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As religiões do livro gostam de sangue

Sakineh Mohammadi Ashtiani

Continuarei a defender os crentes, o direito a expressarem a sua fé e a crerem nas coisas idiotas com que os clérigos e os livros santos os intoxicam.

Não condeno quem julga a água benta diferente da outra ou a hóstia consagrada com características distintas das rodelas de pão ázimo; quem julga que deus se baba de gozo a observar os crentes a viajarem de joelhos e espreita pela fechadura dos quartos para saber se um casal se move pela lascívia ou pelo desejo honesto da procriação; quem suborna um santo para curar uma moléstia ou encontrar um emprego; quem jura que o mundo foi criado por Deus e que as tolices que lhe ensinam na catequese são a mais límpida vontade de Deus e a mais pura das verdades.

O que não devo tolerar é a demência misógina das religiões do livro que vêem a mulher como encarnação do mal e um ser inferior ao homem. O que não posso aceitar é que em nome de um livro bárbaro, da Idade do Bronze, perdurem crimes e penas que aviltam o género humano e destroem a civilização.

Em nome dos bons costumes e da paranóia de um deus que, se existisse, merecia cadeia, não podemos deixar morrer, com sida, milhões de seres humanos porque deus embirrou com o látex. Em nome de valores idênticos, que o Iluminismo sepultou, não podemos permitir a morte Sakineh Mohammadi Ashtiani, de 43 anos, que, após 99 chicotadas, confessou o crime de adultério.

Segundo o profeta, que todos os hipócritas e cobardes dizem que tenho a obrigação de respeitar, essa mulher deve ser enterrada na areia, com a cabeça de fora, enquanto as pedras, arremessadas por crentes, lhe desfazem lentamente o rosto, com a luz dos olhos a extinguir-se lentamente, num martírio atroz.

Parece que a pressão internacional levou, desta vez, o Líder Supremo do Irão, ayatollah Ali Khamenei, a conceder um acto de misericórdia: substituir a lenta agonia das pedras pelo enforcamento.

Diz o jornalista Ferreira Fernandes, num desolado sarcasmo: « Irão sai (num caso) da Idade da Pedra».

Querem que me cale, que diga que Deus é grande e que os profetas são honrados? Vão para o raio que os parta. Ainda não há melhor justiça do que a dos homens civilizados. Deus é infinitamente pior. Tal como os bandos que lhe satisfazem as vontades.