Loading

Deus e os padres

Deus criou o Mundo e emigrou. Não fez obra asseada nem mostrou regular bem da cabeça, mas não faltam voluntários a enaltecer a obra nem candidatos a testamenteiros da vontade divina.

Quem se julga feito à imagem e semelhança de Deus tem direito a essas e outras tolices. Mas não tem o direito de impor a vontade à força, de converter incréus pela violência, de purificar os pecadores pelo fogo, lapidação e outras formas de pedagogia de que as religiões gostam.

O clero é uma classe parasitária que vive da venda de uma mercadoria cuja existência não pode provar, que exerce poder e influência graças a truques de utilidade duvidosa, que promete o Paraíso a preços insuportáveis com o alibi de que tem o monopólio da verdade e o alvará da única agência de transportes.

O que me surpreende é a clientela que mantém, a fidelidade dos fregueses e a sua dedicação.

Há dias, o Grande Oriente Lusitano – Maçonaria Portuguesa entregou na Torre do Tombo um dossiê de 121 folhas, em papel almaço dactilografado, com agentes daquela organização fascista que recolhia informações sobre os democratas. Ora, na cáfila de delatores e gente de mau porte, havia duas páginas de párocos. Acontecia, aliás, o mesmo na PIDE onde piedosos bufos de sotaina denunciavam democratas antes ou depois da confissão.

Como cidadão lamento que os esbirros não tenham sido julgados e os crimes da PIDE e da Legião Portuguesa tenham ficado impunes mas, como ateu, – e é isso que interessa aqui -, fico perplexo com a boa fé dos crentes que se genuflectem aos pés de primatas tão abjectos. Sempre me enojou a subserviência de quem é capaz de beijar a mão de um padre, a fragilidade de quem é capaz de confessar actos cuja indignidade uma recta consciência devia impedir de cometer.

Claro que não são todos. Pudera! Mas alguém duvida da poderosa arma que constitui a confissão e das numerosas vezes que foi, é e será usada para benefício da santa cáfila que se dedica aos negócios de Deus e à conquista metódica e persistente do poder?

Comemora-se ente ano, em França, o centenário da separação do Estado e da Igreja. Esta, sem a laicidade comportar-se-ia em Portugal de forma diferente do que em Timor? Em Espanha a ICAR respeita o Governo e a legalidade democrática?

Esperem que em Portugal os temas do aborto, da eutanásia e das uniões homossexuais se encaminhem para a regulamentação legal e verão, caros leitores, os uivos, as injúrias e os anátemas com que a ICAR nos vai brindar. O clero não muda, tal como o camaleão apenas se adapta ao meio para melhor nos confundir.