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Carlos Esperança

8 de Julho, 2004 Carlos Esperança

Hoje há procissão em Coimbra

A Rainha Santa Isabel, cujo estado de conservação inspira cuidados, vai realizar o seu passeio higiénico entre o Convento da Rainha Santa – seu domicílio habitual – e a Igreja de Nossa Senhora da Graça, na Rua da Sofia, onde estacionará durante três dias, regressando ao Convento no próximo Domingo. Será acompanhada no périplo por muitas bandeiras, o clero disponível, numerosos devotos, uma multidão de curiosos e a força pública.

A Santa é muito estimada na cidade e, embora se tenha desligado dos milagres, continua a gozar de grande prestígio, em particular na autarquia, que usou o seu nome para criar um pseudónimo para a Ponte Europa. É por isso que, de dois em dois anos, a levam a passear.

O famoso milagre das rosas é muito difícil de fazer. Não voltou a ser tentado, nem pelo Luís de Matos que é o mais notável ilusionista nacional.

Além da Rainha Santa Isabel, nascida em Aragão, só a sua tia-avó, também Isabel de seu nome, igualmente santa e rainha, havia logrado fazer o milagre com êxito, na Hungria. Era provavelmente um truque de família que se perdeu com a Rainha portuguesa.

A procissão começa às 20H00. A entrada é livre.

7 de Julho, 2004 Carlos Esperança

Deus é infinitamente bom e misericordioso

O relatório da ONU sobre SIDA revela que em 2003 «mais de 5 milhões de pessoas foram infectadas pelo HIV, o número mais elevado desde o começo da epidemia», sendo cerca de 38 milhões os portadores da doença responsável por mais de 20 milhões de mortes.

Portugal, um país consagrado a Nossa Senhora, tem apresentado os piores índices da União Europeia, tendo a sua situação vindo a ser apresentada como a mais grave da Europa Ocidental. Este ano (dados de 2003) a Espanha e a Itália (os países com maior número de santos por quilómetro quadrado) foram apontados como os casos mais problemáticos, podendo, no entanto, a situação portuguesa, com dados desactualizados, ser ainda muito mais grave.

Na Ásia e na Europa de Leste a SIDA evolui a ritmo nunca visto. «São os focos de mais rápido crescimento» – lê-se no Público. Os piores números absolutos pertencem à África subsariana. Os países mais pobres são os mais afectados (Deus ama os pobrezinhos).

Há mais de 2 milhões de crianças afectadas em todo o mundo (Deus ama as criancinhas).

Deus castiga os que mais ama e o papa é contra o uso do preservativo.

6 de Julho, 2004 Carlos Esperança

A ICAR não gosta dos pérfidos judeus

Os judeus não serão já, para a ICAR, os «cães» que urge converter, como dizia Pio IX, mas o carácter anti-semita está apenas adormecido nesta poderosa seita.

A Polónia de JP2 tinha, antes da guerra, cerca de 4,5 milhões de judeus. Calcula-se que restem lá (incluindo todos os que chegaram provenientes de países ocupados pelos Alemães) apenas 10 mil.

Não se sabe o que pensou então o jovem Karol Wojtyla desse holocausto em tão larga escala. JP2, que não perdeu tempo a calar o teólogo suíço Hans Küng ou o teólogo americano Roger Haight, progressistas, demorou até 1993 para reconhecer Israel, reconhecimento só formalizado em 1994. Ainda em Maio de 1948 o L’Osservatore Romano, o jornal que repudiou a atribuição do Nobel da literatura a José Saramago, defendia que a «Terra Santa e os seus locais sagrados pertencem à cristandade», sendo o mais sagrado o «santo sepulcro», um minúsculo T-0 onde acreditam que esteve arrecadado o corpo de Cristo antes de ter «subido ao Céu».

O Evangelho de Marcos tem cerca de 40 versículos explicitamente anti-semitas, o de Lucas 60, o de Mateus cerca de 80 e o de João, cujo ódio aos judeus era particularmente intenso, 130, a que podem acrescentar-se cerca de 140 de Os Actos dos Apóstolos, o que dá cerca de 450 no rol organizado por Daniel J. Goldhagen.

Persiste a suspeita de que a ICAR beneficiou do ouro dos assassínios em série croatas. Os roubos às vítimas judias e sérvias podem ter ido para o Vaticano e a desconfiança mantém-se graças à recusa deste em permitir o acesso aos seus arquivos, ao contrário dos Suíços, em relação aos seus bancos.

5 de Julho, 2004 Carlos Esperança

Justiça espanhola ou caridade cristã?

Uma juíza espanhola decidiu libertar os marinheiros suspeitos de terem lançado ao mar, por ordem do comandante, quatro senegaleses ilegais que viajavam a bordo do navio «Wisteria». O capitão, o primeiro oficial e o chefe de máquinas já tinham sido libertados antes.

A juíza alegou incompetência já que o delito teria sido cometido fora das águas territoriais espanholas.

«O caso foi conhecido no mês passado, quando um funcionário do porto de Vilagarcia recebeu das mãos de um marinheiro do “Wisteria” uma nota em que denunciava o abandono de quatro ilegais no mar.

A Polícia concluiu, segundo os testemunhos dos marinheiros, que os quatro teriam sido lançados ao largo da Mauritânia apenas com uma balsa.

Segundo o Comité Espanhol de Ajudas ao Refugiado (CEAR), a decisão da juíza é inaceitável, já que esta organização iniciou os trâmites legais para iniciar a acusação privada por assassínio e pirataria». ? lê-se no Jornal de Notícias.

A meritíssima juíza deve ter-se limitado a respeitar a vontade de Deus. De qualquer modo eram apenas quatro negros pobres e ilegais.

4 de Julho, 2004 Carlos Esperança

Portugal/Grécia: 0 – 1

Não lamento o desprestígio da Senhora de Fátima e da Senhora de Caravaggio, desonradas na sua impotência, amaldiçoadas pela superstição dos crentes. Algumas imagens irão parar à sucata, destino natural do que não presta. Outras ficarão na posse de inveterados crentes à espera de nova oportunidade.

Não me comovo com a figura ridícula de personalidades que deviam ter tino e compostura, mas se benzem, juntam as mãos, osculam medalhas e afagam crucifixos. Sinto a imensa decepção de milhões de portugueses que vibraram com a selecção e queriam ressarcir-se da má sorte que lhes tem batido à porta. Recordarei as lágrimas emocionadas de Cristiano Ronaldo e a amargura serena de Luís Figo.

Quanto às religiões a vitória da Grécia não faz do cristianismo ortodoxo uma religião melhor do que a católica. São ambas inúteis.

4 de Julho, 2004 Carlos Esperança

Euro 2004. Portugal/Grécia

Quero expressar aqui o meu desejo para que, logo, quem gosta de futebol, possa assistir a um belo jogo entre duas excelentes selecções.

Não escondo que ficaria satisfeito com a vitória da selecção portuguesa, mas desejo que ganhe quem jogar melhor.

O que me entristece é o espectáculo deprimente de superstição e histerismo que percorre o país, desde imagens da senhora de Fátima, encavalitada em veículos vários, até à gravata da sorte a rodear o pescoço do futuro presidente da Comissão Europeia.

As promessas de peregrinação, as orações beatas e as persignações aflitas são a imagem de um povo perdido na modernidade, com os tiques herdados pelo secular obscurantismo a que a influência religiosa condenou Portugal.

Que ao fumo das velas piedosas se sobreponha a inteligência e a arte dos jogadores.

2 de Julho, 2004 Carlos Esperança

A herança do cristianismo

Não é a primeira vez que estou de acordo com o papa – não se pode esquecer a herança cristã na Europa. Seria preciso ignorar completamente a história. As guerras religiosas, a inquisição, as cruzadas, o ódio visceral à república e à democracia, a rejeição do humanismo e o combate à emancipação da mulher são património cristão assumido com júbilo por um guardião intolerante – o papa de Roma.

Recordar a herança cristã é também ter presente o ataque persistente à investigação científica e as alianças com os fascismos do séc. XX.

Não se pode, de facto, esquecer tal herança sob pena de não compreender a escravatura, o feudalismo e a perpetuação no poder de numerosos tiranos ungidos e apoiados pela ICAR.

A herança cristã está ainda presente na eliminação dos índios e no colonialismo. A evangelização foi um alfobre de santos e assassinos cujo proselitismo faz as delícias de JP2, ditador de serviço, instalado no Vaticano há um quarto de século.

O perigo é ver num déspota decrépito uma imagem de bondade e abnegação. É esquecer o ódio com que perseguiu teólogos progressistas, a ferocidade com que se opõe à igualdade entre os sexos, a obstinação com que recusa as experiências para descobrir novos medicamentos a partir de células embrionárias, a paranóia em relação à contracepção, a demência com que embirrou com o preservativo.

O cristianismo é insensível à bomba demográfica que diariamente ameaça o planeta, compromete a paz e é fonte de inenarráveis sofrimentos. O papa comporta-se como dono de uma arrecadação onde armazena grande quantidade de almas, com necessidade de nascimentos para promover o escoamento, insensível à fome, às doenças e à miséria.

Se o ayatollah do crucifixo pensasse um só momento na responsabilidade que lhe cabe na tragédia do desmembramento da ex-Jugoslávia morreria de vergonha ou de remorso. Mas a sua obsessão pela Croácia católica foi mais forte.

Pior do que a tirania do sagrado é a sagração de um tirano. A JP2 outro se seguirá.

Os crentes merecem respeito e os clérigos condescendência, mas as crenças exigem um combate persistente e sem tréguas.

Apostila – Conheço pessoas excelentes, cristãs, mas não compreendo como podem aceitar a autoridade de um papa medieval e caucionarem o embuste permanente dos milagres que adjudica para rubricar os alvarás dos santos que fabrica em doses industriais. Isto não é má fé, burla e obscurantismo?

2 de Julho, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Selecção Nacional – O efeito conjugado de Nossa Senhora de Caravaggio (um heterónimo brasileiro da Virgem Maria), em sinergia com a Senhora de Fátima, levaram Portugal à final do Euro 2004. No próximo domingo decide-se qual é a religião verdadeira – a ICAR ou a Igreja Ortodoxa grega.

Euro 2004 – «Iremos ganhar, graças a Deus», declarou Durão Barroso. Também disse, no início do seu Governo, «vamos crescer mais do que a média europeia, se Deus quiser» e a opção revelou-se indisponível.

USA – A uma criança de menos de dois dias, infectada à nascença por septicemia puerperal, foi-lhe negada a administração de antibióticos. A decisão dos pais, baseou-se na crença de que as orações poderiam salvá-la. Sob o lema «confiar em Deus para curar as doenças», os 150 membros da Igreja, que recusam medicamentos, atiraram-se à oração. A criança morreu.

Conclusão – a oração tem um efeito semelhante ao do placebo. Alivia mas não cura.

1 de Julho, 2004 Carlos Esperança

No país da senhora de Fátima

Juizes do Supremo Tribunal de Justiça, numa sábia decisão, reduziram em 4 anos a pena de prisão do indivíduo que matou a tiro a mulher, na presença de um filho de seis anos.

A douta deliberação teve em conta as obrigações não cumpridas da mulher, obrigações que a santa madre igreja (ICAR) sempre aconselhou para a prossecução da espécie.

Assim, os juizes Conselheiros tiveram em atenção que a vítima «(…) após final de Março de 2002 (dois meses antes do crime), passou a não querer manter relações sexuais com ele, circunstância que permitirá a afirmação de que nem só do lado do arguido terá havido violação dos deveres conjugais” – lê-se no Jornal de Notícias.

Segundo o mesmo jornal «os juizes prosseguem depois com o mesmo raciocínio e consideram que a ausência de sexo “pode até ajudar a explicar as dúvidas surgidas naquele espírito pouco iluminado sobre a infidelidade dela».

Claro que a obrigação da mulher se disponibilizar para o homem é um ensinamento da ICAR de que a cultura moderna se afastou, mas há ainda quem zele pela moral e os bons costumes.

Pode um ateu admitir a recusa de sexo por um dos cônjuges, pode um ímpio aceitar que a infidelidade ou a suspeita fiquem impunes, pode um herege julgar que os direitos são iguais para homens e mulheres, mas Deus, na sua infinita sabedoria, pretende a ordem em vez do caos, a obediência da mulher em vez da soberba e, sobretudo, que aceite todos os filhos que o tal Deus lhe queira dar.

A defunta tinha 26 anos e apenas três filhos. Não se defendeu que devia ter sido abatida a tiro, mas as razões aduzidas foram consideradas pertinentes para a redução da pena.

Falta uma referência ao catolicismo na Constituição Portuguesa. A de 1933 trazia.

25 de Junho, 2004 Carlos Esperança

Urge combater o racismo

O fanatismo religioso corrói o tecido democrático das nações e está a alastrar na Europa civilizada e laica com o seu cortejo de atitudes racistas e xenófobas.

Por toda a União, multiplicam-se fenómenos de intolerância com motivações religiosas. A inquietação cresce entre grupos minoritários ao mesmo tempo que a sua própria intolerância e miopia se acentuam.

O direito à diferença, em cuja defesa as sociedades democráticas se comprometem, está a ser postergado de forma sistemática e obscena.

A cruz suástica, de tão tenebrosa memória, reaparece covardemente a incitar o ódio e a fomentar o medo, acompanhada da cruz celta. Os beatos das diversas religiões entraram numa vaga de histerismo na defesa do único deus verdadeiro — o seu — contra os crentes dos outros deuses, necessariamente falsos. E os Estados, que deviam aprofundar a neutralidade religiosa, vergam-se aos próceres das diversas crenças, criando laços cada vez mais promíscuos com os dignitários religiosos numa ânsia desesperada de caça ao voto.

A condescendência com os crimes religiosos reflecte-se na orgia de horrores que os fanáticos das diversas religiões cometem contra os crentes das outras confissões, que consideram infiéis.

Os cemitérios judeus têm sido profanados por grupos neo-nazis de matriz cristã, que semeiam cruzes celtas e suásticas. Outras vezes são bandos de fanáticos do islão os autores dos crimes.

Agora foi a vez de cinco dezenas de túmulos de soldados muçulmanos tombados na libertação da Alsácia entre Dezembro de 1944 e Fevereiro de 1945, segundo revela hoje o Le Monde.

Estes actos inserem-se numa campanha de ódio que se desenvolve contra o islão, com particular violência na Alsácia, a região francesa mais católica e reaccionária.

Convém lembrar que a Alsácia mantém em vigor uma concordata de 1801, ao arrepio do regime francês da laicidade, que entre outras bizarrias determina:

– o ensino obrigatório da religião nas escolas;

– a remuneração, pelo Estado, dos clérigos dos três cultos reconhecidos pela concordata (católico, protestante e judeu);

– o direito do Estado a nomear os altos dignitários dos três cultos (situação que faz do Presidente da República francesa o último chefe de Estado do mundo a nomear um bispo católico), cabendo ao ministro do Interior a nomeação dos ministros dos três cultos.

As profanações de cemitérios atingem proporções inquietantes. Ao anti-semitismo juntou-se o ódio ao islão, com os rancores entre cristãos ainda latentes. Os demónios totalitários têm estado apenas adormecidos.

O culto dos mortos está tão enraizado que o mais leve desrespeito é motivo de profundo sofrimento e sólidos rancores. Por isso, a profanação é um crime tão abominável.

Os ateus, que conhecem a ferocidade das religiões, repudiam todas as manifestações de racismo e xenofobia, seja qual for a motivação, e exigem um combate tenaz e medidas adequadas à punição de semelhantes crimes.