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Autor: Carlos Esperança

1 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Reflexão antes de me entregar nos braços de Morfeu

A seguir ao 25 de Abril de 1974 alguém escreveu numa parede da Faculdade de Medicina de Coimbra:

Deus é parvo.

Alguns dias depois apareceu escrito por baixo:

Parvo és tu.

a) Deus.

Vários meses depois pintaram a parede e, com isso, sumiu-se a única prova da existência de Deus.

1 de Fevereiro, 2004 Carlos Esperança

Subsídios para um dicionário religioso

666 – O número do apocalipse. A besta. Para um cristão ortodoxo corresponde ao presunto e ao preservativo respectivamente dos muçulmanos e católicos.

Aborto – A descriminalização continua refém de uma minoria que parece temer que os seus efeitos se tornem retroactivos e acabe por ter reflexos na sua própria existência.

Amputação – Divertimento idêntico à custa dos ladrões. Só cortam a mão que rouba. Deixam a outra para segunda oportunidade.

Clero – Aristocracia dos crentes de qualquer religião. Os únicos com competência legal para interpretar a vontade divina.

Direitos das mulheres – Incómodo que os hierarcas de quase todas as religiões têm vindo a ter que suportar. Mas há sempre quem resista.

Espanha – A ligação de Aznar ao Opus Dei e o apoio aos EUA são mera coincidência? “O Mundo Secreto do Opus Dei”, de Robert Hutchison, tem como subtítulo: “Preparando o confronto final entre o Mundo Cristão e o radicalismo Islâmico”.

Fátima – Cidade do concelho de Vila Nova de Ourem, importante centro de comércio religioso, procissões, terços, missas e promessas a que a magreza dos milagres não retira o fausto das encenações religiosas. Número da sorte: 13.

Fatwa – Espécie de excomunhão da igreja muçulmana. Costuma ser acompanhada da obrigação de todos os crentes executarem a sentença de morte, actividade que os deixa ansiosos por cumprirem a obrigação.

Lapidação – Divertimento muçulmano à custa da mulher adúltera. A prova pode ser débil mas o prazer de ver uma mulher apedrejada até à morte – prazer que o profeta partilha – compensa largamente.

Monarquia – Bizarra organização do Estado em que o filho mais velho, por mais estúpido que seja, tem direito a ser chefe toda a vida, sem precisar de se submeter a eleições. Os seus defensores não são obrigatoriamente estúpidos, são provavelmente monárquicos.

Papa – Monarca absoluto com o monopólio no fabrico de beatos e santos, exclusividade na criação de cardeais e produção de bispos. Cabe-lhe ainda decidir sobre os anos santos, o valor e o preço das indulgências, a quantidade de bênçãos e o número de excomunhões. Os relatórios da CIA, se ainda lhe chegam, já não são lidos depois da queda da União soviética.

Papabile – “Papável”, isto é, que tem probabilidades de ser Papa. O cardeal Jean Danielou, arcebispo de Paris, tantas vezes foi referido como tal na comunicação social que a loura espectacular Mimi Santoni, de 24 anos, bailarina de strip-tease num cabaré de Paris, quiçá por erro de interpretação, acolhia-o nos seus braços quando um fulminante enfarte de miocárdio resolveu procurá-lo. Não se pode falar de êxtase místico.

Preservativo – Meio eficaz de evitar doenças sexualmente transmissíveis e que produz em JP2 o mesmo estado de espírito que o toucinho a Maomé.

Presunto – Delicioso produto gastronómico com que Maomé embirrou.

Vaticano – Exótico bairro de Roma com o nome de Estado, detentor de valiosas colecções de arte, numerosos dignitários eclesiásticos, sem uma única maternidade nem a mais leve suspeita de princípios democráticos.

30 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Desconfie dos que se gabam de ter boas relações com Deus



Hitler afirmava: “Deus está connosco”, tendo-se apercebido do contrário antes de se suicidar. Em Portugal, durante a ditadura, dizia-se que Salazar fora enviado pela Providência, hipótese que ganhou alguma consistência por Deus castigar os que mais ama, mas hoje tem-se como certo que foi o diabo. Saddam repetiu à exaustão que “Deus é grande”, num manifesto exagero. Antes da invasão do Iraque o Papa rezou pela paz e comprometeu a infalibilidade. Só Bush teve razão para acreditar que Deus estava com ele, mas aí foi o prestígio divino que saiu prejudicado. Quem escreve em notas verdes que acredita em Deus é porque duvida e prefere o numerário.

Hoje, para descrédito dos que se gabam da intimidade com Deus, ficámos a saber que Saddam para ter uma simples entrevista com um alegado empregado teve de subornar um padre.

Esta é a acusação contra o padre francês Jean-Marie Benjamin – que organizou o encontro de Tarek Aziz com JP2.

Pobre Saddam, se uma entrevista do seu ministro dos Estrangeiros ao papa ficou tão cara, percebe-se que não tivesse dinheiro para falar com Deus.

30 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Os facínoras de Deus não aceitam a modernidade

Poder ter qualquer religião ou nenhuma é um direito indeclinável que a sábia decisão francesa acautela, opondo-se à guerra dos véus desencadeada pelos arcaísmos intoleráveis do islão, que não prescinde de regimes teocráticos.

Há medos e ódios que nascem do proselitismo beato bebido no livro único e acirrado nas madraças. A ofensiva desperta reacções islamofóbicas, semelhantes à violência que o catolicismo romano acordaria se a cartilha de Pio IX fosse restaurada. Tal como esse papa também os próceres islâmicos consideram a fé incompatível com a liberdade e a democracia. Não é, pois, uma questão de religião, é um conflito de poderes.

Sendo o islão o que é, a precisar de reforma, não pode tolerar-se-lhe os ataques à natureza laica do Estado. Os facínoras de Deus não aceitam a modernidade e a civilização não pode condescender com desvarios místicos.

É este o problema que grassa em França para desgraça dos franceses. As raparigas que ostentam o véu não reivindicam um direito, fazem uma provocação, quiçá imposta pelos clérigos. Amanhã exigem a burka, depois uma cantina separada, onde estejam longe da carne de porco, e, finalmente, «direito» à excisão e à poligamia. É a perpetuação da discriminação que os constrangimentos sociais lhes impõem. Ninguém as impede de passarem o dia a rezar ou de fazerem jejuns. Podem virar-se para Meca, não podem virar-se contra Paris.

Quando em 1905 a França foi obrigada a uma laicidade musculada tinha boas razões. Hoje tem razões acrescidas. Há princípios irrenunciáveis e deveres obrigatórios. Viva a França. (in Diário As Beiras, de hoje.)

28 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Ninguém pense que a pedofilia é exclusiva da ICAR



A devassidão é uma tradição do clero que a secularização das sociedades permitiu investigar. Dá a impressão de que a ICAR, sobretudo nos Estados Unidos, se converteu num paraíso de pederastas com forte vocação pedófila, mas não é fácil aceitar que os padres católicos sejam mais perversos do que os mullahs islâmicos ou os dignitários de outras religiões.

Claro que é difícil absolver bispos e cardeais que encobriram a actividade criminosa dos seus padres, que pagaram indemnizações aos ofendidos a troco do silêncio, que transferiram sucessivamente de paróquia os agressores, para ofenderem outras crianças e prevaricarem de novo.

Em França o Bispo Pierre Pican acabou condenado pelos tribunais por ter ocultado as actividades pedófilas do sacerdote René Bissey, condenado a 18 anos de prisão por ter abusado sexualmente de 11 menores.

Nos EUA recordamos o Cardeal de Nova York, Edward Egan, que encobriu vários sacerdotes e o Cardeal Bernard Law, Arcebispo de Boston, que se limitava a transferir os delinquentes entre os quais John Geoghan a quem se atribuem 130 vítimas de uma longa e cruel carreira de pederasta.

Não estão em causa as opções sexuais do clero nem a hipócrita exigência da castidade ou do celibato. O que é verdadeiramente inquietante são os crimes contra crianças, vítimas indefesas da confiança cega que os pais depositam nas sotainas.

E não basta que o papa afirme que a Igreja se sente próxima das vítimas. Nestes casos era preferível manter-se um pouco mais afastada.

28 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Com o CDS no Governo não haverá referendo



Há tempos Miguel Veiga, fundador e destacada personalidade do PPD/PSD denunciou a falta de carácter e de lealdade do ministro da Defesa e recusou aceitar a tutela de quem se comporta “de forma inqualificável”. O histórico dirigente limitou-se a dizer alto o que se murmura em surdina, a exprimir um estado de alma do partido, a gritar o que se cala em público e se diz em privado. Foi a propósito da Cruz Vermelha Portuguesa.

Agora, em relação ao aborto, o pio presidente do CDS volta a portar-se de forma inqualificável, com o Governo refém dos seus preconceitos, das suas virtudes públicas, do seu ódio implacável às mulheres. Nem o espectáculo do julgamento de Aveiro lhe atenua os ímpetos persecutórios.

Podem ser inúteis as 100 mil assinaturas para a realização de um novo referendo que ponha fim à perseguição das mulheres. O referendo corre o risco de encalhar na Assembleia da República onde os deputados do PSD serão obrigados a aceitar a tutela do CDS.

Assim, não é no exemplo de Simone Veil, antiga ministra da Saúde francesa, que a Direita portuguesa se revê, cada vez mais longe do exemplo civilizado da Direita europeia, a resvalar para posições trogloditas e caceteiras.

A presença de Paulo Portas, Bagão Félix e Celeste Cardona no Governo é cada vez mais um furúnculo que urge espremer para evitar a inflamação que corrói o aparelho de Estado.

27 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

O atropelamento do porco

O bispo da diocese andava a dar uma volta, por caminhos rurais, a matutar num milagre para convencer os diocesanos da existência de Deus quando, subitamente, o motorista atropelou um porco matando-o instantaneamente.

O bispo disse-lhe para ir à quinta e explicar o que tinha acontecido. Horas depois, vê o seu motorista a cambalear em direcção ao carro, com um cigarro na mão e com uma garrafa na outra. A roupa estava toda amarrotada.

O que é que aconteceu? – perguntou o bispo.

O motorista respondeu:

Bem, o dono da quinta deu-me vinho, comida, cigarros e a sua encantadora filha de 19 anos fez amor comigo, apaixonadamente.

Meu Deus! Mas o que é que lhes disse? – perguntou o bispo.

– Sou o motorista do bispo e acabo de matar o porco!

Desolado, Sua Excelência Reverendíssima pegou no volante do automóvel e só parou no primeiro café que encontrou aberto. Dirigiu-se ao empregado e perguntou:

– Servem cachorros?

– Servimos toda a gente. Diga o que quer.

26 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

João César das Neves terá medo de que a despenalização do aborto tenha efeitos retroactivos?

João César das Neves (JCN) no Diário de Notícias de hoje revela, em relação ao aborto, a mesma compreensão que um talibã reserva para a carne de porco.

Qualifica-o de «infâmia suprema», maior (porque é suprema) do que os churrascos da Inquisição, assustado com a luta pela despenalização que sabe imparável.

A serem verdadeiros os fins de que é acusada a “clínica” de Aveiro implicada no julgamento que tanto incomoda JCN presta um serviço público que a falta de enquadramento legal remeteu para a clandestinidade, a fuga ao fisco e a especulação. Não se discute a acção policial mas a iniquidade da lei que criminaliza o aborto e que é urgente revogar.

A despenalização do aborto (1984) nas situações que a lei já consagra não provoca hoje, em Portugal, um simples vagido de piedosa intolerância quando, na primeira discussão e votação no Parlamento, a direita queria obrigar mulheres violadas a conceber, os fetos com graves deficiências a completar a gravidez e nem o perigo de vida da mãe lhes arrefecia os ímpetos persecutórios. Se pudessem substituir o direito civil pelo direito canónico tê-lo-iam feito com o argumento de que a alma está primeiro.

Proibir aos crentes a prática do aborto é um legítimo direito da ICAR, direito de que carece para impor uma lei que persegue as mulheres que, quantas vezes em situações dramáticas, a ele recorrem. O Estado é laico, ainda que alguns governantes o ignorem. Tão iníqua como a lei que criminaliza só outra que obrigue à sua prática, como acontece na China e aconteceu na Índia.

É urgente alterar a lei para que um problema de saúde pública não seja transferido para a esfera dos tribunais através da repressão policial. Para que no combate à ilegalidade se não torne ainda mais dramática uma gravidez indesejada. Para que não volte a ser notícia um parto escondido na casa de banho.

26 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

A sexualidade e a hipocrisia da ICAR

Enquanto a igreja católica vir na sexualidade apenas vergonha e pecado, os crimes sexuais cometidos pelo seu clero atingem uma violência insuportável.

A castidade é uma regra à espera de ser violada, entre duas orações ou após uma ladainha, lamentavelmente da forma mais torpe.

Quem leu a “A vida sexual do clero” de Pepe Rodriguez – Publicações Don Quixote. Ed 1996 não se surpreende com a onda de devassidão que grassa entre o clero. Em Portugal, onde os silêncios são mais pesados que os escândalos, ninguém se atreve a espreitar os piedosos lençóis onde se lê o breviário e se faz o sinal da cruz.

Mas, de vez em quando, chegam ecos de manhãs submersas no silêncio e na impunidade dos seminários. Hoje mesmo Licínio Lima, no Diário de Notícias (site indisponível) transcreve palavras do antigo director do semanário Expresso das Nove, nos Açores: «Eu próprio testemunhei os mais diversos abusos sexuais durante os nove anos em que estudei no seminário do Santo Cristo, em Ponta Delgada, e no seminário episcopal de Angra do Heroísmo». E prossegue: «Tantos colegas – queridos colegas – que vi transformados em tenros objectos eróticos nas mãos de padres – amigos homens solitários, desprovidos de afecto, tal como as crianças que os rodeavam, sedentas de atenção e carinho, a quem eles padres correspondiam com gestos voluptuosos à noite, nas camaratas – cheias de queridos colegas – quando as luzes se apagavam e eles vinham como “grandes mães” vestidas de negro abeirar-se das camas dos seminaristas para os consolarem com as suas carícias, sob os pijamas, sob os lençóis!…».

Não admira, pois, que o padre Arrupa – continuo a citar Licínio Lima – tenha sido enviado para o Canadá depois de ter referido como homossexuais «bispos e padres, acólitos e catequistas, leitores e ministros da eucaristia» para vir assumir a sua própria homossexualidade «…nasci assim e assim tenho de me amar para poder, também, amar os outros».

A catadupa de milagres deste pontificado – manifestação da doença senil do catolicismo romano – é uma forma de distrair as atenções.

25 de Janeiro, 2004 Carlos Esperança

Em Coimbra há mais respeito pela Ir. Lúcia do que pela ortografia

Em Coimbra toda a gente sabe onde está reclusa a Ir. Maria Lúcia de Jesus do Sagrado Coração, aquela a quem a Senhora de Fátima ensinou o truque para combater o comunismo – rezar o terço – mas poucos sabem que há uma sapataria que faz concertos.

Por isso divulgo esta fotografia, tirada na Praça Machado de Assis, do prédio de gaveto das Ruas Machado de Castro e Virgílio Correia e convido os leitores a entrarem no ambiente calmo da Sapataria Norbal, disponível às horas de expediente, sem grandes aglomerados, numa zona central e aprazível. Uma pérola em dó sustenido, metáfora da cidade dos doutores.

Numa localidade de província as sapatarias dedicam-se apenas a fazer consertos, isto é, a deitar meias solas, engraxar, pregar um salto, vender um par de palmilhas, entregar uns atacadores, coser uma fivela e o mais que é mister.

Em Coimbra – cidade da Ir. Lúcia e com uma estátua de JP2 – tudo é diferente. Mas o melhor é entrarem por alguns instantes na sapataria e, enquanto esperam que a cola reponha o salto do sapato, que não resistiu aos buracos do largo em frente ou à pastilha elástica que o prendeu ao passeio, sempre se deliciam com “concertos rápidos” que não deixarão de aliviar a alma.