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Mês: Janeiro 2006

9 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

Consagração clandestina

Na edição de quinta feira do periódico The Wall Street Journal podemos apreciar uma notícia algo insólita: uma consagração clandestina da sala de audiências onde começou hoje a ser ouvido Samuel Alito, o Opus Dei nomeado por Bush para o Supremo Tribunal.

Insistindo que Deus «necessita ser envolvido», certamente para diminuir as hipóteses de Alito ser «chumbado» pelos democratas, não obstante toda a pressão exercida pelos teocratas republicanos, que veêm na ascensão de Alito ao Supremo a crónica da morte anunciada da laicidade consagrada pelos Pais Fundadores e do «pecaminoso» aborto legal, três cristãos fundamentalistas abençoaram quinta-feira as portas da sala onde decorrem as audiências.

Quando os guardas os impediram de entrar na sala os devotos católicos informaram-nos que já tinham «consagrado» (clandestinamente, claro) a sala na véspera, num ritual completo com todos os hocus-pocus considerados necessários. Que incluiram rezas por todos os membros da comissão que vai ouvir Alito e a unção de cada um dos lugares da sala com óleo «sagrado».

A operação foi levada a cabo por três dos mais destacados fundamentalistas das chamadas guerras culturais (na realidade guerras religiosas) que assolam os Estados Unidos: Rob Schenck, presidente do National Clergy Council, Patrick Mahoney, director da Christian Defense Coalition e Grace Nwachukwuand, secretária-geral da Faith and Action . Os três devotos foram identificados como pertencendo a organizações diferentes mas na realidade são apenas três frentes (para parecerem muitos e angariarem mais dinheiro) do mesmo exército, que operaram conjuntamente em várias operações de guerrilha como sejam a «Operação Natividade», um ponto alto da inventada «Guerra ao Natal», passando pelos psicodramas montados em torno de Terri Schiavo, ou das várias contestações à presença dos Dez Mandamentos em salas de tribunais americanos, para além de, claro, terem sido igualmente vocais na defesa de Roberts, a mais recente adição ao Supremo.

9 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

Escândalo na Guarda

Há cerca de cinco anos houve na Guarda um pio escândalo, humano e divertido. Só surpreende que a comunicação social, tão ávida a espreitar pelo buraco da fechadura dos políticos, não se atrevesse a explorar um escândalo religioso.

Junto ao antigo Hospital Distrital e, até há pouco, local das Urgências, havia, e há, um lar de idosos. Ali esteva internada D. Márcia, depois de enviuvar, carregada de anos e de haveres, até Deus ser servido de a chamar à sua divina presença, como soe dizer-se.

No início dormia no excelente apartamento que comprara, ali próximo, e passava o dia no lar, onde comia, com pessoas da sua idade. Depois passou a pernoitar e ocupou um óptimo quarto que o os rendimentos lhe permitiam pagar.

D. Márcia não teve filhos. Era muito devota, temente a Deus, amiga da missa, confissão e eucaristia. Rezava o terço desde o tempo em que a irmã Lúcia o recomendou contra o comunismo a rogo da Virgem que poisava na azinheira.

No lar, além do tratamento esmerado, tinha a solicitude cristã de piedosas freiras que a assistiam nas rezas e nos caprichos – lindas moças cuja beleza o hábito encobria, mulheres espantosas a quem a fé não destruiu a natureza.

A solidariedade cristã levou D. Márcia a emprestar-lhes a chave do apartamento para pias reuniões que as esposas do Senhor certamente fariam ad majorem Dei gloriam.

Uma noite D. Márcia foi a casa e, estupefacta, escutou suspiros cuja origem a idade não lhe permitia recordar. Sentiu alegria no ar, risos, satisfação, quiçá, gemidos do êxtase.

Perante a dúvida, primeiro, e a indignação, depois, não era uma cerimónia litúrgica, o calvário recriado aos pulos ou o mês de Maria, com coreografia, o que D. Márcia viu. Eram as freiras e mancebos desnudos, numa cerimónia colectiva a evocar Adão e Eva no Paraíso e a folgarem.

D. Márcia achou perdido o mundo e exigiu a chave, o provedor da Misericórdia e a diocese transferiram as freiras para parte incerta, a cidade murmurou, exultaram os ímpios e cochichou-se pelos becos.

O escândalo foi abafado, certamente para evitar aos homens casados perturbações familiares e às freiras um despedimento sem justa causa.

8 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

Pseudofilosofia

A minha opinião pessoal é que a filosofia é o conjunto de considerações de índole especulativa que se fazem acerca de assuntos sobre os quais ainda não é possível ter um conhecimento exacto Bertrand Russel, A Minha Concepção do Mundo

Uma filosofia definitiva, feita e assente uma vez para todo o sempre, implicaria a imobilidade do pensamento humano: o absoluto anestesiá-lo-ia. Essa tal verdade, aspiração ingénua de espíritos incultos, pode animar os crentes e exaltar os entusiastas: no domínio do puro pensamento nunca produzirá senão ilusão e vertigem Antero de Quental, Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX.

Diz a tradição que foi Pitágoras quem usou pela primeira vez o termo filosofia, por volta do século V aC, ao responder a um dos seus discípulos que não era um «sábio», mas apenas alguém que amava a Sabedoria (philia, que significa amizade, amor e sophia, que significa sabedoria, conhecimento).

Mais de 2500 anos depois, este conceito, aparentemente tão simples de entender, não penetrou alguns dos crentes que comentam no Diário Ateísta que, à falta de argumentação, afirmam que a nossa ignorância de filosofia (?) e a falta de argumentário «filosófico» para justificar o nosso ateísmo implica que somos «dogmaticamente» ateus.

Historicamente é fácil de entender porque alguém em Portugal, um país que não é exactamente conhecido pelos seus filósofos, pode demonstrar este total desconhecimento do que é de facto a filosofia. Não só em Portugal durante muitos anos filosofia foi confundida com teologia (que exige por definição uma atitude anti-filosófica) como nas nossas Universidades predominam, para além de teólogos, historiadores da filosofia.

Assim, é perfeitamente possível ter conhecimentos de História da Filosofia, do pensamento dos filósofos, saber os eventos que marcaram a produção do pensamento humano, etc., sem nunca desenvolver uma postura de questionamento próprio sobre a realidade. Ou seja, há uma diferença abissal entre ter uma postura filosófica e deter conhecimentos de Filosofia. Por outro lado, todos os que, como Sócrates em Atenas, começam a fazer perguntas, a indagar sobre factos e pessoas, coisas e situações, a exigir explicações, a exigir liberdade de pensamento e de conhecimento, enfim que não aceitam as certezas e crenças estabelecidas e tentam interpretar ab initio a realidade que nos rodeia, são filósofos em potencial, ainda que não possuam instrução formal na área.

Uma educação formal em Filosofia é útil para evitar cair nos erros do passado ou tentar «reinventar» a roda mas não é necessária para uma atitude filosófica. Para tal é necessário desconfiar, como todos os filósofos de facto, de qualquer dogmatismo ou seja, não aceitar verdades dogmáticas. A atitude dogmática é assim não só a antítese da atitude filosófica, e daí a minha classificação como tal da teologia, mas é também conservadora e obscurantista. Conservadora porque precisa da segurança de «verdades absolutas» e teme as novidades, o inesperado, o desconhecido e tudo o que possa abalar essas «verdades absolutas». Conservadorismo que se transforma em preconceito e em obscurantismo quando se tenta impedir o contacto e a discussão de ideias que refutem essas «verdades absolutas».

E dogmatismo especialmente nefasto quando professado pelos que estão convictos que essas «verdades absolutas» emanam de uma fonte sagrada, de uma revelação divina incontestável e incontestada, de tal modo que situações que contestem tais crenças são afastadas como inaceitáveis e perigosas. Ao longo da História aqueles que ousaram enfrentar essas crenças e opiniões foram perseguidos como criminosos, blasfemos e heréticos. Hoje em dia, como ilustram as nossas caixas de comentários, a persistência na postura filosófica a que se chamou ateísmo é refutada pomposamente com recurso à pseudofilosofia por aqueles para quem uma verdade revelada por Deus é a única verdade e tudo quanto pensam os humanos, se for contrário à «verdade divina», é loucura, erro e falsidade!

Pseudofilosofia que consiste «em elucubrações que se apresentam como filosóficas mas que são ineptas, incompetentes, que carecem de seriedade intelectual e que reflectem um compromisso insuficiente com a procura da verdade».

Porque essencialmente a filosofia é a procura da verdade, tema a que dedicarei outro post, quem se considera detentor de «verdades absolutas» reveladas não pode, por conseguinte, ter uma atitude filosófica!

8 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

Crise religiosa na Nigéria

Em Outubro de 2001, o estado de Kano no norte da Nigéria foi palco de violentas confrontações entre muçulmanos e católicos que causaram muitas dezenas de mortes e milhares de refugiados.

Kano é um dos estados da Nigéria que adoptou a Sharia em 2000 e onde se verifica um programa agressivo para forçar a lei islâmica em todos os habitantes. O problema é que neste estado onde domina o islamismo a maioria da população é Sufi Qadiriyyai mas os wahhabitas financiados pela Arábia Saudita detêm uma influência considerável (e desproporcional) no governo. Muitos membros da comunidade Qadiriyya opõem-se à interpretação estrita da lei islâmica do conselho da sharia (wahhabita) de Kano e à sua interferência na nomeação de imams, acusando ainda as supostas «caridades» wahhabitas de fomentarem a violência.

Aparentemente até vigorar a sharia a esmagadora maioria dos devotos muçulmanos de Kano, sufis e shiitas, não se tinham apercebido que a teocracia é uma arma de dois gumes, ou seja, pode ser inestimável aos fanáticos religiosos para impor as suas aberrantes «verdades absolutas» mas também torna a religião (e os seus lideres) subordinados ao estado.

Assim, em Março de 2004, milhares de fiéis Qadiriyya demonstraram-se na capital do estado exigindo, entre outras pontos, o encerramento das caridades wahhabitas e o fim do controle governamental sobre as suas mesquitas. As exigências dos manifestantes não foram atendidas e os sufis «declararam guerra» ao governo estadual e prometeram continuar os protestos.

A resposta do governo foi recrutar 9 000 muçulmanos wahhabitas, conhecidos como Hisba, pagos com dinheiros públicos, que zelam pela escrupulosa aplicação da sharia (wahhabita). Estes militantes fundamentalistas (na real acepção do termo) têm aterrorizado (relatório disponível em pdf) toda a população nos últimos anos, especialmente, para além das vítimas do costume, as mulheres, as minorias católica e shiita.

Este cenário de violência e perseguição dos que não seguem a «verdadeira fé» e de imposição das «verdades absolutas» reveladas dessa «verdadeira fé» repete-se nos 12 estados do Norte da Nigéria que adoptaram a sharia que, de acordo com a Constituição da Nigéria, deveria ser apenas aplicada na resolução de disputas familiares.

Várias organizações, católicas inclusive, pediram ao presidente Olusegun Obasanjo para por termo a esta aplicação abusiva da sharia. Recordando a resposta de Obasanjo em 2002 em relação ao caso que chocou o mundo inteiro, a sentença de morte por apedrejamento de Amina Lawal, diria que é pouco provável que tal aconteça. E que é mais provável que continuemos a ver uma escalada de violência neste país flagelado há décadas por sangrentas disputas políticas e religiosas e a instalação progressiva pela minoria wahhabita (mas politicamente influente e suportada pelos petrodolares sauditas) de regimes em tudo similares ao dos talibans no Afeganistão!

Enfim, há sempre esperança de que a única saída pacífica para esta situação (excepto para fundamentalistas de todas as confissões, claro, que a consideram o grande inimigo da liberdade), a laicidade preconizada por humanistas como Enyeribe Onuoha consiga prevalecer e evitar a guerra civil que se desenha na Nigéria…

8 de Janeiro, 2006 Ricardo Alves

Laicidade, igualdade e privacidade

A iniciativa da Associação República e Laicidade (ARL) de denunciar situações de realização de rituais religiosos e de permanência de símbolos religiosos em escolas públicas gerou uma polémica esclarecedora.

Significativamente, nem os mais veementes na defesa da perpetuação dessas situações ousam negar que elas são inconstitucionais e ilegais. De facto, constitucionalmente as igrejas estão separadas do Estado e o ensino público não é confessional, todos os cidadãos são iguais perante a lei independentemente das suas convicções religiosas, e segundo a Lei da Liberdade Religiosa o Estado não adopta qualquer religião e ninguém pode ser obrigado a praticar ou a assistir a actos de culto, ou a receber propaganda em matéria religiosa. O entendimento de que a permanência de crucifixos em salas de aula de escolas públicas é inconciliável com os preceitos constitucionais foi aliás reiterado em 1999 pelo Provedor de Justiça, num parecer em que afirmou que «[se trata] de uma situação desconforme com o princípio da separação das confissões religiosas do Estado». Parecendo a situação jurídica consensual, existe porém quem defenda a desobediência à lei.

A resistência ao cumprimento da Constituição da República evidencia que a pedagogia da laicidade do Estado não tem sido adequadamente realizada. Deveria ser óbvio que a laicização do Estado não privará a Igreja Católica, ou qualquer outra comunidade religiosa, de uma única das liberdades que lhes são indispensáveis ao exercício do culto. No entanto, a acreditar em alguns dos opositores à laicização, estas medidas seriam inseparáveis de puros desvarios que se lhes seguiriam inexoravelmente, como a interdição da posse de crucifixos, a implosão de todas as igrejas em território nacional ou a proibição de todo e qualquer culto religioso! Quem tal afirma entende a laicidade – erradamente – como um totalitarismo simétrico do totalitarismo católico e inquisitorial, quando pelo contrário, ao impor limites ao poder do Estado sobre os cidadãos, é a defesa do indivíduo contra todos os totalitarismos religiosos e ideológicos que se assegura. A laicidade implica exactamente que o Estado não professa uma religião nem patrocina qualquer coacção religiosa sobre os cidadãos, ficando assim os cidadãos efectivamente livres de professar uma religião ou nenhuma no domínio privado e associativo, ou mesmo em público desde que no respeito pela possibilidade de outros também o fazerem.

Recorda-se a quem argumenta com a tradição que deve fazê-lo ciente de que esta foi inventada pelo salazarismo em 1936, quando se legislou que «em todas as escolas públicas (…) existirá, por detrás e acima da cadeira do professor, um crucifixo, como símbolo da educação cristã determinada pela Constituição». E aos que defendem que as maiorias sociológicas podem suspender a aplicação de direitos individuais que, como a liberdade de consciência, estão assegurados constitucionalmente, assinalamos que tomamos esta iniciativa justamente por recebermos numerosas queixas de encarregados de educação e professores que nem sempre desejam revelar, perante as comunidades em que estão inseridos, as suas convicções em matéria religiosa. Permitir que cada comunidade decidisse quais as leis e preceitos constitucionais a aplicar localmente seria demitir o Estado do seu papel de garante dos direitos individuais contra as coacções das maiorias locais, e nomeadamente do direito à privacidade das opções em matéria religiosa.

Finalmente, a posição assumida pelo Ministério da Educação – ao fazer depender a retirada dos crucifixos ou a cessação de rituais religiosos de queixas recebidas – é manifestamente insuficiente. Novamente porque a aplicação de preceitos constitucionais de aplicação geral não pode depender de pedidos pontuais nem da desistência, pelos cidadãos, do direito à privacidade das suas convicções.

Só se o Estado for realmente laico a sociedade poderá ser livre e plural. Só a laicidade garante a liberdade de consciência de todos, os que têm uma qualquer religião e os que não têm nenhuma.

Ricardo Alves (Secretário da Direcção da Associação República e Laicidade)

Nota: texto publicado como carta de leitor no jornal «Público» de 7/1/2006.

7 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

Cruzada anti-Bachelet no Chile

No próximo dia 15 os chilenos vão a votos para escolher quem querem na presidência do seu país, a ateísta Michelle Bachelet, ou o mui católico Sebastian Pinera Echenique, que elegeu a religião, ou antes o ataque ao ateísmo de Bachelet, como tema de campanha.

Numa tentativa de ganhar votos neste país em que a Igreja Católica tem um poder não despiciendo, Pinera, um dos mais abastados homens de negócios do país, escolheu como principal assessor um teólogo católico, Fernando Moreno Valencia.

De facto entre os partidos que integram a coligação que apoia a socialista Bachelet encontra-se o Partido Democrata Cristão mas Pinera tem o apoio de muitos políticos deste partido porque, como afirma Pinera, «Apoiantes e simpatizantes da democracia cristã estão crescentemente a apoiar-me por uma razão muito simples: eles sentem que nós interpretamos muito melhor os seus valores humanistas cristãos» que uma médica divorciada e ateísta, vítima de tortura, tal como os pais, sob o regime do católico exemplar Augusto Pinochet.

Moreno, que se auto define como um filósofo do humanismo cristão, questiona a moralidade do voto numa «candidata ateísta», comparando o cenário actual de apoio popular a Bachelet ao que se passou na Alemanha de Hitler, afirmando que este ganhou as eleições legislativas de 1933 (faltou dizer com o apoio da Igreja Católica alemã) devido a um «acto de estupidez suprema» que pode ser emulado no Chile, nas palavras do douto e piedoso teólogo, se Bachelet for eleita.

Moreno, como seria expectável, é também um ardoroso defensor de Pinochet que afirma ser uma vítima da vingança da esquerda. Assim sendo, e como todos os bons católicos muito preocupado com os rituais da morte, deve achar inadmíssiveis as declarações de Bachelet em relação à possível morte de Pinochet durante o seu mandato, no caso de ser eleita, uma vez que este, ao abrigo do protocolo chileno, tem direito a um funeral de estado:

«Diria que como Presidente, claro, respeitarei todas as leis e decretos, mas francamente diria que seria muito violento para a consciência chilena realizar um funeral de estado a alguém que está envolvido não só em processos de violação dos direitos humanos mas também num escândalo como o Riggs Bank.»

Outros ataques religiosos a Bachelet foram feitos pelo igualmente mui cristão presidente da câmara de um subúrbio de Santiago, Antonio Garrido Mardones, que chamou a Bachelet (e ao actual presidente Lagos) «filhos do Diabo» e afirmou publicamente «Temos de apelar a todos os cristãos e a todos os que acreditam em Deus para não votarem em Bachelet porque Bachelet está do lado do Diabo e não de Deus».

Também a Acção Família, uma organização católica, que antes da primeira volta das eleições tinha denunciado a afinidade de Bachelet com o infame, anti-católico e ditatorial(!?) Zapatero, pediu aos bispos chilenos que se pronunciem e orientem o voto católico, porque consideram que a ateia candidata Bachelet incluiu no seu programa «pontos totalmente inaceitáveis para a consciência cristã» de acordo com «os reiterados ensinamentos dos Papas».

Nomeadamente, blasfémia das blasfémias, pretende assinar um protocolo de 1979 da ONU que defende os (anti-católicos) direitos das mulheres e visa lutar contra a discriminação da mulher, quiçá abrindo portas para que o abominado e também anti-católico aborto terapêutico volte a ser legalizado e salve algumas mulheres (e crianças) de uma morte divinamente predestinada. Para além disso Bachelet pretende oferecer «estabilidade legal» às uniões de facto «independentemente da sua composição», um duplo pecado mortal já que implicitamente admite vir a reconhecer uniões homossexuais.

Nas eleições de 11 de Dezembro Bachelet teve 46% dos votos e Pinera 25.4%. Joaquin Lavin Infante, um membro da Opus Dei que obteve 23.2% dos votos, já declarou o seu apoio a Pinera. Vamos esperar mais uma semana para confirmar se a mui cristã cruzada contra Bachelet surtiu efeito.

7 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

O Senhor dos dislates


Pat Robertson, o mais famoso teocrata norte-americano, conhecido devido à sua fervorosa fé cristã e às pérolas redondas de raciocínio que debita profusamente, continua a não deixar os seus créditos por mãos alheias.

Desta vez o alvo dos raciocínios que ilustram perfeitamente a mais pura lógica da batata teologia cristã foi Ariel Sharon, com quem o tele-evangelista rezou há cerca de um ano e que descreve como «um homem de muito bom coração e um bom amigo» mas que incorreu nas más-graças divinas, por «ter dividido a terra do Senhor». E o «Altissimo» vingou-se da desobediência às «claras instruções» encontradas no almanaque da «verdade absoluta» na forma de um AVC gravissimo…

Assim, no seu programa «The 700 Club» da CBN (Christian Broadcast Network), Robertson cita o profeta Joel que segundo ele «deixa muito claro que Deus toma como inimigos aqueles que ‘dividem a minha Terra’». Discutindo o que considera ser a insistência divina num Israel uno, Robertson referiu ainda o assassinato em 1995 de Yitzhak Rabin que pretendia igualmente devolver territórios palestinos ocupados.

Como já é normal, as críticas às barbaridades debitadas por Robertson foram imediatas. Críticas, também como é habitual, não aceites pelo piedoso cristão e a que o seu porta-voz, Angell Watts, respondeu afirmando «Basicamente o que eles dizem é ‘Como é que Robertson se atreve a citar a Bíblia?’. Isto é o que a palavra do Senhor diz. Não é nada de novo para a comunidade cristã».

E de facto, Watts tem razão! Desde a sua invenção que a «palavra do Senhor» tem sido usada para justificar as maiores atrocidades de que a Humanidade foi testemunha!

7 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

Igrejas e pios vigilantes

Os tentáculos das Igrejas são longos e perigosos, mas é no ódio à liberdade que mais se fazem sentir. Quem viveu a ditadura autóctone, sabe como a ICAR foi aliada da violência, despotismo e poder discricionário do fascismo beato de Salazar.

A ICAR não é a pior das religiões, é apenas demasiado má. Os evangelistas dos EUA, os islamitas, os judeus das trancinhas, os calvinistas e outros fanáticos pedem meças na intolerância, ódio e aversão ao livre-pensamento.

As religiões têm imensos jagunços que se disfarçam de agnósticos, vestem a pele de ateus, fingem ser tolerantes, desconhecer o cheiro do incenso, o sacrifício da missa, o embrutecimento da oração enquanto escondem os calos das genuflexões.

Uns discordam da forma, outros da substância do que os ateus dizem ou fazem mas, no fundo, é brotoeja que sentem sempre que o charlatanismo da sua fé é posto a nu.

Denuncio a ICAR pelos privilégios de que goza: avião do Estado para o Policarpo ir ao funeral do director-geral; verbas para excursões a Fátima; soldo a capelães militares e hospitalares; vencimento aos professores de religião, em escolas do Estado, nomeados pelos bispos.

Mas a gula dos padres parece, aos crentes, direito divino. Sempre que se contesta vêm beatas histéricas com maldições, tartufos sedentos de azorragar ímpios, inanes em êxtase da última homilia, intelectuais arrimados às pias sinecuras e bandos de prosélitos vestidos de anjos vários como nas procissões do Senhor dos Passos.

6 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

A melhor comédia de sempre

E esta não é apenas a minha opinião: A vida de Brian dos Monty Python foi nomeada a melhor comédia de todos os tempos numa sondagem conduzida pelo Channel4 da BBC. Outra sátira do magistral grupo britânico, Monty Python e o Santo Graal, ficou em sexto lugar no voto popular.

Quase 27 anos após o lançamento da mais conseguida sátira religiosa que já assisti, uma crítica certeira à superficialidade do fanatismo cego e acéfalo, podemos ver que as religiões organizadas, o alvo da sátira, continuam a não digerir o sucesso por esta alcançado. Após muitas acusações de blasfémia por parte das Igrejas cristãs, a exibição pública do filme foi proibida em muitos países, aliás esteve proibida até há pouco tempo em algumas zonas de Inglaterra, o que contribuiu para a sua entronização como filme de culto.

6 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

Deus & o Diabo, S.A.R.L.

Há para aí quem acredite no Deus que ditou a um pastor de camelos, analfabeto e tribal, um livro tão detalhado que, da gastronomia ao sexo, da discriminação das mulheres à interdição do álcool, do número de orações diárias às relações sexuais, tudo seria feito segundo a sua vontade.

Esse Deus, tão rude e violento como o destinatário, afiançou-lhe que a sua tribo era a predilecta, que as outras eram infiéis e deviam ser assassinadas pela seguinte ordem: primeiro os judeus e, depois, os cristãos e, posteriormente, todos os que não prestassem vassalagem ao profeta.

Antes desse esquizofrénico plagiador já o Deus do Cristianismo tinha visitado a zona geográfica, feito milagres, pregações e ressuscitado mortos para que todos fizessem o que queria o Deus mais velho, a quem chamava pai, enquanto um pobre carpinteiro era ultrajado por uma pomba e um anjo fez de alcoviteiro.

Também este plagiara um tal Jeová, o primeiro a ditar um livro, como se Deus fosse dado à literatura, que jurou amor a doze tribos de Israel e fez uma escritura de doação de terras que ainda mata que se farta entre fiéis dos diversos avatares do deus abraânico.

Claro que para as religiões monoteístas é extremamente difícil explicar com o seu mito bom, generoso, omnipotente, omnisciente e omnipresente, as guerras, as tragédias e crueldades que ensanguentam o mundo.

Assim, os crentes começaram a desconfiar de Deus e a acreditar no Diabo.