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Mês: Julho 2009

13 de Julho, 2009 Carlos Esperança

Reescrever a história

Bento XVI defendeu este Sábado a importância de Deus para a nova cultura que surge na Europa e no mundo globalizado, assegurando que, nas universidades, é cada vez mais necessária a presença cristã, “verdadeiro motor do desenvolvimento”.

Comentário: B16 já se esqueceu de que a religião foi sempre um travão ao progresso? E continua a ser.

12 de Julho, 2009 Carlos Esperança

Somália – Cristãos decapitados

Cristãos decapitados na Somália

Um grupo de extremistas islâmicos, ligado à Al Qaeda, decapitou esta Sexta-feira sete cristãos da Somália, acusados de serem “espiões”.

O respeito que todos os crentes devem merecer-nos não pode ser alargado às crenças. As pessoas são dignas de respeito, consideração e solidariedade independentemente da responsabilidade penal pelos crimes que cometem.

Se as crenças ferem princípios humanistas e civilizacionais devem ser combatidas e os regimes despóticos, sustentados por elas, devem ser derrubados.

As guerras religiosas e a crueldade fanática são velhos fenómenos que ensanguentaram a Europa até que o Iluminismo, a Revolução francesa e a secularização lhes puseram termo. O direito à liberdade religiosa não foi dado por qualquer religião, foi conquistado contra a vontade das Igrejas. O próprio catolicismo, depois de um longo processo de secularização e de lhe ter sido imposta a separação do Estado, só viria a reconhecer a liberdade religiosa com o concílio Vaticano II, que os fundamentalistas se esforçam por esvaziar de conteúdo.

A decapitação de cristãos na Somália choca pelo horror da crueza, a demência prosélita e a alienação provocada pelo ódio.
O mundo civilizado deve exigir às ideologias religiosas o mesmo comportamento que às políticas. O pluralismo é uma exigência ética e civilizacional. Matar por ódio sectário e querer converter os outros ao seu deus, pela violência, são fenómenos que urge erradicar.

Para pôr cobro a estes crimes, que se repetem com impiedosa regularidade, não se devem exigir referências confessionais nas Constituições dos países, deve exigir-se que a liberdade de crença, descrença e anti-crença seja reconhecida e defendida pelos países civilizados.

É preferível viver sem um mínimo de fé do que morrer com excesso dela.

Quem poderá negar aos cristãos decapitados a sua solidariedade e aos fundamentalistas que os executaram um julgamento rigoroso?

11 de Julho, 2009 Carlos Esperança

Bispos admitem fechar as igrejas

A Igreja Católica diz que acatará todas as recomendações do Ministério da Saúde, no que toca a medidas de prevenção da expansão do vírus H1N1, incluindo, se necessário for, fechar as igrejas aos fiéis.

11 de Julho, 2009 Ludwig Krippahl

Burqas, férias, e coisas sérias

A nossa lei proíbe contractos de trabalho nos quais se abdique do direito às férias. Se a lei permitisse a abdicação contractual deste direito, o empregador podia pressionar um empregado a prescindir das suas férias. O mesmo raciocínio pode justificar a proibição da burqa. Por motivos pessoais ou religiosos, talvez haja quem queira mesmo abdicar das férias ou andar tapado dos pés à cabeça. Mas, havendo perigo de alguém ser forçado a isso, pode ser melhor proibir se a protecção dos direitos de uns compensar o inconveniente causado aos outros. Não é uma imposição gratuita de valores. É a tentativa de proteger, o melhor possível, os direitos de todos.

Acerca disto, o João César das Neves (JCN) baralhou-se com a sua habitual eloquência. «A tolerância só tem significado quando enfrenta algo intolerável. Para aceitar o que consideramos admissível não é preciso esforço. Claro que a tolerância tem limites […] A discriminação das mulheres e, pior ainda, a sua servidão e abaixamento são evidentemente intoleráveis.» Para o JCN, só é preciso tolerância para o intolerável mas há coisa intoleráveis que não se tolera. Como a discriminação das mulheres que, logo a seguir, já parece tolerar quando diz que proibir a burqa é «precisamente a mesma posição que fez nascer a burka. Se substituirmos “dignidade da mulher” por “decência feminina” e “abaixamento” por “deboche”, é fácil imaginar um qualquer responsável afegão a justificar literalmente nos mesmos termos a recusa do traje ocidental.»(1) Esta dicotomia é assimétrica. O “traje ocidental”, neste contexto, inclui tudo que não seja a burqa. Bikini, vestido de noiva, fato de treino, saia e casaco ou calças de ganga. Proibir a burqa restringe muito menos que proibir o resto. Mais importante ainda, o objectivo de proibir a burqa é impedir que obriguem as mulheres a usá-la. Não é por não gostar de burqas, mas por não querer que privem as mulheres do direito de escolher a sua roupa. Se for preciso restringir a escolha apenas a tudo o resto, antes isso que só poder escolher a burqa.

Numa sociedade tolerante ninguém sobrepõe os seus valores aos direitos dos outros. O católico não obriga o judeu a comer a hóstia e o judeu não proíbe o budista de trabalhar ao sábado. Mas se o empregador quer forçar o trabalhador a abdicar das férias, ou se o muçulmano obriga a mulher a andar de burqa, então a situação já é de intolerância e o máximo que se pode fazer é remediar com uma intolerância menor. Por isso proibir a burqa é uma hipótese aceitável, em teoria, se resultar numa imposição menor que deixar que obriguem as mulheres a usá-la.

Em teoria. Na prática, não estou convencido que seja boa ideia. Não me parece que passar multas a quem usa burqa seja uma forma eficaz de combater a discriminação. E desagrada-me soluções ad hoc. O melhor seria uma alteração estrutural. Por exemplo, deixar de tratar a religião como uma vaca sagrada. É fundamental que a sociedade encare as religiões como opções pessoais, que não merecem mais respeito que qualquer outra e que ninguém deve poder impor aos outros. Para isso era preciso abolir as leis, e combater a mentalidade, que ainda protegem de crítica as crenças religiosas. Não castigamos quem troça do futebol, quem goza com a ciência ou aponta o dedo à política. Mais importante, exigimos de quem gosta de futebol, ciência ou qualquer partido que tolere as críticas dos outros. Aos religiosos devemos exigir o mesmo. Que respeitem o direito de criticar. É certo que as religiões são mais vulneráveis à crítica, mas é pelo absurdo das suas crenças e isso não justifica protecção especial.

É grave que obriguem mulheres a usar burqa, é urgente enfrentar o problema e talvez proibir seja melhor que não fazer nada. Mas isto remedeia o sintoma em vez de tratar a doença. Por isso devia-se tirar melhor partido daquela virtude que é comum a todas as religiões. O ridículo. É que além de indecente, obrigar as mulheres a andar tapadas (ou proibir-lhes o sacerdócio, e tantas outras coisas) é idiotice. É disparate. É palhaçada. O JCN remata o seu artigo dizendo dos ditadores que «O mal deles não era cinismo e hipocrisia, nem estava tanto nas finalidades, mas na arrogância e tacanhez que o seu caminho implicava.» Pois é a arrogância e a tacanhez de muitos crentes que torna as suas religiões tão intolerantes. E intoleráveis. E para combater a arrogância e a tacanhez uma boa gargalhada é melhor que muitas proibições.

Não é uma solução a curto prazo. A curto prazo, gozar até pode dar mais tacanhez. Mas, a longo prazo, habituarmo-nos a gozar com os disparates resolveria muitos problemas. A troça não tira liberdade a ninguém, o humor ajuda a mudar de perspectiva e o gozo desmascara esses intolerantes disfarçados que apregoam tolerância mas não toleram críticas. Em qualquer país onde a lei proteja a integridade física de cada um, era remédio santo. Quando um homem inventasse que as mulheres têm de fazer isto ou não podem fazer aquilo, desatava tudo a rir e a gozar com ele. Em poucas semanas acabava-se a burqa, havia mulheres a dar missa e deixava o sexo de ser pecado e as religiões de estorvar tanto.

Cada vez mais me parece que o problema são os homens sérios. Os que franzem o sobrolho, se fazem ofendidos, exigem respeito e cofiam o bigode, tudo para disfarçar o ridículo que, no fundo, reconhecem. Têm tanto medo que se riam deles que inventam tudo, até religiões, só para lixar a vida aos outros.

1- João César das Neves, DN, ‘Burka’ e tolerância

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