entre outras pessoas ligadas ao ensino da religião, a responsável principal da COMACEP (Comissão para a Acção Educativa Evangélica nas Escolas Públicas). Suspeitando eu, há já alguns anos, de que o criacionismo é ensinado nas aulas de «Educação Moral e Religiosa Evangélica» (EMRE, que existe na Escola Pública portuguesa a par das aulas de «Educação Moral e Religiosa Católica», «Educação Moral e Religiosa Baha´i» e – já com quatro turmas em 2004-2005 mas ainda sem programa aprovado – «Educação Moral e Religiosa» das Testemunhas de Jeová) aproveitei a oportunidade para fazer, directamente, a pergunta que me pesava na consciência:
– O criacionismo é ensinado nas aulas de Educação Moral e Religiosa Evangélica?
A resposta, para mim chocante, veio imediatamente, olhos nos olhos:
– Exactamente.
Portanto, meninas e meninos, senhoras e senhores, cidadãs e cidadãos, o criacionismo é admitidamente ensinado nas escolas públicas portuguesas, por professores pagos pelo erário público, e em aulas a que neste momento já assistem quase dois mil alunos em quase duzentas turmas de todos os distritos do continente e ilhas. O obscurantismo criacionista não é exclusivo de países exóticos do outro lado do Atlântico, existe e medra com o apoio do Estado aqui em Portugal…
Posto isto, a questão que qualquer pessoa, se se preocupar com a difusão de uma mentalidade crítica e científica, ou meramente com a realidade factual, imediatamente se coloca, é se será legal ensinar na Escola Pública falsidades cientificamente comprovadas como tal, como é o caso (flagrante) do criacionismo? Em abono da verdade, diga-se que o programa de EMRE foi aprovado há já mais de quinze anos pelo Ministro da Educação da época, Roberto Carneiro (significativamente, ele próprio membro de uma organização católica obscurantista, o Opus Dei). Portanto, foi considerado legal pelo poder político… mas nem por isso deixa de ser uma vergonha e um escândalo.
Os clericais argumentam, em defesa do proselitismo evangélico (ou outro) na Escola Pública, que se trata de uma matéria opcional. Mas, mesmo como opção curricular, será legítimo usar a escola pública e o dinheiro público para fazer proselitismo religioso? Esta é uma questão de princípio, à qual eu, como laicista, respondo «não». Mais ainda, a simples presença da disciplina de EMRE (e respectivos professores) na Escola Pública tem consequências para alunos que não se inscreveram em «Educação Moral e Religiosa» alguma, devido à organização de actividades proselitistas dentro das escolas do nosso país, como foi o caso (escandaloso e mediatizado) da Bíblia Manuscrita Jovem, e como acontece com exposições e passeios organizados pelos professores de EMRE (e EMRC). Portanto, mesmo os filhos de pais ateus ou agnósticos são expostos aos dogmas absurdos do criacionismo evangélico, e aos valores ético-políticos reaccionários que também são inculcados na disciplina referida.
Eu viria a ter a um segundo choque… (continua)
O «crime» do padre Lange consistiu na ousadia de publicar no boletim da igreja um artigo em que cometia o sacrilégio de se manifestar contra a proposta de emenda constitucional que visa proibir o casamento homossexual nos Estados Unidos e que, com o incansável e entusiástico apoio da ICAR, tem vindo a ser implementada pelos mais conservadores e reaccionários sectores das igrejas evangélicas americanas:
«Os padres desta paróquia não podem apoiar esta emenda à Constituição; não lhe reconhecem qualquer utilidade e vêem-na como um ataque a certas pessoas da nossa paróquia, nomeadamente as que são gays».
É perfeitamente típica esta posição dos responsáveis católicos americanos que, coerentemente, diga-se, continuam a preferir os mais reprováveis e retrógrados sentimentos homofóbicos, à liberdade de consciência dos seus próprios membros.
E aqui divirjo, num ponto importante, do católico leigo Miguel Marujo: um Estado laico não tem qualquer obrigação de ajudar uma facção dos seus cidadãos (ou várias facções) a difundir a sua religião, e ainda menos integrando uma disciplina confessional no espaço físico e no horário do ensino público. A laicidade significa justamente que o Estado não deve promover nem constranger desnecessariamente qualquer religião. A transmissão da religião pode ser feita (e deverá continuar a sê-lo enquanto houver quem assim o queira) no âmbito associativo. Aliás, isso já acontece, o que torna mais prescindível a duplicação que a Educação Moral e Religiosa constitui face aos cursos fornecidos nas igrejas.
A terminar, devo recordar que somos todos anti-qualquer-coisa. Por mais diálogo inter-religioso que façam, existirão sempre muitos católicos anti-ateísmo, anti-IURD ou anti-Testemunhas-de-Jeová, enquanto existem ateus anti-religiosos e muçulmanos anti-quase-tudo. Justamente para gerir estes conflitos potenciais, o Estado não pode ser nem pró nem anti; pelo contrário, deverá abster-se em matéria religiosa e assim ser efectivamente laico.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.