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Mês: Agosto 2008

13 de Agosto, 2008 Carlos Esperança

Fátima em crise

O alegado fracasso da peregrinação dos emigrantes não se pode atribuir à crise económica pois, como é sabido, a crise económica, a doença e a fome são os melhores ingredientes para relançar a fé.

A redução da clientela deve-se à falta de milagres e à praia, à melhoria dos níveis de instrução e ao cansaço das missas e das procissões, à secularização e à falta de padres que animem os supersticiosos a desfazerem-se dos cordões de ouro e de outros artefactos do vil metal.

É certo que a concorrência de Lourdes, onde o Vaticano vê uma oportunidade para combater a laicidade das instituições francesas, faz mossa na Cova da Iria. Acontece ainda que o comunismo, contra o qual se especializou o santuário de Fátima, deixou de ser uma ameaça e a República cujas leis levaram a Virgem a visitar o local e o Sol a fazer ginástica olímpica, ou seja, a Terra a dar cambalhotas para que o Sol parecesse andar a brincar com a Física, a República – dizia – é hoje uma realidade incontestável.

Fátima, vítima de um marketing obsoleto, com o Papa a beneficiar a com concorrência, arrisca-se a terminar como a Senhora da Nazaré, sem peregrinos, sem milagres e sem negócio.

12 de Agosto, 2008 Carlos Esperança

Terroristas de Deus

Por todo o mundo cresce a agressividade clerical e o apelo ao ódio e à violência contra os infiéis, isto é, os fiéis da concorrência e os que recusam a santidade e o Paraíso.

Não há dia em que o sangue não jorre para maior glória do deus que os facínoras sabem ser o único verdadeiro e da religião que tem o monopólio da salvação da alma e o alvará dos transportes colectivos para o Paraíso.

Em Marrocos acaba de falhar a tentativa de instalar câmaras de televisão nas mesquitas. Maomé, segundo garantem os pregadores, nunca foi apologista de tais modernices. Os créus também não. E os inflamados pregadores da palavra do Profeta não querem que o poder político se imiscua nos apelos feitos aos crentes para que espalhem a fé, a bem ou a mal. Se necessário à bomba.

Uma jornalista acaba de ver recusado o lançamento de um livro com o editor assustado com a reacção dos islamitas. O médico egípcio Ayman al-Zawahiri, lugar-tenente de Usama bin Laden, pede uma guerra santa em território paquistanês. Os pios pregadores islâmicos deslocam-se à Europa para excitar os fiéis com o triunfo próximo do Islão. O Irão ameaça erradicar Israel. Até na China, com um governo despótico, uns desvairados islamitas fazem atentados enquanto o pregador Bush apela à difusão da fé e reza pela vitória dos atletas americanos.

Crentes de várias proveniências, entre as orações e os actos de terrorismo, só pensam em salvar a alma alheia sem descurar a própria. E os governantes europeus, pusilânimes e incultos, esquecidos das violentas guerras religiosas do passado, são incapazes de usar para os pregadores do ódio religioso as mesmas medidas de precaução e vigilância com que perseguem malfeitores de origem diferente.

Sem um sobressalto republicano e laico, sem a supremacia da cidadania sobre alegadas tradições culturais, sem a sujeição do direito canónico ao direito civil e das exibições de fé aos ditames do Código Penal, não defendemos o pluralismo e a diversidade cultural, estamos a estimular o regresso à barbárie e a abrir as portas por onde entram os inimigos da democracia, da modernidade e do laicismo.

11 de Agosto, 2008 Carlos Esperança

Crise no sector terciário

As celebrações dos 150 anos das aparições de Nossa Senhora em Lourdes, em França, e a crise económica estão a contribuir para a diminuição do número de peregrinos em Fátima este ano, admitiu hoje o reitor do Santuário .

Nota – A falta de milagres também é responsável pelo declínio de um destino turístico que mata vários peregrinos na estrada e não cura ninguém.

11 de Agosto, 2008 Carlos Esperança

Estatísticas da santidade

“Bento XVI (em dois anos e meio) fez 555 beatos e 14 santos; João Paulo II tinha elevado, entre santos e beatos, 1827 (em 27 anos). E João Paulo II fez mais santos e beatos do que todos os seus predecessores, desde 1588, juntos.
Antes de João Paulo II, entre 1588 e 1978, tinham-se feito só 808 beatos e 296 santos (total: 1104) … e o Papa João Paulo II ao fazer tantos santos e beatos não fez senão aplicar o Concílio e chamar todos à santidade, dando modelos para imitar e assim também chegarem à santidade. (…) na Congregação para as Causas dos Santos há actualmente mais 12200 causas de beatificações e canonizações à espera de ser examinadas e estudadas.”
 
Declarações do cardeal Saraiva Martins, o anterior prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, numa longa entrevista ao Diário de Notícias de ontem (4 páginas). A não perder.
Fiquei maravilhado com tanta santidade! Não será por falta de santos e beatos que Deus irá zangar-se com os homens, julgo eu.
a) AC
10 de Agosto, 2008 Carlos Esperança

José Saraiva Martins – o Cardeal que mais santos criou

Nunca um santo criou um só cardeal e jamais um só cardeal criou tantos santos.

A entrevista do cardeal Saraiva Martins (JSM), ao Diário de Notícias de hoje, é uma peça de antologia distribuída por quatro páginas da edição impressa.

Não se sabe onde termina o ingénuo pesquisador de milagres, supersticioso e crente, semelhante ao caçador de gambozinos, e onde começa o frio contabilista da empresa que lhe confiou o marketing da santidade.

Engana-se quem vê no ar rústico do velho cardeal um homem tolerante e aberto ao mundo, um homem que já não se lembra em quem votou no último conclave mas tem bem presente que os padres devem aconselhar os fiéis sobre os partidos políticos em que devem votar.

JSM quer esquecer a cumplicidade da sua Igreja com Salazar mas gosta de recordar que o preservativo nunca deve ser usado. Fala dos beatos e santos que promoveu em doses industriais, dos milagres que inventou e do negócio das canonizações sem se dar conta que Portugal mudou. Sabe de cor o nome de todos os bem-aventurados portugueses que ajudou a içar aos altares.

Só com Bento XVI já criou 555 beatos e 14 santos o que significa uma clara aceleração do veículo que conduz à santidade depois das beatificações em série do antecessor – 1887, entre beatos e santos.

São quatro páginas inteiras de uma entrevista que há quarenta anos alvoroçava o Portugal rural e beato de Salazar mas que hoje deixa um sorriso de incredulidade em quem o lê, que diz acreditar na santidade de Alexandrina da Costa, a bem-aventurada que viveu 13 anos sem comer nem beber, em anúria, apenas com uma hóstia consagrada por dia.

Fala de Fátima como se as «aparições» não fossem uma forma de combater a República, mais tarde reciclada para o combate ao comunismo, como se as azinheiras fossem plataformas de aterragem da Virgem e a Cova da Iria um anjódromo feito à medida para o Paraíso organizar viagens ao concelho de Ourém para enviar recados através de três inocentes pastorinhos.

JSM é uma figura medieval no pensamento mas astuto na defesa dos milagres. Quando a ciência não explica, é milagre… e reconhece que o Vaticano se preocupa em distribuir os santos e os milagres de forma equitativa pelos países católicos embora os emolumentos não sejam baratos.

A Espanha ficou a ganhar por causa dos mártires da Guerra Civil mas – embora não o diga – isso foi um privilégio para promover a vitória do PP e apelar à Espanha franquista contra o PSOE, tentativa gorada para desespero do cardeal Rouco Varela.

Homofóbico, reaccionário e fiel às mais ortodoxas posições do Vaticano, admitindo que ele próprio pudesse ter sido papa, não esconde o medo do Islão e o perigo das alterações demográficas na Europa que podem tornar hegemónica a religião concorrente.

Este cardeal nascido numa aldeia do distrito da Guarda, em Portugal, que presidiu no último 13 de Maio a uma peregrinação contra o ateísmo, nunca mudou. Há anos afirmou que «Não há coisa mais bonita do que ver os homens de joelhos ou deitados».

10 de Agosto, 2008 Carlos Esperança

Momento de poesia

  QUERO  ENTENDER

 

 

Se me disseres porque morre uma criança queimada na barraca.

Se me disseres porque uma mãe com o filho às costas

                      perde uma perna numa mina,

                      e a criança magrinha ali fica a chorar

                      até secar as lágrimas,

                      e se deixa adormecer abocanhando a mama

                      que já nada tem para lhe dar.

Se me disseres porque é que uma mulher,

                      ali à frente das câmaras e perante o nosso olhar,

     já sem nada para dar, arranhar,

                                 esgravetar nem roubar

                      morre assim, muito antes de morrer.

Se me disseres porque matam e morrem os homens

                      em nome do Criador de todas as coisas.

Se me disseres porque dá Deus os gozos da vida aos

 ricos e  poderosos,

                      e aos pobres só migalhas de afectos,

                      água, ar e restos de alimentação contaminada.

Se me disseres porque é que a violência faz parte

da vida dos  homens

                      e dela têm de sair sempre vencidos e vencedores.

Se me disseres porque é que nestes tempos pós-modernos e globais,

                      como o fora na peste negra,

                      e já antes desta entre assírios, gregos, romanos

                      e outros que tais,

                      só os ricos têm acesso à riqueza

                      e às coisas puras, saudáveis e naturais.

Se me disseres porque é que, mesmo assim,

                      na morte somo todos iguais,

                      ou talvez não,

                      mas sem que daí venha qualquer consolação.

Se me provares que a justiça veio ao mundo

                      e por cá ficou.

Se me provares que a fome atinge só quem não faz pela vida,

                      e que a miséria, seja ela qual for,

                      é o fruto natural de ervas daninhas

               que, se calhar, até deveriam ser mondadas

                                                        à   nascença.

 

Se me explicares porque é que todos os projectos políticos

                      assentam na bondade do povo

                      e apontam a felicidade dos homens.

  Se me explicares como podem os homens entender-se,

                      aceitar-se e amar-se

                      se a sua vida é só representação.

Se me explicares como é que nestas condições

                      valerá de alguma coisa dizer-se

                      que perante a lei os homens são todos iguais.

Se me provares que as terríveis imagens de seres amortalhados

em pele e ossos e com olhos desmedidamente arrega-lados,

                      que nos metem em casa às horas mais inconvenientes

                      mais não pretendem do que alertar-nos

                      para as flagrantes desigualdades do mundo.

Se me disseres porque é que tão arrepiantes despojos

                      são ferozmente disputados entre hienas e abutres

                      nas cadeias de televisão,

                      que as retocam e recompõem com música de fundo,

                      se necessário for,

                      para voltar a servir e a repetir até à saturação.

Se me provares que este jogo não tem qualquer maldade

                      e não almeja a vulgarização destas

dramáticas situações,

                      nem induzir ideias de uma inferioridade natural

 ou de ainda mais preversas e recorrentes inter-       pretações

                     da teoria da evolução,

                     que assim continuará a fazer a selecção.

Se me provares que a ajuda humanitária,

                      agora estruturada em múltiplas organizações

                      não é um instrumento da Globalização,

                      pronta a levar aos indigentes do mundo,

                      em bons empregos e exóticas excursões,

                      o vomitado dos ricos, para os quais,

                      sem pobres, não haveria sossego de consciência

                      nem para a alma salvação..

Se me provares que a melhor maneira de ajudar

                      ainda é dar,

                      e não como o Grande Timoneiro

                      não se cansava de ensinar.

Se me provares que a caridade é melhor que a solidariedade,

                      sabendo nós que esta não amesquinha nem degrada,

                      porque assenta nos princípios da igualdade,

                      não faz curvar o corpo e baixar a cabeça,

                      com que se hipoteca a dignidade.

 

Se me provares que Deus, a Natureza

                      ou seja lá o que for que trata destas coisas,

          a uns deu inteligência, força de vontade e determinação

                      e a outros não.

Se me disseres que o tráfico de drogas e mulheres

                      é um sucedâneo natural da livre iniciativa,

                      da vida em liberdade e da sociedade da abundância.

Se me disseres que Aquele que controla o mais pequenino dos

                                                                               meus cabelos

                      nada pode sobre a vontade dos homens

                      e eu te disser que um Deus assim não me serve

 para nada,

                      e tu ficares calado.

Digas-me tu o que disseres,

                      e por muito que nos possa custar,

                      eu te direi que pior que derrubar o

 World Trade Center

                      com tudo e todos os que ali se cruzaram com o azar,

                      ainda é violar uma criança.

Se me disseres, provares e explicares

                      isto e o mais que falta para tudo,

                      Então, ainda menos ficarei a entender do mundo.

 

 

 

 

 

               a) Diamantino Silva                                              Out2001

10 de Agosto, 2008 Carlos Esperança

DA feito pelos leitores. Deus não quis…

A paranóia religiosa e o obscurantismo não têm limites. Nem podem ter, já que estão intimamente ligados.
O “Jornal de Notícias” de hoje (2007/08/10)
chama à primeira página, na sua edição impressa, uma reportagem acerca da violência doméstica, com o subtítulo “Deus não quis que eu morresse”. Remete o leitor para o interior do jornal.
A folhas tantas, uma tal “Margarida” (nome fictício) revela factos que já não deviam existir num país que se pretende civilizado. Agressões diárias e violentas, por parte do marido. Enfim, nada de especial, nada a que não estejamos habituados. Acaba por, até, nem ter as honras de notícia, embora esta se justifique por estarmos na chamada “silly season” ou, em português decente, estação parva,
Mas, a certa altura do deu depoimento, “Margarida” desabafa (julgo que em tom agradecido, mas isso sou eu a julgar):
“Tenho consciência de que se ele não me matou foi mesmo porque Deus não quis, porque o homem às vezes parecia o demónio em pessoa…”,
Vamos ler devagar, porque esta frase tem pano para mangas. “Deus não quis” que o marido a matasse; mas não mexeu um dedo para evitar a dose diária de agressões. Teve poder para evitar a morte, mas não o usou para evitar as agressões. Ou seja, presume-se que “não quis” que a “Margarida” morresse, mas “quis” (por omissão) que o marido a agredisse diariamente. Pelo menos, permitiu. Isto porque Deus tinha conhecimento dos arraiais diários de pancada, a julgar pela expressão” se ele não me matou foi mesmo porque Deus não quis”.
No Alto Douro, mais concretamente na região de Vila Real, corre um ditado que diz Matar, só Deus e os de Abaças – mas com licença dos de Guiães. O que me leva a presumir que o marido não era de Abaças nem tinha pedido licença aos de Guiães. E Deus não quis deixar os créditos por mãos alheias. Tareia diária, vá lá… Matar??? Náááá! Só Ele e os de Abaças (mas com licença dos de Guiães, para que conste). Suponho, aliás, que Deus, na Sua infinita sabedoria, não quis contradizer as
sábias palavras de um clérigo nosso conhecido (ver aqui).
Com deuses destes, para que serve o Demónio? Não seria melhor mandá-lo para o desemprego?

José Moreira in «À moda do Porto»

9 de Agosto, 2008 Carlos Esperança

Grécia – laicidade difícil. Escreve um leitor

As teocracias são assim. Ditatoriais e limitadas à sua exclusividade.
Embora digam, as monoteístas, que só há um deus, e isso poderia significar a concordância para apurarem os pontos em comum e deixarem de fazer guerras hediondas e com vítimas laicas e outras, do clero ou monges, todas escusadas, que depois são nomeadas sacrificiais, mártires e abençoadas no conceito que habitam a eternidade celestial…
Não podem fugir a isso: obrigar crentes e muitos dos não crentes, às obrigações da aprendizagem dos seus credos, nas escolas, a expensas do estado, o que aumenta em muito o leque da sua influência, detectando onde podem minar consciências e, por outro lado, de algum modo, exercendo a “santa” lavagem cerebral… O clero e apaniguados vêm aumentados os seus réditos, o seu poder económico, mas, de facto, o que mais querem é a influência directa sobre as gentes num garrote permanente!
Deus é um fito emblemático (todo poderoso) mas quem se vai governando são os credos na figura das suas igrejas.
Quem tem o poder, sendo crente apaniguado, como pode defender o laicismo e entender a sua importância social e estruturante duma democracia autêntica?
É necessário lutar por isso sobretudo num estado que se diz democrático!

a) GT

8 de Agosto, 2008 Carlos Esperança

Momento de poesia

Dissertação sobre a guerra santa…

 

 

 

Se não tivessem sido inventados

tantos deuses

os homens seriam mais justos

ou, como tu ainda continuas a acreditar,

se eles realmente existem

num qualquer desconhecido Olimpo

então, é porque não souberam

resguardar os seus crentes

das espadas e das bombas

quando contrataram profetas e patriarcas

e todos os clérigos encartados

para fazerem a guerra santa em seu nome.

 

Alexandre de Castro

 

Lisboa, Agosto de 2008