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A Igreja e a ditadura franquista

Como é sabido, a Igreja Católica exige o monopólio do mercado da fé, quando se encontra em maioria, e igualdade quando se encontra em minoria.

Na sua mensagem às cortes em 23 de Outubro de 1953, Franco definiu a base doutrinal da concordata: «Conceber a Igreja como sociedade perfeita, livre e independente, não é mais do que reconhecer as prerrogativas com que as dotou o seu Divino Fundador.» Este não era mais do que o reconhecimento implícito da supremacia da Igreja Católica.

O 2º artigo e seguintes, elucidam-nos sobre as consequências desta doutrina,  e enumeram as exorbitantes concessões económicas: «O Estado assumirá a construção e conservação de templos e seminários, comparticipará e cuidará dos mosteiros, colaborará no financiamento dos organismos de assistência para clérigos enfermos ou inválidos, e atribuirá uma pensão honrosa aos bispos reformados. Assumirá as despesas inerentes à criação das novas paróquias e dioceses e dos edifícios religiosos. Concederá ainda subvenções a ordens e institutos religiosos eclesiásticos de carácter missionário, assegurará a “assistência religiosa” nos centros e organismos sociais e forças armadas, e concederá outros privilégios no ensino público, meios de comunicação, na legislação canónica matrimonial e outros mais».

Neste Oásis de abundância, e já em vésperas do Concílio Vaticano II o Cardeal Quiroga Palacios, protótipo do prelado franquista, declarava: «A Igreja considera a colaboração Igreja-Estado, como “normal”, e olha-a como um ideal para o povo, […] só em circunstâncias excepcionais se pode admitir a separação entre estes dois poderes, como um mal menor».

Só após o Concílio Vaticano II, em Junho de 1967, é aprovada a Ley de Regulación del Ejericio Civil de la Libertad Religiosa.

O progressivo envelhecimento do Ditador, o esgotamento ideológico do regime, os crescentes ventos de liberdade reclamados pelos cidadãos e perante a insegurança na sucessão de Franco, a Igreja decide lançar-se numa paulatina “operação de afastamento”, do regime, típica da multi-secular tradição de oportunismo político e de ambiguidade ideológica que a caracterizam.

A reviravolta dos anos 60, as experiências dos “sacerdotes-obreros”, as manifestações de rua do Maio de 68 e alguns factores mais, galvanizaram os ânimos dos mais sensíveis. A verdade é que o almirante Carrero Blanco chegou a expressar a sua indignação, perante a ingratidão da Igreja, e passou-lhe factura detalhada das dívidas por esta contraídas durante mais de três décadas com o Estado. Mas Franco, no seu discurso de fim de ano apressou-se a dissipar todo o risco de enfrentamento.

Em Setembro de 1971 a Assembleia Conjunta de Bispos e Sacerdotes aprova o documento: “La Iglesia y la Comunidad” onde expressam um cauteloso propósito de emenda sobre a escandalosa presença de eclesiásticos nos órgãos do Estado (ditatorial).

Formalmente tudo seguiu igual pois a Igreja não renunciou a nenhum dos privilégios que conseguira no calor da guerra fratricida conduzida debaixo do signo da cruz. Assim o incontestado domínio da Igreja em todas as áreas da vida pública espanhola, permaneceu intocável.

Inicia então o processo de transição política que poderá classificar-se como frustrante. Em vez da renovação que implicava substituição daqueles que haviam encarnado o regime ditatorial, assiste-se a uma “fusão” dos novos dirigentes democráticos com os velhos franquistas, predominando a mentalidade, os interesses e as pessoas do velho regime.

O processo de “transição” tratou de transformar uma ditadura exausta e uma Igreja comprometida; numa democracia, lavando a cara e a história com a palavra “consenso” e as suas anestésicas virtudes. G. Morán escreveu na altura: « Desde os primeiros dias de 1976 que se inicia um processo de “desmemorização” colectiva. Não de esquecimento, senão de algo mais perigoso e voluntário, a capacidade de se tornar “desmemorizado”.

*fonte: Ojea, Gonzalo Puente. – Elogio del Ateísmo