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Carlos Esperança

5 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Timor, meu amor

Os católicos afirmam que Deus castiga os que mais ama. Se Deus existisse e o sadismo que lhe atribuem se confirmasse, não restavam dúvidas de que Timor Lorosae tinha sido a escolha para a malfeitoria.

Primeiro foi o colonialismo português, depois a ocupação indonésia, agora o despotismo da Igreja católica. Em Timor Lorosae as homilias transpiram ódio, as orações alimentam a intolerância, a eucaristia promove a cegueira. A fé está ávida de sangue, o clero busca o martírio e o poder. Os bispos promovem o obscurantismo e os padres e freiras adubam o fanatismo.

Quem sente o ódio do clero não pode acreditar na bondade do seu Deus. A liberdade é um perigo a esconjurar e a democracia uma criação demoníaca a erradicar. Em Timor Lorosae a teocracia avança alimentada a hóstias e regada a água benta, ao som de cânticos e orações. A volúpia do poder retira a máscara aos bispos e à religião.

Nas trevas da fé medra a aversão à modernidade. A liberdade religiosa é um perigo que pode lançar dúvidas e libertar pessoas. A pílula e o preservativo são invenções satânicas que urge esconjurar. O planeamento familiar é uma ofensa que põe Deus de mau humor. A liberdade e a democracia não vêm na Bíblia. A ICAR amaldiçoa o progresso.

A detenção e agressão a dois portugueses na residência do bispo de Díli, vítimas de julgamento popular por manifestantes católicos, são um crime que fica impune, um acto de violência gratuita, uma manifestação eloquente do que a ICAR é capaz, quando pode. O catolicismo combate e subverte o Estado de direito. Os timorenses continuam reféns da cáfila clerical e das alfurjas diocesanas onde medra o ódio e a intolerância.

Quem sabe se as torpes manifestações de fé, trogloditas e agressivas, não esconde, para além da vocação totalitária da ICAR, uma chantagem pelo dízimo a que se julga com direito – a comparticipação nas receitas da exploração do petróleo no mar de Timor!?

De qualquer modo, a democracia está em perigo como alertou Vital Moreira no artigo «Escalada teocrática», no «Causa Nossa».

4 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Senhor, dai-lhe a morte

«Crescem as rezas entre os colonos judeus extremistas da Faixa de Gaza para que Ariel Sharon morra ou seja morto» – lê-se hoje em «A Capital», (site indisponível).

É preciso muita fé para tanto ódio. A oração é um placebo mas os crentes não sabem. Deus é uma criação humana mas os fanáticos não acreditam. A morte é um crime ou uma fatalidade biológica mas os devotos julgam-na uma prerrogativa divina.

É nestas alturas que recordo o ódio fanático das doces catequistas da minha infância, a instilar piedosamente o ódio contra judeus, maçons e comunistas. Os primeiros por terem matado Cristo, os segundos porque eram inimigos da ICAR, único veículo homologado para a salvação eterna, e os últimos porque eram ateus e matavam criancinhas.

Desejar a destruição de alguém é um sentimento perverso que se insere na cultura da morte. É um ímpeto totalitário que começa com orações e, em caso de fracasso, passa à bala. Foi o que aconteceu a Yitzhak Rabin. É a orgia da fé no seu máximo esplendor.

Vejam lá, leitores, se encontram diferença entre os radicais islâmicos, estes exaltados judeus, os cristãos evangélicos que assassinam médicos e enfermeiros nos EUA, nas clínicas onde se fazem abortos, ou os católicos que em Timor ameaçam o Palácio do primeiro-ministro que pretende tornar facultativa a aula de religião católica?

Por todo o lado, piedosas cavalgaduras encontram na morte e no ódio a exaltação da fé e a forma de agradarem ao seu Deus.

4 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Deus e os padres

Deus criou o Mundo e emigrou. Não fez obra asseada nem mostrou regular bem da cabeça, mas não faltam voluntários a enaltecer a obra nem candidatos a testamenteiros da vontade divina.

Quem se julga feito à imagem e semelhança de Deus tem direito a essas e outras tolices. Mas não tem o direito de impor a vontade à força, de converter incréus pela violência, de purificar os pecadores pelo fogo, lapidação e outras formas de pedagogia de que as religiões gostam.

O clero é uma classe parasitária que vive da venda de uma mercadoria cuja existência não pode provar, que exerce poder e influência graças a truques de utilidade duvidosa, que promete o Paraíso a preços insuportáveis com o alibi de que tem o monopólio da verdade e o alvará da única agência de transportes.

O que me surpreende é a clientela que mantém, a fidelidade dos fregueses e a sua dedicação.

Há dias, o Grande Oriente Lusitano – Maçonaria Portuguesa entregou na Torre do Tombo um dossiê de 121 folhas, em papel almaço dactilografado, com agentes daquela organização fascista que recolhia informações sobre os democratas. Ora, na cáfila de delatores e gente de mau porte, havia duas páginas de párocos. Acontecia, aliás, o mesmo na PIDE onde piedosos bufos de sotaina denunciavam democratas antes ou depois da confissão.

Como cidadão lamento que os esbirros não tenham sido julgados e os crimes da PIDE e da Legião Portuguesa tenham ficado impunes mas, como ateu, – e é isso que interessa aqui -, fico perplexo com a boa fé dos crentes que se genuflectem aos pés de primatas tão abjectos. Sempre me enojou a subserviência de quem é capaz de beijar a mão de um padre, a fragilidade de quem é capaz de confessar actos cuja indignidade uma recta consciência devia impedir de cometer.

Claro que não são todos. Pudera! Mas alguém duvida da poderosa arma que constitui a confissão e das numerosas vezes que foi, é e será usada para benefício da santa cáfila que se dedica aos negócios de Deus e à conquista metódica e persistente do poder?

Comemora-se ente ano, em França, o centenário da separação do Estado e da Igreja. Esta, sem a laicidade comportar-se-ia em Portugal de forma diferente do que em Timor? Em Espanha a ICAR respeita o Governo e a legalidade democrática?

Esperem que em Portugal os temas do aborto, da eutanásia e das uniões homossexuais se encaminhem para a regulamentação legal e verão, caros leitores, os uivos, as injúrias e os anátemas com que a ICAR nos vai brindar. O clero não muda, tal como o camaleão apenas se adapta ao meio para melhor nos confundir.

2 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Coimbra é uma lição

O bispo de Coimbra, Albino Cleto, conseguiu atrair ontem algumas centenas de finalistas da Universidade de Coimbra para a missa da bênção das pastas. As tradições têm sempre adeptos, à semelhança da praxe e de outras manifestações trogloditas onde se inserem as tradicionais bebedeiras da «queima».

O senhor Bispo considerou que a ida dos estudantes à missa «é sinal de que Deus é Pai». Não explicou se a ausência significaria a falsidade da paternidade ou que, por exemplo, Deus é Mãe. Estes raciocínios eclesiásticos são tão difíceis de seguir!…

Segundo o «Diário as Beiras, o senhor Albino Cleto salientou o facto de «numa vida académica , muitas vezes não se cumprir aquilo que Deus espera», sem explicar o que o dito Deus espera, e ele bispo supostamente sabe, nem o que correu mal nas relações entre aqueles estudantes que até foram à missa benzer as pastas e o Deus do S. Bispo.

Entre várias trivialidades o senhor Bispo afirmou que «Onde estiver a pessoa humana, aí está a Igreja». É exactamente por isso que não podemos dormir descansados. Com Deus podemos nós bem mas com as religiões há sempre um perigo iminente a pairar sobre as pessoas.

No que diz respeito à ICAR, após ter sido confiada a defesa da fé ao pastor alemão Ratzinger, é natural que, mesmo entre católicos, desponte a preferência por lobos.

2 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Um talibã com tiara

O Espírito Santo deixou de ser uma das alegadas pessoas da Santíssima Trindade para se transformar num lacaio do Opus Dei – uma espécie de Al-Qaeda da ICAR -, por ora sem braço armado, mas com recursos financeiros inesgotáveis.

Só assim foi possível que o Inquisidor-Mor da Cúria romana tenha sido feito Papa pelos 115 cardeais alumiados por essa lamparina de serviço aos conclaves – o Espírito Santo -, que ilumina pouco mas é suficiente.

É verdade que Ratzinger, segundo alegou, pediu a Deus para não o fazer Papa, donde se deduz uma de três coisas: Deus não o ouve, o que é pouco recomendável para quem se apresenta como seu representante; mentiu descaradamente à clientela pois, desde um clube de fãs até à homilia para sufragar a alma de JP2, que bem precisava, tudo fez para influenciar os outros cardeais e reunir o número de votos necessários à sua eleição; ou, pura e simplesmente, Deus não existe.

Passada a eleição, feita ao jeito do centralismo democrático, que os partidos comunistas já abandonaram e que a ICAR conserva, Bento XVI sucedeu a JP2. Este conheceu o nazismo, o comunismo e o catolicismo, três formas extremas de repressão e tornou-se o ayatola católico que uma imensa máquina de propaganda pretendeu humanizar. Bento XVI só conheceu o nazismo e o catolicismo. É o homem certo para uma boa síntese.

O Mullah Ratzinger não era um piedoso beato agarrado ao hissope ou que passasse as noites a rezar o terço para aplacar a ira de Deus, que tem um feitio ruim, é rancoroso e gosta de intimidar os crentes e vê-los a rastejar ou de joelhos. O supremo Inquisidor admoestava os livres-pensadores, proibia livros e perseguia réprobos.

Já em 1988 escrevia que «A Igreja (leia-se ICAR) deve ter direitos e fazer exigências sobre lei civil e não pode meramente retirar-se para a esfera privada». É a esta luz que deve ser compreendida a desvairada ofensiva contra o Governo espanhol por causa dos casamentos homossexuais e o fim da obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas.

Aqui ficam alguns pensamentos do talibã Ratzinger, de acordo com o seu último livro «Dios y el mundo» apresentado em 29 de Abril, em Espanha, pelo secretário-geral da Conferência Episcopal e pelo teólogo do Opus Dei, Josep Ignasi Saranyana, comentado por ANTONIO M. YAGÜE – MADRID «El Periódico 30/04/05»:

– A família tradicional, abençoada por Deus, «é a maneira correcta de ordenar a sexualidade»;
– É contra os casamentos homossexuais;
– Defende o veto da Igreja aos contraceptivos;
– Condena o uso do preservativo: « A miséria resulta da desmoralização social e a propaganda do preservativo é parte dessa desmoralização»;

Os apresentadores, acima referidos, não regatearam elogios ao livro. Disseram que foi uma bênção para a Igreja que o Inquisidor estivesse 24 anos à frente do ex- Santo Ofício. «Será o Papa da evangelização da Europa» – ameaçou Saranyana.

O Episcopado espanhol e o Opus Dei dizem que a obra contém a chave do pontificado.

É bem feita para os católicos mas os outros podem defender-se do pastor alemão. A vacina contra a raiva chama-se laicidade.

1 de Maio, 2005 Carlos Esperança

Vale a pena bater no ceguinho

Antes do 25 de Abril de 1974 o único bispo que discordou da ditadura foi António Ferreira Gomes, bispo do Porto. Sofreu dez anos de exílio e foi a excepção que confirmou a regra de uma Igreja comprometida com a ditadura, silenciosa perante as prisões arbitrárias, alheada do degredo, da tortura e dos assassinatos que a ditadura cometeu contra o povo português..

Depois de Abril, a ICAR tolerou a democracia, apesar da azia que apoquentou os bispos que viram muitos padres trocar o múnus pelo tálamo conjugal, optar pelo Kamasutra em vez da Bíblia, abandonar as pessoas da Santíssima Trindade por uma única mulher.

Hoje pode dizer-se que a Igreja tem uma postura civilizada, com excepção no que diz respeito à defesa e ampliação dos privilégios que a pusilanimidade dos governantes consente. Interfere nas leis que dizem respeito à família, vai buscar à gamela do orçamento o ordenado dos capelães militares e hospitalares, os vencimentos dos professores de religião católica e o dinheiro necessário à reparação dos estabelecimentos comerciais, designados igrejas.

Desde 1975 que nenhum outro bispo ameaçou com a «heresia e as penas do inferno» quem não votasse no CDS como o fez o bispo de Braga, Francisco Maria da Silva. Não consta que a Igreja tenha voltado a comprometer-se com o terrorismo depois de extintos o MDLP e o ELP. Até o bondoso cónego Eduardo Melo se entregou mais ao Sporting de Braga e à saudade que tem por «esse grande estadista» que pensa ter sido Salazar.

Mas os bispos não podem ignorar as palavras do paladino da liberdade que foi o Cardeal Ratzinger, que usa agora o pseudónimo de Bento XVI: «O cristão é uma pessoa simples» e «os bispos devem defender esta gente sincera dos intelectuais».

É por isso que em Timor é mais fácil cumprir a vontade de Deus. Ximenes Belo proibiu o uso dos contraceptivos. Agora, Alberto Ricardo da Silva e Basílio do Nascimento, bispos de Díli e Baucau, respectivamente, não toleram o carácter facultativo da religião nem a redução da carga horária. A salvação das almas não pode estar sujeita à vontade dos homens. Deus não se discute. A Bíblia não se põe a votação. Os sacramentos não são mercearia, à espera dos fregueses.

Na diocese de Díli castiga-se o corpo dos réprobos para lhes salvar a alma, prendem-se os suspeitos para os libertar dos pecados, ameaça-se a vida dos danados para que possam arrepender-se e gozar a vida eterna.

Não falta liberdade em Timor. Todos podem rezar o terço. Há missas frequentes. Os cânticos religiosos são estimulados. Os casamentos abençoados procriam para maior glória de Deus. A Virgem Santíssima viaja em papel colorido nas mãos dos crentes.

Em Timor cada homem é um soldado de Cristo cujos batalhões são comandados por dois bispos, auxiliados por uma multidão de freiras e padres. Em Timor o catolicismo avança em plena Idade Média. Em Portugal, o Governo e a Conferência Episcopal não sabem o que se passa em Timor e aguardam instruções divinas ou do Papa, dois intrujões com provas dadas e mentalidade anacrónica à espera de reciclagem.

A ICAR é pacífica.

30 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Fanatismo católico em Timor

A legitimidade eleitoral do Governo de Timor, presidido por Mari Alcatiri, tem sido desafiada pelos dois bispos católicos do jovem País que há pouco se libertou do jugo da Indonésia.

Todos reconhecem a importância decisiva da Igreja católica na independência do povo maubere mas é inaceitável a sua obsessão em substituir o despotismo anterior pela tirania religiosa protagonizada pelo clero, em que pontificam Alberto Ricardo da Silva e Basílio do Nascimento, respectivamente bispos de Díli e Baucau.

A fazer lembrar o miguelismo trauliteiro do séc. XIX, em Portugal, os padres de Timor incitam as populações do interior da ilha a deslocar-se com imagens da Virgem e terços para exigirem a demissão do Governo legal. Ao som de cânticos religiosos e orações desafiam o Governo a demitir-se.

O padre Domingos Soares, porta-voz do episcopado autóctone não se conforma com as regras democráticas e constitucionais ao abrigo das quais o Governo decidiu, a título experimental, tornar facultativa a aula de religião católica em 32 escolas oficiais. Na opinião dos padres, o carácter facultativo da disciplina ou a redução da carga horária é uma manifestação ditatorial.

Os bispos, com base na absoluta hegemonia católica, contestam um muçulmano na chefia do Governo e defendem o carácter obrigatório da disciplina de religião católica nas escolas públicas. O contágio dos países islâmicos é uma realidade e a simpatia por um Estado confessional uma evidência.

Habituados a deter o poder absoluto, cientes do prestígio conquistado no combate à ocupação indonésia, os padres não aceitam que o poder democrático se exerça ao arrepio da vontade divina interpretada por eles próprios. Há uma atracção mimética pelo totalitarismo islâmico, uma indisfarçável sedução por um regime autoritário em que o Estado seja o braço armado da Igreja católica.

Timor está sob tensão na iminência de um golpe de Estado. A água benta, as orações e os rosários são, por enquanto, as munições usadas pelo clero católico. Há uma trágica similitude entre a intolerância dos mullahs islâmicos a debitar o Corão e os padres católicos a recitar a Bíblia. O proselitismo e a ânsia de poder são iguais.

Portugal, o país doador mais importante, à frente do Japão e da Austrália, tem cumprido a sua obrigação e o dever de solidariedade para com o povo maubere. Tem obrigação de usar a via diplomática para garantir a liberdade religiosa no território de Timor Leste. O Vaticano não pode ficar indiferente às manifestações de intolerância dos seus padres nem ser cúmplice do terrorismo eclesiástico em Timor.

Neste momento dramático deve ser posto à prova o Papa Bento XVI. Tem aqui a oportunidade para mostrar que não é um papa medieval, que a imagem de inquisidor não lhe assenta, que o respeito pelo pluralismo é uma virtude adquirida pela igreja de Roma, que a democracia é uma instituição compatível com o catolicismo romano.

Ao Governo português cabe, sob pena de se desprestigiar, mostrar que é um país laico e que os princípios que o informam são os mesmos que quer ver respeitados nos países amigos. Sócrates e Freitas do Amaral têm uma tarefa a desempenhar ao serviço da paz, da liberdade religiosa e do laicismo.

Obs.: Este assunto já foi tratado por mim em «Timor – um protectorado do Vaticano» 1 e 2 (site indisponível) e pela Palmira nos artigos «Tolerância Cristã» e «Terrorismo em Timor Leste». A gravidade e desfaçatez da ICAR exige que volte ao tema. Urge conter o fundamentalismo católico.

29 de Abril, 2005 Carlos Esperança

João Paulo II – um santo papa

A devota subserviência e o benevolente esquecimento sobre os pesados pecados de JP2 são o prenúncio da reabilitação do cardeal Ratzinger de que o Opus Deis, a Comunhão e Libertação e os Legionários de Cristo se esforçam por levar a cabo. Estas instituições pouco recomendáveis lembram-me – não sei porquê – a PIDE, a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa na defesa do salazarismo e da figura sinistra que o inspirava.

Sabe-se que a manifestação organizada no funeral de JP2 a exigir a rápida canonização, «santo súbito», foi organizada por um padre polaco e por membros da igreja do seu país natal, que distribuíram os cartazes e orquestraram os slogans.

JP2 considerou Pinochet e a amantíssima esposa como «casal cristão exemplar», ministrou-lhes embevecido a eucaristia e apareceu à varanda do Palácio La Moneda com o frio torcionário para ser ovacionado pelos devotos, sem se lembrar de que, naquele palácio, se tinha suicidado Salvador Allende, presidente eleito, deposto pelo golpista seu amigo.

JP2 intercedeu pela libertação de Pinochet quando foi detido em Londres, por crimes contra a humanidade, por ordem do juiz Baltasar Garzon, usando argumentos jurídicos. Pediu a sua libertação, alegando que os crimes foram cometidos quando gozava da imunidade de Chefe de Estado. No entanto nunca censurou a sentença islâmica que condenou à morte Salmon Rushdie ou intercedeu por ele.

JP2 não se limitou a apoiar as ditaduras fascistas da América do Sul, empenhou-se em derrubar os governos democráticos de esquerda numa cegueira insana de quem confundiu sempre as ditaduras estalinistas com o socialismo democrático resultante de eleições livres e submetido à alternância democrática.

Em 23 de Fevereiro de 1981, quando o grotesco tenente-coronel Tejero Molina tentou restabelecer a ditadura, deu-se a coincidência de estar reunida a Conferência Episcopal Espanhola. Nem o Papa, nem os bispos nem o seu núncio apostólico condenaram a tentativa de golpe de Estado, limitaram-se a recomendar aos espanhóis o piedoso exercício da oração.

Em relação à SIDA o defunto Papa portou-se como um verdadeiro criminoso. Não se limitou a aconselhar a castidade como propalam os seus sequazes, foi cúmplice da mentira que atribuía ao preservativo «minúsculos orifícios» permeáveis ao vírus e promoveu a informação sobre a sua inutilidade em países africanos onde o flagelo está sem controlo. O arcebispo de Nairobi foi ainda mais longe atribuindo aos preservativos responsabilidade pela SIDA sem ter sido desautorizado pelo Papa, apesar do ruído mediático feito à volta da boçal declaração.

Muitas violações de crianças se teriam evitado se em vez de um silêncio cúmplice, exigindo discrição à ICAR sobre os casos de pedofilia dos padres americanos, apesar das repetidas chamadas de atenção que lhe foram feitas, tivesse mandado comunicar os casos às autoridades dos EUA.

Mas que poderia esperar-se de um admirador de Josemaria Escrivá de Balaguer, a quem fez santo, esse admirador de Franco que mandou assassinar centenas de milhares de adversários políticos mas nunca faltou à missa e à eucaristia?

28 de Abril, 2005 Carlos Esperança

O papa anti-semita

A ICAR sempre tentou apagar o passado para melhor convencer os incautos da sua bondade. Parece ter esquecido o zelo posto na perseguição dos judeus com os reis católicos de Espanha e com D. Manuel I, em Portugal, zelo que se acentuou sob os auspícios da Inquisição com D. João III, rei que devia pouco à inteligência mas se dedicava profundamente à devoção religiosa. E foi assim em todos os países submetidos à influência de Roma.

O anti-semitismo da ICAR atingiu o apogeu da demência com Pio IX, que chamava «cães» aos judeus, o que não o prejudicou na beatificação com que JP2 havia de distingui-lo depois de lhe ter aprovado um milagre. Ultimamente há uma tentativa para reabilitar Pio XII, outro anti-semita com provas dadas. Não vale a pena falsear a história do Papa de Hitler. É fácil perceber que bastava ter aconselhado os católicos a não colaborarem com o nazismo para que o ditador não tivesse êxito.

Pelo contrário, Pio XII mancomunou-se com Hitler e ordenou à ICAR alemã que renunciasse à acção social e política, que extinguisse os partidos políticos católicos e silenciasse os seus próprios jornais. Seria o Führer a reconhecer essa ajuda como uma grande vitória e um enorme êxito na « luta contra o judaísmo internacional».

Sem a cobarde colaboração da ICAR teria sido impossível a eficácia e rapidez na «certificação racial» de todos os alemães.

Nem quando os judeus de Roma foram enviados para os campos de concentração e extermínio ergueu a voz para denunciar o crime, preocupado que andava com a exiguidade dos trajes femininos que corajosamente vituperava em piedosas homilias.

Por mais lixívia que os panegiristas de serviço usem será impossível desencardir a nódoa Pio XII caída no pano da ICAR, pano conspurcado por demasiadas nódoas acumuladas ao longo de vinte séculos.

Apostila – Mas que poderia esperar-se do sucessor de Pio XI que apoiou activamente a subida ao poder de Benito Mussolini e que, numa missa grandiosa em sua honra, declarou que «Mussolini é um homem que a Divina Providência nos enviou»? A troco dos bons serviços o ditador assinou os Acordos de Latrão que restituiram os Estados Pontifícios à Santa Sé e reconheceu a doutrina católica como primordial em Itália.

26 de Abril, 2005 Carlos Esperança

Crónica piedosa

A missa na aldeia

Os sinos da igreja intimavam os paroquianos para a missa. O templo ia enchendo, homens à frente, mulheres atrás, os menos pobres nas primeiras filas, sempre conforme à hierarquia e à tradição. Uns minutos antes das nove ouvia-se a moto do padre Farias que já tinha despachado a missa das oito em Casal de Cinza e ainda o esperava a das dez noutra paróquia.

Entrava sempre com o ar mal disposto de quem sentia o penoso serviço de Deus como condenação, em paróquias pobres, de gente rude, sem instrução nem banho. Ainda há dois dias ali estivera para ouvir em confissão os pecadores mais aflitos ou com hábitos mais frequentes da eucaristia. Não tardariam a chamá-lo de novo para levar o viático a um desgraçado que já não descolava da cama nem para a santa missa.

O latim deixava estarrecidos os crentes pelo carácter esotérico que assumia aos castos tímpanos de quem até o português, para lá de algumas centenas de palavras, soava a latim ou parecia língua estrangeira criada por Deus para confundir os homens nas obras da Torre de Babel.

A homilia era breve e as ameaças repetidas. Trabalhar ao domingo deixava o Senhor furioso, comer carne à sexta-feira era veneno para a alma de quem não tivesse a bula, a côngrua andava atrasada por parte de alguns paroquianos, a trovoada tinha dizimado as searas, era certo, mas a culpa não lhe cabia a ele, padre Faria, que cuidava das almas, a moto não se movia a água nem o mecânico a consertava a troco da absolvição dos pecados. No entanto, o mais injurioso para Deus e arriscado para a alma era trair a castidade pela qual a Santa Madre Igreja tanto zelava.

Dita a missa, antes de deixar sair os paroquianos, fazia avisos: pedia a quem encontrasse uma burra que avisasse o dono, lembrava às freguesas que as crianças podiam ficar em casa se não se calassem na missa, que todos os cristãos podiam baptizar um recém nascido em perigo de vida, in articulo mortis, sem necessidade de despachar estafeta a exigir a sua presença, com risco de não estar ou de lhe minguar a disponibilidade.

Recordo as pias mulheres, embiocadas no xaile e lenço negro, a debitar ave-marias, sem me ocorrer que vivessem o drama de D. Josefa que Eça nos apresenta «toda sossegada, toda em virtude, a rezar a S. Francisco Xavier – e, de repente, nem ela soube como, põe-se a pensar como seria S. Francisco Xavier, nu, em pêlo».

Já não me surpreende que a Ti Celesta, transida de frio e carregada de fome, de fé e de filhos, sempre com aquela tosse que irritava o padre e merecia das outras mulheres o diagnóstico de tísica, se debatesse com o mesmo problema da D. Josefa de «O crime do padre Amaro», talvez em situações mais graves.

A bondosa D. Josefa acrescentava à nudez fantasiada do santo outro pecado que a torturava: «quando rezava, às vezes, sentia vir a expectoração; e, tendo ainda o nome de Deus ou da Virgem na boca, tinha de escarrar; ultimamente engolia o escarro, mas estivera pensando que o nome de Deus ou da Virgem lhe descia de embrulhada para o estômago e se ia misturar com as fezes! Que havia de fazer?”

Com a Celeste a consumição era maior, embora alheia à metafísica. A tosse e a expectoração apoquentavam-na durante a eucaristia e o padre Farias já a tinha ameaçado de lhe recusar o sacramento apesar da devoção com que cumpria os deveres canónicos e a regularidade com que paria um filho por ano.

Mal o corpo e o sangue do Cristo lhe eram pousados na língua, em forma de alva rodela de pão ázimo, logo as secreções lhe acudiam à boca parecendo acalmar à medida que o alimento espiritual aconchegava o tracto gastrointestinal, acalmando o jejum e o catarro, seguindo o curso fisiológico.

Depois, enquanto o padre desaparecia sobre a moto, entre nuvens de pó, ficavam os homens a falar da vida enquanto as mulheres regressavam a casa a fazer contas à vida e os garotos enganavam a fome com uma bola de trapos, sem pensar na vida.