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Mês: Fevereiro 2014

20 de Fevereiro, 2014 Carlos Esperança

O negócio das almas

O Paraíso não é uma casa de diversão nem um lugar bem frequentado. A avaliar pelos santos que os últimos Papas resgataram das profundezas do Inferno ou do estágio no Purgatório, há hoje numerosos patifes a jogar as cartas com o divino mestre e a servir bebidas ao Padre Eterno.

Não sei se é Torquemada quem toma conta do armazém das almas de crianças por nascer ou de adultos por batizar, pois sabe-se de ciência certa, com aquela honestidade que se reconhece ao clero, que os não batizados têm como destino o Limbo, um sítio insípido, sem divertimentos nem crueldades como os que o Deus de Abraão criou para o destino dos bem-aventurados ou das almas penadas, respetivamente o Paraíso e o Inferno.

No armazém das almas o negócio anda próspero com a explosão demográfica a que se assiste mas os clérigos são negociantes insaciados que querem despachar a mercadoria.

É por isso que a ICAR é contra o planeamento familiar, a contraceção, o preservativo, a IVG, o DIU e a pílula. No Céu há uma alma para cada espermatozoide e é por isso que tanto o pecado solitário como a ejaculação noturna são uma catástrofe para o negócio.

Os clérigos, incumbidos de tratar das almas e olhar pelo negócio, andam estarrecidos com o fim da perseguição criminal às mulheres que interrompem a gravidez.

Aliás, para as religiões do livro, a mulher é um ser inferior que deve obediência ao marido e serve apenas para reprodução e louvores ao Deus da zona de residência.

19 de Fevereiro, 2014 Carlos Esperança

Um bispo reformado de professor era o general que faltava

Num país laico há professores a fazer proselitismo à custa do Orçamento, professores que os bispos nomeiam e exoneram livremente, prestando serviço a uma religião particular, mas pagos por todos contribuintes.

Podem acabar as aulas de humanidades mas mantêm-se como oferta obrigatória as aulas de Religião e Moral católica. Há quem comece a acumular tempo de serviço a doutrinar os alunos, acabe por ultrapassar colegas mais classificados e progrida como professor de biologia.

Agora é nas Forças Armadas, a que a Igreja católica conseguiu juntar as forças policiais, que vai ser nomeado um novo bispo com a patente de major-general. Se os católicos fardados precisam de um comandante, não tardará que um major divulgue a bondade do Corão e um tenente as delícias da Tora. O que surpreende é a obrigação do Estado ter de pagar a salvação eterna dos militares e polícias.

Manuel Linda era o bispo auxiliar de Braga que o múnus retirou das funções docentes, com a pensão de 1429 euros, situação que complica a integração na função militar ativa.

Neste momento já dispõe de gabinete, automóvel, motorista e secretária, e tudo indica que o ministro da Defesa e a ministra das Finanças o autorizem, por despacho conjunto, a acumular a pensão de professor com a de comandante supremo dos católicos fardados, uma tença de mais 3518,62 €.

O novo bispo, cuja falta é visível, precisa do reconhecimento oficial. Como ele próprio se interroga: «Como é que eu de Braga posso prestar assistência, por hipótese, à GNR de Vila Real de Santo António?». De facto, como pode um cabo, ansioso por se crismar, recorrer ao bispo se ao alvará para administrar o sacramento da confirmação, não juntar a patente de major-general, contra-almirante ou superintendente-chefe?

Portugal pode ter carências e não se justifica que faltem capelães aos católicos fardados, tal como não faltam nos hospitais e nas prisões. Agora, os evangélicos também querem meter um bispo nas FA. Espera-se que, pelo menos, lhe paguem como cabo-mor.

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18 de Fevereiro, 2014 Carlos Esperança

Carta para Giordano Bruno

Meu caro Giordano:

Mesmo para um frade dominicano, habituado às maldades da ordem e à substituição da inteligência pelas orações, foi terrível suportar sete anos de julgamento. Uma coisa é a reclusão voluntária no convento, na convicção de que um ser imaginário se rebola de gozo com o silêncio e as súplicas, para lhe reservar um lugar vitalício no Paraíso; outra, é a prisão nas masmorras da Inquisição, a antevisão permanente da fogueira que espera o réprobo, a sindicância perversa à inteligência, as ameaças pias e o convite à retratação.

Nos finais do século XVI, pensar era heresia, redigir livros profanos, uma abominação, e ter ideias, o caminho mais rápido para a fogueira e o Inferno.

Foste acusado de blasfémia, conduta imoral e heresia porque os teus livros divergiam da teologia dogmática e referiam doutrinas diferentes da filosofia e cosmologia que a Igreja católica ensinava.

O teu crime era a ciência a que te dedicavas e para os néscios que te julgaram, incapazes de imaginar que havia outros mundos para lá da sua ignorância, só restava acusarem-te de sustentares opiniões contrárias à fé católica.

Depois, para fingirem que sabiam o que diziam, acusaram-te de coisas tão graves como
opiniões contrárias à fé católica, sobre a Trindade, a divindade de Cristo e a encarnação, de dúvidas sobre a virgindade de Maria e os sinais cabalísticos da consagração da hóstia que a transformam em corpo e sangue de Cristo, como qualquer cego claramente vê.

O que mais os ofendeu foi a tua premonição de que havia mais mundos e, sobretudo, de que era infinito o Universo – como sabias –, e os laivos de panteísmo que faziam ranger os dentes às cavalgaduras pias que, por isso, te acusaram de magia e adivinhação.

Giordano Bruno, por maior raiva que o Vaticano alimente pela estátua que os maçons te erigiram, por mais esforços que tenha feito para a demolirem, ela é destino obrigatório dos livres-pensadores, enquanto os santos enegrecem desprezados com o fumo da velas.

Hoje, 414 anos após aqueles pulhas te queimarem, por todo o mundo há quem despreze as orações e recorde a frase com que uma vez mais desafiaste a Igreja quando os sádicos inquisidores te condenaram à fogueira: «Talvez sintam maior temor ao pronunciar esta sentença do que eu ao ouvi-la».

Sábias palavras, inexcedível coragem, Giordano Bruno.

17 de Fevereiro, 2014 David Ferreira

Portugal. Um estado laico?

Fonte: DN de 17fev14.

Perante a impossibilidade legal de o Governo pagar um salário ao bispo das Forças Armadas – que já tem ao seu dispor gabinete, automóvel, motorista e secretária -, a solução encontrada foi a nomeação de D. Manuel Linda, que está reformado com 1429 euros, também para capelão-chefe da Igreja Católica. O titular do cargo passa a auferir 3518 euros e a decisão final cabe à ministra das Finanças.

D. Manuel Linda, nomeado bispo das Forças Armadas e de Segurança pelo Papa Francisco em outubro passado, reformou-se no mesmo mês e só poderá ser remunerado com autorização expressa das Finanças.

O prelado reformou-se como professor com uma pensão de 1429 euros. A sua situação de aposentado foi publicada a 9 de dezembro no Diário da República.

D. Manuel Linda admitiu existir um problema de legalidade quanto ao novo estatuto do bispo das Forças Armadas e de Segurança e a sua respetiva remuneração: “O problema económico também se põe, mas é muito secundário, porque a grande questão é legal: como ser reconhecido” pelo Estado e estar “autorizado a aceder às suas instalações”.

D. Manuel Linda, que entregou os papéis da reforma em dezembro de 2012, referiu que a Concordata entre o Estado e a Santa Sé é, em termos legislativos, de ordem superior à do decreto-lei que regulamenta o Serviço de Assistência Religiosa, pelo que a figura do bispo católico afeto às Forças Armadas deveria ter tido um reconhecimento que o Governo de então, socialista, não fez, adiantou.

Interrogado sobre a questão do limite de idade para aceder às fileiras (inferior aos 57 anos que tem) ou ser capelão militar (menor do que a permitida para chegar a bispo), D. Manuel Linda reconheceu em entrevista ao DN que “a omissão” legal que impede a sua remuneração como bispo das FA e de Segurança será ultrapassada com a nomeação para capelão-chefe, observando que “É um posto que está vago e deve existir, segundo a legislação” em vigor.

17 de Fevereiro, 2014 Carlos Esperança

Saudades para Vanessa

Há nove anos, nos primórdios de 2005, lia e não acreditava. Voltava a ler. Julgava estar a perceber mal, e relia. Pensava que havia gralha, que o jornalista tivesse cometido um lapso e dissesse o contrário do que queria. Li uma última vez.

Senti comoção e a raiva. Sabia das baixezas de que os homens são capazes. Estive 26 meses na guerra colonial. Mas, talvez, a estupidez não seja o pior dos males. Pior só a estupidez e a crença reunidas.

Paulo, drogado, saído da prisão de Custóias há quatro meses, desempregado, fazia filhos em várias mães no Bairro do Aleixo, bairro de problemas e miséria da cidade do Porto. Uma das filhas chamava-se Vanessa. Tinha cinco anos e a vida para viver. Paulo matou-a à pancada.

A mãe de Vanessa mandou rezar-lhe missa do 7.º dia na igreja de Lordelo do Ouro, no Porto. Foi o mimo que lhe faltou em vida.

Copiei devagar o que li e reli na pg. 90 da “Visão”, desse dia. Domingos Oliveira, padre que celebrou a missa, por Vanessa, criança de cinco anos, morta à pancada pelo pai, disse na homilia: “matar uma criança no seio materno ainda é mais violento do que matar uma menina de 5 anos” e invetivou a sociedade “que favorece o uso de preservativos”.

Havia na demência mística do padre Domingos Oliveira uma tal insensibilidade, um tão grave insulto à memória de uma criança mártir, um desrespeito tão grande pela mãe que encomendou a missa e um tamanho ultraje à vida, que estupefazia e arrepiava.

Esse almocreve de Deus, apóstolo da fé, santa besta fiel ao Papa, padre católico, achava preferível matar uma criança de cinco anos à pancada do que interromper a gravidez de um embrião de cinco semanas.

Queriam que eu esquecesse esse facto cuja data exata não registei? Que esquecesse as Vanessas mortas aos cinco anos por pais violentos e drogados? Que ocultasse o nome dos padres que perpetuam a violência e os preconceitos?