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Mês: Agosto 2006

4 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

Considerações sobre o «sagrado»

O sagrado é um estado de espírito em relação a uma ideia, pessoa, mito ou sistema.

A tentativa de proteger o sagrado através da censura é uma obsessão recorrente do Papa que, de sapatinhos vermelhos e camauro, dirige um exército imenso de freiras, padres, monsenhores, bispos, cardeais, núncios apostólicos e vassalos laicos, através do mundo.

O objectivo é comum aos dignitários de todas as religiões e chefes de partidos políticos que se julgam detentores da verdade única. Quando conseguem, é o poder totalitário que instalam.

O sagrado de uns é blasfémia para outros. Quando os islamitas apedrejam o diabo em Meca são um bando de dementes para outros. Os cristãos, ao celebrarem a eucaristia, são infiéis capazes de beber vinho que, como é sabido, provoca um acesso de raiva e descontrolo a Maomé.

O próprio toucinho é motivo de rivalidades teológicas e ódios mortais, tal é a demência da fé e a perturbação dos crentes.

Há quem tenha crenças profundas em Jesus, Maomé ou Jeová tal como outros adoram Mao, Estaline ou Hitler. «Cada doido com sua mania» – como diz o adágio.

Imagine-se a sociedade repressiva que se criava se o direito à blasfémia – a ofensa a tais criaturas -, fosse proibido. Se o direito de vexar, condenar ou satirizar figuras históricas, sinistras ou excelsas, fosse postergado, apareceriam, ditaduras de geometria variável e contornos impossíveis de definir.

Se é assim para pessoas reais ou prováveis, imagine-se a condenação de alguém por ter difamado o Pai Natal ou posto em causa a sua virtude ou existência! A Pantera Cor-de-rosa, Deus e o menino Jesus gozariam de protecção contra qualquer crítica ou zombaria.

Há na alma dos crentes uma vocação totalitária que é preciso combater com o laicismo.

4 de Agosto, 2006 Palmira Silva

De anjos e outras tretas

Ainda ontem escrevi que os IDiotas não produziram um único modelo, uma única hipótese para a sua suposta teoria «científica», que reclamam nada ter a ver com religião e rebate completamente o «ateísta» (e para alguns satânico) evolucionismo. Na realidade tenho de fazer uma retractação: via o blog Pharyngula descobri que afinal existe um modelo completamente IDiota, da autoria de Robert Newman.

O autor deste modelo genuina e absolutamente IDiota colaborou com William Dembski, Michael Behe, Philip Johnson e congéneres no livro «Mere Creation: Science, Faith & Intelligent Design». É ainda co-autor de «What’s Darwin Got to Do with It?: A Friendly Conversation about Evolution» um livro de banda desenhada que pretende introduzir os conceitos (?) da IDiotia aos mais jovens. Ou seja, é um reputado ideólogo do desenho inteligente.

Não obstante pertencer ao multi-oxímero Instituto de Investigação Bíblica Interdisciplinar, Robert Newman pretende ser, como todos os IDiotas, um proponente «científico» e não teológico da IDiotia. Aliás, escreveu um artigo hilariante, sobre má ciência, que recomendo e do qual transcrevo o significativo resumo:

«Devido à tensão que se desenvolveu entre as comunidades científica e evangélica no último século e meio, os crentes na Bíblia têm muitas vezes (com ou sem razão) suspeitas acerca das descobertas e teorização da ciência moderna. Isto levou a uma atracção bastante generalizada por teorias que são vistas como tretas por cientistas e outras pessoas cultas. Neste artigo são discutidos alguns exemplos e propostas estratégias que protejam os cristãos de parecerem desnecessariamente cretinos aos olhos do mundo».

Apesar de ser louvável o seu reconhecimento no anterior artigo do ridículo em que incorrem os cristãos que acreditam literalmente na Bíblia, infelizmente Newman não segue o seu próprio conselho e elabora o modelo mais cretino de explicação da origem e evolução das espécies de que já ouvi falar.

Num artigo francamente hilariante e imperdível o autor elabora sobre IDiotia e um facto «científico» que tem sido descurado pelos ateus cientistas na explicação do mundo: a acção dos anjos e outras tretas, que por outro lado, tem como objectivo explicar o «mau desenho» de algumas espécies, nomeadamente parasitas, vírus e outros agentes do mal, que segundo o autor foram «desenhados» por Satanás e seus acólitos.

O artigo, intitulado «Using ID to Detect Malevolent Spiritual Agents», discute o tema anjos (o que inclui os «caídos») como explicado pelo resumo:

«Desde 1900, a maioria das discussões sobre a acção de Deus na natureza ignora a actividade angélica, talvez em reacção à História da Guerra da Ciência com a Teologia na Cristandade de Andrew Dickson White [finais do século XIX e leitura recomendada]. Neste artigo olhamos com uma perspectiva diferente para os dados bíblicos sobre anjos e depois consideramos que dados científicos podem ser relevantes [?] à luz do recente interesse no desenho inteligente».

O artigo desenvolve-se com base nas seguintes premissas:

(1) Os antigos que acreditavam serem os anjos os responsáveis por fenómenos como a meteorologia, doenças e insanidade mental estavam errados [uau!];
(2) Mas igualmente errados estão os modernos que acreditam que os anjos são ou seres mitológicos ou incapazes de produzir efeitos no mundo natural;
(3) Na realidade, os anjos existem e são capazes de, e fazem-no de facto, interagir com a natureza.

Mas como então «podemos encontrar evidência científica para a actividade angélica? A nossa proposta é que a actividade angélica não se assemelha às leis naturais, que operam continuamente. Na realidade, é mais como a actividade humana, que é esporádica. Mas temos a complicação adicional de não podermos ver os actores».

Dada esta complicação adicional de agentes invísiveis o autor propõe-se usar na pesquisa da actividade angélica a metodologia proposta por William Dembski para a «detecção» do desenho inteligente (igualmente de autores invísiveis e indetectáveis).

Mas «As acções dos anjos bons podem ser facilmente confundidas com aquelas de Deus, excepto que a qualidade pode não chegar aos padrões divinos [isto é, trabalho rasca é da autoria dos anjos, não de Deus]. E o desenho que nos pareça ser malevolente pode ser o trabalho de seres pecadores acima do nosso nível – anjos caídos, demónios ou Satanás.»

Para explicar o «desenho malevolente» encontrado em muitas espécies o «cientista» elabora sobre a predação, afirmando «como eu leio o registro geológico a predação estende-se até ao período câmbrico» o que permite concluir que «a queda de Satanás é muito anterior à de Adão e a criação já não era tão boa na altura em que Adão é criado». Simplesmente delicioso!

Mas há inúmeras pérolas no indispensável artigo, alguns dados quantitativos sobre quantos porcos podem ser possuídos simultaneamente por um demónio (com base nos dados científicos da Bíblia, claro), asserções sobre os vírus HIV e Ebola (desenhados pelo Demo, como seria de esperar) e algumas dúvidas sobre a malevolência no desenho de alguns insectos.

Enfim, um mimo da superstição e obscurantismo cristãos!

3 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Cristianovitimização IDiota

Como já referi, inúmeras vezes, o neo-criacionismo ou desenho inteligente é simplesmente uma nova forma, menos acéfala, de introduzir o criacionismo bíblico nas salas de aulas de ciência. Não obstante o cuidado que os IDiotas têm em não referir Deus, apenas um misterioso «designer», e em expurgar qualquer citação bíblica dos seus textos, é óbvio que a «guerra» em que estão envolvidos é a mesma dos criacionistas puros e duros, aqueles para os quais «A evidência final e conclusiva contra a evolução é o facto de a Bíblia a negar. A Bíblia é a Palavra de Deus, absolutamente inerrante e verbalmente inspirada.»

Quando se fala em IDiotia fala-se inevitavelmente nas bacoradas publicadas (em livro e em editoras não científicas, claro) por Phillip Johnson, William Dembski, Michael Behe e Stephen Meyer. Bacoradas que obviamente não são aceites por quem de direito, a comunidade científica, porque são apenas isso, bacoradas. Não há uma única hipótese IDiota, um único modelo, que possa ser falsificável ou investigado de forma científica. Só há um afirmar inconsubstanciado de que tem de existir um «criador».

Isto é, como Philip Jonhson, autor do livro «Darwin on Trial», um dos «pais» da IDiotia e o seu porta-voz não oficial, deixou muito claro numa entrevista, o objectivo da IDiotia é vender o criacionismo (mal)disfarçado de «teoria» científica.

E, como o próprio afirmou, a polémica em relação à evolução «Não é de facto, nem nunca foi, um debate sobre ciência. Apenas sobre religião e filosofia».

De facto, ciência e a IDiotia são diametralmente opostas, não se vislumbrando na IDiotia qualquer resquício científico que contamine a pureza do pensamento cristão dos seus proponentes; sequer qualquer resquício da honestidade intelectual indispensável ao pensamento científico. Aliás, os IDiotas não produziram um único modelo – ou artigo científico – sobre o que pretendem ser uma «alternativa» científica á teoria da evolução biológica.

Tudo o que os IDiotas se limitam a debitar são protestos de que o mundo biológico é demasiado complexo para ter evoluído e como tal é necessário postular um criador. E, claro, debitam estridentemente lamúrias de cristianovitimização em que carpem supostas teorias da conspiração urdidas pelos «satânicos» darwinistas para impedir o progresso teológico científico da «teoria».

Um bom exemplo de cristianovitimização é a carpição ululante (e pouco credível) de Dembski, que ulula no seu blog contra os «fascistas» darwinistas que o pressionam tanto (?) que o pobre Dembski em 5 (cinco) anos de sabática da sua posição no Center for Science and Theology do Southern Baptist Theological Seminary não conseguiu produzir um único artigo, um único modelo, enfim, nada tirando vacuidades IDiotas.

Ou seja, para o devoto cristão, a única razão porque a IDiotia continua a ser de facto idiota e escarnecida como tal por todos os cientistas, a única razão porque os IDiotas não publicam em revistas científicas é devido não à má qualidade do que debitam mas… aos «fascistas» darwinistas! Santa petulância!

3 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Mistificações cristãs

Ao ler os meus blogs americanos favoritos, essencialmente blogs de ciência escritos, como seria previsível, por cientistas ateus, nomeadamente o Panda Thumb e os blogs constantes da rede Scienceblogs, que agora inclui os Despachos das guerras culturais de Ed Brayton e o excelente Pharyngula, descubro que afinal a desonestidade intelectual que alguns comentadores demonstram nas nossas caixas de comentários não é apanágio dos fundamentalistas católicos nacionais.

De facto, PZ Myers, professor associado na Universidade de Minnesotta e autor do Pharyngula, comenta que não só o seu nome foi usado por um devoto cristão para conspurcar os comentários do blog de outro ateu americano (uma táctica recorrente no nosso espaço de debate) como, outra estratégia católica muito nossa conhecida, um blogger cristão pretendeu ser ateísta – e um ateísta supostamente com dois doutoramentos, um por Oxford e outro por Cambridge (!) – e criou um blog para classificar os muitos blogs ateus americanos num ranking de bons, maus e horríveis.

Ou seja, num deja vu para os nossos leitores habituais, que lêem frequentemente críticas dos pretensos ateístas, que se apresentam como intelectualmente superiores a qualquer dos humildes escribas do DA, e as suas «sugestões» sobre os tópicos que deveríamos escrever, o dito cristão pretende distinguir o «bom» ateísmo, isto é aquele que não é incómodo para a mitologia cristã, do «mau» ateísmo – aquele que o é.

Claro que as «inspiradas» e mui cristãs estratégias não surtem o efeito desejado. Do outro lado do Atlântico como cá as desonestidades cristãs são rapidamente desmascaradas. Mas não deixa de ser mistificante como aqueles que pretendem ser os detentores da «moral absoluta» recorrem a tácticas tão baixas (e pueris) para desacreditar os «relativistas morais» ateus! E a necessidade que evidenciam do recurso a falácias Argumentum ad Verecundiam (Apelo à autoridade) na tentativa de negar o que os ateus escrevem…

2 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Pedofilia na Igreja Ortodoxa

O abuso sexual de menores perpetrado por membros do clero parece ser uma característica comum a todos os ramos do cristianismo.

A propósito de uma notícia acerca de acusações de pedofilia num convento da Igreja Ortodoxa em Blanco, Texas, em que 4 monges são acusados de abuso sexual de um rapaz, descobri que não apenas o fundador do convento, o bispo Benedict Greene, tinha sido condenado por abuso sexual de menores em 2000 e tinha revelado ter abusado sexualmente de vários menores no convento ao longo dos anos, como os monges deste mosteiro parecem ter sido escolhidos de acordo com as perversões sexuais do fundador.

Um quinto monge, também acusado neste processo, encontra-se preso, a servir uma condenação de 10 anos por indecência com um noviço de 14 anos. Aliás, este problema parece, tal como na Igreja Católica, ser recorrente na Igreja Ortodoxa, como indica a página de acolhimento de uma organização de apoio a vítimas de abuso sexual por membros do clero ortodoxo.

O mosteiro Christ of the Hills (Cristo dos montes) , situado entre Austin e San Antonio, é uma atracção local que atrai milhares de visitantes todos os anos. O fenómeno turistíco deve-se a um suposto «milagre»: uma imagem da mítica mãe do mítico Cristo que supostamente chora lágrimas de mirra. Uma fraude, admitida pelo próprio Greene, que reconheceu serem os monges a decorar com «lágrimas» o ícone, sem as dimensões mediáticas e as capacidades «prescientes» do «sangue» seco de San Gennaro, o patrono de Nápoles, mas que é suficiente para garantir generosas doações ao mosteiro e seus monges.

Agora que os monges do Cristo dos montes contemplam uma longa estadia na cadeia, o rentável negócio será assegurado pelo padre Thomas Flower, da missão Blessed Martin de Porres em San Antonio.

1 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

A Laicidade ameaçada

Há, na Europa, uma tendência política para sobrepor a identidade étnica e religiosa à cidadania comum, o desejo de fazer penetrar o clero nas escolas, uma capitulação da laicidade face ao poder e agressividade crescentes dos parasitas de Deus.

A criminalização da blasfémia é a suprema aspiração das sotainas, aliadas conjunturais dos mullahs para quem qualquer referência desagradável ao profeta e à sua demência, ao Corão e à sua incompatibilidade com a democracia, provoca desejos assassinos.

Sendo Deus o alvo não vejo quem possa ter legitimidade, sem procuração expressa, para litigar em seu nome. Sendo improvável a sua existência torna-se absurdo punir ofensas a coisa nenhuma, mas a obsessão do clero e o oportunismo político eleitoral, podem conduzir a Europa a um passado de que se libertou com sangue.

O Estado é incompetente em matéria religiosa ainda que pudesse e devesse criminalizar as burlas cometidas por numerosos credos que disputam crentes com números de circo e falsos milagres. Certamente não vai distinguir entre deuses idiotas e deuses respeitáveis.

Considerar chefe de Estado o teocrata que no Vaticano organiza, comanda e acirra o exército de sotainas é dar importância excessiva ao comandante-chefe dos bispos, padres e monsenhores que andam pelo mundo a executar a política dos 44 hectares da teocracia sedeada num bairro de Roma mal frequentado.

1 de Agosto, 2006 Palmira Silva

O anti-semita Mel Gibson

Há dois anos o Carlos escreveu, a propósito do filme «a Paixão de Cristo» – que não vi, não sou apreciadora deste tipo de ficção fantástica xenófoba – «Mel Gibson é um fanático, reaccionário e cruel – futuro santo da ICAR – que se masturba com o sofrimento e traz de regresso o anti-semitismo que, após a segunda grande guerra, tem estado entre parêntesis».

Os recentes acontecimentos confirmam o anti-semitismo do católico conservador, cujo pai é um assumido negador do Holocausto.

De facto, Mel Gibson, foi detido na sexta-feira, na Califórnia, depois de ter sido apanhado pelas autoridades a conduzir embriagado.

Mel Gibson seguia na auto-estrada do Pacífico, quando foi interceptado numa operação de fiscalização, depois de ter sido detectado em «claro excesso de velocidade».

O actor, depois de uma exibição deplorável de vernáculo, lançou-se numa longa tirada anti-semita que culminou com a declaração «Os judeus são responsáveis por todas as guerras que já aconteceram no mundo» perguntando de seguida a um dos polícias, James Mee: «Você é judeu?».

Toda a intervenção foi gravada em audio por um dos polícias e pode ser ouvida aqui.

Entretanto o actor pediu desculpas pelo seu comportamento. Este pedido de desculpas, em que Mel Gibson reconhece abertamente ter proferido declarações anti-semitas, foi aceite pela Liga Contra a Difamação que tinha considerado o seu primeiro pedido insuficiente e pretendia que Gibson fosse severamente punido. «Parece que a combinação de algumas bebidas e a prisão revelou o seu verdadeiro carácter», declarou Abraham Foxman, o director da Liga Contra a Difamação, que já tinha alguns diferendos com o actor e realizador a propósito das declarações deste quando do lançamento do filme «A Paixão de Cristo».

Na altura as acusações de anti-semitismo a Gibson, nomeadamente «se ele pode dizer que há uma cabala de judeus laicos liberais que querem culpar a Igreja Católica pelo Holocausto isso é a conversa anti-semita clássica» foram repudiadas com grande indignação e fanfarras como calúnias. Parece que os recentes acontecimentos deram razão a Foxman…

Devido ao incidente a rede de televisão ABC cancelou uma mini-série sobre o Holocausto a ser produzida por Mel Gibson. De facto, um anti-semita realizar uma série sobre o Holocausto não me parece uma boa ideia. Mel Gibson já fez estragos q.b com o espectáculo sado masoquista, uma representação realista de que de facto o negócio das religiões é violência que simultaneamente deixa claro em todos os fotogramas que os judeus são o inimigo que é «A Paixão de Cristo», tão elogiada por João Paulo II.

Tanto que, pela primeira vez, a Sala de Imprensa da Santa Sé emitiu uma nota, depois de João Paulo II ter visionado o filme, assegurando que a história contada por Gibson «é uma transposição cinematográfica do facto histórico da Paixão de Jesus Cristo segundo o relato evangélico».

1 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

Violência de Deus

Não é vulgar os homens odiarem com a violência de que o clero é capaz. Abre-se a TV e, perante os horrores do terrorismo, ouvem-se mullahs a dizer que Deus é grande e a clamar vingança. Crentes embrutecidos pela fé dizem que a maior alegria é terem filhos mártires e eles próprios imolarem-se na orgia de sangue que a cegueira da fé provoca.

Do outro lado, os que desejam derrubar o Muro das lamentações à cabeçada, dizem que Deus está com eles, enquanto os aliados rogam a Deus pelos soldados que enviam para os campos de batalha.

Deus é uma espécie de amuleto pouco recomendável, disposto a sacrificar inimigos dos seus amigos, um déspota parcial e violento que, a troco de orações, aumenta as mortes dos adversários e reduz as dos amigos.

Ninguém ignora os motivos económicos que motivam as guerras em curso, mas todos se dão conta da violência potenciada pela fé, da demência exacerbada pelas orações e do fanatismo induzido pelos clérigos.

As sociedades que se subjugam ao clero regridem sob o ponto de vista civilizacional e são espoliadas dos mais elementares direitos. A teocracia é a antítese da democracia e, nestas, a influência religiosa promove a intolerância, o fanatismo e a renúncia aos direitos cívicos.

1 de Agosto, 2006 Palmira Silva

O genoma Neanderthal

Reconstrução tridimensional de um crânio Neanderthal efectuada no Instituto Max Planck para a Antropologia Evolucionista em Leipzig.

O Max Planck para a Antropologia Evolucionista iniciou um projecto de colaboração com a 454 Life Sciences Corporation em Branford, USA, que pretende sequenciar o genoma do Neanderthal nos próximos dois anos. Depois da sequenciação do genoma do chimpanzé, este projecto é mais um marco no esclarecimento da evolução do homem mas igualmente de algumas controvérsias evolutivas.

O Homem de Neanderthal ou Homo sapiens neanderthalensis, o ramo evolutivo dos hominídeos mais próximo do homem moderno, viveu na Europa e na Ásia Ocidental há mais de 200 000 anos tendo sido extinto há cerca de 30 000 anos, aproxidamente a altura da chegada do Homo sapiens sapiens à Europa.

Durante muito tempo pensou-se que o Neanderthal foi um degrau na evolução do homem, isto é que a árvore filogenética do homem seguiu uma única linha entre o Australopithecus, Homo habilis, Homo erectus, Homo sapiens neanderthalensis e o Homo sapiens sapiens. Hoje em dia acredita-se que o Neanderthal é um ramo paralelo, sem sucesso, da evolução dos descendentes do Homo heidelbergensis, que seguiram duas linhas de evolução diferentes, determinadas pelo meio ambiente, respectivamente na Europa e em África.

Os hominídeos que viviam no Hemisfério Sul enfrentaram uma seca terrível. E os que evoluiram no norte tiveram de se adaptar a um frio glacial, com temperaturas de -30ºC. Para isso, isto é para resistir a um frio extremo, o Neanderthal desenvolveu características físicas específicas, tinha braços e pernas curtos e era mais robusto e baixo do que o homem moderno. Media cerca de 1,60m, e enquanto o Homo erectus tinha um volume craniano médio de 1000 cm3, o Neanderthal apresentava um volume de 1450 cm3 e o Sapiens de 1300 cm3. De igual forma, o pescoço, cujas dimensões aumentaram do Australopithecus ao Homo erectus, era muito curto no Neanderthal voltando a ser longo no sapiens .

Estas e outras evidências experimentais levaram os antropólogos a classificar o Neanderthal como um ramo paralelo da evolução. Com o aperfeiçoamento da datação de ossos através do carbono-14, descobriu-se que o Homo erectus (um ramo extinto do Homo Ergaster), o Homo sapiens e o homem de Neanderthal foram contemporâneos.

Ou seja, várias questões permanecem em aberto, nomeadamente se a extinção do Homo erectus e do Neanderthal foi um processo natural e se, especificamente, o Neanderthal foi exterminado pelos seus parentes próximos e se houve cruzamento genético entre ambas as espécies.

As descobertas paleontológicas no Vale Lis, nomeadamente o fóssil «menino do Lapedo», parecem indicar que houve cruzamento do Neanderthal com o sapiens. Mas nem todos os cientistas estão de acordo com Zilhão e existem muitas dúvidas sobre se o menino do Lapedo é de facto um híbrido de sapiens e Neanderthal.

O projecto do Genoma do Neanderthal pode esclarecer esta questão. Por comparação do genoma do Neanderthal com o genoma do homem poder-se-à averiguar se existiu contribuição genética do Neanderthal para o homem moderno. A comparação conjunta com o genoma do chimpanzé permitirá lançar luz sobre o que significa geneticamente ser humano.

(continua)