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O sangue de João Paulo II, a publicidade e a santidade

Em janeiro de 2014, os media anunciaram o roubo «de valor incalculável» de uma relíquia. A polícia italiana lançou uma formidável operação, com a ajuda de cães treinados, para encontrar o frasco roubado com sangue de João Paulo II, com uma cruz de uma igreja medieval.

Só havia, em todo o mundo, três frascos com sangue de João Paulo II, papa a canonizar em abril desse ano, momento em que a raridade da relíquia atingiria valores máximos. A imprensa foi omissa quanto ao treino dos cães que ajudaram a polícia, sem dizer se eram adestrados a descobrir frascos, sangue ou cruzes. Esperava-se que a relíquia, tão valiosa, fosse recuperada das mãos dos ladrões. Outros precisavam dela para as rotas do turismo pio junto de um amplo recipiente para o óbolo, sem correrem riscos.

Que morbidez é essa que fez sangrar um papa para alimentar o mercado das relíquias? Se a moleza da fé embota a razão, por que motivo não lhe tiraram uma dose maior para baixar o preço? Na bolsa da fé, como na de outros valores, a escassez está na base da subida dos preços, mas, tratando-se de um bem intangível, a canonização não foi alheia à valorização da relíquia.

João Paulo II teve como profissão e estado civil a santidade em vida. Quanto à bondade, dividem-se as opiniões. Em relação ao negócio sinto uma verdadeira repugnância, pela exploração de um órgão do morto e fico a pensar, no meu pensamento de incréu, quanto valerão as vísceras e outros órgãos se, à semelhança do sangue, lhos furtaram à sorrelfa para alimentarem a devoção necrófila dos que julgam que a visita a uma relíquia conduz o peregrino ao Paraíso.

É preciso acreditar muito na santidade e duvidar ainda mais da inteligência.

Apostila – Ignoro se o frasco de sangue foi recuperado.