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Autor: Carlos Esperança

21 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Os treinos da selecção nacional para o Euro 2004

Vem hoje no Expresso (pg. 25) que o treinador Scolari deu um importante passo na preparação dos jogadores: pô-los a «rezar em conjunto». O pai-nosso foi a arma escolhida para subornar o Altíssimo e, assim, alterar a verdade do jogo.

Sabe-se que o pai-nosso é uma droga que as análises não acusam, mas não há a mais leve suspeita sobre a sua eficácia.

O prestigiado treinador sabe que um placebo pode ser útil e, por isso, recorre ao pai-nosso. Não é justo, contudo, que deixe mal colocado o deus em que os jogadores acreditam ou, em caso de improvável vitória, com o ónus vergonhoso de se ter deixado subornar por umas orações colectivas.

20 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Resposta a um artigo da Visão, de 19 de Fevereiro

No artigo «Ateus graças a Deus» (n.º 572) Pedro Norton (PN) zurze a “lei dos véus” de forma sectária e pouco esclarecedora.

Considerá-la «na linha do jacobinismo e do anticlericalismo mais primário», «a mais estúpida da V República» e «um privilégio das ideias verdadeiramente cabotinas», é não compreender as razões que levaram ao amplo consenso entre deputados e na sociedade francesa.

O véu é um símbolo da opressão da mulher cujo uso os fundamentalistas islâmicos impõem e com o qual afrontam e provocam o carácter laico da escola francesa.

O que está em causa é o combate contra o fascismo islâmico que não abdica de um regime teocrático e que não tolera a modernidade. Hoje impõe o véu, amanhã reivindica a excisão, depois a poligamia e, finalmente, a charia.

O perigo para as democracias, ao contrário do que pensa PN, reside no clericalismo e no proselitismo que desenvolve nas mesquitas, igrejas e sinagogas, com uma agressividade que urge conter.

19 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

O céu a seu dono – natal de 2003. A hierarquia é sagrada



No céu todos os dias são dias de ser bom. É por isso que o dia de natal é dia de ser infinitamente bom.

Deus lá está sentado entre a infinita corte celeste cuja única função é adorá-lo. À sua direita JC, perpetuamente sentado, para não desmentir o catecismo, diverte-se a ver serafins, querubins e tronos que ao fins de tarde vêm perguntar pela saúde de deus. De manhã é a vez das dominações, virtudes e potestades lhe tratarem os calos e catarem a barba. E, durante todo o dia e toda a noite os principados, arcanjos e anjos levam bolinhos e servem o chá.

A fauna celeste é muito bem organizada e nunca se mistura. Às vezes lá se vê uma virtude a acenar respeitosamente a um serafim, não mais do que isso, ou, numa curva do céu, um arcanjo a inclinar-se perante um velho querubim, conhecimento antigo, sem quebra do protocolo nem mistura que insubordine o espaço celeste. Foi uma birra que logrou o alvará de construção do inferno, coisa antiga de que nunca mais se falou.

No dia de natal deus deixa o seu amado filho J.C. jogar ao gamão com o espírito santo e autoriza a mãe beijar-lhe a mão. Jesus fica muito contente e pede ao pai para não o confundir com o mistério da trindade, coisa complicada para o seu grau de instrução, e não lhe perguntar pelo santo prepúcio. E todos bebem vinho novo enquanto as almas pulam de satisfação. Depois é a vez de o espírito santo retomar o voo e ficar a pairar por cima das almas que têm a obrigação de ser felizes.

No dia de natal os doze indefectíveis que lhe publicitaram as virtudes e divulgaram os milagres têm autorização para recordar-lhe os truques e falar do pasmo dos fregueses. Lucas lembra-lhe a dificuldade de convencerem Lázaro a ficar calado, Mateus o atrevimento de ir ao templo discutir com os doutores, coisas da adolescência, e Simão não se cansa de citar as dificuldades de tirar licenças e pagar o barco em segunda mão antes de terem aprendido a pescar e feito a sociedade.

Todos sublinham o papel que tiveram quando se lançaram no ramo religioso e só lhes é vedado falar do calvário, um período menos feliz de JC que o anjo rebelado atribuiu à falta de estratégia e défice de liderança. Às vezes, quando fazem muito barulho, deus aconselha-os a falarem baixo para não estragarem o negócio que JC deixou na Terra. Era uma chafarica quando morreu mas Pedro imprimiu-lhe carácter profissional enquanto Paulo se lançou à conquista do mercado. Graças à visão empresarial até a mudança da sede para Roma foi um golpe de génio como se pode ver dois mil anos depois, com os estabelecimentos iniciais a fecharem sob a concorrência agressiva dos negócios de Maomé.

Ás vezes apreciam as queixas do papa, sempre furioso com os ateus, e acham que ele está senil. Crêem que o preservativo é mau mas ignoram a função. Teresinha de Ávila pediu alguns, sentiu calores, foi fazer com eles alheiras para Jesus e apareceu corada a desculpar-se das cores e do sabor. Madre Teresa também fez uma encomenda, exigiu preto e branco e recusou sabores antes de os furar e entregá-los no hospital da SIDA.

S. José tem uma pequena oficina num vão de escada, não fala com ninguém e nunca mais entrega o berço que um trono lhe encomendou para deitar um anjo que partiu as asas e as tem engessadas.

Os profetas criam cenários e fazem previsões sobre o futuro. Deus acha-lhes graça e manda publicar os palpites no Observatore Celeste. Quem ganha tem direito, nessa semana, a refrescos servidos por Madalena, com um vestido transparente. A princípio JC fazia birras mas deus entendeu em seu entendimento que os ciúmes são incompatíveis com o lugar e o estatuto de príncipe. Por isso hoje todos são muito felizes no dia de natal e nos vulgares. Em 2003 houve apostas entre Jeremias e Isaías sobre a data de chegada de JP2 o que provocou grande agitação e fez surgir uma lotaria sob os auspícios da Santa Casa de Deus & C.ª, Lt.ª.

17 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Julgamento de Aveiro – absolvição

A profunda humilhação de que foram vítimas as rés do julgamento de Aveiro, bem como o risco efectivo de serem condenadas, não se apaga com a absolvição que honra a justiça, irrita o Ministério Público (MP) e deixa desolado o bispo da diocese.

Não se pode deixar de admirar à acusação o zelo persecutório, na melhor tradição inquisitorial, com escutas telefónicas, encerramento de um consultório, prisão preventiva de um dos arguidos e exames ginecológicos impostos às arguidas.

Compreende-se que se tenham retirado recursos do combate à droga, ao crime organizado e à fuga ao fisco porque um crime ainda maior – o aborto – ameaçava comprometer o destino da alma de 7 mulheres. Sem resultado, aliás.

Nos próximos dias aparecerão imagens que choram lágrimas de cera enquanto o MP recorre e as beatas rezam. A hipocrisia e o cumprimento da lei seguirão o seu curso enquanto o CDS se transforma cada vez mais num comité para a glorificação dos mártires da fé cristã.

Algures em Lamego, o antigo deputado João Morgado, que entende que «o acto sexual só é legítimo para fazer filhos», persigna-se furiosamente, o ministro Paulo Portas vai empanturrar-se em hóstias com o ministro Bagão Félix, a ministra Cardona e a secretária de Estado Mariana Cascais metem baixa para rezarem uma novena, antes de se lavarem com água benta.

Portugal parece um santuário medieval de devoção mariana, onde os pecados permanecem crimes, mas, com esta sentença, deixou de ser um protectorado do Vaticano.

Hoje o papa pode babar-se, mas não é de gozo, pode tremer, mas não é de emoção, pode rir-se das orelhas à tiara, mas não é de satisfação. Hoje é um dia triste para JP2, o bispo de Aveiro e os beatos do país inteiro.

É um dia de júbilo para todos os que se batem pela descriminalização do aborto.

17 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Percurso de um ateu. O meu caminho

Primeiro, julguei que a minha religião era falsa; depois, tive a certeza; finalmente, soube que eram todas.

16 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Prémio Nobel da Paz

Saber que G. W Bush e Blair estão propostos para o prémio Nobel da Paz, ajuda a perceber que o nome de João Paulo II tenha sido igualmente alvitrado

Qualquer dia Maomé (esse mesmo, o profeta) aparecerá proposto para patrono da confraria do leitão à Bairrada.

15 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

O bispo de Aveiro é contra o aborto

Uma igreja que durante 2 mil anos defendeu a pena de morte, e frequentemente a aplicou, não se conforma com o aborto.

O papa JP2 levou a crueldade ao ponto de o proibir às freiras violadas durante a guerra de que foi um dos responsáveis e que conduziu à desintegração da Jugoslávia. E atingiu o último patamar da demência mística ao obrigar essas mães a darem os filhos para adopção para poderem continuar a ser freiras.

Não admira, pois, que o Sr. António Baltazar Marcelino, bispo de Aveiro, zeloso capataz da ICAR, acoime de «regresso à barbárie» a descriminalização do aborto que bispos católicos menos trogloditas já toleram e as forças progressistas preconizam.

Em Portugal a covardia política e a hipocrisia deram-se as mãos para impedirem a resolução de um grave problema de saúde pública.

Graças ao conluio dos partidos da maioria, cuja legitimidade para governar se não contesta – até gostaríamos que o fizessem –, o PSD calendarizou a descriminalização para 2006 criando uma nova e interessante figura no ordenamento jurídico português – a interrupção voluntária da absolvição, enquanto a clandestinidade e a repressão se mantêm.

Entretanto o terrorismo ideológico da ICAR prossegue. O bispo de Aveiro condena as movimentações cívicas pela descriminalização do aborto e declara à Agência Ecclesia que «Se não se respeita a vida nascente indefesa, não há mais razão para se respeitar a vida, seja de quem for e em que circunstâncias for». E ameaça: «Os defensores do aborto estão colocando a espada de morte sobre o seu pescoço…».

Na ICAR há terrorismo verbal a mais e humanidade a menos.

13 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

A onda de santidade ameaça chegar a Portugal



Os meus amigos ateus informaram-me de que está a decorrer o processo de beatificação da venerável Alexandrina cuja biografia é da responsabilidade do arciprestado da Póvoa de Varzim.

Fiquei maravilhado com as virtudes da candidata à santidade e não me surpreendeu o facto de JP2 ter já encomendado os milagres necessários à sua promoção canónica.

Efectivamente a Venerável – e venerada – foi baptizada aos 3 dias de vida, um caso de precocidade que não evitou transtornos psiquiátricos mas a predestinou para exemplo dos créus.

Morreu com a 1.ª classe do ensino primário – habilitações suficientes para a salvação da alma e glorificação do Senhor.

Pela fotografia podemos pensar que a ICAR escolhe os santos a partir de indivíduos feios, porcos e…católicos. É uma conclusão precipitada. Pela foto que exorna a singular biografia ninguém descobre que foi católica.

12 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

As feras de Alá continuam à solta

O desvario metodista de G. W. Bush é responsável pela agressão ao Iraque, com base numa mentira – a existência de armas de destruição maciça. Este cruzado desacreditou a superioridade moral de que as democracias justamente se reclamam e lançou o caos e o ressentimento. A fé e a mentira costumam dar-se as mãos.

O fanatismo islâmico, por sua vez, não distingue entre o seu próprio povo e o exército invasor. Apenas o ódio beato e a obsessão paranóica do paraíso devora os suicidas que perpetram atentados. Nas últimas 24 horas fizeram 102 mortos e provaram que a violência está para durar.

Os aliados confundiram a rapidez da vitória com a virtude da expedição, a febre de destruição com sede de liberdade e procuraram na crueldade do regime de Saddam disfarçar a brutalidade da agressão.

A passividade perante a fúria devastadora de bandos ensandecidos deveu-se à cultura dos soldados americanos. Suspeitando que os sumérios fossem terroristas e os assírios financiadores da Al Qaeda, nas tábuas de gesso, com mais de cinco mil anos, desconfiaram da escrita cuneiforme, e numa cabeça esculpida, da época suméria, não viram além de um busto de Saddam. E foi assim que o museu de Bagdade foi saqueado.

Uma biblioteca a arder, com preciosidades únicas, foi vista como a livraria de um eventual cunhado do ministro da informação e nem o incêndio foi debelado.

Perante a passividade e a indigência dos invasores rapidamente pulularam cáfilas de díscolos numa orgia destruidora e hordas de saqueadores em busca de despojos.

No Iraque o povo que sobrou devastou palácios, arruinou o património, ajustou contas antigas e recentes, desfez o país que restava. Todos juntos não se limitaram a arrasar um país, quiseram apagar uma civilização. Agora restam populações fanatizadas, convencidas de que Alá é grande e Maomé o seu profeta.

É neste ambiente de destruição e anarquia que hoje medra a fé e os mullahs se impõem. Mingua a comida mas sobram as orações; as comunicações estão destruídas mas organizam-se peregrinações a Meca; faltam medicamentos e sobram louvores ao profeta; não funcionam as escolas mas regurgitam as mesquitas.

E não faltam armas, tal como não faltam clérigos a incitar às orações e ao martírio.

Quando os níveis de sofrimento se tornam insuportáveis os povos viram-se para a religião. E o clero aproveita a desgraça para vender a ilusão eterna.