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  • 11 de Agosto, 2010
  • Por Carlos Esperança
  • Religiões

Deus está em parte incerta_1

Deus, cansado das asneiras que fez, das maldades que praticou e envergonhado dos seus preconceitos, afastou-se para lugar incerto e, depois da invenção da escrita, nunca mais deu sinais de vida. A Revolução Francesa veio criar um habitat incompatível com a presença divina. O sufrágio universal reduziu-o à sua insignificância e, por não falta de inscrição nos cadernos eleitorais, passou a valer menos do que qualquer eleitor.

Os truques que fazia no Mar Morto, as reinações com que embasbacava os primitivos, contrariando as leis da Física, os milagres que exibia para estupefazer os terráqueos, tudo isso foi sendo desmascarado pela ciência ao mesmo tempo que o progresso criou espaços de liberdade que um Deus violento e autoritário não podia suportar. Tal como o patrão que arruinou a fábrica, desapareceu, indiferente à sorte dos servidores fiéis, e nunca mais foi visto.

Claro que os empregados mais devotos, os espíritos mais timoratos e os oportunistas mais descarados continuaram a garantir a sua existência e a ameaçar com os castigos de que ele era capaz. Procuram fabricar supersticiosos, como os que em Portugal esperam por D. Sebastião, ou aliciar oportunistas com benefícios garantidos, mas sem grandes resultados práticos.

A excomunhão e a fatwa são duas armas que permanecem carregadas de ódio, o Inferno é ainda um destino com que os clérigos assustam os incréus, a penitência e a oração continuam a fazer parte das penas suaves, sempre que meios mais expeditos não são consentidos: a lapidação, a fogueira, a decapitação, a amputação de membros, a explosão bombista e outras manifestações da justiça divina, praticados por clérigos com procuração divina, para supremo deleite do Todo-Poderoso.

Ultimamente Deus começou a imiscuir-se, em rigorosa clandestinidade, nos processos eleitorais. Em países democráticos faz pender o prato eleitoral para o lado pior, nos outros vai impedindo eleições com o argumento de que a lei divina não é passível de julgamento pelos homens. Há suspeitas de que Deus visita os EUA, passa largas temporadas no Médio Oriente, percorre os países mais pobres de África e anda em campanha por algumas repúblicas da antiga URSS. Onde lhe cheirar a sangue, Deus não falta, para dilatar a crueldade.

Há, contudo, um método, destinado à multiplicação da espécie humana, que lhe saiu mal  –  a reprodução por estaca (usou um ramo ‘costela’ de um indivíduo para o duplicar). Os humanos descobriram outro método muito mais fácil e imensamente mais agradável. Dizem os beatos que é um método obsceno, apenas tolerável para fazer filhos e nunca para obter o mais leve prazer. Pensa-se que este método tinha-o Deus reservado para o fabrico de tractores mas os humanos apropriaram-se dele muito antes de os tractores terem sido inventados sem ajuda divina.