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O criacionismo é ensinado na escola pública portuguesa (1)

No final de Setembro assisti, na Universidade Lusófona, a um debate integrado no colóquio «A religião na escola». Na mesa encontrava-se, entre outras pessoas ligadas ao ensino da religião, a responsável principal da COMACEP (Comissão para a Acção Educativa Evangélica nas Escolas Públicas). Suspeitando eu, há já alguns anos, de que o criacionismo é ensinado nas aulas de «Educação Moral e Religiosa Evangélica» (EMRE, que existe na Escola Pública portuguesa a par das aulas de «Educação Moral e Religiosa Católica», «Educação Moral e Religiosa Baha´i» e – já com quatro turmas em 2004-2005 mas ainda sem programa aprovado – «Educação Moral e Religiosa» das Testemunhas de Jeová) aproveitei a oportunidade para fazer, directamente, a pergunta que me pesava na consciência:

– O criacionismo é ensinado nas aulas de Educação Moral e Religiosa Evangélica?

A resposta, para mim chocante, veio imediatamente, olhos nos olhos:

– Exactamente.

Portanto, meninas e meninos, senhoras e senhores, cidadãs e cidadãos, o criacionismo é admitidamente ensinado nas escolas públicas portuguesas, por professores pagos pelo erário público, e em aulas a que neste momento já assistem quase dois mil alunos em quase duzentas turmas de todos os distritos do continente e ilhas. O obscurantismo criacionista não é exclusivo de países exóticos do outro lado do Atlântico, existe e medra com o apoio do Estado aqui em Portugal…

Posto isto, a questão que qualquer pessoa, se se preocupar com a difusão de uma mentalidade crítica e científica, ou meramente com a realidade factual, imediatamente se coloca, é se será legal ensinar na Escola Pública falsidades cientificamente comprovadas como tal, como é o caso (flagrante) do criacionismo? Em abono da verdade, diga-se que o programa de EMRE foi aprovado há já mais de quinze anos pelo Ministro da Educação da época, Roberto Carneiro (significativamente, ele próprio membro de uma organização católica obscurantista, o Opus Dei). Portanto, foi considerado legal pelo poder político… mas nem por isso deixa de ser uma vergonha e um escândalo.

Os clericais argumentam, em defesa do proselitismo evangélico (ou outro) na Escola Pública, que se trata de uma matéria opcional. Mas, mesmo como opção curricular, será legítimo usar a escola pública e o dinheiro público para fazer proselitismo religioso? Esta é uma questão de princípio, à qual eu, como laicista, respondo «não». Mais ainda, a simples presença da disciplina de EMRE (e respectivos professores) na Escola Pública tem consequências para alunos que não se inscreveram em «Educação Moral e Religiosa» alguma, devido à organização de actividades proselitistas dentro das escolas do nosso país, como foi o caso (escandaloso e mediatizado) da Bíblia Manuscrita Jovem, e como acontece com exposições e passeios organizados pelos professores de EMRE (e EMRC). Portanto, mesmo os filhos de pais ateus ou agnósticos são expostos aos dogmas absurdos do criacionismo evangélico, e aos valores ético-políticos reaccionários que também são inculcados na disciplina referida.

Eu viria a ter a um segundo choque… (continua)