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Pseudofilosofia

A minha opinião pessoal é que a filosofia é o conjunto de considerações de índole especulativa que se fazem acerca de assuntos sobre os quais ainda não é possível ter um conhecimento exacto Bertrand Russel, A Minha Concepção do Mundo

Uma filosofia definitiva, feita e assente uma vez para todo o sempre, implicaria a imobilidade do pensamento humano: o absoluto anestesiá-lo-ia. Essa tal verdade, aspiração ingénua de espíritos incultos, pode animar os crentes e exaltar os entusiastas: no domínio do puro pensamento nunca produzirá senão ilusão e vertigem Antero de Quental, Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX.

Diz a tradição que foi Pitágoras quem usou pela primeira vez o termo filosofia, por volta do século V aC, ao responder a um dos seus discípulos que não era um «sábio», mas apenas alguém que amava a Sabedoria (philia, que significa amizade, amor e sophia, que significa sabedoria, conhecimento).

Mais de 2500 anos depois, este conceito, aparentemente tão simples de entender, não penetrou alguns dos crentes que comentam no Diário Ateísta que, à falta de argumentação, afirmam que a nossa ignorância de filosofia (?) e a falta de argumentário «filosófico» para justificar o nosso ateísmo implica que somos «dogmaticamente» ateus.

Historicamente é fácil de entender porque alguém em Portugal, um país que não é exactamente conhecido pelos seus filósofos, pode demonstrar este total desconhecimento do que é de facto a filosofia. Não só em Portugal durante muitos anos filosofia foi confundida com teologia (que exige por definição uma atitude anti-filosófica) como nas nossas Universidades predominam, para além de teólogos, historiadores da filosofia.

Assim, é perfeitamente possível ter conhecimentos de História da Filosofia, do pensamento dos filósofos, saber os eventos que marcaram a produção do pensamento humano, etc., sem nunca desenvolver uma postura de questionamento próprio sobre a realidade. Ou seja, há uma diferença abissal entre ter uma postura filosófica e deter conhecimentos de Filosofia. Por outro lado, todos os que, como Sócrates em Atenas, começam a fazer perguntas, a indagar sobre factos e pessoas, coisas e situações, a exigir explicações, a exigir liberdade de pensamento e de conhecimento, enfim que não aceitam as certezas e crenças estabelecidas e tentam interpretar ab initio a realidade que nos rodeia, são filósofos em potencial, ainda que não possuam instrução formal na área.

Uma educação formal em Filosofia é útil para evitar cair nos erros do passado ou tentar «reinventar» a roda mas não é necessária para uma atitude filosófica. Para tal é necessário desconfiar, como todos os filósofos de facto, de qualquer dogmatismo ou seja, não aceitar verdades dogmáticas. A atitude dogmática é assim não só a antítese da atitude filosófica, e daí a minha classificação como tal da teologia, mas é também conservadora e obscurantista. Conservadora porque precisa da segurança de «verdades absolutas» e teme as novidades, o inesperado, o desconhecido e tudo o que possa abalar essas «verdades absolutas». Conservadorismo que se transforma em preconceito e em obscurantismo quando se tenta impedir o contacto e a discussão de ideias que refutem essas «verdades absolutas».

E dogmatismo especialmente nefasto quando professado pelos que estão convictos que essas «verdades absolutas» emanam de uma fonte sagrada, de uma revelação divina incontestável e incontestada, de tal modo que situações que contestem tais crenças são afastadas como inaceitáveis e perigosas. Ao longo da História aqueles que ousaram enfrentar essas crenças e opiniões foram perseguidos como criminosos, blasfemos e heréticos. Hoje em dia, como ilustram as nossas caixas de comentários, a persistência na postura filosófica a que se chamou ateísmo é refutada pomposamente com recurso à pseudofilosofia por aqueles para quem uma verdade revelada por Deus é a única verdade e tudo quanto pensam os humanos, se for contrário à «verdade divina», é loucura, erro e falsidade!

Pseudofilosofia que consiste «em elucubrações que se apresentam como filosóficas mas que são ineptas, incompetentes, que carecem de seriedade intelectual e que reflectem um compromisso insuficiente com a procura da verdade».

Porque essencialmente a filosofia é a procura da verdade, tema a que dedicarei outro post, quem se considera detentor de «verdades absolutas» reveladas não pode, por conseguinte, ter uma atitude filosófica!