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  • 16 de Fevereiro, 2013
  • Por Carlos Esperança
  • Ateísmo

O Presidente da República e o Vaticano

Por

João Pedro Moura

“Santo Padre,

Foi com sentida emoção que tomei hoje conhecimento do anúncio feito por Vossa Santidade de renunciar ao Pontificado.
Quero, nesta ocasião, sublinhar a admiração profunda do Povo Português por Vossa Santidade e por um magistério que constitui exemplo de fé e de esperança, na defesa dos valores universais da tolerância e da paz.
Recordo, muito especialmente, a Visita que efetuou a Portugal em Maio de 2010, e os sinais de afeto e carinho de Vossa Santidade para com o Povo Português que então pudemos testemunhar.
Reitero o profundo apreço dos Portugueses pela personalidade ímpar e pela sabedoria inspiradora de Vossa Santidade.
Aníbal Cavaco Silva”
Este é o teor da mensagem do presidente da república portuguesa ao papa resignatário, Bento XVI.

Analisemo-la:

1- Em primeiro lugar, recorde-se que o Vaticano é um Estado especial, formado pela direção da Igreja católica, portanto, por uma instituição religiosa, que, obviamente, prossegue os seus interesses particulares de propaganda religiosa e de proselitismo.
O estabelecimento de relações diplomáticas com tal entidade religiosa, nestas condições, é dar reconhecimento político à dignidade religiosa e equipará-la aos demais Estados…
… Mas isso é assunto para outro artigo…

2- Os Estados nacionais, porque são isso mesmo, isto é, uma organização política dum povo, contêm pluralismo político e religioso, enfim, ideológico e filosófico desse povo, mesmo que esse pluralismo, nos Estados totalitários, esteja abafado e reprimido.
Porque o pluralismo existe sempre e faz parte da natureza humana, mesmo que esteja na clandestinidade…

3- Ora, o representante político máximo, num Estado laico, dum povo não pode referir-se, nos termos em que se referiu, a um representante máximo dum Estado fundado numa religião, mesmo que essa religião seja maioritária nesse povo.

4- Um Estado laico, como são os Estados modernos do quadrante civilizacional a que pertencemos, não tem, portanto, religião oficial. O Vaticano é um Estado religioso, mas sem povo, porque assente, apenas, na ereção política da hierarquia da Igreja.
O Vaticano é um artifício oportunista, que resultou do Tratado de Latrão, em 1929, acordado entre o ditador fascista italiano, Mussolini, e o papa Pio XI, que, entre inúmeras benesses para a ICAR, delimitou tal território contínuo em Roma, mais um palácio e 3 basílicas extraterritoriais.
Só por isso, já não deveria haver relações diplomáticas com o Vaticano, como eu, noutro artigo, demonstrarei…

5- “Quero, nesta ocasião, sublinhar a admiração profunda do Povo Português por Vossa Santidade”, disse, o presidente português, Cavaco Silva.

Ora, o presidente Silva não sabe se o povo português tem uma “admiração profunda” pelo papa resignatário, nem interessa saber, porque as saídas e entradas de papas apenas concernem à Igreja e seus adeptos e não a um presidente de república.
E mesmo que houvesse “admiração profunda” do “povo português”, tal apenas concerniria a esse “povo”, assim dito, e não a um representante político máximo, que, obviamente, na medida em que o é dum Estado laico, não tem nem deve exprimir-se nos termos laudatórios em que se exprimiu, manifestando admiração por um papa, representante máximo duma ideologia, duma igreja, que é, intrinsecamente, assunto privado, portanto, alheio à direção e representação política duma república, e não assunto público.

6- “[admiração]… por um magistério que constitui exemplo de fé e de esperança”.

Ora, temos aqui o presidente Silva a manifestar apreço pelo “magistério” dum papa… que mais não é do que enaltecer a direção religiosa do mesmo!
Um presidente duma república laica jamais deveria pronunciar-se nestes termos!
Um presidente de república laica deve respeitar a laicidade do seu Estado e abster-se de comentar e, muito menos, enaltecer, o “magistério” dum Estado intrinsecamente religioso, porque, assim, põe-se do lado desse Estado religionário, confundindo o seu, do presidente, catolicismo com o pluralismo do seu Estado e quadrando-se num apoio de católico, assunto privado, a um Estado religioso, apoio esse transformado em assunto público…

7- “…na defesa dos valores universais da tolerância e da paz.”, disse o presidente Silva.
Já não se tratando de assunto religioso ou laico, pergunto o que é que o papa defendeu de “tolerância e paz”???!!!
Como é normal na ICAR, sempre que irrompe uma guerra ou um conflito qualquer de implicações internacionais ou de manifesta relevância, lá vem o papa com a balela sobre “paz” e “tolerância”, dispensando-se de apontar, clara, irrecusável e inequivocamente, quem é o fautor da guerra e da intolerância, não o denunciando, que é como se faz e se deve fazer em litigância política ou judicial, nacional ou internacional.
Clamar por paz e tolerância, constantemente, sem, constantemente, denunciar os prevaricadores, os intolerantes, os assassinos, os opressores, equivale, apenas, a mostrar-se pacífico e tolerante, em abstrato, esquivando-se à plena assunção e defesa duma verdadeira paz e tolerância, que passa, necessariamente, pela denúncia dos agentes da guerra e da intolerância, porque só quando esses agentes são denunciados é que se pode combater mais eficazmente por essa paz e tolerância.