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Mês: Março 2006

12 de Março, 2006 Palmira Silva

Uma campanha politicamente incorrecta

Um grupo de pastores e paroquianos deu início a uma campanha de angariação de fundos para salvar a respectiva igreja, a Martin Luther Memorial Church em Berlim. O que torna desconfortável o aparentemente inócuo e louvável propósito deste grupo de cristãos é ser esta a última igreja nazi em terreno alemão. De facto, esta igreja, com uma imagem de um soldado nazi esculpida no púlpito, lado a lado com o mítico Cristo, representado como um ariano musculado e vitorioso, embaraça as autoridades políticas e eclesiásticas desde o fim da segunda guerra e certamente muitos dignitários prefeririam que a colaboração intíma entre a religião cristã e o regime nazi fosse esquecida.

Felizmente nem todos os cristãos acreditam que varrer da História esta colaboração é a melhor solução. «De alguma forma devemos arranjar uma maneira de preservar o edifício, preservando o seu interior como um aviso mas também complementá-la com um centro de documentação explicando a história complicada da Igreja no Terceiro Reich,» é a opinião de Isolde Boehm, um dos responsáveis da igreja, transmitida ao Times of London.

As suásticas, ilegais desde o fim da guerra, que anteriormente ornavam profusamente as paredes foram removidas e um busto de Hitler na nave substituído por um de Lutero mas a igreja ainda exibe um candeeiro em forma de uma cruz de ferro, o orgão que foi utilizado para colocar os participantes de uma sortida anti-semita em Nuremberga na sua melhor disposição cristã, para além das esculturas de soldados nazis. O exterior da igreja foi desenhado no estilo Bauhaus em 1929, um pouco antes da chegada ao poder dos nazis. O interior da igreja é o problema com iconografia nazi gravada em cada nicho. Como afirma Ilse Klein, uma historiadora que é conselheira da paróquia, «Não existe outra Igreja na Alemanha tão obviamente desenhada ao estilo fascista».

E se não há problemas em preservar e utilizar outros edifícios com traças igualmente denunciadoras, por exemplo a final do Mundial este ano será disputada no estádio olímpico de Berlim, desenhado para os Jogos Olímpicos de 1936, o problema é que muitos cristãos prefeririam não serem lembrados da estreita colaboração do cristianismo com o nazismo. Aliás, como as nossas caixas de comentários indicam, a maioria recusa-se sequer a admitir essa colaboração, preferindo o muito mais confortável e confortante (para eles, claro) revisionismo histórico cristão que inscreve os crimes do nazismo nos hipotéticos crimes do ateísmo.

11 de Março, 2006 pfontela

Da necessidade de não definir

Estava a ler o livro “O Ocidente Dividido” de Jurgen Habermas quando dei com este pedaço de texto na transcrição de uma entrevista que lhe fizeram em 2004:

«O adjectivo fundamentalista tem uma conotação pejorativa. Com ele designamos uma mentalidade que se empenha em impor politicamente as suas próprias convicções e razões, mesmo quando estas são tudo menos universalmente aceites. Isto é valido especialmente no caso dos dogmas religiosos.»

Até aqui nenhum choque, a definição parece-me correcta de todos os pontos vista e além disso é clara e concisa. Mas há mais a dizer sobre o tema, como por exemplo a relação entre ortodoxia e fundamentalismo:

«Claro, não devemos confundir o dogmatismo e a ortodoxia com o fundamentalismo. […] Uma ortodoxia só se torna fundamentalista quando os representantes e defensores da verdadeira fé ignoram a situação epistémica de uma sociedade pluralista no que diz respeito às cosmovisões e insistem (até com recurso à violência) na imposição política e no carácter universalmente vinculador da sua doutrina.»

É óbvio a qualquer observador que a moral católica está longe de ser universal ou consensual já que se mesmo da Igreja não conseguem obter um consenso quanto mais fora dela. Quanto ao pluralismo a situação é ainda mais clara: pluralismo é algo que a ICAR abomina já que enquanto representante da única verdade tudo o resto são erros e mentiras que têm que ser combatidas, aliás responsabilizam a diversidade de opiniões e culturas no Ocidente cosmopolita como um factor de decadência.

Ora com estes pontos assentes podemos facilmente concluir que de facto a ICAR se trata de uma organização fundamentalista, já que no seu discurso público continua não apenas a defender que são detentores da Verdade (como é de esperar de qualquer religião) mas vão mais longe ao exigir aos governantes seculares o regresso aos míticos códigos católicos e ao exortar os seus seguidores a impor leis que promulguem essa visão. Isto é fundamentalismo puro e duro, a única diferença entre a ICAR e os islamitas é que o Vaticano não rapta pessoas para fazer chantagem com governos – pelo menos não abertamente… ainda está por apurar a totalidade de responsabilidade da Igreja no caso Ambrosiano que acabou em várias mortes no mínimo suspeitas.

A única garantia que temos contra tais atitudes potencialmente totalitárias é a construção, manutenção e valorização de um espaço público secular. E esse espaço público tem que necessariamente incluir a vida política já que não podemos esperar ter margem de liberdade pessoal se os legisladores não se comprometem com o ideal de neutralidade confessional que a sua posição exige. Em causa não estão as escolhas pessoais dos políticos ou detentores de cargos públicos, porque eles, como todos os cidadãos, têm o direito de as ter mas sim o reconhecimento de que a sua crença (em algo absoluto) é relativa dentro do espaço público e está em pé de igualdade para coexistir com outras sem que deva ser criada qualquer tipo de coerção para a impôr – coerção regra geral implantada pela “porta do cavalo” através de leis e medidas governamentais que de neutras nada possuem.

Por estas razões estou plenamente convencido que o projecto de civilização que Roma propõe além de ser totalmente anacrónico (digno da era pré-moderna) é profundamente subversivo para o bom funcionamento do tecido social, cultural e político de qualquer nação (ou conjunto de nações) civilizada já que ataca a raiz daquilo que mais valorizamos: a liberdade de opinião e escolha que só um espaço público laicizado torna possível.

Nota: o texto em itálico, que é parte de uma entrevista muito maior, pode ser lido na integra em: J. Harbermas; “El Occidente Escindido, Pequeños escritos políticos” ou no original: “Der gespaltene Westen. Kleine Politische Schriften”

11 de Março, 2006 Palmira Silva

Fundamentalismo cristão em Inglaterra

Num país em que escolas públicas confessionais são uma realidade não é de estranhar que grassem fundamentalismos sortidos. De facto, a estrita separação da res pública e da religião é condição sine qua non para o combate à praga anacrónica do século XXI, o terrorismo religioso.

De Inglaterra chegam-nos notícias que confirmam não ser apenas o fundamentalismo (e concumitante terrorismo) assente no Corão que importa combater, o fundamentalismo cristão, de forma menos mediática e violenta, é uma ameaça para a paz e para a democracia que não se pode descurar.

Uma dessas notícias é para mim extremamente preocupante e tem a ver com a introdução subreptícia do criacionismo nos curricula de ciências britânicos. Assim, a OCR admitiu que o novo curriculum de um curso de biologia a ser introduzido em Setembro encoraja as escolas a apresentar versões alternativas, incluindo criacionismo e desenho inteligente, à teoria da evolução para, supostamente, indicar aos alunos que há controvérsia «científica» sobre o tema (o que não é verdade, há discussão sobre os mecanismos operantes na evolução mas não há quaisquer controvérsias sobre a evolução de per se).

Como afirmou James Williams, da Universidade de Sussex «Isto abre uma porta legítima para a inclusão do criacionismo ou do desenho inteligente nas aulas de ciências como se fossem teorias legítimas a par do facto da evolução e das teorias [que a explicam]». Continuando, «Acho bem que teorias religiosas [criacionismo e desenho inteligente] sejam consideradas em educação religiosa mas não em ciência, onde considerá-las pode conduzir a uma falsa confirmação do seu estatuto como iguais a teorias científicas».

Outra notícia preocupante tem a ver com a campanha de ódio movida contra uma enfermeira galardoada esta semana com o título «Enfermeira do Ano» pelo ministério da Saúde britânico, pelo seu trabalho em saúde reprodutiva, nomeadamente no auxílio psicológico que presta a mulheres na fase pós-aborto. A organização UK LifeLeague, muito activa igualmente contra a transmissão pela BBC do espectáculo de Jerry Springer, apelou ao uso de tácticas terroristas semelhantes às que usou contra o director da BBC. Assim, publicou um press release divulgando o número de telefone e morada da enfermeira (como já tinha feito em relação a Mark Thompson, director da BBC) e pediu aos fundamentalistas cristãos que a contactem em casa e a façam sentir que «o único prémio que merece é prisão perpétua».

A UK LifeLeague foi fundada em 1999 e, como é declarado na sua página de entrada, «acredita que o debate e argumentação não conseguirão os resultados necessários [proibir o aborto]». Como tal, e na linha totalitária expectável de qualquer religião, considera perfeitamente legítimo impôr os seus dogmas religiosos por outras formas de acção, nomeadamente campanhas de ódio como as que tem promovido. Nos Estados Unidos, onde movimentos como a LifeLeague são em muito maior número e existem há mais anos, alguns paladinos de óvulos e espermatozóides levaram essas campanhas a extremos de violência contra os que acreditam no direito à escolha que incluíram o assassínio de vários médicos e o ataque bombista de clínicas. Tudo em nome da defesa intransigente da vida…

11 de Março, 2006 lrodrigues

A Verdade dos Factos

A Conferência dos bispos católicos dos Estados Unidos criou um site na Internet com o objectivo de repor a verdade dos factos sobre a doutrina e a religião católicas.

Tratando de temas tão diversos como o celibato de Jesus e a sua divindade, os evangelhos, Maria Madalena e até a Opus Dei, este interessante site – «Jesus Decoded» – proclama-se “defensor da verdade” e indigna-se com aqueles que pretendem impingir crenças às pessoas sobre “coisas que elas nunca viram”.
Com uma linha editorial como estas, poderíamos ser levados a supor que este site tão piedoso clama contra a fraudulenta e miserável exploração da crendice e da fragilidade emocional das pessoas levada a cabo por tantos charlatães por esse mundo fora.
Por isso mesmo, poderíamos pensar que um site criado pelos próprios bispos dos Estados Unidos se indignaria contra o autêntico escândalo que a Igreja Católica promove em Fátima, em Lourdes e em tantos outros santuários por esse mundo fora, unicamente com o fito de angariar fundos multimilionários para os sapatinhos vermelhos e para as comodidades e mordomias do Papa e do seu séquito de ociosos nababos que com ele coabitam no Vaticano.
Poderia até falar de exorcismos levados a cabo por padres fanáticos que desgraçam a vida a pessoas inocentes, ou da invenção de milagres para impingir aos crentes mais débeis a santidade de um qualquer facínora para mais tarde o promover a semi-deus.
Poderia ainda desmascarar a forma simplesmente abjecta como a Igreja Católica tem procurado ocultar o escândalo da pedofilia praticada pelo clero por esse mundo fora.
Mas não!
O site tem como único objectivo, pasme-se, «desmascarar» um livro de segunda categoria, o «Código da Vinci», da autoria de Dan Brown.
Sem perceber que se trata de um simples romance de aventuras, e incapaz de o proibir e de o queimar como «nos bons velhos tempos», a Igreja Católica está tão apavorada com o conteúdo do livro que nem vê o ridículo em que cai, com tantos desmentidos e até ameaças à sua publicação e à sua produção cinematográfica..

Como se, de repente, a interpretação mais ousada que um romancista faz da vida de Jesus Cristo e de um quadro de Leonardo da Vinci estivesse a pôr em causa toda a estrutura e os próprios fundamentos básicos da religião católica.

É uma preocupação tão grande que parece mesmo que, de súbito, a Igreja Católica finalmente se apercebeu da fragilidade e da inverosimilhança das patranhas que anda a impingir às pessoas há quase dois mil anos…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

10 de Março, 2006 Carlos Esperança

Liberdade religiosa

O Vaticano está de acordo com o ensino da religião muçulmana nas escolas.

A pequena e colorida teocracia, um dos dois últimos Estados totalitários da Europa (o outro é a Bielorrússia) concorda com o ensino do Corão nas escolas públicas, desde que haja alunos suficientes para ingerir o veneno sagrado.

Desconheço a legitimidade de Vaticano para interferir nos assuntos internos da Itália, país que só em 1984 aboliu a religião de Estado, essa droga que se cultiva nos campos do Vaticano e viceja em vários continentes – o catolicismo.

Não sei se o Tratado de Latrão, que envolveu tratantes dos dois lados, ainda submete a Itália de Garibaldi ao jugo do bairro das sotainas e ao alvitre das mitras que gravitam em torno de um déspota medieval de sapatinhos vermelhos.

Não é o Corão, a mais retrógrada e demente versão da vontade divina, que está em causa. É o veneno da fé que não deve ser ministrado nos santuários da ciência – as escolas públicas, à semelhança do que faz a ICAR.

A fé tem salas de chuto próprias (igrejas, mesquitas e sinagogas). É aí que os traficantes devem esperar as vítimas que aliciam, os filhos que os pais desprevenidos ou coniventes lhes entregam e os incautos que resvalam no pântano da religião sedados com a liturgia.

Se querem curtir em grupo, há sítios como Meca, Roma, Fátima, Jerusalém, Medina ou Lourdes, onde, em místico transe podem apedrejar o diabo, rezar em grupo e acordar em ressaca numa cama de hospital com as cabeças partidas e as almas purificadas.

9 de Março, 2006 pfontela

O regresso aos bons costumes

Eu sei que ao comentar a última declaração de Ratzinger pode parecer um bocado que estou a bater no ceguinho, afinal não há nela um pingo de originalidade, não existe nada que qualquer ateu consciente não rejeitasse completamente. Mas mesmo assim vou comentar porque o dia em que pararmos de denunciar estes lobos com pele de cordeiro é o dia que deixa de existir uma voz de dissidência na sociedade e isso é o pior que pode acontecer, é a estagnação e, eventualmente, a morte.

Dizem que os fanatismos se alimentam uns dos outros e parece ser esse o caso nesta declaração em que o papa utiliza o medo ao islão para promover os seus próprios fins: a ressurreição da moribunda fé católica europeia. Segundo este arauto da luz só regressando às suas origens de valores absolutos (católicos) é que a Europa poderá sobreviver à “invasão” arábica.

Eu gostaria que de uma vez por todas o Vaticano saísse das sombras e dissesse claramente o que pretende, quais são os tão desejáveis valores absolutos que anseia. Serão os mesmo que defenderam no passado? O abuso sistemático e contínuo das mais básicas liberdades humanas? O conluio que fizeram com o poder monárquico para manter as duas instituições (igualmente irracionais e ilógicas) de pé? O poder de julgar qualquer indivíduo? Poder secular directo e imediato por parte dos seus sacerdotes? A asfixia cultural/intelectual de um continente inteiro? A instauração de um clima de medo opressivo que virou vizinho contra vizinho, amigo contra amigo, pai contra filho? O regresso aos maravilhosos esforços de conversão nas ex-colónias (envolvendo a destruição selvática de muitas sociedades locais que até hoje não recuperaram dos demónios que os padres implantaram no seu seio – para não mencionar as que foram totalmente aniquiladas)?

O que hoje se identifica como valores na Europa (tolerância, individualidade, liberdade, etc) pouco ou nada estão relacionados com a prática ou pregações da Santa Madre Igreja ao longo dos séculos. De facto só foram possíveis destruindo o antigo regime que os precedeu. O que o Vaticano propõe como solução para os males do mundo pode ser resumida da seguinte forma: muitos islâmicos advogam o radicalismo e por isso a única maneira de sobreviver é a civilização Europeia regredir ao seu nível de barbárie. E a Igreja Católica oferece-se como guia altruísta para esse percurso.

Esta é a linguagem do medo e da confusão, é o apelo ao simplismo, à negação em enfrentar uma realidade complexa sem soluções fáceis e dogmáticas que evitem as desagradáveis tarefas de ter que pensar e inovar. Esta repetição até à exaustão de uma suposta decadência moral Europeia não visa mais que assustar (como em tempos fizeram com outros medos) os cidadãos com os medos que afectam a sociedade actual. A experiência é o melhor guia e o passado da instituição e dos ideias fala por si, não devemos nunca mais tornar-nos na civilização de ovelhas dirigida pelo tirano romano.

O presente de Roma está envenenado e apenas reflecte a sua incapacidade de lidar com o mundo nos seus moldes actuais, tanto que a única solução para eles reside num regresso ao passado, mas para sua infelicidade o tempo não volta atrás e se aprendemos alguma coisa nestes séculos foi a desconfiar de todos os que ambicionam o poder absoluto e que para o atingir tentam subornar os Europeus com promessas de potência e de regresso aos bons velhos tempos.

9 de Março, 2006 Carlos Esperança

Mensagem da Associação República e Laicidade


A «Lei da Liberdade Religiosa» (Lei nº 16/2001, de 22-06) diz — isto é: manda, determina, estabelece — que «o Estado não adopta qualquer religião (…)» e que «nos actos oficiais e no protocolo de Estado será respeitado o princípio da não confessionalidade» (pontos 1 e 2 do Artº 4.º – Princípio da não confessionalidade do Estado).

Na cerimónia de posse do novo Presidente da República, o ordenamento de precedência das entidades que participaram na apresentação de cumprimentos foi a seguinte:

– Primeiro-Ministro;
– Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e Presidente do Tribunal Constitucional;
– Chefes de Estado, primeiros-ministros e equiparados estrangeiros convidados;
Cardeal Patriarca de Lisboa;
– Vice-Presidentes da Assembleia da República e Presidentes dos Grupos Parlamentares;
– Deputados;- Titulares dos restantes Órgãos de Soberania;- Embaixadores;
– Altas Individualidades estrangeiras convidadas;
– Altas Autoridades portuguesas;
– Outros convidados…

A forma como, na associação República e Laicidade, olhamos para esta situação (bem como para as demais situações semelhantes a ela) é bastante fácil de se imaginar; muito mais difícil, contudo, será saber-se — e entender-se — o modo como os muitos «políticos» que participaram naquele evento encaram a presença «oficialmente destacada» que o cardeal patriarca católico aí teve…

Saudações republicanas e laicistasLuis Mateus
REPÚBLICA e LAICIDADE – associação cívica

Perguntas:

– Os vice-presidentes da AR passaram a bispos auxiliares e os deputados equiparados a cónegos?

A ética republicana foi exonerada da Assembleia da República?

9 de Março, 2006 Carlos Esperança

Jeová

Deus não é uma anedota, é uma piada de mau gosto. Pior, é um pretexto para a humanidade se digladiar enquanto, à sua custa, multidões de parasitas lhe interpretam a vontade e a impõem a ferro e fogo.

Sendo Deus criado pelo homens, nem sequer pelos melhores, não podia sair obra asseada. Foi, contudo, nas religiões monoteístas que Deus se tornou a síntese do pior que os homens sabem com o mais execrável que só deus pode.

É um Deus violento, vingativo, criador do Céu e do Inferno (o primeiro para quem os clérigos querem e o segundo para os outros).

Jeová, o Padre Eterno, ditou um livro em várias versões e fez de Moisés, Jesus e Maomé almocreves da sua vontade. Ditou-lhes cópias diferentes para confundir e pôr os crentes a afeiçoar a prosa e impô-la à bordoada.

Constantino, um biltre cruel, praticou uma política sistemática de erradicação da diferença cultural e encomendou a Eusébio de Cesareia que organizasse um conjunto minimamente coerente das 27 versões dos Evangelhos que hoje são vendidos (4) com o nome de Novo Testamento (primeira metade do séc. IV). Mesmo assim, só em 1546, no Concílio de Trento, foi aprovada a mentira definitiva.

Teodósio fez do cristianismo religião de Estado em 380 e, finalmente, Justiniano endureceu a legislação cristã contra a heterodoxia.

No islão houve um tal Marwan, governador de Medina, que, para garantir a autoridade do Corão, mandou recolher e, depois, queimar as versões existentes, guardando uma única para evitar confrontações históricas.

A Tora também levou séculos a tornar-se a versão definitiva.

Um dia o Humanismo despertou o Renascimento e desenterrou a cultura greco-romana esmagada pelo cristianismo. O movimento, que começou nas artes, alargou à ciência e à literatura e, em breve, influenciou o pensamento que rompeu com o obscurantismo clerical.

O iluminismo triunfou sobre o dogma e a Revolução Francesa empurrou as hóstias e o clero para a sacristia.

Foi assim que a laicidade fez caminho e, com ela, as democracias.

A Reforma fora um golpe no papado desacreditado e violento que usava o medo para impor a fé. Ainda recorreu à contra-reforma. Era tarde, a liberdade já estava em marcha.

As sotainas estão de volta. Atenção livres-pensadores.