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Carlos Esperança

23 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Ainda Rocco Buttiglione

Os bispos reunidos na Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (COMECE), saudaram a nova Comissão Europeia, felicitaram Durão Barroso e referiram-se ao caso Rocco Buttiglione – segundo a Agência Ecclesia, instrumento da ICAR e voz fidelíssima do Vaticano.

Analisemos as meias verdades e as mentiras descaradas do colectivo dos prelados da COMECE:

1 – Referem-se «os Bispos», todos da ICAR, como se não houvesse espécimes equivalentes nas outras igrejas cristãs.

Lamentam, referindo-se a Rocco Buttiglione, a polémica em torno do que chamam «intolerância face às crenças pessoais do comissário designado», quando a intolerância é do pio militante de uma obscura seita de extrema-direita, «Movimento Comunhão e Libertação», que cultiva um forte preconceito para com os homossexuais e um torpe desprezo pela condição da mulher.

Esquecem que, em quaisquer circunstâncias, a reprovação do indigitado comissário europeu foi feita pelo único órgão com legitimidade democrática – o Parlamento Europeu -, instituição que, pese embora aos bispos, tem mais legitimidade do que Deus e o papa, ambos a ocuparem cargos com duvidosa legitimidade e sem nunca se terem submetido a eleições.

2 – «Eles exigem que a liberdade de religião e de expressão religiosa, acordada pelo Tratado Constitucional, seja inteiramente respeitada e assegurada em todas as instituições europeias na União alargada» – lê-se no comunicado final da assembleia plenária dos Bispos da UE. (Uma vez mais a Ecclesia refere assim os bispos católicos).

Ora a liberdade religiosa não está em causa em nenhum Estado da UE. Está, sim, no Vaticano, único Estado europeu não democrático, confessional e totalitário. Onde há problemas religiosos não é por causa do Estado laico, é por causa da vocação totalitária da religião dominante, problemas que só o aprofundamento do laicismo enfrenta com sucesso.

Por curiosidade, refira-se que o comunicado referido foi assinado em nome da CEP, pelo virtuoso e casto bispo do Funchal que perdeu o secretário particular, padre Frederico, pedófilo praticante, condenado a vários anos de prisão por assassínio de um jovem, tendo fugido para o Brasil numa das saídas precárias da prisão.

22 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Parabéns ao «Causa Nossa»

Ao longo do primeiro ano de vida o «Causa Nossa» conseguiu um enorme sucesso (quase 400 mil visitas de leitores interessados) e tornou-se uma estrela de primeira grandeza a brilhar no firmamento bloguístico.

À medida que o poder político e o económico se conluiam para controlar a informação, um blogue que a inteligência, cultura e sensibilidade dos seus colaboradores tornou uma referência obrigatória, contribui para a diversidade informativa e pluralismo de opinião.

O empenhamento na defesa dos direitos humanos, a persistência na denúncia das arbitrariedades e injustiças, o amor à democracia e ao europeísmo, fazem de «causa nossa» a nossa causa e transformam um projecto culto num objecto de culto.

Espero que este aniversário seja o primeiro de muitos do projecto culto, civilizado e europeu que devemos a uma plêiade de bloggers.

Um abraço amigo e votos de felicidade para o causa nossa, os seus autores e as suas causas.

22 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Missa apeada

O bispo D. Paulo Moretto proibiu o padre Dirceu Rigo de rezar a missa montado num cavalo.

Não estava em causa a assistência do cavalo à missa, sabendo-se que não tendo alma, há-de a alimária apreciar mais a palha do que a eucaristia. Aliás, os cavalos, sobretudo os da GNR, em Portugal, há muitos anos que se habituaram à liturgia e, alguns, não passam mesmo sem a sua procissão anual e uma missa de acção de graças.

O padre e os crentes ficaram decepcionados pois a missa a cavalo fazia parte da 2.ª Cavalgada da Fé, promovida durante a 10ª Festa Campeira Estadual, na localidade de Vila Oliva. A 1.ª Cavalgada da Fé, realizada anteriormente, entrou para o livro Guiness dos Recordes. Desta vez o bispo proibiu, com o argumento de que a missa sobre o lombo do cavalo contraria os princípios da Igreja e desrespeita a eucaristia, sendo omisso sobre o lombo de burros, paroquianos, elefantes e outros espécimes zoológicos.

O padre e os fiéis ficaram desapontados e argumentaram que já houve missas em camiões. D. Paulo Moretto foi inflexível.

De futuro, as Cavalgadas da Fé, face ao veredicto do bispo, só terão lugar se o padre Dirceu Rigo se meter debaixo do cavalo. Invertem-se as posições mas salva-se a fé e a liturgia.

21 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Fátima – O Expresso, citando o jornal «Região de Leiria» informou que um jovem interrompeu a missa de domingo na Capela das Aparições, com gritos de «eu sou Cristo e tenho o poder de Deus». Em vez de averiguarem a autenticidade das afirmações entregaram o jovem à PSP que o remeteu para a psiquiatria do Hospital de Leiria.

Movimento Comunhão e Libertação (CL) – Sob os auspícios do padre João Seabra, irmão da pia ministra da Educação, Maria do Carmo Seabra, infestam Portugal 400 membros deste grupo fundamentalista, com 200 mil membros, que assola 64 países. Apesar dos seus objectivos declarados serem a «obediência, a castidade e a pobreza», uma das suas instituições «A Companhia da Obras» reúne cerca de 20 mil empresas.

A seita CL tem uma grande admiração pelo Opus Dei e, segundo a entrevista do padre João Seabra ao Expresso, que cito, gostaria que fossem mais parecidos com ele.

O mais popular militante desta obscura seita é o inefável Rocco Buttiglione, amigo do peito e da missa de JP2, recentemente expurgado da Comissão europeia por questões de assepsia.

Radicais islâmicos em Portugal – Sob este título, o EXPRESSO dá conta da vigilância policial a que estão a ser submetidas doze mesquitas clandestinas suspeitas de pregarem o ódio aos valores democráticos e de servirem de base a piedosas redes terroristas que apenas desejam matar os inimigos da fé, para cumprirem a vontade de Alá.

Bíblia manuscrita – Terminou a maratona de proselitismo que começou com a participação do Sr. Presidente da República e terminou com o primeiro-ministro a escrever o último versículo. Consta que o editor do Kama Sutra vai tentar o mesmo golpe publicitário.

20 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

A ICAR está obsoleta

A ICAR, incapaz de inovar, para manter fiel a clientela, acaba por regressar aos velhos truques numa sociedade alfabetizada. Os milagres muito batidos, o aparecimento da Virgem (a obsessão pela virgindade é esquizofrénica) a uns pobres de espírito a quem transmite recados do seu divino filho, visitas do Cristo, ele próprio, a uns inocentes a quem faz pedidos patetas e um ror de prodígios capaz de adormecer crianças e imbecilizar adultos, são os truques em que reincide para manter a quota de mercado e alargar a base de apoio.

Nem ao menos se lembra de encomendar hóstias com sabores às pastelarias diocesanas, perfumar a água benta com aromas testados à saída da missa pela pituitária dos devotos, temperar a água com que baptiza as crianças, evitando o choro e o resfriado, ou inovar a música e ultrapassar o cantochão. Até os chocalhos que anunciam a passagem da hóstia pelo sacrário estão desafinados e distorcem o som com o verdete acumulado.

Bem sei que o passado pouco recomendável de muitos papas, bispos e padres não ajuda à propagação da fé e à frequência do culto. O livro de referência – a Bíblia – tão arcaico e cruel, tão cheio de incoerências e maldições, não ajuda Deus no seu prestígio, acusado de ser o seu autor.

Que resta, pois, à ICAR, perdido o medo do inferno, desinteressados homens e mulheres do destino da alma, incapaz de conter o consumo de carne de porco à sexta-feira, sem clientes para a compra de bulas e com o dízimo caído em desuso?

Cada vez se encontra em maiores dificuldades para introduzir no código penal o pecado como crime. Não consegue para os pecados veniais uma simples coima nem para os mortais uma pena de prisão. A blasfémia é ignorada em juízo, o divórcio é facilitado e o adultério deixou de interessar o Estado. Apenas o aborto consegue ainda, em países de forte poder clerical, devassar a vida íntima das mulheres e submetê-las ao vexame de um julgamento e ao opróbrio da prisão. Mesmo a apostasia, que é para os pios doutores da ICAR, uma ofensa imperdoável, é uma prática corrente com crescente popularidade.

Assim, resta à ICAR vociferar contra o preservativo, atirar-se à pílula como S. Tiago aos mouros e execrar a investigação em células estaminais. Já poucos lhe ligam quando apostrofa a eutanásia, afronta a proibição do ensino da religião nas escolas do Estado ou injuria os casamentos homossexuais.

Os últimos padres vão enegrecer ao fumo das velas, abandonados pelos crentes, proibidos de ter uma companheira que lhes alivie a solidão, enquanto os bispos e o papa satisfazem o narcisismo com a riqueza e o colorido dos paramentos. Acabam por descrer da virtude da Igreja, da bondade do seu Deus e a renunciar à salvação da alma.

17 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Dois santos a caminho de Portugal

A comunicação social e a agência de caserna da ICAR, em Portugal – Ecclesia – anunciaram que JP2 abençoou o processo de canonização dos pastorinhos.

Ontem, de manhã, o padre Luís Kondor, vice-postulador para a canonização dos defuntos pastorinhos, membros recentes do sindicato dos milagres, encontrou-se com o Papa JP2 e concelebraram(*) a santa missa sob a experiente orientação papal.

Depois da celebração eucarística, o padre Kondor, que anda nestes negócios há muitos anos, aproveitou para informar o Papa de que iria fazer a entrega do processo e pediu-lhe a bênção «para que tudo corra bem». JP2 abençoou a documentação e até ofereceu um rosário de madrepérola ao padre Kondor, prova de que a marosca estava combinada.

A partir de agora, com o processo a cheirar a incenso, o cardeal Saraiva Martins, sócio no negócio das canonizações, vai facilitar a abertura do processo. Aliás, o padre Luís Kondor já se deixou descair, em entrevista ao Centro de Comunicação Social do Santuário, de que tudo está combinado com o cardeal Saraiva Martins para que a Congregação para a Causa dos Santos, repartição que dirige, abra o processo já hoje, dia 17.

A pressa na canonização dos pastorinhos deve-se ao perigo de que o actual Papa se apague e não se saber se o próximo continuará a usar os milagres e as canonizações como instrumento do marketing da ICAR.

(*) (concelebrar a missa = celebrar a meias; fazer uma vaquinha).

14 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Crimes em nome de Deus

As religiões, ao longo da História, destruíram impérios, desenharam fronteiras e aniquilaram povos. A fé arruinou nações, impediu a liberdade e esmagou a felicidade dos povos. Deus foi sempre pretexto para destruir os inimigos e cometer os mais hediondos crimes, com o alibi de satisfazer a sua vontade.

Deus está, de facto, para azar dos homens, em toda a parte. O deus mais verdadeiro é aquele que está em maioria, tem por si as armas e tem o fanatismo a seu favor. Sempre que deus está em alta, a liberdade entra em queda; quando os homens adoram o seu deus, odeiam o deus dos outros. Os crentes imploram os seus favores com o mesmo fervor com que acalentam o ódio ao deus alheio.

É por isso que a democracia fenece onde a religião floresce, a liberdade mingua onde a fé prolifera e o progresso estiola onde a piedade medra.

Não há democracia onde a religião domina o aparelho de Estado. Os direitos do homem não são respeitados onde o poder temporal e o religioso se confundem. Foi na base da separação de poderes e, sobretudo, na separação da Igreja e do Estado, que os modernos Estados de direito se construíram. Foi o laicismo que permitiu o pluralismo ideológico, opondo uma barreira de protecção à vocação totalitária das religiões.

E, quando parecia que o Estado laico se transformava em paradigma das nações civilizadas, quando a sociedade multicultural se convertia num modelo de convivência cívica, quando os preconceitos étnicos e culturais pareciam derrotados pela instrução, inteligência e sensibilidade dos povos civilizados, eis que os demónios totalitários acordam ao som das orações e se revigoram com jejuns, pregações e liturgias.

A Holanda, a doce Holanda, era o exemplo de convivência cívica entre etnias diversas e diferentes culturas, um oásis de tolerância entre distintas opções políticas e religiões divergentes. Há um ano ficou em choque, quando Pim Fortuyn, um político da direita populista foi assassinado. Agora, o assassínio do cineasta Theo Van Gogh, após a denúncia que fez da forma como o Islão trata as mulheres, associado aos requintes de crueldade com que o fanático religioso o tratou, tornaram periclitante a manutenção da sociedade multicultural holandesa.

Incendeiam-se os templos e a opinião pública. O racismo e a xenofobia crescem. A extrema direita, que vive da aversão e da intolerância, vê a possibilidade de manipular paixões, instilar o medo e acicatar o ódio. A hostilidade aos estrangeiros começou. A fé das pessoas cultas e civilizadas nas sociedades multiculturais vacila. O fascismo islâmico rejubila com a intolerância de que é alvo. As religiões precisam de mártires. Os deuses querem sacrifícios. Os templos convertem-se em quartéis onde se faz a recruta para a guerra santa. Os homens entram em desvario ao serviço da esquizofrenia divina. A religião tem de ser contida. Os Direitos do Homem têm de ser defendidos. A igualdade entre os sexos tem de ser reafirmada. A democracia tem de ser salva. Há que erguer um dique à fé que corrompe, intimida e mata.

Apostila – A ICAR, em Espanha, abriu as hostilidades ao Governo. O ensino laico, o aborto, o divórcio, a eutanásia, o financiamento do clero e a investigação em células estaminais, puseram a santa corja em luta aberta contra o Governo democrático. São os mesmos que apoiaram Franco e fizeram campanha por Aznar. São os mesmos que querem canonizar os «reis católicos». São a eterna lepra que corrói a democracia ao serviço de Deus.

12 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

Vaticano – JP2, ao receber hoje Jorge Sampaio e a Esposa, fazendo um acto de contrição perante a anterior recusa de receber uma divorciada, pediu que «a luz de Fátima se propague por todo o mundo…». Confundiu o chefe de Estado com um electricista e Portugal com a EDP.

Fátima – Correspondendo ao pedido dos anjos e de Nossa Senhora, está prevista para o próximo dia 20 de Novembro uma adoração eucarística a «Jesus Escondido», na basílica do Santuário, pelas crianças de Fátima. A organização conta com o apoio especializado do Santuário, da respectiva paróquia e do Movimento da Mensagem de Fátima (MMF), agências especializadas neste tipo de eventos. São esperados 750 meninos e meninas na companhia de familiares e catequistas – revela a agência Ecclesia. Como as crianças adoram jogar ao «esconde-esconde», a adoração eucarística ao «Jesus Escondido» será o momento alto das actividades lúdicas a que não faltarão rezas ao Santíssimo Sacramento e outros divertimentos espirituais.

Nota pastoral – «Portugal soube sempre acolher-se ao regaço da Mãe de Jesus» – diz a Conferência Episcopal Portuguesa, esquecendo que a maioria dos portugueses prefere outros regaços menos compatíveis com a fé e a salvação da alma. Compreende-se que os senhores bispos, a quem a idade e o múnus tornou castos, acreditem, tanto mais que em Coimbra, no séc. XVII, fez-se um «juramento a que se obrigou o corpo docente da Universidade de Coimbra – de defender e ensinar que Maria fora concebida sem pecado». Ainda hoje há lentes que, sem a obrigação do juramento, estão convencidos de que Maria concebeu sem pecado, considerando as mães dos seus próprios filhos umas desavergonhadas pecadoras.

11 de Novembro, 2004 Carlos Esperança

A América que não muda

Sob o título «A América que não muda» (Público, 10/11), José Pedro Zúquete (JPZ) justifica com comovente ternura a vitória de Bush com argumentos certamente procedentes e, outros, de beata motivação e manifesta debilidade.

Entre estes últimos encontram-se os que atribuem aos EUA uma religiosidade que lhe terá sido legada pelos fundadores, na sua grande maioria ligados à maçonaria, livres-pensadores e defensores do laicismo, valores que impregnam a Constituição americana e constituem a marca genética dos princípios democráticos, liberais e tolerantes que a caracterizam.

Há, aliás, uma evidente contradição quando JPZ afirma que «desde o início houve a separação da Igreja e do Estado» imediatamente após ter afirmado que «desde o início da história americana que a política abraçou a religião», fazendo tábua rasa do carácter laico, historicamente pioneiro, da Constituição.

Muitas das «figuras sagradas» dos EUA a que alude foram agnósticas e, entre as maiores, houve quem considerasse o cristianismo como um conjunto de meras superstições. Mas, na ânsia de reescrever a história do grande país e justificar os desvios recentes, JPZ não hesita em apoiar-se nas referência religiosas que acompanham os símbolos da soberania como se essas referências fossem uma herança da fundação e não tivessem aparecido apenas no séc. XX sob influência de radicalismos religiosos.

Atribuir a um país com uma constituição profundamente laica carácter não laico, o que a deriva metodista e outros fundamentalismos evangélicos se esforçam por desvirtuar, é uma mistificação que serve os desígnios de um proselitismo agressivo e trai a verdade histórica e os princípios de tolerância religiosa de que os EUA são herdeiros.

Quanto à ligação que JPZ estabelece entre Deus e liberdade e entre democracia e religião, deve esquecer-se que a Bertrand Russell foi negada a liberdade de ensinar nos EUA, por ser ateu, e que a religião que obriga ao estudo do criacionismo bíblico e, se possível, à proibição do estudo do evolucionismo não é certamente uma referência democrática nem um caminho recomendável.

«A América que não muda» é apenas a América que mudou. Para pior.